RESUMO
As fraturas da pelve são comuns e têm recomendação de tratamento
conservador ou cirúrgico podendo estar acompanhadas de lesões em
estruturas vitais. Objetivou-se avaliar as consequências do trauma
pélvico em cães e os resultados do tratamento. Foram utilizados 20
animais com fratura na pelve, nos quais a implantação de tratamento,
cirúrgico ou conservador, baseou-se no tipo de fratura, extensão das
lesões e disponibilidade de recursos. Em 85% dos animais houve fratura
ilíaca, envolvendo estruturas bilaterais em 80%, sendo observados
vários transtornos concomitantes como: lesões cutâneas; disquesia;
fratura em membros ou de coluna; ruptura de reto, diafragmática ou vias
urinárias; trauma crânio encefálico e óbito. Nos operados houve um
retorno à deambulação, verificando-se recuperação total após noventa
dias. Resultado que não se repetiu nos pacientes tratados
conservativamente, sendo observada claudicação persistente, após 90
dias. A estabilização cirúrgica proporcionou redução evidente da dor
após sete dias, elevando a qualidade de vida e reduzindo as
necessidades de enfermagem, enquanto que 55% dos não operados vieram a
óbito. Dois tiveram que ser operados para corrigir complicações
consequentes da falta de correção anterior. Os resultados assinalam que
em cães com trauma pélvico deve-se procurar primariamente a resolução
cirúrgica e a presença de outras lesões orgânicas concomitantes
incapacitantes ou com potencial de induzir ao óbito.
____________
PALAVRAS-CHAVE: cão; fratura; lesões concomitantes; pelve.
ABSTRACT
CONSEQUENCES OF PELVIC TRAUMA IN DOGS
Fractures of the pelvis are common and may be accompanied by injuries
to vital structures. Conservative treatment or surgery is usually
recommended. The aim of this study was to evaluate the consequences of
pelvic trauma in dogs and the results of clinical and surgical
treatment. Twenty animals with fracture of the pelvis were used. The
treatment, surgical or conservative, was primarily based on the type of
fracture, extent of injuries and resources availability. 85% of the
animals showed iliac fracture; 80% of the cases were bilateral pelvic
fracture, and concurrent disorders, such as skin lesions, dyschesia,
limb and column fracture, colon, urinary tract or diaphragm rupture,
head trauma and death, were observed. In patients who underwent surgery
there was recovery of ambulation, with full recovery after 90 days.
This result was not repeated in patients which underwent conservative
treatment. The surgical stabilization of bone segments provided clear
pain reduction after seven days, increasing life quality and reducing
the need for nursing, while 55% of the animals that were not operated
died and other two had to be operated to correct complications as a
result of the lack of previous surgical correction. The results
indicate that, in dogs with pelvic trauma, surgical resolution should
be primarily sought, and the presence of other concomitant organic
disabling injuries or with the potential to lead to death should be
verified.
____________
KEYWORDS: associated injuries; dog; fractures; pelvis.
INTRODUÇÃO
Fraturas da pelve são relativamente comuns e correspondem, em clínicas
veterinárias, de 20% a 30% de todas as fraturas (NEWTON, 1985;
OLMSTEAD, 1995; OLMSTEAD & MATIS, 1998; PIERMATTEI et al., 2006). A
maioria compreende fraturas múltiplas nas quais há mais de três ossos
envolvidos (OLMSTEAD & MATIS, 1998; PIERMATTEI
et al., 2006).
A causa mais comum de fraturas pélvicas são traumas por acidentes
automobilísticos (INNES & BUTTERWORTH, 1996; OLMSTEAD & MATIS,
1998; TOMLINSON, 2003; PIERMATTEI
et al.,
2006); entretanto, elas podem estar associadas a quedas e lesões por
arma de fogo (BONATH & PRIEUR, 1998). São ainda considerados
fatores predisponentes doenças metabólicas, doenças ósseas hereditárias
e, com menor frequência, tumores ósseos (INNES & BUTTERWORTH, 1996;
BONATH & PRIEUR, 1998).
