A modalidade de rodeio denominada
prova do laço de bezerro tem sido questionada por causa da ocorrência
de lesões nas vértebras cervicais ocasionadas pela tração da corda no
pescoço dos bezerros. Neste trabalho, avaliaram-se quinze bezerros
mestiços, machos ou fêmeas, entre cinco e seis meses de idade
submetidos experimentalmente à prova do laço. Os animais foram laçados
três vezes por semana, em dias alternados, durante cinco semanas,
somando o total geral de 225 laçadas. Avaliaram-se os bezerros mediante
exame clínico geral e neurológico ao início da primeira, durante a
terceira e ao término da quinta semana experimental. Radiografias
simples e contrastadas das vértebras cervicais foram efetuadas ao
início da primeira e ao término da quinta semana de experimento.
Acompanharam-se os métodos de laçadas por médico veterinário, sendo
classificados qualitativamente em fortes ou fracos. Não se encontraram
alterações clínicas e radiográficas nos animais durante o experimento.
O rigor da laçada foi considerado forte em 77% dos casos. Nas condições
deste trabalho, a prova do laço não causou lesão na região cervical,
embora tenha sido considerado um procedimento agressivo e rude com o
bezerro.
PALAVRAS-CHAVES: Bezerro, mielografia, neurologia clínica, traumatismo.
CLINICAL AND RADIOGRAPHIC ASPECTS OF CERVICAL COLUMN IN CALVES SUBMITTED TO CALF ROPING
The modality of roundup calf roping
has been questioned on the occurrence of possible injuries to the
cervical vertebrae caused by the rope tension in the calf’s neck. In
this work, 15 calves, male or female, ages varying from five to six
months experimentally submitted to calf roping were evaluated. The
procedure was carried out three times per week, in alternated days,
during five weeks, adding the total of 225 lassoes. The calves had been
evaluated by means of general and neurological clinical examination at
the beginning of the first week, during the third one and at the end of
the fifth experimental week. Simple and contrasted x-rays of the
cervical vertebrae had been made at the beginning of the first one and
at the end of the fifth week of experiment. The lassoes methods had
been observed and classified qualitatively in weak or strong. Clinical
and radiographic alterations in the animals during the experiment had
not been found. The severity of the lassoes was considered strong in
77% of the cases. The fact that clinical and radiographic abnormalities
have not been found indicates that the occurrence of cervical injuries
in calves submitted to calf roping is not as high as divulged, however,
it was considered an aggressive and rude procedure.
KEY WORDS: Calves, myelography, clinical neurology, trauma.
INTRODUÇÃO
A modalidade de rodeio denominada prova do laço de bezerro tem sido
criticada por causa das condições de conforto ambiental e psíquico
oferecidas ao bezerro, assim como pelas possíveis lesões provocadas
pela tração da corda sobre o pescoço dos animais.
O exame físico pode levantar suspeitas a respeito da localização da
fratura com base na observação e na palpação do desvio dorsoventral ou
lateral dos processos vertebrais dorsais espinhais (REBHUN, 2000). Os
sinais de fratura vertebral com compressão medular são agudos e
geralmente não progressivos, com exceção das fraturas não deslocadas
que, subsequentemente, se deslocam comprimindo a medula espinhal
(REBHUN, 2000; MARQUES
et al., 2004).
Lesões medulares severas na região cervical (C1-C5) estão associadas ao
comprometimento da movimentação dos membros torácicos e pélvicos, sendo
os sinais clínicos caracterizados por tetraplegia espástica e ataxia.
As compressões medulares nesse local provocam sinais mais intensos em
membros pélvicos, em virtude do posicionamento mais superficial de seus
tratos motores quando comparados aos membros torácicos (STÕBER, 1987;
MILLS
et al., 1988; BRAUND
et al., 1990; BORGES
et al., 1997; BORGES
et al., 2000). As compressões leves podem acometer apenas os membros pélvicos (STÕBER, 1987; MILLS
et al., 1988; BRAUND
et al., 1990; BORGES
et al., 1997; BORGES
et al.,
2000). A perda total da sensação dolorosa dificilmente é encontrada,
pois um trauma de grande magnitude na região de C1 a C5 leva à falência
respiratória com consequente óbito do animal (STÕBER, 1987; BRAUND
et al.,
1990; LE COUTEUR & CHILD, 1995). Em caso de compressões severas, se
pode ter ainda o acometimento e disfunção da bexiga (MILLS
et al., 1988).
