Resumo
O experimento visou avaliar o perfil de fermentação e acidez, pH e sinérese de iogurtes elaborados com leite contendo elevada e baixa contagem de células somáticas (CCS) e adicionados ou não de sólidos lácteos. No leite cru, coletado em seis dias distintos, avaliaram-se os teores de gordura, lactose, proteína, sólidos totais, extrato seco desengordurado, CCS e contagem bacteriana total (CBT). Submetidos à fermentação, verificaram-se o pH e acidez expressos em ácido láctico. No iogurte, mediram-se pH, acidez expressa em ácido lático e sinérese. O estudo foi conduzido em delineamento em blocos casualizados, com seis repetições e em parcelas subdivididas, tendo nas parcelas os tratamentos (níveis de CCS x adição ou não de sólidos) e, nas subparcelas, os tempos de fermentação e de armazenamento dos iogurtes. Os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e análises de regressão ou de correlação de Pearson, a 5% de probabilidade. Os níveis de CCS afetaram os teores de gordura e lactose do leite (p<0,05). Entretanto, assim como a adição de sólidos lácteos, não influenciaram o perfil de fermentação da cultura lática e a acidez, o pH e a sinérese dos iogurtes, sugerindo menor efeito dessas variáveis sobre a qualidade dos produtos.
Palavras-chave: acidez; leites fermentados; mastite; qualidade do leite.
Abstract
The aim of this study was to evaluate the fermentation characteristics and yogurts made from milk with high or low milk somatic cell count (CCS) and added or not with milk solids. Raw milk was collected at six days and subjected to various electronic analyzes of protein, fat, lactose, total solids, CCS and total bacterial count (CBT). The profile of the fermentation was monitored by pH and acidity, expressed as lactic acid. Yoghurts were analyzed for pH, acidity expressed as lactic acid and syneresis of final product at different storage times. The experiment was conducted in a randomized block design, with six replicates and split plots with treatments in installments (CCS levels x added or not added milk solids) and fermentation times and storage periods for yogurts subplots. Data were subjected to analysis of variance (ANOVA), regression or Pearson Correlation analysis, according to the tests. The results showed that CCS levels had effects on some milk parameters (p<0,05). However, no effects were observed on the fermentation profile and characteristics of yoghurt during storage, according to the CCS levels or adding milk solids.
Keywords: mastitis; milk quality; fermented milk; acidity.
Seção: Ciência e Tecnologia de Alimentos.
Recebido
27 de dezembro de 2016.
Aceito
18 de setembro de 2019.
Publicado
5 de fevereiro de 2020
www.revistas.ufg.br/vet
Como citar - disponível no site, na página do artigo.
Introdução
O iogurte é o derivado do leite mais apreciado e consumido mundialmente. São muitas as alternativas aplicadas ao produto que visam favorecer ainda mais o seu consumo. Dentre elas, a adição de leite em pó pode aprimorar as características tecnológicas e, consequentemente, a aceitação deste derivado lácteo, devido ao aumento da matéria sólida(1). Essa adição pode melhorar a consistência e a textura ou até mesmo mascarar a ocorrência de defeitos leves de dessoramento e de corpo do iogurte.
Adicionalmente, visando atender às exigências da indústria de laticínios e do consumidor, as propriedades rurais têm sido exigidas em produzir leite com qualidade microbiológica e físico-química adequada, a fim de garantir produtos derivados de qualidade. Dentre os fatores que interferem na qualidade do leite, a contagem de células somáticas (CCS) tem sido considerada medida padrão de qualidade, pois, quando em altos índices, interfere na composição, rendimento industrial, além de diminuir a vida de prateleira do leite e dos produtos lácteos(2).
Em vacas sadias são encontradas baixas CCS, geralmente menos de 50.000 células/mL de leite. Valores de CCS de até 250.000 células/mL não afetam a produção e a qualidade do leite, enquanto contagens acima de 250.000 – 300.000 células/mL podem ser indicação de infecção bacteriana do úbere(3).
O uso de leite com alta CCS determina efeito negativo sobre o crescimento e metabolismo das culturas láticas, comprometendo a qualidade, coagulação, aroma e textura do iogurte(4). Apesar do conhecimento existente, ainda não foi completamente explorado o efeito de leite com elevada CCS sobre os leites fermentados(5,6,7).
Dessa forma, objetivou-se investigar a influência do emprego de leite com elevada CCS sobre o perfil de fermentação e as características de acidez, pH e sinérese dos iogurtes tradicional e adicionado de sólidos durante 30 dias de armazenamento, bem como analisar as correlações existentes entre a CCS e os parâmetros de qualidade físico-química dos iogurtes.