As forças que culminam em fraturas pélvicas podem vir de diversos
ângulos e ter diferentes intensidades; por essa razão, fraturas
pélvicas ocorrem com configurações variadas (OLMSTEAD, 1998). No
entanto, como assume a forma de um retângulo, a pelve deve ser
fraturada em três diferentes pontos para que haja deslocamento de
fragmentos ósseos, sendo as afecções bilaterais comuns (DeCAMP, 1992;
JOHNSON, 2007).
O trauma com energia suficiente para fraturar a pelve normalmente causa
danos a outras estruturas esqueléticas e tecido mole e, por isso, um
animal com fratura pélvica é frequentemente um paciente
politraumatizado (DeCAMP, 1992). Em humanos, a fratura do anel pélvico
é comumente associada com significante morbidade e mortalidade. A
magnitude dessas fraturas pode variar de lesões menores, causando dor e
incômodo, a lesões graves causando morte pré-hospitalar. As fraturas
pélvicas podem estar associadas a lesões de vísceras pélvicas e de
outras estruturas do organismo. Atenção especial deve ser dada ao
sistema cardiopulmonar, neurológico e urogenital para detectar injúrias
como pneumotórax, hérnia diafragmática, ruptura do trato urinário e
neuropraxia (HENRY, 1985; DeCAMP, 1992; HOULTON & DYCE, 1994;
HARASEN, 2007).
Para o diagnóstico, a inspeção pode trazer sinais indicativos de
fratura pélvica. A sintomatologia depende do grau de trauma,
localização da fratura, deslocamento ósseo e dimensão das lesões em
tecidos moles (DeCAMP, 1992; BONATH & PRIEUR, 1998). Após exame
clínico geral para estabelecer o estado geral do paciente, um exame
ortopédico completo deve ser realizado (OLMSTEAD, 1998). Pela palpação
é verificada a simetria pélvica, saúde articular, áreas doloridas ou
edemaciadas. Como pontos de orientação, podem ser utilizadas as
proeminências ósseas, como asa do ílio, trocanter maior e tuberosidade
isquiática (BONATH & PRIEUR, 1998). Um exame digital retal
adicional cuidadoso pode trazer informações sobre estreitamento do
canal pélvico (HENRY, 1985; DeCAMP, 1992; BONATH & PRIEUR, 1998;
OLMSTEAD, 1998; HARASEN, 2007). O diagnóstico definitivo é obtido pelo
exame radiográfico. Duas projeções radiográficas, ventro-dorsal e
látero-lateral, são necessárias (BONATH & PRIEUR; 1998; OLMSTEAD,
1998; JOHNSON, 2007). Em alguns casos, são necessárias vistas oblíquas
da hemipelve para melhor definição das linhas de fratura e
posicionamento dos fragmentos (DeCAMP, 1992; OLMSTEAD, 1995; NEWTON,
1996).
Apesar de o tratamento das fraturas pélvicas poderem ser com repouso e
restrição de exercício, o reparo cirúrgico das mesmas geralmente
resulta em retorno funcional precoce, com menos dor e complicação
durante a cicatrização. O tratamento conservativo de fraturas pélvicas
está indicado quando essas são apresentadas após duas ou mais semanas e
quando existem limitações financeiras por parte do proprietário
(TOMLINSON, 2003).
Complicações associadas a fraturas da pelve são usualmente
consequências da ausência de redução e fixação das mesmas, podendo
resultar em obstipação, constipação crônica e na impossibilidade de ter
partos normais na fêmea, decorrente de má união de fratura de corpo de
ílio (NEWTON, 1996). Outra complicação associada ao tratamento
conservativo de fraturas pélvicas é a claudicação persistente associada
a anomalias anatômicas e doença articular degenerativa da articulação
coxo-femoral (TOMLINSON, 2003).
