DOI: 10.1590/1089-6891v20e-44848
MEDICINA VETERINÁRIA
ETIOLOGIA E SENSIBILIDADE ANTIMICROBIANA IN VITRO DE BACTÉRIAS ISOLADAS DE CABRAS COM MASTITE NO SERTÃO E CARIRI PARAIBANO
ETIOLOGY AND IN VITRO ANTIMICROBIAL SENSITIVITY OF ISOLATED BACTERIA FROM GOATS WITH MASTITIS IN THE SERTÃO AND CARIRI OF PARAÍBA
Dinamérico de Alencar Santos Júnior1* ORCID http://orcid.org/0000-0002-7709-4629
Rodrigo Antonio Torres Matos² ORCID http://orcid.org/0000-0003-1295-6248
Diego Barreto de Melo³ ORCID http://orcid.org/0000-0002-8979-6273
Felício Garino Júnior⁴ ORCID http://orcid.org/0000-0003-4868-3894
Sara Vilar Dantas Simões⁴ ORCID http://orcid.org/0000-0003-3692-9199
Eldinê Gomes de Miranda⁴ Neto ORCID http://orcid.org/0000-0002-9398-6539
¹Universidade Federal do Oeste da Bahia, Barra, BA, Brasil.
²Centro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil.
³Médico Veterinário Autônomo, Campina Grande, PB, Brasil.
⁴Universidade Federal de Campina Grande, PB, Brasil.
*Autor para correspondência - juniordinamerico@yahoo.com.br
Resumo
Objetivou-se com este trabalho estudar a etiologia da mastite em caprinos no sertão e cariri da Paraíba e estabelecer o perfil de sensibilidade antimicrobiana das bactérias isoladas. Foram identificadas 11,85% de infecções intramamárias em amostras de leite assepticamente coletadas e 236 isolamentos bacterianos com predominância de Staphylococcus spp. Nos casos de mastite clínica, foram coletadas 85 amostras de leite, o que resultou em 34 (40%) isolamentos com maior prevalência de bactérias do gênero Staphylococcus spp. (44,11%) e Trueperella pyogenes (23,52%). A resistência bacteriana aos antimicrobianos frente aos isolados de mastite subclínica e clínica foram maiores para penicilina (64,31% e 40%) e oxacilina (20,65% e 13,33%), em contraste com a maior suscetibilidade frente aos antimicrobianos cefalotina (100%), clorafenicol (100%) e neomicina (100%). O caráter zoonótico de alguns patógenos, a exemplo do Staphylococcus aureus, ressalta a importância da implantação de programas de controle em propriedades leiteiras.
Palavras-chave: Staphylococcus aureus. Infecção. Resistência. Leite. Cabras.
Abstract
The objective of this work was to study the etiology of mastitis in goats in the sertão and cariri regions of Paraíba State and to establish the antimicrobial sensitivity profile of the bacteria isolated. The investigation of milk samples aseptically collected allowed the identification of 11.85% of intramammary infections and the isolation of 236 bacteria with predominance of Staphylococcus spp.. In the cases of clinical mastitis, 85 samples of milk were collected, which resulted in 34 isolated with a higher prevalence of bacteria of the genus Staphylococcus spp. (44.11%) and Trueperella pyogenes (23.52%). The highest rates of antimicrobial resistance, with respect to the isolated subclinical and clinical mastitis, were for penicillin (64,31% e 40%) e oxacilin (20,65% e 13,33%), in contrast to the higher susceptibility to the antimicrobials cephalothin (100%), chloramphenicol (100%), and neomycin (100%). The zoonotic character of some pathogens, such as Staphylococcus aureus, emphasizes the importance of control program implementations in dairy farms.
Keywords: Staphylococcus aureus. Infection. Resistance. Milk. Goats.
Recebido em: 2 de janeiro de 2017.
Aceito em: 7 de agosto de 2019.
Introdução
Mastite é a inflamação da glândula mamária em consequência, principalmente, de processos infecciosos, sendo caracterizada por alterações físico-químicas e bacteriológicas do leite e patológicas do tecido glandular mamário(1). É considerada a doença que acarreta maiores prejuízos econômicos à produção leiteira, devido à redução da quantidade e comprometimento da qualidade do leite produzido, ou até pela perda total da capacidade secretora da glândula mamária, podendo ser classificada como clínica ou subclínica(1).
