MEDICINA VETERINÁRIA

DOI: 10.1590/1809-6891v15i34450

DOSAGEM DE METABÓLITOS DE GLUCOCORTICOIDES E PROGESTERONA EM FEZES DE PAPAGAIO-VERDADEIRO (Amazona aestiva)

Caroline Junko Fujihara1, Wolff Camargo Marques Filho2, Ana Livia Rocha Monteiro3, Rodrigo Freitas Bittencourt4, Carla Martins Queiroz5, Ricardo José Garcia Pereira6, João Carlos Pinheiro Ferreira7

1Medica Veterinária Doutora, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Unesp, Botucatu SP, Brasil.
2Medico Veterinário Doutor, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Unesp, Botucatu SP, Brasil.
3
Mestre, Fiscal Estadual Agropecuário da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará, Fortaleza CE, Brasil.
4Professor Doutor, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA,Brasil.
5Pós Graduanda da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Unesp, Botucatu SP, Brasil.
6Professor Doutor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, São Paulo, SP, Brasil.
7
Professor Doutor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Unesp, Botucatu SP, Brasil - jcferreira@fmvz.unesp.br

RESUMO

Os objetivos do presente trabalho foram avaliar as concentrações fecais de metabólitos de glicocorticoides, mensurados por enzimaimunoensaio, empregando-se anticorpos contra cortisol, e por radioimunoensaio, empregando-se anticorpo contra corticosterona, e dos metabólitos da progesterona, mensurados por raioimunoensaio empregando-se anticorpo contra progesterona, em papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) após desafio com ACTH. A estimulação da adrenal com 25 UI/animal de ACTH resultou na elevação das concentrações de metabólitos de glicocorticoides, mas não modificou a dos metabólitos da progesterona fecal em papagaio-verdadeiro. Embora não tenha sido observada a sincronização dos picos de excreção fecal dos metabólitos de glicocorticoides mensurados por enzimaimunoensaio e radioimunoensaio, houve dois picos de excreção, um entre 2 e 4 horas e outro entre 8 e 10 horas. Apesar dos picos, não foram detectados efeitos de Grupos (Tratamento x Controle), momento (horas de coleta) ou sexo (macho x fêmea) nos resultados observados nas concentrações fecais de metabólitos de glicocorticoides e de progesterona, com os métodos empregados.
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PALAVRAS-CHAVE: aves, corticosterona, cortisol, não-invasivo, progesterona.

 

MEASUREMENT OF GLUCOCORTICOID AND PROGESTERONE METABOLITES IN FECES OF BLUE FRONTED PARROT (Amazona aestiva)

ABSTRACT

The objectives of the present study were to evaluate fecal concentrations of metabolites of glucocorticoids, measured by enzyme immunoassay with a cortisol antibody and by radioimmunoassay with a corticosterone antibody, and progesterone by radioimmunoassay with a progesterone antibody in blue-fronted parrot (Amazona aestiva) after ACTH challenge. The adrenal stimulation with ACTH (25 UI/animal) resulted in an increase of fecal glucocorticoids metabolites concentration, but it did not affect the concentrations of fecal progesterone metabolites. Although there were no synchronized peaks of glucocorticoid metabolites excretion measured by enzyme immunoassay and radioimmunoassay, there were two peaks of excretion, one at 2-4 hours and other at 8-10 hours. Despite the occurrence of peaks, the analysis of fecal glucocorticoids metabolites and progesterone metabolites showed no effect of group (control and treatment), moment (hours of sampling) and sex.
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KEYWORDS: birds, corticosterone, cortisol, noninvasive, progesterone.



INTRODUÇÃO

As aves representam o grupo mais abundante e diverso entre os vertebrados, a maioria apresenta hábito diurno e vocaliza com frequência1, 2. Segundo a lista de aves da IUCN3, há 9.917 espécies descritas no mundo, sendo que cerca de 1.700 são do Brasil e 170 endêmicas no país.