Uma combinação de técnicas cirúrgicas pode ser necessária para
estabilizar a pelve com fraturas múltiplas ou luxação (TOMLINSON,
2003). No tratamento cirúrgico de fraturas pélvicas, maior ênfase é
depositada na articulação sacroilíaca, ílio e acetábulo, por se tratar
do eixo de transmissão das forças do membro posterior ao esqueleto
axial (BONATH & PRIEUR, 1998). Os animais que sofreram fraturas
pélvicas bilaterais se beneficiam do procedimento cirúrgico por serem
capazes de voltar a andar com antecipação e por demandarem menor
tratamento intensivo (DeCAMP, 1992; JOHNSON, 2007).
Existem diversos métodos de fixação para as fraturas pélvicas que
incluem o uso de pinos e fios de Kirschner, placas ortopédicas,
parafusos ortopédicos, polimetilmetacrilato (PMMA) e cerclagem
interfragmentar (ROEHSIG, 2005; PIERMATTEI,
et al., 2006). Além desses, WHITTICK (1978) e KEMPER
et al.
(2008) descreveram o uso de pinos de Schantz, fixados aos fragmentos
ósseos e conectados externamente a barras de Kirchner em fraturas
ilíacas.
Os pacientes com fratura de pelve normalmente precisam de analgesia
durante os primeiros dias de tratamento. Os antiinflamatórios não
esteróidais (AINEs), como o meloxicam e o carprofeno, são geralmente
mais adequados, podendo ser associados à opióide se a dor for severa
(DeCAMP, 1992; HOULTON & DYCE, 1994)
Objetivou-se com este trabalho descrever as implicações e ocorrências
associadas ao trauma pélvico em cães, em relação ao tipo de fratura,
lesões concomitantes e resultado dos tratamentos clínicos e cirúrgicos.
MATERIAL E MÉTODOS
Neste trabalho, foram utilizados 20 cães com diagnóstico clínico e
radiográfico de fratura na pelve, atendidos no Hospital Veterinário
(HV) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Cada paciente passou por uma anamnese detalhada, objetivando-se obter
dados relativos à origem e tempo do trauma e à possibilidade da
presença de lesões intercorrentes. Após o exame físico, realizou-se o
exame ortopédico, com avaliações específicas da região da pelve, além
do exame neurológico, transcrevendo-se todas as informações em uma
ficha de avaliação idividual.
Utilizaram-se os parâmetros constantes nas
Tabelas 1 e
2
para avaliar o grau de claudicação e dor dos pacientes, determinado
através da observação da deambulação dos animais em piso de cimento e
por meio da palpação para detectar reações dolorosas.
Em sequência, os pacientes foram encaminhados ao setor de radiologia
para a realização de exames radiográficos da pelve nas projeções
lateral, ventro-dorsal e oblíqua (quando indicado), assim como de
outras regiões, para o diagnóstico de injúrias concomitantes.
Além dessas, foram feitas radiografias periódicas nos pacientes, após o
atendimento inicial, imediatamente após a cirurgia e nos tempos 30 e 60
dias com o objetivo de avaliar o grau de injúria à pelve, delinear as
linhas de fratura, avaliar os implantes ortopédicos, aposição óssea e
desenvolvimento de complicação referente ao uso de implante, a
cicatrização e o estreitamento do canal pélvico.
Inicialmente, todos os pacientes foram medicados com
o antiinflamatório meloxican (0,1 mg/Kg/uma vez ao dias,
durante 7 dias - Meloxican Merck, Cotia –SP.) associado ao opióide
cloridrato de tramadol (2 mg/Kg/de 8 em 8 horas, durante 5 dias -
Tramaliv ® Teuto, Anápolis-GO.) e, nos casos em que houve perda da
integridade cutânea, foi acrescido o antibiótico cefalotina (25
mg/Kg/de 8 em 8 horas, durante 7 dias - Cefalotina sódica 1g,
InstitutoBioChimico, Ltda,Rio de Janeiro-RJ.). Dependendo da extensão e
do grau de infecção, acrescentou-se enrofloxacina (5 mg/Kg/de 12
em 12 horas, durante 7 dias - Baytril® 50 mg Bayer, São Paulo-SP.).