Estudos sobres os aspectos clínicos e epidemiológicos da mastite caprina são identificados em diversos países(2, 3). Na região nordeste do Brasil também são identificados trabalhos sobre mastite caprina que abordam, principalmente, aspectos relacionados às mastites subclínicas(4, 5) ou a revisões de literatura(6, 7). No estado da Paraíba foram diagnosticados casos de mastite clínica causados por Trueperella pyogenes, que é caracterizada por apresentar-se na forma aguda, com tendência à cronicidade(8). Azevedo et al.(9) relataram surto de agalaxia contagiosa em pequenos ruminantes causado por Mycoplasma agalactiae, e a transmissão destes agentes entre rebanhos pode ser facilitada pela comercialização de animais portadores(2).
É importante realizar estudos que identifiquem os principais agentes etiológicos, a epidemiologia da enfermidade na região, bem como a suscetibilidade dos agentes aos antimicrobianos, pois somente com esse conhecimento sobre a mastite poderão ser implantadas nas propriedades medidas efetivas de controle, profilaxia e tratamento.
Portanto, objetivou-se com este trabalho verificar a etiologia das mastites em caprinos no semiárido e agreste da Paraíba, além de estabelecer o perfil de sensibilidade das bactérias isoladas frente a antimicrobianos.
Material e métodos
Para a realização do estudo acerca da mastite subclínica foram acompanhadas oito propriedades localizadas nas mesorregiões do Cariri e Sertão paraibano, abrangendo os municípios de Prata, Ouro Velho, Amparo, Maturéia e Cacimba de Areia durante o período de setembro de 2010 a dezembro de 2011. As propriedades caracterizavam-se por utilização da mão de obra familiar com ordenha manual e foram selecionadas aleatoriamente por meio de uma amostragem por conveniência. A idade e o número de parições foram avaliados mediante inquérito aplicado ao produtor e pela estimativa do desgaste da mesa dentária. Foi utilizado um intervalo entre coletas de dois meses, sendo que todas as coletas foram realizadas durante a fase de lactação. O California Mastitis Test (CMT) foi realizado em 1804 amostras de leite, sempre pelo mesmo avaliador. Durante a coleta das amostras, os primeiros jatos de leite eram utilizados para realização do teste da caneca telada, logo após era feito o CMT(10). O cultivo microbiológico foi realizado em 1990 amostras de leite, considerando-se as duas metades da glândula mamária de 304 cabras.
Realizou-se também um estudo retrospectivo dos casos de mastite clínica atendidos no setor de Clínica Médica de Grandes Animais do Hospital Veterinário/CSTR/UFCG/Campus de Patos – PB, durante o período de 2012 a 2014. A eles foram somadas amostras coletadas em propriedades dos mesmos municípios do Sertão e Cariri paraibano, selecionadas por amostragem por conveniência. Os animais foram examinados clinicamente segundo Smith & Sherman(11).
Para a coleta de leite dos animais, realizou-se a antissepsia dos tetos, utilizando solução de hipoclorito de sódio a 1%, e secagem com papel toalha descartável; após a limpeza, foram embebidos em álcool iodado a 2,5%. Em seguida, foram colhidos de dois a quatro mL de leite de cada metade mamária em tubos estéreis do tipo Falcon e as amostras foram armazenadas e encaminhadas, sob refrigeração, para o Laboratório de Microbiologia do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Universidade Federal Campina Grande/CSTR/Campus de Patos. No laboratório as amostras foram semeadas em ágar sangue ovino desfibrinado a 5% (Himedia®, Mumbai, Índia), incubadas a 37 ºC em condições de aerobiose, sendo realizadas leituras com 24, 48 e 72 horas. Na interpretação das placas de isolamento primário considera-se que houve contaminação na coleta da amostra se três ou mais tipos diferentes de colônias são isoladas de um mesmo quarto mamário. Microrganismos do ambiente devem ser isolados em cultura pura para serem considerados responsáveis pela infecção, enquanto S. agalactiae, S. aureus e Mycoplasma sp. podem ser considerados sempre que isolados(12).