Material e métodos
O leite utilizado para a realização do experimento foi proveniente da Fazenda Experimental Professor Hamilton de Abreu Navarro (FEHAN), a partir da ordenha mecânica de vacas da raça Holandesa, mantidas sob sistema intensivo de criação. Em seis semanas distintas, quatro litros de leite com elevada CCS (>250.000 células/mL) e quatro litros de leite com baixa CCS (<250.000 células/mL) foram obtidos uma vez por semana e enviados para a fabricação dos iogurtes.
A coleta do leite foi realizada seguindo-se os métodos descritos por Simões et al.(8). Visando diagnosticar vacas que produziam leite contendo elevada CCS, o teste de CMT foi realizado antes de todas as ordenhas e foram escolhidas as vacas que apresentaram o grau de três cruzes (3+) no teste de CMT(9) para compor o grupo de animais que ofereceram leite com CCS elevada(10).
Para composição das amostras de leite com baixa CCS, foi colhido leite de vacas que não apresentavam formação de gel no teste de CMT. Foi realizada linha de ordenha, sendo ordenhadas primeiro as vacas com resultado CMT negativo e, posteriormente, aquelas que tiveram CMT positivo.
As amostras de leite com elevada e baixa CCS foram homogeneizadas por agitação manual e uma alíquota foi imediatamente transferida para frascos plásticos esterilizados com capacidade de 60 mL contendo os conservantes Bronopol para análises de composição e células somáticas e Azidiol para CBT(11). As amostras foram enviadas sob refrigeração ao Laboratório de Análise da Qualidade do Leite (LabUFMG), da Escola de Veterinária da UFMG.
Para produção dos iogurtes, os leites de animais com elevada e baixa CCS foram imediatamente encaminhados ao Laboratório de Produtos Lácteos, onde as amostras foram submetidas ao tratamento térmico sob binômio tempo/ temperatura de 90 ºC por 5 minutos e resfriadas a 42 °C conforme a Figura 1.
Após atingir a temperatura de 42 ºC, foi adicionado ao leite por meio de inoculação direta o fermento lácteo YR03 da marca Rica Nata®, em formato de cápsulas constituídas por 70% de bactérias láticas Streptococcus thermophillus (St) e 30% de Lactobacillus delbrueckii bulgaricus (Lb). Para fabricação do iogurte adicionado de sólidos, além do fermento lácteo, adicionou-se 4% de leite em pó integral ao leite in natura. Durante a fabricação dos iogurtes tradicional e adicionado de sólidos foram realizadas, em triplicatas, medidas de pH e acidez expressa em porcentagem de ácido lático(13), monitoradas no tempo zero e a cada 40 minutos, durante 6 horas, a fim de determinar o perfil de fermentação das culturas lácticas nos iogurtes elaborados com leite com elevada e baixa CCS.
No final das 6 horas de fermentação, os iogurtes foram imediatamente mantidos em temperatura de refrigeração a 8 °C durante 30 dias.
O leite empregado na fabricação dos iogurtes foi submetido a análises de Composição Centesimal e Contagem de Células Somáticas, por absorção de comprimento de onda na região do infravermelho médio, utilizando o equipamento eletrônico Bentley Combi System 2300® (Chaska, Estados Unidos da América), segundo protocolos propostos pelas normas IDF Standard 148 A e ISO 9622:2013(14,15), além da Contagem Bacteriana Total, pelo princípio de citometria de fluxo, utilizando o equipamento eletrônico IBC Bacto Count IBC da Bentley Instruments Incorporated®(16).
Visando avaliar a qualidade dos iogurtes durante o período de validade foram analisadas, em triplicatas, características físicas da sinérese, determinada pela metodologia descrita por Tamime et al.(17), acidez, expressa em ácido lático e pH(12), nos intervalos de 1; 5; 10; 20 e 30 dias de armazenamento.
O experimento foi conduzido em delineamento em blocos casualizados (DBC), com seis repetições e em parcela subdividida, tendo nas parcelas os tratamentos, (Tratamento 1, iogurte tradicional com CCS até 250.000 CS/mL; Tratamento 2, iogurte adicionado de sólidos com CCS até 250.000 CS/mL; Tratamento 3, iogurte tradicional com CCS maior que 250.000 CS/mL e Tratamento 4, iogurte adicionado de sólidos com CCS maior que 250.000 CS/mL) e nas subparcelas os tempos de fermentação (0; 40; 1:20; 2:00; 2:40, 3:20; 4:00; 4:40; 5:20; 6:00 horas) e de armazenamento (1; 5; 10; 20; 30 dias).