Quando presentes, os ferimentos foram higienizados e cobertos com
curativos apropriados. Nos pacientes com suspeita de traumatismo nas
vias urinária inferiores foi realizada avaliação e manejo com
observação de micção, introdução de sondas uretrais e urografias. Ainda
foram prescritos laxantes à base de lactulose (1ml/4kg/por via
oral, de 12 em 12 horas - Lactulona®, Sankyo, Barueri SP) aos pacientes
com disquesia.
Foram considerados pertencentes ao grupo plano de tratamento
conservador (PTC) pacientes que apresentavam lesões extensas, a ponto
de o procedimento cirúrgico ser considerado arriscado, ou quando os
pacientes apresentavam fraturas em áreas não envolvidas na transmissão
das forças de deambulação, nos pacientes atendidos após mais de 10 dias
do trauma, além daqueles para os quais a falta de recursos financeiros
representava uma limitação.
Foram considerados pacientes cirúrgicos aqueles com fratura do anel
pélvico com uma ou mais das seguintes alterações: marcante redução do
canal pélvico; fratura de acetábulo com deslocamento das superfícies
articulares; instabilidade pélvica uni ou bilateral, sem risco
controlável para realização de procedimento cirúrgico.
Os pacientes foram levados à sala de preparo onde se realizou
tricotomia da área a ser operada, anti-sepsia com clorexidine
(Clorexidine 2%. Rioquímica,São José do Rio Preto-SP.) 2% e
administração de cefalotina (25 mg/Kg/IV - ) acepromazina 0,2%
(0.05 mg/kg/IM - Acepran® 0,2%- Univet S. A., 700. São Paulo-SP.),
associada ao cloridrato de tramadol (2mg/kg/IM). Em seguida, já em
ambiente cirúrgico, a veia cefálica foi canulada para infusão de
solução fisiológica (10ml/Kg/IV/hora), indução anestésica com
diazepam (0,5 mg/Kg/IV - Diazepan 5mg/1mL. Sigma Farma..
Hortolândia-SP.) seguido de propofol (4 mg/kg/IV - Diprivan® 1%.
AstraZeneca Cotia Moinho Velho-SP.), permitindo, assim, intubação. Para
anestesia epidural, injetou-se uma associação (1:1) de
lidocaínaLidovet®. Bravet, Rio de Janeiro-RJ. 2% e bupivacaina 0,5%
(1mL/4,5kg - Marcaína® 0,5%. AstraZeneca. Cotía Moinho Velho-SP.) no
espaço vertebral L7-S1. Em todos os pacientes a manutenção foi feita
com oxigênio a 100% e isofluorano (Forane. Abbott. São Paulo-SP.) .
Em 10 dos 11 animais submetidos à cirurgia para correção das fraturas
da pelve empregou-se a abordagem lateral, conforme descrito por
PIERMATTEI & JOHNSON (2004), através de uma incisão que se estendeu
do centro da tuberosidade ilíaca até o trocanter maior do fêmur. O
subcutâneo e a fáscia superficial foram deslocados com a pele. Fez-se a
seguir uma incisão na fáscia do glúteo superficial, na mesma linha de
incisão da pele, permitindo a separação dos músculos tensor da fáscia
lata e glúteo médio, alongando entre a incisão desde a face ventral do
ílio até a borda cranial do músculo bíceps femoral. Retraindo o músculo
glúteo médio dorsalmente, teve-se acesso ao glúteo profundo e a uma
porção do corpo do ílio (
Figura 1).
A redução das fraturas foi feita com o auxílio de pinças de redução
ósseas (Espanholas e Kern), mantendo os fragmentos reduzidos,
permitindo, assim, posicionamento e fixação dos implantes.