Nos microrganismos isolados foram realizados exames bacterioscópicos utilizando o método de coloração de Gram e, posteriormente, foram submetidos às provas bioquímicas para identificação do agente. As provas utilizadas foram: produção de catalase, coagulase com plasma de coelho liofilizado (Coagu-Plasma LB, Laborclin produtos para laboratório Ltda, Pinhais, Paraná, Brasil), uréase, indol, motilidade em ágar semissólido, redução de nitrato, hidrólise da esculina, acidificação de carboidratos, oxidação-fermentação em meio de Hugh e Leifson, produção de H2S, crescimento em TSI, ágar citrato de Simmons, "Camp Test", Vermelho Metila/Voges-Proskauer (produção de acetoína), malonato, fenilalanina (Himedia®, Mumbai, Índia), oxidase (tiras de oxidase LB, Laborclin produtos para laboratório Ltda., Pinhais, Paraná, Brasil). Os agentes etiológicos foram identificados com base no Manual of Clinical Microbiology(13).
Foram consideradas amostras positivas ao isolamento microbiano as que apresentaram acima de três colônias idênticas em um mesmo meio de cultivo(14). Para avaliação da persistência microbiana durante a lactação nas mastites subclínicas foram observadas as taxas de cura clínica e a eliminação do agente causador (cura microbiológica). Foi realizado um monitoramento dos animais por meio da realização de sucessivas coletas, com intervalos de dois meses, nos 182 animais avaliados. Para o estudo do perfil de resistência in vitro aos antimicrobianos, os isolados foram submetidos à técnica de disco com base no documento M02-A10, de acordo com o CLSI(15). A seleção dos antimicrobianos foi realizada com base em pesquisas, disponibilidade dos mesmos e por serem utilizados rotineiramente em clínica médica veterinária de animais de produção para os tratamentos das mastites. Para os isolados de mastites subclínicas foram utilizados os discos impregnados com os seguintes agentes antimicrobianos: cloranfenicol, 30 µg, tetraciclina 30 µg, oxacilina 1 µg, penicilina 10 UI, cefalotina 30 µg, ceftiofur 30 µg e neomicina 30 µg (Cecon®, São Paulo, Brasil).
Para os isolados de mastites clínicas causadas pelo gênero Staphylococcus spp. foram utilizados discos impregnados com os seguintes princípios ativos: ampicilina 10 µg, cefalotina 30 µg, cloranfenicol 30 µg, neomicina 30 µg, oxacilina 1 µg, penicilina 10 UI, tetraciclina 30 µg e ceftiofur 30 µg. Nos casos com isolados Gram negativos foram utilizados: amicacina 30 µg, amoxicilina + ácido clavulânico 30 µg, cefotaxima 30 µg, cefalotina 30 µg, gentamicina 10 µg, neomicina 30 µg, norfloxacina 10 µg, tetraciclina 30 µg, ceftiofur 30 µg, aztreonam 30 µg e polimixina B 300 UI (Cecon®, São Paulo, Brasil). A interpretação dos resultados foi realizada de acordo com o CLSI (2005). Para o controle de qualidade dos discos de antimicrobianos foi utilizado Staphylococccus aureus ATCC 25923.
Para a análise estatística foi utilizado o teste de qui-quadrado para amostras independentes e o índice de Kappa para amostras relacionadas(16), sendo estimada a razão de chance (odds ratio). O nível de significância adotado foi de 5% e as análises foram realizadas com o auxílio do programa Graph Pad Instat, versão 3.0 e Bioestat 5.0.
O referido projeto tem número de protocolo no Comitê de Ética e Pesquisa/Centro de Ciência e Tecnologia Rural/Universidade Federal de Campina Grande (CEP/CSTR/UFCG) 246/2015.
Resultados
Apenas 1,86% (37 / 1990) das amostras foram positivas ao teste da caneca telada. A ocorrência de isolamento microbiológico na mastite subclínica foi de 11,85% (236 / 1990), com predominância de Staphylococcus spp.. Destes, os S. não-aureus (226 / 95,77%) foram os isolados predominantes, seguido dos S. aureus (10 / 4,23%) e, de acordo com a idade, os animais entre 2 e 4 anos foram os mais acometidos, como descrito na Tab. 1.