Os dados da caracterização da fermentação e do iogurte durante a validade foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey a 5% de probabilidade. Análise de regressão foi realizada em função dos tempos de fermentação e de armazenamento, ao nível de 5% de probabilidade. Os dados da composição do leite foram avaliados pela ANOVA e Correlação de Pearson (r). As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa SISVAR, versão 5.6(18).
Resultados e discussão
Na tabela 1 encontram-se os resultados obtidos nas análises físico-químicas CCS e CBT do leite com elevada e baixa CCS utilizado na elaboração do iogurte.
Dentre os constituintes do leite, a gordura foi o parâmetro que apresentou maior coeficiente de variação, por ser, normalmente, o componente mais sujeito a variações devidas a diversos fatores de manejo e fisiológicos(19). O leite com elevada CCS apresentou valor inferior de gordura (p<0,05), houve correlação entre as varáveis (r= -0,68) (p<0,005). Em relação à variação da gordura do leite decorrente do aumento da CCS, existem relatos na literatura de aumento, diminuição ou não alteração no seu teor(7,20,9,21,22), em virtude da diminuição da produção de leite ocasionada pela infecção da glândula mamária(23) ou em virtude da redução da capacidade da secreção de gordura pelos alvéolos(20).
Com o aumento da CCS, ocorre a redução da síntese de lactose no leite, em virtude das lesões ocorridas nos alvéolos, podendo sofrer interferência com a passagem de lactose para o sangue(20). Os valores relativos à lactose apresentaram diferenças (p<0,05), com maiores concentrações no leite com baixa CCS, e estão de acordo com os resultados encontrados por Machado et al.(24) e Fernandes et al.(7). Foi observada correlação (p<0,005) entre a CCS e a lactose (r= -0,69).
No leite com elevada CCS, a redução no teor de gordura não foi suficiente para comprometer a adequação do índice, que deve apresentar o teor mínimo de 3%, porém, não se apresentou adequado quanto ao teor de lactose, segundo o proposto pelo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, que deve apresentar o teor mínimo de 4,3%(25).
Quando a CCS se encontra elevada, a síntese de proteínas, principalmente da caseína, é reduzida, pois o tecido secretor encontra-se comprometido. Porém, os níveis de proteína total são mantidos pela presença das proteínas do sangue, que são lançadas nos alvéolos mamários decorrentes do aumento da permeabilidade vascular(20). Simultaneamente, pode haver uma significativa redução da fração de caseína, pela sua degradação por proteases bacterianas e leucocitárias e pela diminuição de sua síntese devido à inflamação da glândula mamária. Dessa forma, no leite com CCS elevada, ocorre aumento da atividade enzimática, favorecendo ativação do plasminogênio em plasmina, a qual promove proteólise, principalmente na caseína e, mais especificamente, na β-caseína e αS2-caseína, alterando a composição proteica do leite(26). Não foram observadas diferenças (p>0,05) entre os valores de proteínas, fato que diverge dos resultados de Mazal et al.(27), Najafi et al.(22) e Sabedot et al.(28). Houve correlação (r= -0,63) (p<0,005) entre a CCS e a proteína no leite.
Em virtude da esperada diminuição nos teores de gordura, proteína e lactose, supõe-se que os sólidos totais apresentem menores concentrações com o aumento de células somáticas, porém, às vezes, há um pequeno aumento. Essa variação deve-se à diminuição da produção, em consequência da inflamação do úbere, acarretando uma concentração de sólidos totais no leite(29). Não houve influência (p>0,05) da CCS sobre os sólidos totais do leite, apresentando correlação negativa (p>0,005) com o EST (r= -0,40). Esse resultado corrobora as pesquisas de Silva et al.(30) de que os sólidos totais não são influenciados pelo aumento da CCS. Entretanto, divergem dos resultados encontrados por Fernandes et al.(7), que observaram diminuição dos sólidos totais quando o nível de CCS supera 1.000.000 CS/mL.
O ESD compreende os componentes sólidos desengordurados do leite e é importante para o rendimento dos produtos derivados. Neste estudo não foi observada influência (p>0,05) da CCS sobre o ESD do leite e houve correlação (p>0,005) entre a CCS e o ESD (r= -0,16). Esses resultados divergem daqueles verificados por Reis et al.(31) e Lima et al.(32).