Para ação antiinflamatória e analgésica foram utilizados meloxicam
(Meloxican – Farmácia de Manipulação) (na dose diária de
0,1mg/kg, durante sete dias) e cloridrato de tramadol (na dose de
2mg/kg, a cada oito horas, durante 5 dias) e antibioticoterapia com
cefalexina (na dose de 25mg/kg, cada oito horas durante sete dias
consecutivos - Cefalexina 500mg-Farmácia de manipulação), todos por via
oral. Os animais retornaram ao domicilio, após recuperação anestésica,
com as orientações a respeito do tratamento medicamentoso,
fisioterápico e cuidados de enfermagem.
O curativo da ferida cirúrgica foi realizado com a aplicação de
clorexidina 1% (Merthiolate®, Eli Lilly do Brasil Ltda, São
Paulo-SP) duas vezes ao dia, até a retirada dos pontos, sendo também
recomendado o uso do colar elisabetano e repouso. A fisioterapia foi
preconizada com a aplicação de compressas frias, por 20 minutos, a cada
quatro horas durante as primeiras 48 horas, no local da cirurgia;
utilização de calor após a fase inicial de inflamação; massagem
compressiva para melhora do retorno sanguíneo e movimentação passiva
dos membros pélvicos com quinze repetições lentas duas vezes por dia.
Após sete dias foram iniciados os exercícios ativos incluindo
caminhadas leves e natação.
Os animais foram acompanhados clinicamente após a cirurgia por meio de
exames específicos, utilizando-se a escala funcional de claudicação,
como também os parâmetros de avaliação do grau de dor nos dias 7, 30,
60 e 90. Foi realizada avaliação radiográfica no pós-operatório
imediato e nos dias 30 e 60 após a cirurgia.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 20 cães atendidos, em 11 (55%) foi realizado tratamento cirúrgico
para correção das fraturas do anel pélvico por estarem envolvidas nas
fraturas áreas de sustentação como citado por BONATH & PRIEUR
(1998). Em nove (45%) instituiu-se tratamento conservativo, sendo a
gravidade das lesões, o tempo do atendimento e o tipo de fratura
determinante na escolha do tratamento conservativo nesses pacientes,
como relatado por PIERMATTEI
et al.
(2006). Desses, dois foram posteriormente operados para corrigir
complicações associadas à ausência de realização de tratamento
cirúrgico prévio. Cinco dos não operados vieram a óbito em consequência
da gravidade das lesões e dois deles foram tratados conservativamente.
A principal causa das fraturas pélvicas nos animais do experimento foi
o acidente automobilístico, 17/20 (85%), quando comparada com aquelas
associadas ao trauma por queda 3/20 (15%). Este resultado (
Tabelas 3 e
4) está de acordo com o citado por outros autores EDWARDS (1993); PAYNE (1993) e TOMLISON (2003).
Os exames clínicos e ortopédicos detalhados permitiram predizer,
através dos achados, a presença de risco de morte, local e intensidade
das lesões, para, posteriormente, se realizarem os exames radiográficos
e confirmar as suspeitas.
Através do estudo das radiografias observou-se que em nenhum caso houve
fratura de um único osso da pelve, fato que concorda com o que relatam
HENRY (1985), DECAMP (1992), HOULTON & DYCE (1994), OLMSTEAD &
MATIS (1998), PIERMATTE
et al.
(2006) e HARASEN (2007). Em 80% dos casos (16 animais) houve fratura
bilateral da estrutura pélvica, 17 (85%) dos animais apresentaram
fratura ilíaca e, desses, quatro apresentaram transtornos bilaterais.
Em relação à linha de fratura no corpo do ílio, em 10 pacientes (50% do
total) era oblíqua, em seis (30%) foi transversa e só um animal
fraturou a asa do ílio (5%). Oito animais (40%) tiveram fratura
isquiática, sendo bilaterais em apenas dois pacientes, sete (35%)
apresentaram fratura púbica, sendo também bilateral em dois. Do total
de pacientes com trauma pélvico, quatro (20%) tiveram disjunção
sacroilíaca.
