DOI 10.526/cab.v11i2.4522
COMPARAÇÃO DA PREVALÊNCIA DE Cryptosporidium spp. EM EQUINOS DE TRAÇÃO E EM ATLETAS DO JOCKEY CLUB DE SANTA MARIA, RS, BRASIL


Gustavo Toscan,1* Roberta Carneiro Fontoura Pereira,2 Luciana Araujo,1
Luis Antonio Sangioni1 e Fernanda Silveira Flores Vogel1

1. Departamento de Medicina Veterinária Preventiva (DMVP), Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). Av. Roraima, 1000, Prédio 44, 97105-900, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
*Autor para correspondência. E-mail: gugatoscan@hotmail.com
2.  Hospital Veterinário, CCR, UFSM, Camobi, Santa Maria, RS. Cep:  97105-900.



RESUMO

O presente estudo foi realizado para comparar a prevalência de Cryptosporidium spp. em equinos de tração e em atletas domiciliados da cidade de Santa Maria, RS, Brasil. Foram coletadas amostras de fezes diretamente da ampola retal de 104 animais, machos e fêmeas, da raça Puro Sangue Inglês (PSI) e Sem Raça Definida (SRD), com idades variando entre 5 meses e 20 anos. Para a pesquisa do protozoário, utilizou-se o método de centrífugo-flutuação em ZnSO4 a 33%, sendo os oocistos encontrados nas lâminas mensurados e classificados. Dentre os animais de tração analisados, foi detectada a presença Cryptosporidium spp. nas fezes em 38,5% (20/52), ao passo que nos equinos atletas, verificou-se presença de oocistos do parasita em 80,8% (42/52) das amostras. Na análise da faixa etária, houve maior prevalência de Crytosporidium spp. em animais jovens de equinos de tração, entretanto, nos animais atletas do Jockey Club não foram observados diferenças entre as faixas etárias. Conclui-se que há um elevado número de animais portadores e assintomáticos que excretam oocistos nas fezes, o que contribui para uma possível fonte de infecção outros indivíduos e representa um possível risco à saúde pública, sobretudo os carroceiros, treinadores e tratadores.

PALAVRAS-CHAVES: Cryptosporidium spp., equinos, prevalência.


ABSTRACT

COMPARISON OF THE PREVALENCE OF Cryptosporidium spp. IN CART HORSES AND ATHLETES OF JOCKEY CLUB OF SANTA MARIA, RS, BRAZIL

This study was conducted in order to compare the prevalence of Cryptosporidium spp. in cart horses and in the athletes resident in the city of Santa Maria, RS, Brazil. Therefore, stool samples were collected directly from the rectal ampoules of 104 animals, male and female, of Puro Sangue Inglês breed (PSI) and of no defined breed (NDB), with ages ranging from 5 months to 20 years. To search the protozoan the method of flotation in ZnSO4 33% was used, and the oocists found were measured and classified. Among the cart horses analyzed, the presence of Cryptosporidium spp was detected in 38.5% of the fecal samples (20/52), while in athlete horses there was presence of the parasite oocysts in 80.8% (42/52) of the samples. Considering the age groups evaluated, there was a higher prevalence of Crytosporidium spp. in younger animals among the cart horses. In the group of athletes from Jockey Club any differences in prevalence concerning the ages were observed. It is concluded that there is a large number of host animals and asymptomatic carriers excreting oocysts in their feces, contributing to a possible source of infection for other individuals and representing a risk to public health, especially to the coachmen, trainers and handlers.

KEYWORDS: Cryptosporidium spp, equine, prevalence.