Houve diferença (p<0,05) entre as amostras de leite com elevada e baixa CCS, indicando adequação na obtenção das amostras do experimento, uma vez que o leite que apresentou grau de três cruzes (3+) no teste de CMT estava realmente com valor de CCS bem superior ao determinado pela legislação(33), que preconiza contagens máximas de 5x105 CS/mL para o leite cru entregue nos laticínios.
O valor máximo de CBT preconizado pela legislação é de 3x105 UFC/mL(33), indicando que o leite é de qualidade aceitável. O leite com elevada CCS apresentou valor de CBT superior (p<0,05) ao leite com baixa CCS, porém, ambos se encontram dentro dos limites preconizados pela legislação. Na análise de correlação entre CCS e CBT, houve correlação (p=0,0522) entre os parâmetros (r= -0,57). Para evitar altas contagens bacterianas, é preciso trabalhar com higiene e refrigerar o leite o mais rapidamente após a ordenha. Santos e Fonseca(20) relataram que geralmente o aumento na CCS não tem relação direta com a CBT, excetuando nas infecções em que o agente etiológico da mastite seja Streptococcus agalactiae ou S. dysgalactiae.
De acordo com Viotto e Cunha(34), a produção de antimicrobianos pelos leucócitos, decorrente do aumento da CCS, poderia inibir o desenvolvimento da cultura lática, retardando o processo de fermentação e coagulação do iogurte. Ao analisar a curva de fermentação dos iogurtes com baixa e elevada CCS, observa-se que não houve mudança (p>0,05) no comportamento de acidez e pH (Figuras 2 e 3). Fernandes et al.(7) também não verificaram diferenças significativas nos valores de acidez de iogurtes produzidos com leite contendo diferentes níveis de CCS. Okello-Uma e Marshall(35) constataram que altas CCS no leite não ocasionaram diferenças (p>0,05) no crescimento dos microrganismos da cultura starter utilizada para a fabricação do iogurte.
Quanto ao perfil de fermentação dos iogurtes, os teores de ácido lático e pH foram influenciados apenas pelo tempo de fermentação (p<0,05), demonstrando atividade metabólica do fermento lácteo adicionado. A acidez dos quatro tipos de iogurtes permaneceu estabilizada por cerca de 120 minutos, tendo rápido aumento após esse período até o final da fermentação, como observado na Figura 2. Observa-se que durante o tempo de fermentação de 6 horas os quatro tipos de iogurtes geraram produtos dentro dos valores estabelecidos pela legislação, entre 0,6 a 1,5% de ácido lático(36), de 0,72%, 0,85%, 0,71% e 0,75% respectivamente, para T1, T2, T3 e T4.
O iogurte tem um perfil fermentativo característico que pode mudar com a adição de sólidos totais. Essa adição pode influenciar no aumento ou diminuição da atividade fermentativa das bactérias, que por sua vez influenciam nas características físico-químicas do produto. O leite em pó (integral, semidesnatado ou desnatado) tem sido amplamente utilizado com o objetivo de alcançar a concentração de sólidos necessária para a melhoria de sua consistência(37). Porém, nessa pesquisa, a adição de 4% de leite em pó não foi suficiente para promover alterações sobre o tempo de fermentação dos iogurtes (p>0,05), contrariando os achados de Martinéz et al.(38).
A legislação brasileira não estabelece limites em relação ao pH de iogurtes(36). Valores de pH entre 3,7 a 4,6 são normalmente encontrados nos iogurtes e valores entre 4,6 a 4,7 são considerados próximos do ideal, pois o produto nessa faixa não se apresenta excessivamente amargo ou ácido(37). Os quatro tipos de iogurte apresentaram valores de pH de 4,4, 4,5, 4,7 e 4,6 no final da fermentação, respectivamente, para T1, T2, T3 e T4. No início da fermentação, todos os quatro tipos de iogurte permaneceram estabilizadas por aproximadamente 80 minutos e então começaram a decrescer até o final das 6 horas de fermentação (Figura 3). Valores semelhantes foram observados por Fernandes et al.(7), com pH de 4,6 para o iogurte com baixa CCS e 4,5 para iogurte com elevada CCS. Oliveira et al.(5) concluíram que o pH do iogurte produzido com leite com diferentes níveis de CCS não é diferente (p>0,05).
Analisando a qualidade do iogurte durante seu armazenamento, verificou-se que a CCS do leite não influenciou as características físico-químicas dos iogurtes (p>0,01) (Figuras 4, 5 e 6). Os teores de acidez expressos em ácido lático, pH e sinérese foram influenciados apenas pelo tempo de armazenamento (p<0,01).