Na associação do fator idade com o cultivo microbiológico constatou-se que animais entre dois e quatro anos apresentaram 4,21 mais chances de adquirir IIM quando comparadas com fêmeas com menos de dois anos (p < 0,001). Quando comparados animais acima de 4 anos com animais de até 2 anos, os animais mais velhos têm 1,54 mais chances de apresentar IIM, no entanto esse resultado não foi estatisticamente significativo (p = 0,26). Quando comparados animais de 2 a 4 anos com animais acima de 4 anos a razão de chance foi de 2,73, indicando uma maior chance das fêmeas mais velhas em adquirirem IIM (p < 0,001), como apresentado na Tab. 2.
A mastite subclínica persistiu em 9,34% dos animais (17 / 182), sendo que os S. não-aureus foram os mais observados. As amostras de CMT positivas e negativas, quando submetidas a testes estatísticos, demonstraram haver concordância fraca (coeficiente kappa = 0,088) entre esse meio de diagnóstico e o isolamento microbiano, como demonstrado na Tab.3.
Nos Staphylococcus spp. isolados 63,13% (149 / 236) foram resistentes apenas a um dos antimicrobianos testados (Penicilina). Os maiores índices de resistência verificados foram para penicilina (S. não-aureus = 64,31% e S. aureus = 52,17%), tetraciclina (S. não-aureus = 24,88% e S. aureus = 13,04%) e oxacilina (S. não-aureus = 20,65% e S. aureus = 13,04%), (Tab. 4).
Nas mastites clínicas, 85 amostras de leite (94,44% das metades mamárias) foram encaminhadas para análise, de um total de 45 animais. Desse total de amostras foram isolados 34 agentes (40%), com predominância da Trueperella pyogenes (8 / 23,52%). No quantitativo por gênero foi observada maior ocorrências das bactérias do gênero Staphylococcus spp. (15 / 44,11%), seguidas do Klebsiella spp. (6 / 17,64%), conforme demonstrado na Tab. 5.
Dentre os sinais clínicos, os casos mais graves ficaram caracterizados por sinais sistêmicos como anorexia, febre, apatia, secreção láctea sanguinolenta com odor fétido, necrose de pele e diminuição da temperatura do teto. Nos casos menos graves não houve comprometimento sistêmico, ficando as alterações restritas à glândula mamária, nas quais, a partir da palpação, foram constatadas áreas com fibroses, nódulos e aumento de temperatura local; e ainda foram observadas a presença de pequenos grumos e pus no leite. T. pyogenes foi isolada em 23,52% dos casos e as Gram negativas responderam por 32,35% dos isolados da mastite clínica (11/34), com maior prevalência das bactérias do gênero Klebsiella spp. (6 / 54,54%). As bactérias Gram-negativas mais prevalentes foram Klebsiella pneumoniae (4 / 11,76%), K. oxytoca (2 / 18,18%) e E. coli (2 / 18,18%). Foram isoladas ainda: Nocardia spp. (1 / 9,09%), Pseudomonas auruginosa (1 / 9,09%) e Serratia spp. (1 / 9,09%).
Durante o teste de sensibilidade in vitro para as bactérias do gênero Staphylococcus spp. isoladas de casos de mastite clínica observou-se que o maior índice de resistência foi para a penicilina G (40%), seguida pela oxacilina (13,33%) e ampicilina (6,67%). Os microrganismos apresentaram 100% de sensibilidade à cefalotina, clorafenicol e à neomicina (Tab. 6).
In vitro, a bactéria T. pyogenes demonstrou sensibilidade a todos os antimicrobianos utilizados. Para a Klebsiella spp. os maiores percentuais de resistência foram para cefalotina e tetraciclina (83,33%), enquanto a sensibilidade foi maior para os antimicrobianos amicacina, amoxicilina + ácido clavulânico, norfloxacina e polimixina B (83,33%); gentamicina (100%).
As E. coli obtiveram 100% de sensibilidade para amicacina, ampicilina, amoxicilina + ácido clavulânico, gentamicina e norfloxacina. Apresentaram 100% de resistência para cefalotina e penicilina e 50% para tetraciclina, ceftiofur e cefalexina.