A ordem Psittaciforme está entre as mais ameaçadas deste grupo; das 332 espécies da família Psittacidae, cujos representantes mais conhecidos são as araras (Ara e Anodorhynchus), papagaios (Amazona), maracanãs (Propyrrhura), periquitos (Brotogeris), tuins (Forpus), maritacas (Pionus), além de espécies africanas (Agapornis e Psittacus), asiáticas e da Oceania (Lorius, Trichoglossus, Kakapo e Nestor), 95 correm risco de extinção sendo que para 28% destas o risco é eminente3, 4.

A degradação do habitat, a perseguição humana para comércio de animais e suas penas, bem como a caça e coleta dos ovos e filhotes são os principais fatores para o declínio de muitos psitacídeos. Isto, associado à introdução de espécies predadoras ou competidoras, endogamia, destruição das espécies de árvores utilizadas para nidificação e processos relacionados com o desenvolvimento antrópico4, provocam estresse crônico e, com isso, alterações no sistema hipotálamo-pituitária-adrenal, desequilibrando os processos catabólicos (mobilização de energia) e anabólicos (reparação, cicatrização e crescimento), que, ao longo do tempo, podem afetar negativamente a sobrevivência, a reprodução e a resistência às doenças5-7.

Com a crescente preocupação com a biodiversidade, há a necessidade da criação de programas de conservação8, que monitorem e verifiquem os impactos sobre a saúde dos animais. Entre os diversos métodos de monitoramento, destaca-se a dosagem hormonal, por meio da qual pode-se observar o nível de estresse nos animais, entre outros9.

Em amostras fecais, para que as dosagens possam ser realizadas, torna-se necessária a validação das técnicas de quantificação hormonal, pois a forma e o tempo de excreção dos metabólitos dos hormônios variam consideravelmente entre as espécies9-12.

Devido à variabilidade dos níveis hormonais de acordo com a espécie estudada e a carência de trabalhos de dosagem hormonal por método não-invasivo em espécies brasileiras, os objetivos do presente trabalho foram: avaliar as variações das concentrações fecais de metabólitos de glicocorticoides (MG) e progesterona (MP) em papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) após desafio com ACTH.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram selecionados 15 papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) hígidos, adultos, com idades variadas, provenientes de apreensões realizadas pela Polícia Militar Ambiental e destinados ao Centrofauna (Projeto de Reabilitação e Soltura de Animais Silvestres), localizado no município de Botucatu-SP. Todos os procedimentos experimentais foram aprovados pela Câmara de Ética em Experimentação Animal da FMVZ-Unesp (Protocolo no 133/2005-CEEA)

 A sexagem das aves foi realizada pela técnica de PCR (“Polymerase Chain Reaction”), no Laboratório de Biologia Molecular Animal do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da UNESP, Campus Botucatu, empregando-se amostras de canhão de pena em crescimento.

As amostras foram acondicionadas em álcool 100% e armazenadas em freezer a -20°C até seu processamento. A metodologia empregada para extração do DNA total baseou-se no protocolo de Sambrook e Russell13 que emprega fenol-clorofórmio.

A partir dos resultados obtidos, oito indivíduos (quatro machos e quatro fêmeas) foram selecionados, de forma aleatória. Os animais foram inicialmente divididos em dois grupos: Grupo Controle (C) e Grupo Tratamento (T), composto por dois machos e duas fêmeas. Os animais do Grupo Controle receberam 0,2 mL de solução salina (0,9% NaCl) e os do Grupo Tratamento receberam 0,2 mL de solução contendo 25 UI de ACTH (Hormônio Adrenocorticotrópico de suíno, Sigma-Aldrich Brasil Ltda). Os tratamentos foram administrados por via intramuscular no músculo peitoral.

O procedimento foi repetido após intervalo de sete dias, de modo que os animais que inicialmente foram alocados no Grupo Controle passaram a fazer parte do Grupo Tratamento e os inicialmente alocados no Grupo Tratamento, passaram a fazer parte do Grupo Controle.

As colheitas fecais foram realizadas entre maio e junho de 2007 no Centrofauna. No dia da realização do experimento, os animais foram removidos do viveiro coletivo, acondicionados em gaiolas individuais (com aproximadamente 50 cm de largura e profundidade, e 60 cm de altura) com fundo forrado com papel, e transportados para uma sala onde foi realizado o experimento. O tempo entre a captura das aves até a administração da solução foi de no máximo 15 minutos.