A alta taxa de fraturas ilíacas encontradas está de acordo com o que
descrevem HENRY (1985) e HARASEN (2007), quando afirmam que a fratura
de ílio é a mais comum das fraturas pélvicas. Essas observações têm
importância por apontarem o envolvimento das estruturas pelas quais
incidem as cargas advindas do membro pélvico para o eixo espinhal em
95% das fraturas pélvicas por eles analisadas.
Dependendo da intensidade da força mecânica e da conformação das
fraturas pélvicas, surgem índices significantes de morbidade e
mortalidade, em associação a injúrias nos outros órgãos (DECAMP, 1992;
HOULTON & DYCE, 1994; INNES & BUTTERWORTH, 1996), como foi
observado nos animais desta pesquisa (
Figura 2).
Segundo NEWTON (1985), aproximadamente 8% dos animais tem injúrias em
outros órgãos, sendo comum envolvimento de bexiga, uretra, reto, nervo
periférico, tendão pré-púbico e lacerações na região perineal. Nos
pacientes 16 e 17, respectivamente, houve ruptura de uretra e de cólon
com formação de fístula perianal; em consequêcia, ambos vieram a óbito.
Podem ainda ocorrer nos cães com fratura pélvica outros problemas
ortopédicos ou espinhais (EDWARDS, 1993; DENNY & BUTTERWORTH,
2006), como fraturas e luxações, observadas na décima vértebra torácica
(T10) do paciente 18 e na sexta vértebra lombar (L6) do paciente 19. O
primeiro desenvolveu mielomalacia hemorrágica e o outro voltou a
deambular normalmente após laminectomia. Ocorreram também fraturas em
membros nos pacientes 5 e 10, sendo, respectivamente, de fêmur e de
fêmur e tíbia, que foram reparadas cirurgicamente.
Ainda foram observadas lesões cutâneas na região dos membros, região
abdominal e genitália externa em 50% dos pacientes, como também a
presença de hematomas e edema em 22% dos animais.
Fraturas da pelve podem lacerar o nervo isquiático e femoral. O
diagnóstico de neuropatia do nervo isquiático foi fundamentado no
histórico e nos sinais clínicos (WALKER, 1981; BRAUND, 2003; FORTERRE
et al.,
2007) e associado à fratura por ser ipsilateral à lesão. Em três
pacientes foi observado déficit de nervo isquiático (pacientes 11, 12 e
17), sendo a etiologia diferente, porém, a manifestação clínica a
mesma. No primeiro, a neuropraxia ocorreu durante o procedimento para
osteossíntese de fratura ilíaca, sendo que os déficits neurológicos
foram abordados conservativamente e resultaram na resolução dos mesmos
após 90 dias. No segundo caso, os sinais neurológicos eram decorrentes
da compressão nervosa progressiva devido à proliferação de tecido
fibroso (DEWEY, 2006), em consequência à lesão acetabular que não foi
identificada e, por isso, tratada conservativamente. Alteração
semelhante foi descrita por FEARNSIDE & BLACK (1999) em um cão com
fratura de acetábulo tratado de forma conservadora cinco meses antes do
aparecimento dos sinais clínicos. Frente aos dados, optou-se no cão 12
pela neurólise cirúrgica que resultou, após 60 dias, na recuperação
total dos reflexos e funções perdidas. JACOBSON & SCHRADER (1987)
relataram uma recuperação variando de adequada a excelente em 81% dos
animais com fratura pélvica em até 16 semanas após diagnóstico da
neuropraxia.
No último desses três pacientes, observou-se ausência de resposta aos
testes do nervo isquiático esquerdo, estando preservados os reflexos
nos demais nervos e membros, além de o animal apresentar cegueira
central, estrabismo divergente e miose bilateral arresponsiva, devido
ao concomitante traumatismo crânio-encefálico. Além das lesões nervosas
e ósseas, houve fístula perianal, com suspeita de ruptura de reto ou
cólon. Embora a perfuração retal seja incomum, é imperativo o
diagnóstico precoce, uma vez que a demora no tratamento tornará o
prognóstico ruim (DENNY & BUTTERWORTH, 2006).