Determinadas lesões na região cranial da medula espinhal torácica podem
provocar a síndrome de Horner (ptose da pálpebra superior, miose e
protusão da terceira pálpebra acompanhada geralmente por sudorese
unilateral da região facial). Esses sinais ocorrem em razão da lesão
dos nervos simpáticos no tronco vagossimpático localizados
anatomicamente na medula espinhal torácica cranial até próximo à órbita
(BORGES
et al., 2000; BORGES, 2004).
As fraturas cervicais podem envolver qualquer parte da vértebra, porém
o corpo vertebral, processo transverso e espinhoso são os locais mais
comumente afetados. O diagnóstico radiográfico dever ser feito com base
na observação do alinhamento da coluna cervical, tamanho, forma e
radiopacidade vertebral (DOUGLAS & WILLIAM, 1970; MORGAN, 1972;
WALKER, 1998).
A delimitação da medula espinhal com auxílio de meios de contraste
positivo (mielografia) no bezerro é tecnicamente viável, porém só é
praticada em casos especiais, em virtude do alto custo do material e
conhecimento técnico que reserva (STÕBER, 1987).
Em que pese o fato de haver inúmeras informações não científicas
sugerindo a ocorrência de lesões no pescoço de bezerros utilizados em
prova de laço, não há, até o presente momento, informações científicas
seguras que comprovem este fato. Diante dessas circunstâncias, o
objetivo deste trabalho foi avaliar possível lesão traumática cervical
decorrente da prática da prova do laço de bezerro, mediante a
realização de exame clínico geral e específico da região cervical, além
de utilização de técnicas radiográficas simples e contrastadas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados quinze bezerros mestiços, machos ou fêmeas, entre
cinco e seis meses de idade, pesando entre 90 a 120 kg, provenientes de
quatro criatórios na região de Jaboticabal, SP.
Durante o período do experimento, permaneceram alojados em centro de
treinamento hípico particular, onde foram desverminados (Ivermectina –
0,2mg/ Kg), vacinados para
Clostridium perfringens B/C/D,
Clostridium septicum, Clostridium nouyi B, Clostidium sordellii e
Clostridium chavoei (Sintoxan polivalente), marcados e numerados a ferro incandescente.
Os animais foram submetidos à prova experimental do laço, realizada de
maneira semelhante à prova oficial dessa modalidade de rodeio, três
vezes por semana, em dias alternados, durante cinco semanas
consecutivas.
Avaliaram-se os bezerros por meio de exame clínico geral e neurológico
ao início da primeira, durante a terceira e ao término da quinta semana
experimental. O exame clínico geral foi realizado pela avaliação do
peso corpóreo em quilogramas, altura de cernelha em centímetros e do
escore corporal (RADOSTITS, 2000). Efetuaram-se aferição dos parâmetros
vitais (frequência cardíaca, respiratória e temperatura retal),
inspeção da cútis, linfonodos, mucosas, veia jugular e exame do sistema
músculo esquelético. O exame neurológico incluiu avaliações do
comportamento e postura corporal, avaliação da marcha e sinais de
nervos cranianos.
Procedeu-se às projeções radiográficas com os animais contidos em
decúbito lateral esquerdo sobre um colchão. Padronizaram-se 56kVp ou
58kVp, 20mA e 0,06seg para as radiografias simples e 58kVp, 20mA e
0,06seg para radiografias contrastadas com distância de 76,2
centímetros do chassi.