Todos os animais receberam ração extrusada para psitacídeos (Alcon®), alimento para papagaio com frutas (Nutripássaros®), sementes e frutas frescas (girassol, banana, abacaxi, pera, kiwi, goiaba, maçã, laranja, caqui, maracujá doce e mamão), sendo a água disponível à vontade. A temperatura média nos dias de colheita variou entre 5 a 18 °C, sendo chuvoso apenas na 1ª coleta e os demais foram ensolarados.

Foram coletadas amostras individuais de fezes logo após a administração do tratamento e, posteriormente, a cada 30 minutos, sendo as amostras agrupadas a cada 01 hora, perfazendo 10 horas de coletas. O forro de papel era trocado após cada coleta para evitar possíveis contaminações das amostras. Todas as amostras permaneceram resfriadas por até 10 horas, em caixa isotérmica contendo gelo reciclável (5 °C) e, subsequentemente, foram acondicionadas em criotubos e submetidas à liofilização, no Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP. Os tubos foram protegidos com folha de papel alumínio perfurado, para evitar possível sucção da amostra pelo liofilizador, e dispostos em rack de papelão, mantidas em freezer a -70 °C e levados à liofilizadora (Edward do Brasil) à -45 °C e pressão de 60 mBar por 12 horas. As amostras foram retiradas do aparelho, tampadas e mantidas em freezer à -20 °C até a extração e dosagem hormonal.

A extração foi realizada no Laboratório de Dosagem Hormonal do Departamento de Zootecnia da UNESP-Jaboticabal. Para a extração hormonal das amostras fecais, foi empregada a metodologia descrita por Grahan et al.14 modificada. Amostras de 0,05 g (±0,002) de fezes liofilizadas foram diluídas em 1 mL de metanol 80%, levadas ao agitador (vórtex) em velocidade máxima para a primeira homogeneização, mantendo-se o mínimo de amostra aderido à parede. Subsequentemente, as amostras foram mantidas em agitador Kline® por 12 horas (overnight). O extrato foi centrifugado a 500 xg por 20 minutos, o sobrenadante recuperado em tubos de vidro com tampa e mantido em freezer à -20 ºC até a dosagem.

As concentrações de MG fecais foram mensuradas por duas técnicas: Enzimaimunoensaio Direto (EIA), no Laboratório de Dosagem Hormonal do Departamento de Zootecnia da FCAV-Unesp-Jaboticabal, empregando-se um anticorpo contra o cortisol, e Radioimunoensaio (RIA), no Laboratório de Endocrinologia do Departamento de Reprodução Animal da FMVZ-Unesp-Botucatu, empregando-se um anticorpo contra a corticosterona. As concentrações de MP foram mensuradas por  RIA, no Laboratório de Endocrinologia do Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária da FMVZ-Unesp-Botucatu.

Na técnica de EIA, foram utilizadas placas de poliestireno contendo 96 poços, que foram incubadas com 50 µL de anticorpo policlonal (cortisol R4866- C. Munro, Universidade da Califórnia, Davis, CA), acrescido de 50 µL de solução coating buffer por poço e mantidas em geladeira por 12 horas. Após esse período, as placas foram lavadas com solução de lavagem e 50 µL das amostras foram adicionadas a cada poço, assim como o padrão e os controles, sempre em duplicata. Após período de incubação sem agitação de 01 hora, as placas foram novamente lavadas, adicionadas com 10 µL de solução ABTS (40 µL 0,5 M H2O2 + 125 µL 40 mM ABST + 12,5 µL solução tampão) e mantidas em incubação com agitação por 60 minutos ou até que a amostra contendo o padrão “zero” atingisse valores de leitura de densidade óptica entre 0,9 a 1,0. A leitura foi realizada pelo aparelho de contagem Revelation Dynex®.

Para dosagens realizadas por RIA, foram utilizados kits comerciais de fase sólida Coat-A-Count® Rat-Corticosterone da DPC-MedLab (Ref. TKRC1-100 tubos; Los Angeles-Califórnia) e Coat-A-Count® Progesterona da DPC-MedLab (Ref. TKPG2- 200 tubos, Los Angeles-Califórnia), conforme as instruções do fabricante; as leituras foram realizadas pelo aparelho de contagem Gama Counter® – Cobra II (Packard BioScience Company).