A bactéria Pseudomonas aeruginosa apresentou 100% de resistência à amoxicilina + ácido clavulânico e às cefalosporinas. Foram 100% sensíveis à amicacina, gentamicina, norfloxacina e polimixina B. A Nocardia spp. foi sensível à amicacina e cefalosporinas de 3ª geração. A Serratia spp. foi sensível à amoxicilina + ácido clavulânico, cefalotina, gentamicina e norfloxacina.
Discussão
A identificação de 8,03% de amostras positivas ao CMT (considerando escores +, ++ e +++) e positivas ao isolamento microbiológico, e de 50,44% de amostras negativas ao CMT e negativas ao exame microbiológico, demonstra que esse método diagnóstico não é satisfatório para validar infecções intramamárias em caprinos, sendo classificado como um método indireto eleito para diagnóstico das mastites subclínicas pela facilidade de execução, por ser de baixo custo e por permitir resultado satisfatório acerca da situação da mastite em rebanhos leiteiros(6, 7, 17).
A prevalência anual da mastite é influenciada por uma série de fatores relacionados ao animal, aos patógenos e ao meio ambiente. Levantamentos de pesquisa demonstram que a mastite do tipo subclínica é a que mais predomina nos rebanhos de pequenos ruminantes(7). A mastite em pequenos ruminantes ocorre durante todo o ano, no entanto variações sazonais podem ser observadas, como maior prevalência de infecções intramamárias em períodos chuvosos(18, 19, 20).
No Brasil, destacam-se as variações dos dados acerca da prevalência da mastite em caprinos e ovinos. Em criações leiteiras, a frequência de mastite subclínica pode oscilar(20). Na região Nordeste sinais clínicos dessa enfermidade foram relatados em 51,2% dos rebanhos(18). Os níveis de infecções intramamárias (IIM) nos rebanhos estudados estão dentro dos valores médios descritos na literatura, que são de 5 a 30% para mastite subclínica(3, 6 7). Contreras et al.(3) afirmam que o CMT é mais eficaz em reações negativas do que em reações positivas. Os S. não-aureus foram os principais patógenos isolados neste estudo, corroborando com outros autores que afirmam serem os mais prevalentes em mastite subclínica caprina(2, 3, 4, 21).
A identificação de cabras primíparas e multíparas de diferentes idades apresentando IIM demonstra a importância dessa enfermidade em todas as categorias animais. A observação de cabras entre dois e quatro anos com maior possibilidade de ter mastite indica que ela ocorre com maior frequência em animais de 3ª e 4ª ordem de parto, assim como relata Moroni et al.(22) e Boscos et al.(17). Moroni et al.(22) ainda observaram que as prevalências mais elevadas em 2ª e 3ª ordem de parto, mais do que novas infecções, poderiam ser oriundas de infecções crônicas de lactações anteriores que foram eliminadas no período seco. No entanto, não testaram essa hipótese.
A mastite subclínica persistiu em 9,34% (17 / 182) dos animais, principalmente por S. não-aureus, achados superiores aos resultados obtidos por Contreras et al.(3) (6,5%). Sabe-se que esses microrganismos são capazes de resistir na glândula mamária durante toda a lactação e no período seco(22) e sua persistência pode estar relacionada a falhas na detecção e eliminação de tais infecções durante a lactação e a sua frequente origem estafilocócica(2).
A identificação dos animais com IIM persistentes é importante no estabelecimento de um programa de controle da mastite, pois esses animais representam uma fonte potencial de infecção.
Em caprinos, maiores taxas de mastite subclínica também têm sido observadas no início da lactação, mas a relevância parece aumentar ao longo da lactação(2), entretanto não há consenso. Min et al.(23) descreveram que a taxa de incidência de novas infecções foi maior durante os estágios iniciais e tardios da lactação; Moroni et al.(24) verificaram que o primeiro mês de lactação foi caracterizado pela menor incidência de nova infecção (7,21%), enquanto as maiores taxas de incidência foram observadas no meio da lactação (24,5%) e no último mês de lactação (58,4%).
A instauração das mastites se encontra favorecida por fatores que intervêm na transmissão horizontal de patógenos(6). Isto se deve às particularidades de defesa da glândula mamária caprina, que proporciona uma maior resistência às infecções devido a um maior nível fisiológico de células somáticas no leite em comparação com o leite de vaca e ovelhas, assim como um percentual de neutrófilos superior(25). Ao contrário do leite de vacas e ovelhas, os leucócitos polimorfonucleares são os principais tipos leucocitários (40 – 87%) em leite de cabras. Os neutrófilos atuam como a primeira linha imunológica contra infecções, o que poderia justificar porque as cabras são mais resistentes à mastite(25).