INTRODUÇÃO

Os protozoários do gênero Cryptosporidium spp. são patógenos que causam enfermidade entérica (LEAV et al., 2002; SULAIMAN et al., 2005) e que apresentam distribuição mundial e são capazes de infectar mais de 170 espécies animais diferentes, dentre eles equinos (O’DONOGHUE, 1995) e humanos (ANGUS, 1990). São protozoários pertencentes à familia Crytosporidiidae (REY, 2001) e parasitam as microvilosidades do epitélio gastrintestinal e/ou a árvore brônquica (FAYER et al., 2000). Quando parasita o intestino, o Cryptosporidium spp. é capaz de determinar danos às microvilosidades, dificultando a absorção de nutrientes e prejudicando o desempenho dos animais (BOCH et al,, 1982; CURRENT, 1985; O`DONOGUE, 1985).
A transmissão desse parasita pode ocorrer pela via fecal-oral ou pela ingestão de água e alimentos contaminados (JOHNSON, 1997) bem como ser influenciada pelo nível de contaminação ambiental e pela sobrevivência da forma infectante às condições do meio (ROBERTSON et al., 1992). KIRKPATRICK (1985) verificou nos Estados Unidos que 65% a 97% das águas de superfície estão contaminadas com oocistos de Cryptosporidium spp.
Em equinos, a infecção pelo Cryptosporidium spp. foi descrita inicialmente em cinco potros da raça Árabe com imunossupressão (SNYDER et al., 1978). Subsequentemente, o Cryptosporidium spp. foi relatado em cavalos imunocompetentes em diferentes lugares do mundo. A prevalência em equinos pode variar conforme a categoria animal, a idade, a localização, entre outros fatores. As taxas de infecção encontradas variam de 1% a 47% (SANTIN et al., 2007).
Animais jovens, mais susceptíveis, apresentam diarreia como principal sinal clínico, ao passo que nos adultos a infecção é geralmente assintomática (SANTIN et al., 2007). O curso da infecção pelo Cryptosporidium spp. geralmente é autolimitante em indivíduos imunocompetentes (KEUSCH et al., 1995). No entanto, em animais imunossuprimidos, o Cryptosporidium spp. é reconhecido como um microrganismo patogênico determinando diarreia aquosa, má absorção e perda de peso (CURRENT, 1985), em que a severidade da doença é diretamente proporcional ao estado imunológico do hospedeiro (FEELY, 1990). BJORNEBY (1991) relatou a morte de cinco potros com imunodeficiência severa devida à infecção por Cryptosporidium spp.
A criptosporidiose pode ser um risco à saúde pública, dada a possibilidade de transmissão desse agente para os seres humanos, uma vez que os animais participam como um reservatório desse protozoário. O presente estudo tem por objetivo comparar a prevalência da infecção pelo Cryptosporidium spp. entre equinos de tração pertencentes a carroceiros do bairro Alto da Boa Vista e atletas do Jockey Club de Santa Maria, RS.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado no período de abril a junho de 2007. Utilizaram-se 104 equinos, sendo 52 das raças Puro Sangue Inglês (PSI) e 52 Sem Raça Definida (SRD), machos e fêmeas com idades variando de 5 meses a 20 anos. Para determinação de diferenças na frequência de detecção quanto à idade, os animais foram classificados em: potros (até dois anos), jovens (dois até oito anos) e adultos (mais de oito até vinte anos).
Os equinos foram divididos em dois grupos: Grupo 1, composto por equinos de tração do bairro Alto da Boa Vista, machos (31) e fêmeas (21), sendo 8 potros, 16 animais jovens e 28 animais adultos (n=52); e Grupo 2, constituído de equinos atletas do Jockey Club de Santa Maria, machos (34) e fêmeas (18), com 18 potros, 23 animais jovens e 11 animais adultos (n=52). Os animais não apresentavam diarreia ou qualquer outro sinal clínico da doença.
Coletaram-se as amostras diretamente da ampola retal dos animais, as quais foram posteriormente identificadas e preservadas em refrigerador a 5°C até o seu processamento no laboratório de Doenças Parasitárias da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Processaram-se as amostras pela técnica de FAUST et al. (1938), pela centrífugo-flutuação com sulfato de zinco (densidade específica = 1.180 Kg/m³). Os oocistos foram mensurados e caracterizados morfologicamente, conforme REY (2001) e FOREYT (2005).
Os animais do Grupo 1 pastavam em campo nativo com eventual suplementação de milho, farelo e ração. Os animais não recebiam suplemento mineral. Os equinos viviam livremente na comunidade e em contato direto com resíduos domésticos e córregos que atravessam o bairro Alto da Boa Vista. Os animais eram utilizados em atividades como pequenos fretes, transportes de pessoas e coletas de materiais recicláveis pelo centro da cidade e no bairro.
Os equinos do Grupo 2 recebiam ração concentrada duas vezes ao dia em cochos de cimento no interior das cocheiras e feno de alfafa fornecido no chão, uma vez ao dia. Alguns equinos recebiam cenoura como complemento alimentar. Forneciam-se a água em bebedouros com boias de nível, ad libitum, e sal mineral, uma vez por semana, na forma granulada no comedouro. As camas eram de maravalha ou palha de arroz e trocadas semanalmente. Procedia-se à remoção das fezes das camas duas vezes ao dia, sendo depositadas em esterqueiras, situadas próximas às cocheiras, no período matutino e vespertino. Os animais saíam das cocheiras duas vezes ao dia para realizar treinamento, passeio e pastoreio em piquete de campo nativo próximo às baias, onde alguns animais de carroceiros tinham acesso a estes piquetes.