Para caracterizar pico de excreção dos MG e MP fecais, após a administração de ACTH, foram empregados a média e o desvio padrão, respectivamente, como medidas de tendência central e de variabilidade dos dados. Foi considerado pico de excreção quando o valor médio obtido em um dado momento foi maior que a média adicionada de 1,5 vezes o desvio padrão.

A análise estatística dos dados foi realizada pelo pacote Statistical Analysis System (SAS) – versão 5.0 (1996). Os animais foram considerados repetições e os protocolos experimentais tratamentos. Para a comparação das variáveis estudadas entre os tratamentos e o controle foi utilizado o Procedimento General Linear Model (PROC GLM), com o teste de Student-Newman-Keuls (SNK), avaliando-se também o efeito do sexo e dos diferentes horários sobre as concentrações MG fecais. As possíveis correlações existentes entre as variáveis estudadas foram verificadas através do Proc Corr. Para todas as avaliações utilizou-se o nível de significância de 95% (P<0,05).

RESULTADOS

Os valores médios e os desvios padrão para a dosagem de MG empregando-se anticorpo contra cortisol em amostras fecais de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) obtidas durante 10 horas após a administração de solução salina e ACTH, respectivamente, nos animais dos Grupos Controle e Tratamento, estão representados nas Figuras 1 (todos os animais), 2 (machos) e 3 (fêmeas).

Quando considerados todos os valores encontrados, foram identificados os seguintes picos: três horas após a administração da solução salina nas fêmeas e nos machos do Grupo Controle e dez e três horas após a administração de ACTH nas fêmeas e machos do Grupo Tratamento, respectivamente. Considerando-se todos os animais, foram determinados os seguintes picos: três horas após a administração da solução salina e dez horas após a administração de ACTH.

Por meio do teste de Student-Newman-Keuls, não foram detectados efeitos de grupo, momento ou sexo nos resultados observados, exceto entre as fêmeas do Grupo Controle e os machos do Grupo Tratamento na hora cinco e entre os machos do Grupo Controle e as fêmeas do Grupo Tratamento na hora dez.

Os valores médios e os desvios padrão para a dosagem de MG empregando-se anticorpo contra corticosterona em amostras fecais de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) obtidas durante dez horas após a administração de solução salina e ACTH, respectivamente, nos animais dos Grupos Controle e Tratamento, estão representados nas Figuras 4 (machos e fêmeas), 5 (machos) e 6 (fêmeas).

Para a excreção fecal de MG empregando-se um anticorpo contra corticosterona, considerando-se todos os animais, foram determinados os seguintes picos: oito horas após a administração da solução salina e quatro horas após a administração de ACTH.

Os valores médios e os desvios padrão para a dosagem de MP em amostras fecais de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) obtidas durante dez horas após a administração de solução salina e ACTH, respectivamente, nos animais dos Grupos Controle e Tratamento, estão representados nas Figuras 7 (machos e fêmeas), 8 (machos) e 9 (fêmeas).


DISCUSSÃO

A dosagem hormonal em animais de produção e humanos normalmente é realizada por meio de mensurações plasmáticas, devido à fácil colheita de sangue e à possibilidade de esta ser realizada com frequência. Em animais selvagens, tais condições são raramente encontradas, pois estes são facilmente estressáveis, o que resulta na alteração dos valores hormonais plasmáticos em poucos segundos, principalmente no que se refere aos hormônios relacionados ao estresse. Adicionalmente, além da elevada probabilidade de ocorrência de traumas no momento da contenção, no caso de animais de porte muito pequeno, o volume de sangue possível de ser colhido pode ser insuficiente e as vias de acesso para a sua colheita restritas15.