Ao comparar os valores de pH e acidez expressa em ácido láctico obtidos durante o período de armazenamento refrigerado dos iogurtes (Figuras 4 e 5), verifica-se que houve aumento no valor de acidez e decréscimo no valor do pH, em virtude da produção contínua de ácidos pelas bactérias láticas.
No primeiro dia de análise, os valores de acidez expressos em ácido lático para os tipos de iogurtes, T1, T2, T3 e T4, foram de 0,54%, 0,56%, 0,52% e 0,56%, respectivamente, aumentando gradativamente até alcançar 0,89%, 0,94%, 0,91% e 0,95% no 30º dia, correspondente ao período final de armazenamento (Figura 4). Segundo Gallina et al.(39), os iogurtes estão sujeitos ao decréscimo de pH e aumento da acidez durante o armazenamento refrigerado, em decorrência da persistente atividade das bactérias durante o armazenamento do produto. Fernandes et al.(7) observaram aumento da acidez de 0,69% de ácido lático no primeiro dia após a fabricação para 0,72% no 30º dia de armazenamento para o iogurte com baixa CCS, e o aumento da acidez de 0,70% de ácido lático no primeiro dia após a fabricação para 0,76% no iogurte com leite contendo mais de 800.000 CS/mL (p<0,05).
Estudos realizados por Donkor et. al.(40) mostraram que em iogurtes armazenados sob refrigeração a acidez titulável pode apresentar alterações em maior ou menor grau, dependendo do valor inicial dela, da temperatura de refrigeração, do tempo de armazenamento e do poder de pós-acidificação das culturas utilizadas. O aumento da acidez titulável é diretamente proporcional à temperatura e ao tempo de armazenamento(41).
No primeiro dia de análise, os valores de pH para quatro os tipos de iogurtes, T1, T2, T3 e T4, foram de 4,7; 4,6; 4,6 e 4,7, respectivamente, reduzindo gradativamente até alcançar 3,9; 3,9; 3,8 e 3,8 no 30º dia, correspondente ao período final de armazenamento (Figura 5). Luz et al.(42) observaram diminuição de pH em iogurtes durante o período de 30 dias de armazenamento.
Conforme Damin et al.(43), a redução do pH dos iogurtes nos sete primeiros dias de armazenamento está relacionada à hidrolise de lactose e produção de ácido lático e galactose, mostrando a existência da atividade metabólica da bactéria lática. O valor de pH implica na atividade metabólica das bactérias, podendo favorecer determinado grupo em detrimento de outro, e no iogurte as bactérias do gênero Lactobacillus crescem e toleram valores de pH mais baixos que Streptococcus spp..
O valor do pH é importante, pois o iogurte com baixa acidez (pH<4,6) favorece a separação do soro decorrente da não adequada formação do gel. Por outro lado, em pH inferior a 4,0 pode ocorrer contração do coágulo, devido à redução da hidratação das proteínas, também conduzindo ao dessoramento do produto(44).
A sinérese é um fenômeno causado pela liberação espontânea de soro, acompanhada pela redução do seu volume e intensificado por mudanças na temperatura, pH e fatores mecânicos(45). A sinérese não foi influenciada pela CCS do leite e sim pelo do tempo de armazenamento que favoreceu o aumento da produção do soro na superfície dos iogurtes (p<0,05).
No primeiro dia de análise, os valores de sinérese para os tipos de iogurtes, T1, T2, T3 e T4, foram de 1,22%, 0,93%, 1,10% e 0,55%, respectivamente, aumentando gradativamente até alcançar 3,23%, 3,13%, 3,23% e 2,63% no 30º dia, correspondente ao período final de armazenamento (Figura 6).
Observa-se que houve produção de soro em todos os quatro tipos de iogurtes. A adição de leite em pó na elaboração dos iogurtes ajuda a melhorar a firmeza e a reduzir a sinérese no produto(37). Porém, a adição realizada nesse experimento não foi suficiente para alcançar esses objetivos, pois houve dessoragem nos iogurtes que tinham leite em pó na sua constituição. Kücükcetin(46) também não encontrou efeito da adição de sólidos sobre a sinérese.
Conclusão
A utilização de leite com elevada CCS não interferiu no tempo de fermentação e no crescimento da cultura lática utilizada na elaboração dos iogurtes durante as seis horas de fermentação e nas características de acidez, pH e sinérese dos iogurtes.
A adição do leite em pó na confecção do iogurte adicionado de sólidos não foi suficiente para promover mudanças no índice de sinérese entre os dois tipos de produto, assim como a CCS do leite cru também não afetou essa resposta.
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