O principal risco de infecção é determinado pelos microrganismos que colonizam o óstio do teto, assim como pelas operações que favorecem a penetração dos microrganismos por meio do canal do teto. Portanto, o momento da ordenha representa o ponto crítico para o controle das mastites em caprinos e ovinos(6).
A alta resistência observada in vitro à penicilina também foi observada em estudos realizados no Brasil e em outros países(5). Silva et al.(5) encontraram resistência apenas à penicilina G em 36% das amostras estudadas no nordeste do Brasil e 100% de sensibilidade para tetraciclina, oxacilina e cefalotina. A penicilina é um fármaco amplamente utilizados pelos proprietários no tratamento de enfermidades em caprinos no semiárido paraibano, fato que pode ter contribuído para o fenômeno da resistência, uma vez que o uso desse medicamento é realizado, muitas vezes, de forma indevida e sem orientação técnica. Poucos trabalhos no Brasil têm relatado estirpes microbianas de caprinos com múltipla resistência. Garino Júnior et al.(26) identificaram, respectivamente, 42,9% e 28,57% de S. não-aureus com resistência a pelo menos três antimicrobianos.
A oxacilina é derivada da penicilina, betalactâmico semissintético, e a resistência observada a esse antimicrobiano tem sido relatada(27, 28). No estudo realizado por Salaberry et al.(27) foi verificada uma resistência de 66% para esse antimicrobiano, discordando do resultado observado no presente estudo. Um fator que possivelmente pode ter contribuído para a baixa resistência apresentada seria o uso pouco frequente desse antimicrobiano na rotina clínica.
Os sinais clínicos das mastites clínicas corroboram com os de Mota(6), Peixoto et al.(7) e Garino Junior et al.(8); e o número baixo de agentes isolados, 40% (34/85), pode estar relacionado à prática empregada pelos proprietários de medicar os animais aos primeiros sinais de infecção e ao fato de não informar ao veterinário da utilização dos medicamentos; além disso, o tratamento sem a realização do isolamento, identificação e teste de suscetibilidade in vitro pode favorecer um aumento na resistência. Também pode haver relação com as mastites causadas por micoplasmas, como descreveram Azevedo et al.(9), que relataram surto de agalaxia contagiosa em pequenos ruminantes causado por Mycoplasma agalactiae na mesma região, demonstrando a importância desse agente como causa de mastite, que necessita de meio apropriado para seu isolamento(9). Já em relação aos vírus, deve-se destacar o da Artrite Encefalite Caprina (CAE), conhecido por ocasionar mastite e outros sintomas clínicos em caprinos(2).
Ruegg & Reinemann(29) relatam que o não isolamento do agente etiológico pode estar relacionado ainda a outros fatores, tais como: o microrganismo pode não ser eliminado intermitentemente ou ser eliminado em baixas concentrações; algumas enzimas e proteínas lácteas (lisozima e lactoferrina) podem dificultar a detecção do patógeno; a infecção ser suportada por endotoxinas bacterianas e compostos bioativos liberados pelas células inflamatórias, que podem prejudicar a sobrevivência.
Diversos estudos descrevem os S. aureus como os principais agentes de mastite clínica, tendo maior importância por poderem levar a óbito, enquanto os S. não-aureus são os maiores responsáveis pelas mastites subclínicas(2, 6, 21).
Em pequenos ruminantes, T. pyogenes é apontada como patógeno de menor importância em casos de mastite clínica(2). O estudo demonstrou o contrário, apresentando alta prevalência na região, 23,52% (8/34). A doença é caracterizada por apresentar-se na forma aguda, tendendo à cronicidade. Pode evoluir passando a apresentar secreção purulenta da glândula mamária, odor desagradável, abscessos no úbere e fistulação de pele. Em casos severos há perda funcional ou até mesmo a morte do animal(8). Esses mesmos autores descrevem que, devido à capacidade de formar abcessos, o tratamento clínico para mastite por T. pyogenes torna-se oneroso e ineficiente, sendo recomendada a mastectomia.