Devido a todos esses fatores, em animais selvagens têm-se preconizado a mensuração hormonal nas excreções, tais como fezes e urina, por sua facilidade de obtenção e maior segurança tanto para o animal quanto para o pesquisador15. Os esteroides, como a corticosterona e a progesterona, por sofrerem metabolização hepática, não estão presentes nas fezes nas suas formas originais e sim na forma de metabólitos.  Esse fenômeno foi comprovado em estudos envolvendo a injeção intravenosa de esteroides marcados com isótopos radioativos. Embora os termos “corticosterona ou glicocorticoides fecais” ou “progesterona fecal” sejam comumente usados, eles não são adequados e devem ser substituídos por “metabólitos de corticosterna ou metabólitos de glicocorticoides fecais” ou “metabólitos de progesterona fecais”16. Devido à presença de vários metabólitos de hormônios esteroides nas fezes e da possibilidade de fatores desconhecidos influenciarem os resultados, são necessárias validações específicas dos métodos de dosagem para verificar se o que está sendo dosado relaciona-se ao hormônio analisado15,16.

No presente experimento, os valores médios da concentração fecal de MG,  mensurados com anticorpos específicos contra cortisol e corticosterona, apesar das flutuações observadas, não se elevaram significativamente após a contenção e desafio com ACTH ou solução salina. A despeito da ausência de modificações significativas, foram documentados momentos de picos de excreção dos MG; contudo, não foi possível relacionar os momentos de pico apenas à administração de ACTH exógeno, havendo a possibilidade de ter ocorrido a participação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal por estimulação endógena em ambos os grupos.

Ao se avaliar separadamente cada método de dosagem empregado, observou-se que, apesar de a corticosterona ser considerada o glicocorticoide mais importante em aves adultas6, 17, 18, a dosagem dos MG fecais em papagaios-verdadeiros pôde ser realizada com o emprego da técnica de EIA com o uso de anticorpo policlonal contra o cortisol, demostrando a existência de reações cruzadas entre esse anticorpo e os MG fecais.

A ausência de efeitos relacionados a grupo, momento ou sexo nos resultados, exceto entre as fêmeas do Grupo Controle e os machos do Grupo Tratamento na hora cinco e entre os machos do Grupo Controle e as fêmeas do Grupo Tratamento na hora dez, evidencia que não houve um padrão regular na resposta de excreção fecal de MG  mensurados com anticorpo contra cortisol e os animais, individualmente, apresentaram perfis particulares em relação ao momento de excreção máxima ou mínima a partir do momento da contenção e administração da solução salina ou ACTH.

Apesar da ausência de efeitos significativos, a observação de picos de excreção fecal de MG às três horas nos machos e fêmeas do Grupo Controle, e às três e dez horas nos machos e fêmeas no Grupo Tratamento, respectivamente, sugere que nesses momentos aconteceram importantes variações na quantidade de MG presentes nas excretas, sinalizando que um aumento do número de animais em estudos dessa natureza pode levar à descoberta de padrões mais regulares de elevação fecal desses metabólitos, após o desafio com ACTH.

As modificações das concentrações fecais de MG observadas no presente estudo foram semelhantes às observadas por Lee et al.19, que relataram pico de excreção de hormônios esteroides após quatro horas da administração de esteroides radiomarcados em dois gêneros de psitaciformes (Melopsittacus undulates e Amazona amazonica), e por Wasser et al.9, Denhard et al.11 e Thiel et al.20 que, após administração de ACTH, observaram, respectivamente, picos de excreção às duas e às 12 horas em duas espécies de corujas (Strix vari e Bubo virginianus), aumento de excreção de metabólitos de glucocorticóides após quatro horas em galinhas (Gallus domesticus), corvo (Phalacrocorax carbo) e açor (Accipiter gentilis) e variação individual nos picos de excreção em tetraz-grande (Tetrao urogallus).

Quando considerados os resultados obtidos na dosagem de MG por RIA, empregando-se anticorpo contra corticosterona, apesar da ausência de modificações significativas após a administração de ACTH ou solução salina, também foram observados picos de excreção; contudo, esses picos foram assincrônicos em relação aos observados na dosagem por EIA empregando-se anticorpo contra cortisol. Esses resultados contraditórios podem estar relacionados ao número exíguo de animais empregados na avaliação por RIA, e podem ser consequência da grande variabilidade individual das concentrações de glicocorticoides plasmáticos21 que, por sua vez, influenciam os resultados das determinações das suas concentrações fecais.