Submeteram-se aleatoriamente cinco animais do grupo experimental para
ser realizada mielografia antes do início e ao término do período
experimental. Os animais foram previamente sedados utilizando xilazina
2%, na dose 0,05mg/kg por via intramuscular e após dez minutos
administraram-se 2mg/kg de cetamina 5% por via intravenosa. Após
tricotomia e antissepsia da região da articulação atlanto occipital, a
cisterna magna foi puncionada com agulha estéril 40x12 até atingir o
espaço subaracnoide. Colheram-se e desprezaram-se aproximadamente 10mL
de líquido cefalorraquidiano. O agente iodado não iônico, iopamidol
(Iopamiron® 370- Berlimed), na dose 0,25mL/kg, foi injetado lentamente
no espaço epidural e a seguir realizadas as projeções radiográficas
previamente descritas.
Procedeu-se às provas experimentais de forma semelhante à prova
oficial, seguindo as regras da Confederação Nacional de Rodeio (CNAR,
2006) pelo mesmo cavaleiro profissional da modalidade. Os métodos de
laçadas foram acompanhados e classificados qualitativamente em fortes
ou fracos
Para amostra pareada na escala nominal, escore corporal, empregou-se o
teste de McNemar. Para amostras pareadas na escala quantitativa, peso e
altura de cernelha, foi usado o teste T pareado. Para análise das
amostras frequência cardíaca, frequência respiratória, frequência
rumenal e temperatura em graus Celsius (FC, FR, FRUM e T°C
respectivamente), utilizou-se análise de variância de medidas repetidas
e, nos casos em que houve diferença significativa, efetuou-se o teste
de Tukey a 5% (ZAR, 1999).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de peso e altura de cernelha variaram significativamente
entre o início da primeira semana (T1) e o término da quinta semana de
experimento (T3) (
Tabela 1).
Os únicos critérios adotados na escolha dos animais referem-se ao fato
de serem mestiços e pesarem, no início do experimento, entre 90 e 120
kg, respeitando as regras oficiais da modalidade, as quais determinam
que animais com peso corpóreo acima de 140kg não devem ser utilizados.
Esse aspecto, de relativa importância durante o treinamento, limita a
utilização dos animais a um período de aproximadamente dois ou três
meses, além do qual estes estão muito leves ou muito pesados para a
prática da modalidade.
O escore corporal se manteve entre bom e moderado na escala de
RADOSTITS (2000), e não houve alteração significativa entre o início da
primeira semana e o término da quinta semana de experimento, de acordo
com o Teste de McNemar (p = 0,3173).
Neste experimento, a avaliação da auscultação de cavidades torácica e
abdominal não revelou anormalidade, tanto na qualidade quanto na
frequência de sons produzidos, durante o período experimental. Ao exame
da cútis, dos linfonodos, das mucosas e da veia jugular, não se
encontraram alterações nos parâmetros avaliados. O TPC avaliado nas
mucosas orais não pigmentadas foi dois segundos durante todo o período
experimental.
A análise neuromotora não revelou alteração nos parâmetros estudados
durante o período experimental. Não se registraram quaisquer
anormalidades nos movimentos de levantar-se e caminhar. Os músculos e
os processos espinhosos cervicais não apresentaram, durante inspeção e
palpação, aumentos de volume ou sensibilidade dolorosa local. Após o
procedimento da laçada, os animais permaneceram em piquete para
pastoreio e todos os animais foram capazes de flexionar o pescoço,
apreender e deglutir alimentos. MARQUES
et al.
(2004) relataram evidências de dor cervical caracterizada por rigidez
do pescoço e orelhas, dificuldade de movimentação da cabeça a despeito
da manutenção do apetite em caso de compressão medular cervical em
bezerro.
No presente estudo, não houve qualquer evidência de anormalidade da
marcha caracterizando quadro de ataxia, hipertermia, espasticidade ou
paresia, o que levou a descartar a ocorrência de lesões da medula
espinhal, durante o período de observação.
WATSON
et al. (1985) e DOIGE
et al.
(1990) relataram caso de compressão medular cervical de origem
congênita em bezerro associada à incapacidade de se manter em posição
quadrupedal, embora continuassem alertas e responsivos ao meio
ambiente.
WHITE
et al. (1978) referiram
a ocorrência de subluxação atlanto axial e compressão medular em cinco
bezerros jovens com sinais clínicos caracterizados por tetraparesia,
ataxia, estado mental alerta e responsivos ao meio externo.