A refratariedade de T. pyogenes aos tratamentos pode ser devida à estrutura do piogranuloma mamário (constituído por cápsula de tecido conectivo que reveste os abscessos), além do denso conteúdo purulento, que limita os antimicrobianos convencionais a atingirem concentrações terapêuticas no interior do foco infeccioso, ou mesmo pela viabilidade intracelular do microrganismo(8).
Microrganismos Gram-negativos, como Pseudomonas spp. e enterobactérias, são descritos como patógenos de baixa ocorrência nas mastites caprinas(2), corroborando com o que foi observado neste estudo. A prevalência de Klebsiella spp. foi alta, 31,57% (6/19), diferentemente do que ocorreu em outros estudos realizados com caprinos no Brasil. Mota et al.(30), em levantamento feito na região metropolitana do Recife, não obtiveram isolados para essa bactéria, assim como Silva et al.(5), em levantamento na região nordeste do Brasil. Na região sudeste, no estado de São Paulo, Langoni et al.(21) isolaram esse agente em apenas 1,8% das amostras. Currais sem adequada higienização são propícios à contaminação com as bactérias ambientais, como as enterobactérias. Pseudomonas spp., por sua vez, é especialmente encontrada na água ou ambiente úmido(2).
Conclusões
Foi verificada ampla variedade de microrganismos causadores de mastite da região estudada, predominando as bactérias do gênero Staphylococcus spp.
Nos testes de sensibilidade a antimicrobianos foi observado que a maioria dos agentes isolados é sensível aos diferentes antimicrobianos testados, sendo os antimicrobianos cefalotina, clorafenicol e neomicina os que apresentaram melhor eficácia. Os maiores percentuais de resistência foram observados para penicilina e oxacilina. As mastites clínicas causadas por bactérias Gram negativas apresentam elevado risco de vida aos animais e o estudo sobre a ocorrência desses microrganismos em mastite são escassos.
A identificação dos animais com IIM persistentes é importante no estabelecimento de um programa eficaz de controle da mastite, pois esses animais representam uma fonte potencial de contaminação. O caráter zoonótico de alguns patógenos, entre eles o S. aureus, ressalta a importância da implantação de programas de controle em propriedades leiteiras.
Nota dos autores: Este trabalho é parte da dissertação de mestrado em medicina Veterinária do primeiro autor.
Referências
1. Ribeiro MER, Petrini LA, Aita MF, et al. Relação entre mastite clínica, subclínica infecciosa e não infecciosa em unidades de produção leiteiras na região sul do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Agrociência. 2003; 9 (3):287-290.
2. Bergonier D, Berthelot X. New advances in epizootiology and control of ewe mastitis. Livest. Prod. Sci. 2003; 79:1–16.
3. Contreras A, Luengo C, Sanchez A, Corrales JC. The role of intramammary pathogens in dairy goats. Livest. Prod. Sci. 2003;79:273-283.
4. Neves PB, Medeiros ES, Sá VV, et al. Perfil microbiológico, celular e fatores de risco associados à mastite subclínica em cabras no semiárido da Paraíba. Pesq. Vet. Bras.2010; 30(5): 379-384.
5. Silva ER, Siqueira AP, Martins JCD, et al. Identification and in vitro antimicrobial susceptibility of Staphylococcus species isolated from goat mastitis in the Northeast of Brazil. Small Rumin. Res. 2004; 55:45-49.
6. Mota RA. Aspectos epidemiológicos, diagnóstico e controle das mastites em caprinos e ovinos. Tecnol. Ciênc. Agropec. 2008;2(3): 57-61. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abmvz/v63n3/v63n3a27.pdf. Acessado em: 27/09/2016.
7. Peixoto RM, Mota RA, Costa MM. Mastite em pequenos ruminantes no Brasil. Pesq. Vet. Bras.2010; 30(9): 754-762, set.
8. Garino Junior F, Matos RAT, Miranda Neto EG. Mastite clínica caprina causada por Arcanobacterium pyogenes. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec.2012; 64 (4), 1070-1073.
9. Azevedo EO, Alcântara MDB, Nascimento RE, et al. Contagious Agalactia by Mycoplasma agalactiae in small ruminants in Brazil: first report. Braz. J. Microb. 2006; 576-581.