Para a análise estatística, empregou-se o software SAS V8. A ocorrência do parasita nas faixas etárias e no sexo foi analisada pelo teste exato de Fischer, ao nível de 5% de significância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos nos grupos estão demonstrados na Tabela 1. Todos os equinos avaliados estavam clinicamente sadios, com a consistência das fezes considerada normal.
Pode-se observar que a prevalência do protozoário foi maior entre os equinos da raça PSI (80,8% - 52/42) quando comparados aos SRD (38,5% - 20/52) e que não houve diferença estatística para prevalência deste parasita considerando a variável sexo em ambos os grupos.
Do total dos animais do Grupo 1 (n=52), vinte (38,5%) apresentaram oocistos nas fezes, sendo que nos animais jovens (2 a 8 anos) foi observada maior positividade (12/16 – 75%).
Da totalidade dos 52 animais do Grupo 2 (equinos atletas), constatou-se a presença de oocistos de Cryptosporidium spp. em 80,8% (42/52) das amostras das fezes analisadas, com uma prevalência nos potros de 83,3% (15/18), nos jovens de 78,3% (18/23) e nos adultos de 81,8% (9/11). Não foram observadas diferenças estatísticas quanto à variável idade deste grupo.
Comparando-se estatisticamente as faixas etárias entre grupos, observa-se significativa diferença na prevalência entre os potros, sendo os animais do G2 os que apresentaram maior positividade. Na categoria dos animais jovens de ambos os grupos, os valores percentuais da prevalência do protozoário nas fezes foram semelhantes, não havendo diferença estatística. Entre os animais adultos, o Grupo 2 apresentou estatisticamente maior prevalência do protozoário do que os animais do Grupo 1 na mesma faixa etária.
Houve maior prevalência de oocistos de Crytosporidium spp. nas fezes de animais atletas do Jockey Club em relação aos de tração, possivelmente pelas condições a que estes animais são submetidos, como a de constantes situações de estresse proporcionado por treinamentos extenuantes, pela estabulação, enfermidades e pelas competições frequentes, bem como pela possível contaminação da água, dos alimentos e higiene dos tratadores. Como os animais do Grupo 1 tinham idade média maior, quando comparados aos animais do Grupo 2, sugere-se que os animais mais idosos conferem imunidade etária contra a infecção pelo protozoário. Provavelmente a contaminação ambiental por esse protozoário no Jockey Club esteja influenciando para a maior prevalência entre os equinos atletas. Além disso, como refere BRAY (1997), em áreas grandes de pastoreio dificilmente os animais regressam para pastar na mesma área,  evento esse que determina a redução da taxa de reinfecção, diferentemente de uma área mais restrita de pastoreio, que favorece o contato com as fezes infectadas dos animais.
Os resultados deste estudo discordam dos apresentados por MAJEWSKA et al. (2004), que demonstram a prevalência de 3,5%, de infecção de equinos com Cryptosporidium spp. em centros de equitação na  região ocidental da Polônia, em Wielkopolska. Discordam, ainda, dos referidos por JOHNSON (1997), que evidenciaram a ausência de oocistos do protozoário. Possivelmente, esses índices são atribuídos à água contaminada com oocistos infectantes, sugerindo que há grande contaminação hídrica no Alto da Boa Vista.
    Este estudo também diverge dos relatos de OLSON (1997), em que a prevalência de Cryptosporidium spp. foi maior em animais adultos (21%) quando comparados com os potros (10%), possivelmente pela proteção contra esta infecção atribuída à imunidade passiva ou por reduzir o contato das fontes de infecção do protozoário (WOLFE, 1992). XIAO & HERD (1994) também demonstraram uma prevalência inferior de Cryptosporidium spp. em Ohio e Kentucky, em equinos, de cinco a oito semanas de idade, quando comparados aos adultos.
A taxa de infecção por oocistos de Crytosporidium spp. foi superior quando comparada à relatada por BEELITZ et al. (1996), em que 0,33% do total dos animais foram positivos. No entanto, está em concordância com os relatos de MAJEWSKA et al. (1999), em que a taxa de infecção pelos protozoários variou entre 17% e 100% no Canadá e outras localidades do EUA como Louisiana, Colorado e Texas.
     A presença destes oocistos de Cryptosporidium spp. em animais de tração e animais atletas possivelmente representa um grande risco à saúde pública, em virtude do potencial zoonótico que este protozoário demonstra, especialmente em relação à população do Alto da Boa Vista e circunvizinha ao Jockey Club de Santa Maria.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados do presente estudo, pode-se concluir que os equinos do Jockey Club apresentam maior prevalência de Cryptosporidium spp. nas fezes que equinos de tração no município de Santa Maria, RS. Além disso, observou-se que esses animais apresentam-se como provável reservatório deste protozoário, apontando para um possível risco à saúde pública. Dessa forma, este estudo, assim como outros, salienta a importância dessa enfermidade envolvendo a epidemiologia e controle dessa protozoose.

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Protocolado em: 14 ago. 2008.  Aceito em: 28 set. 2009.