Sinais progressivos de dificuldade em manter a posição quadrupedal e
ocorrência de ataxia, paresia e posteriormente tetraparesia foram
associados à presença de abscesso na região cervical comprimindo a
medula espinhal (SHERMAN & AMES, 1986). Este relato se diferenciou
dos mencionados anteriormente, uma vez que há evolução progressiva dos
sinais clínicos, ao passo que nos casos de mal formação ou lesão
traumática o quadro é agudo e estável.
Neste experimento não ocorreu qualquer alteração dos pares de nervos cranianos estudados. Já BRAUN
et al.
(2003), em relato de compressão medular cervical, descreveram reflexo
de ameaça diminuído ou ausente e ptose palpebral em bovinos adultos.
Tais resultados podem ser justificados pelo fato de este experimento
ter sido realizado sob condições especiais, embora não controladas. O
laçador responsável pela execução dos procedimentos é um cavaleiro
experiente, envolvido profissionalmente com a prova do laço de bezerro
há sete anos. Essa experiência lhe possibilita, em alguns casos,
suavizar manualmente o impacto da laçada, uma vez que este gesto
diminui, em tese, a ocorrência de derrube do bezerro em decúbito
lateral ou ventral. Sob o ponto de vista das regras da modalidade, o
fato de o bezerro não ser derrubado é vantajoso, uma vez que encurta o
tempo de duração da prova. No entanto, existem outros fatores como
aceleração e ângulo de incidência que interagem na produção das forças
exercidas sobre o pescoço, os quais são totalmente incontroláveis.
A análise radiográfica da região cervical em projeção lateral deste
experimento revelou, ao início da primeira semana e ao término da
quinta semana experimental, desalinhamento entre as vértebras C3 e C4
em todos os animais. Em seis animais, o desalinhamento ocorreu também
entre as vértebras C2 e C3 e em cinco animais entre C4 e C5. O exame
radiográfico contrastado demonstrou que esses desalinhamentos
vertebrais não produziram compressão em medula (
Figura 1).
Tal fato pode estar relacionado à largura do canal vertebral do bovino,
aparentemente maior que a apresentada por outras espécies de mamíferos
domésticos. Segundo DYCE
et al. (1990), os ruminantes apresentam um canal medular relativamente largo na altura do atlas.
Nos casos em estudo, atribuiu-se o desalinhamento entre as vértebras
cervicais como sendo uma característica anatômica de bezerro, uma vez
que os sinais clínicos observados nos exames realizados nos indivíduos
antes do início do experimento (controle) não diferiram daqueles
registrados ao término do período experimental.
Somando o total de 225 laçadas, 17,77% foram classificadas como
sem aproveitamento técnico (SAT), ou seja, o cavaleiro não conseguiu
completar a prova por erro da laçada. Considerando apenas as laçadas
efetuadas com êxito, 77% foram consideradas como uma forte tração no
pescoço dos animais e 34% levaram o animal ao solo, por causa da força
exercida pela corda.
Diante dessas considerações, não se descarta a possibilidade de
ocorrência de lesão quando o bezerro é laçado por pessoas menos
experientes, as quais não possuem habilidade suficiente para controlar
a intensidade da força do laço sobre as estruturas do pescoço.
CONCLUSÕES
A modalidade de rodeio denominada prova do laço de bezerro não causou,
sob as condições experimentais pré-estabelecidas, alteração nos
parâmetros clínicos e radiográficos avaliados neste trabalho.
O desalinhamento encontrado entre os corpos das vértebras cervicais
durante exame radiográfico não provocou alteração nos parâmetros
estudados e é provavelmente devido à característica anatômica dos
animais.
Experimentos adicionais envolvendo laçadores em diferentes níveis de
capacitação para o esporte precisam ser realizados para que se possa
reunir maior número de informações, considerando que até o presente
momento não existe relato literário envolvendo este aspecto da
modalidade de rodeio estudada.
COMITÊ DE ÉTICA
Protocolo nº 002508-04 - CEBEA – Comissão de Ética e Bem-Estar Animal – FCAV, Unesp, Jaboticabal.
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