10. Schalm OW, Noolander DD. Experiments and Observations leading to development of the California Mastitis Test. J. Am. Vet. Med. Assoc. 1957;130 (5): 199-204.
11. Smith MC, Sherman DM. Goat Medicine. 2ed. Philadelphia USA: Wiley-Blackwell, 2009. 871p.
12. Brito MAVP, Brito JRF. Diagnóstico microbiológico da mastite. Juiz de Fora, MG: Embrapa Gado de Leite, 1999. 26p. (Embrapa Gado de Leite. Circular Técnica, 55).
13. Murray PR, Baron EJ, Pfaller MA. et al. Manual of Clinical Microbiology, 7 ed., Washington: American Society for Microbiology. 1999.
14. National Mastitis Council, Laboratory handbook on bovine mastitis. Madison, WI:, 1999.
15. Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI). Dilution Antimicrobial Susceptibility Tests for Bacteria that Grow Aerobically. Approved Standard – 7th edition. CLSI document M02-A10, Wayne, PA 2009.
16. Zar JH. Upper Saddle River: Prentice Hall. In: BIOSTATISTICAL ANALYSIS. 4 ed. 1999.663p.
17. Boscos C, Stefanakis A, Alexopoulos C, Samartzi F. Prevalence of subclinical mastitis and influence of breed, parity, stage of lactation and mammary bacteriological status on Coulter Counter California Mastitis Test in the milk of Saanen and autochthonous greek goats. Small Rumin. Res. 1996; 21: 139-147.
18. Pinheiro RR, Gouveia AMG, Alves FSF, Haddad JPA. Aspectos epidemiológicos da caprinocultura cearense. Arq. Bras.Med. Vet. Zootec. 2000; 52(5):534-543.
19. Albizu I, Baselga R. Sheep and goat mastitis: Seasonal variation in aetiology. 2002; Albeitar 53:28.
20. Lima Júnior AD, Nader Filho A, Vianni MCE. Fatores condicionantes da mastite subclínica caprina em criatórios do Rio de Janeiro. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec.1995; 47(4):463-474.
21. Langoni H, Domingues PF, Baldini S. Mastite caprina: seus agentes e sensibilidade frente a antimicrobianos. Ver. Bras. Ciênc. Vet. 2006;13(1):51-54.
22. Moroni P, Pisoni G, Ruffo G, Boettcher PJ. Risk factors for intramammary infections and relationships with somatic-cell counts in Italian dairy goats. Prev. Vet. Med.2005; 69: 163-173.
23. Min BR, Tomita G, Hart SP. Effects of subclinical intramammary infection on somatic cell counts and chemical composition of goats'milk. J. Dairy Res. 2007;74, 204–210.
24. Moroni P, Pisoni G, Ruffo G,et al.. Study of intramammary infections in dairy goats from mountainous in Italy. N. Z. Vet. J. 2005 53 (5), 375–376.
25. Tian SZ, Chang CJ, Chiang CC, et al.. Comparison of morphology, viability and function between blood and milk neutrophils from peak lactating goats. Can. J. Vet. Res. 2005 69, 39–45.
26. Garino Junior F, Caboim EKA, Neves P, et al. Suscetibilidade a antimicrobianos e produção de betalactamase em amostras de Staphylococcus isolados de mastite caprina no semiárido paraibano. Arq. Inst. Biol. 2011;78:103-107.
27. Salaberry SRS, Saidenberg ABS, Zuniga E, et al. Análise microbiológica e perfil de sensibilidade do Staphylococcus spp. em mastite subclínica de caprinos leiteiros. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. 2016; 68(2):336-344.
28. Zafalon LF, Verissimo CJ, Mamizuka EM, et al. Estafilococos resistentes à oxacilina isolados em casos de mastite subclínica em ovinos. Arq. Inst. Biol. 2012;79:1-7.
29. RUEGG, P.L.; REINEMANN, D.J. Milk quality and mastitis test. Bovine Practice. 2002;36:41-54.
30. Mota RA, Castro FJC, Silva LBG, Oliveira AAF. Etiologia e sensibilidade a antimicrobianos in vitro das bactérias isoladas do leite de cabras com mastite procedentes da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil. A Hora Vet. 2000;19(114):26-29.