No presente estudo, a grande variação individual dos resultados da concentração fecal dos MG dosados após desafio com ACTH ou solução salina, empregando-se anticorpos contra o cortisol e contra a corticosterona, não permitiu a validação fisiológica dos ensaios, diferente do observado por Lee et al.22, que estudaram a excreção fecal de metabólitos de esteroides sexuais radiomarcados em pardal (Zootrichia leucophrys oriantha), e Goymann et al.10 e Nakagawa et al.12, que realizaram dosagens fecais de MG empregando-se anticorpo contra a tetra- hydrocorticosterone  e corticosterona, respectivamente, em tordo-europeu (Saxicola torquata rubicola) e pinguim-de-Adélia (Pygoscelis adeliae), após desafio com ACTH. Todos esses autores observaram aumento sincrônico nas concentrações dos metabólitos hormonais estudados enquanto que nos papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) do presente experimento houve grande variação individual do momento de ocorrência do pico de excreção.

A primeira possibilidade para explicar a não validação fisiológica é a ausência de amostras fecais em todos os momentos programados de colheita, que pode ter sido uma consequência da não ingestão contínua de alimentos devido à falta de adaptação das aves ao manejo constante e à presença do ser humano junto a elas o dia todo. Essa ocorrência é relatada por Goymann et al.10, que também não obtiveram amostras fecais em animais que interromperam a alimentação durante o período experimental e atribuíram o fenômeno ao estresse relacionado ao manejo continuo dos animais. Contudo, a probabilidade de que as amostras perdidas apresentassem valores capazes de uniformizar os resultados é muito pequena e, portanto, diminuem a possibilidade de esta explicação ser plausível.

Frigerio et al.23 verificaram relação negativa entre a temperatura na noite anterior e as concentrações de MG fecais, sugerindo que os corticoides estão envolvidos no processo de termorregulação das aves. A interferência devido a fatores estressantes no dia anterior a colheita, como por exemplo, a baixa temperatura ambiente, pode ser uma explicação para o pico de excreção de MG dosados, empregando-se anticorpo contra o cortisol, na hora zero após administração de ACTH em um dos machos.

Outra possibilidade para a ocorrência desses picos não sincrônicos são as diferenças individuais de morfologia, taxa de passagem do alimento no trato gastrointestinal e taxa de metabolismo hormonal24, ou ainda as diferentes histórias de vida das aves, refletindo nas condições fisiológicas nas quais os animais se encontravam antes do experimento25. Esta possibilidade neste estudo é bastante plausível, visto que as aves eram provenientes de apreensão pelo IBAMA e constituíam lote heterogêneo quanto à idade, escore corporal, status reprodutivo, histórico de cativeiro e tempo de chegada ao Centro de Reabilitação.

Os procedimentos de manejo durante a realização do estudo podem ter interferido nos resultados, pois, no dia do experimento, os papagaios foram capturados um a um, retirados de seu ambiente de permanência usual (viveiro coletivo), colocados em gaiolas individuais; depois foram novamente contidos para a realização das injeções intramusculares e mantidos isolados em gaiolas pequenas, dentro de um quarto e com a presença humana estranha constante. Este conjunto de procedimentos, que não estavam incorporados à rotina dos animais, pode ter desencadeado a liberação de ACTH endógeno e, consequentemente, estimulado a secreção de hormônios pela adrenal e a subsequente elevação das concentrações fecais dos seus metabólitos nos dois grupos experimentais e promovido a produção de picos de MG fecais de forma assincrônica. A influência desses fatores pôde ser observada no estudo de Collete et al.26, que demonstrou a elevação da corticosterona plasmática em papagaios (Amazona amazonica) após serem submetidos a procedimentos de contenção.