Dentre os 20 pacientes, sete apresentaram, no atendimento, disquesia ou
obstipação, fato decorrente da estenose do canal pélvico e da dor.
Desses, quatro foram operados, resultando na reconstrução do canal e
redução da dor, normalizando a evacuação. Dois desses sete pacientes
foram tratados de forma conservativa com a utilização de laxantes
orais, repouso e analgésicos. O caso 15 se encontrava há 15 dias sem
defecar, devido ao estreitamento do canal pélvico pelo processo
cicatricial de uma fratura pélvica não operada, como citado por NEWTON
(1996), necessitando de colotomia, laxantes e adequação da dieta.
EDWARDS (1993) afirma que o tratamento cirúrgico ajuda na redução da
morbidade e mortalidade relacionada às fraturas, além de encurtar o
período de cuidados hospitalares, complicações e recuperação da
mobilidade. Nos pacientes operados houve retorno a deambulação,
observada precocemente, graus 3 e 4 de claudicação em nove pacientes,
após sete dias da cirurgia, evoluindo para graus 4 e 5 em dez pacientes
após 60 dias e a recuperação total da função ortopédica foi verificada
após 90 dias em todos os operados (
Figura 3).
Resultado que não se repetiu nos pacientes tratados conservativamente,
sendo observada claudicação persistente de grau 3 e 4 em dois dos
pacientes após 90 dias. Acredita-se que a estabilização cirúrgica dos
segmentos ósseos é responsável por conferir redução da dor, com uma
diminuição evidente dessa em 100% dos pacientes avaliados no momento
pré-cirúrgico com grau 0 e 1, para os graus 2 e 3. Também em 81% dos
pacientes, após sete dias, elevou-se a qualidade de vida e reduziram-se
as necessidades de enfermagem, enquanto 55% dos não operados vieram a
óbito, dois apresentaram claudicação persistente grau 2 e os dois
restantes tiveram que ser operados para corrigir complicações
(obstipação e neuropraxia) em consequência da falta de tratamento
prévio adequado, com recuperação parcial, sendo ainda observadas
constipação e claudicação.
Segundo OLMSTED (1995), ocorrem mais casos de fraturas ilíacas e
acetabulares que luxações sacro-ilíacas, fato observado, visto que a
maioria dos casos possuía fratura de ílio (19) associado a outras
fraturas, de púbis (10), ísquio (8), acetabulares (4) e disjunção
sacro-ilíaca. Essa última ocorreu em quatro de 20 pacientes, associada
à fratura do ílio contralateral. Desses animais, três fizeram
tratamento cirúrgico através da colocação de um parafuso de compressão
que atravessava o ílio e se fixava no sacro, conforme recomendado por
PIERMATTEI
et al. (2006).
Nos animais em que o tratamento foi cirúrgico, em 4/11 (36%)
utilizou-se placa com parafusos e em 5/11 (45%), parafusos interligados
com PMMA. No caso 7, 1/11 (9%), com fratura ilíaca bilateral, foi
empregado no ílio direito parafuso unido com PMMA e no esquerdo, placa
com parafuso. Já no caso 10, utilizou-se um parafuso (efeito
compressivo) para redução de disjunção sacro-ilíaca. Nesses animais não
se observou diferença quanto à recuperação ou dificuldades quanto ao
procedimento cirúrgico; muito embora a placa tenha vantagens, já que,
devido à sua rigidez, ela confere (após sua fixação no segmento ilíaco
caudal) maior facilidade no alinhamento e redução da fratura, quando
comparada com o PMMA.
CONCLUSÃO
Os resultados observados assinalam que em cães com trauma pélvico
deve-se procurar primariamente a resolução cirúrgica e a presença de
outras lesões orgânicas concomitantes incapacitantes ou com potencial
de induzir ao óbito.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pela bolsa de mestrado, e à FACEPE pela bolsa de PIBIC.
REFERÊNCIAS
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Protocolado em: 27 jul. 2008. Aceito em: 11 abr. 2011.