A hipótese de que a adrenal secreta progesterona em situações de estresse vem sendo demonstrada em bovinos, por meio de desafios com ACTH27, 28 ou por indução de estresse por simulação de transporte29. Contudo, as concentrações de MP nas fezes de papagaios-verdadeiros no presente estudo não apresentaram aumentos significativos nem relação com as observadas para os MG fecais e sugerem que a adrenal das aves não é uma fonte de progesterona importante. Esse hipótese é reforçada pelos achados de Bluhm et al.30, que observaram níveis basais de progesterona plasmática em fêmeas de pato real (Anas platyrhynchos) fora da estação de reprodução, mesmo sob estresse; entretanto, esses resultados devem ser interpretados com cautela, pois esses autores submeteram apenas um animal ao protocolo de indução de estresse, sinalizando a necessidade de novos estudos.

No entanto, apesar da ausência de um padrão regular de excreção e de diferenças significativas entre os valores observados de MP ao longo do tempo, a dosagem por RIA empregando anticorpo contra a progesterona foi capaz de identificar a presença de metabólitos imunorreativos. Levando-se em consideração que os animais do presente estudo estavam fora da estação reprodutiva e que metade destes eram machos, os resultados encontrados sugerem a existência de uma fonte extra gonadal de progesterona ou, mais provavelmente, a existência de reação cruzada do anticorpo contra progesterona com os metabólitos de outros esteroides presentes nas fezes.

Uma vez que nas fezes virtualmente não são encontrados esteroides nas suas formas originais e sim os produtos (metabólitos) da metabolização destes no fígado e intestino, Palme16 recomenda que, ao invés de anticorpos específicos para um determinado esteroide, sejam empregados, para as dosagens hormonais realizadas nas excretas, os ensaios denominados grupo específicos, que se caracterizam por empregarem anticorpos com afinidade para um grande número dos metabólitos. Esses ensaios apresentam maior sensibilidade e, consequentemente, melhor capacidade de monitorar adequadamente a excreção desses metabólitos, refletindo, assim, as variações plasmáticas dos hormônios originais de modo mais fidedigno. Como no presente estudo foram utilizados anticorpos específicos contra os hormônios plasmáticos (cortisol, corticosterona e progesterona), isso pode ter contribuído para a não caracterização de um padrão regular de excreção dos metabólitos após desafio com ACTH e sinaliza a necessidade de que novos estudos empregando-se ensaios grupo específicos sejam realizados em papagaios-verdadeiros.

Adicionalmente, a interpretação adequada dos resultados de validação fisiológica do presente estudo ficou prejudicada em função do limitado número de animais e das interferências no delineamento experimental e processo de colheita das amostras, tornando-se necessária a condução de estudos com maior quantidade de animais e delineamento experimental mais controlado, principalmente no que diz respeito à homogeneização do lote e minimização do estresse nos animais, por meio de protocolos de adaptação tanto aos procedimentos de manuseio quanto à administração de solução injetáveis.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados obtidos sob as condições experimentais do presente estudo, apesar de não ter sido possível caracterizar um padrão de excreção de metabólitos fecais de glicocorticoides, foi possível verificar que as técnicas de enzimoimunoensaio, empregando-se anticorpo contra o cortisol, e de radioimunoensaio, empregando-se anticorpo contra a corticosterona, foram capazes de detectar variações nas concentrações dos metabólitos de glicocorticoides nas fezes de papagaios-verdadeiros. A técnica de radioimunoensaio empregando-se anticorpo contra a progesterona também permitiu a identificação de metabólitos imunorreativos relacionados com a progesterona; contudo; o entendimento do significado desses achados ainda necessita de novas investigações.

AGRADECIMENTOS

Ao Departamento de Genética-IBB-UNESP-Botucatu, em especial, aos Professores Guaracy Tadeu Rocha e Adriane Pinto Wasko, pela sexagem das aves; ao Projeto Centrofauna por fornecer as aves e o local para estudo; ao Departamento de Patologia da FMB- Unesp - Botucatu, em especial ao Claudinei pela liofilização das amostras; ao Departamento de Reprodução Animal e Reprodução de Animais Selvagens da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – USP, em especial ao Prof. Marcelo Alcindo de Barros Vaz Guimarães pelas sugestões. À CAPES pela bolsa de estudo, à FUNDUNESP e à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo no 2009/05864-8) pelo auxílio financeiro.

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Protocolado em:  28 jul 2008. Aceito em: 01 jul. 2014