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DOI: 10.1590/1809-6891v21e-44262


Utilização de leite com diferentes concentrações de gordura como diluentes para sêmen equino refrigerado


Use of milk with different fat concentrations as extenders for equine cooled semen


Fabiana Santos Castro1, Anita Mylius Pimentel1, Rodrigo Costa Mattos1 , Sandra Mara da Encarnação Fiala Rechsteiner1,2*


1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
2Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
*Correspondente - sandrafiala@yahoo.com.br
Parte da dissertação de mestrado da primeira autora. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Resumo
Dois experimentos foram realizados para verificar a viabilidade de diluentes para sêmen equino refrigerado. O objetivo do primeiro experimento foi verificar a eficiência do leite UHT integral e semidesnatado, comparado ao leite desnatado. Amostras foram analisadas a fresco e posteriormente diluídas em leite UHT integral, semidesnatado e desnatado. Foram realizados exames de motilidade espermática e vigor, CFDA/PI e HOST pós-diluição (0h), e no sêmen refrigerado a 5 ºC após 24 e 48 horas. Não houve diferença entre os três diluentes, quanto à motilidade espermática (p=0,9880), vigor (p=0,7249), CFDA/PI (p=0,3382) e HOST (p > 0,01). Houve uma diminuição na qualidade do sêmen, no decorrer do tempo (p < 0,01), independente do diluente utilizado. Pode-se afirmar que, na falta de leite UHT desnatado, o semidesnatado e o integral podem ser usados, uma vez que eles não provocam prejuízo na qualidade do sêmen refrigerado armazenado por até 48 horas. No segundo experimento, o objetivo foi verificar a eficácia do leite desnatado em comparação com diluentes comerciais (Botusemen® (BS) e Botusemen Special® (BSS)). Logo após a coleta do sêmen, as amostras foram diluídas com leite UHT desnatado (LD), Botusemen® (BS) e Botusemen Special®(BSS). A análise de sêmen seguiu o mesmo protocolo do primeiro experimento. As amostras de sêmen refrigeradas com BSS apresentaram HOST e CFDA/PI (p< 0,001) maiores nas 24h e 48 h o que indica que o diluente BSS promove aumento da longevidade dos espermatozoides em comparação com os outros analisados.
Palavra-chave: diluente; garanhão; leite UHT; refrigeração; sêmen

Abstract
Two trials were performed to verify the viability of extenders equine cooled semen. The objective of the first trial was to verify the efficacy of whole and semi-skimmed UHT milk compared to skim milk. Fresh semen samples were analyzed and later diluted in UHT whole milk, semi skimmed and skimmed milk. Sperm motility and vigor, CFDA / PI and HOST tests were performed post-dilution (0h), and in semen cooled at 5oC after 24 and 48h. There was no difference between the 3 extenders, for sperm motility (p = 0.9880), vigor (p = 0.7249), CFDA / PI (p = 0.3882) and HOST (p> 0.01). There was a decrease in semen quality over time (p <0.01), regardless of the extender used. It can be stated that in the absence of skimmed UHT milk, semi-skimmed and whole milk can be used since they do not impair the quality of refrigerated semen stored for up to 48 hours. In the second trial the objective was to verify the efficacy of the skim milk compared to commercial extenders (Botusemen® (BS) and Botusemen Special® (BSS)). Soon after semen collection, the samples were diluted with UHT skim milk (LD), Botusemen® (BS) and Botusemen Special® (BSS). Semen analysis followed the same protocol as the first experiment. BSS-cooled semen showed higher HOST and CFDA / PI (p <0.001) in 24h and 48h indicating that BSS diluent promotes increased sperm longevity compared to the others analyzed.
Keywords: stallion, semen, cooling, UHT milk, extender



Seção: Medicina Veterinária

Recebido
23 de novembro de 2016.
Aceito
05 de junho de 2019.
Publicado
5 de fevereiro de 2020

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Como citar - disponível no site, na página do artigo.


Introdução

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO (2016) – estimou a população mundial de equinos em 2016 em 59.048.194 cabeças, o Brasil tem o maior rebanho da América do Sul, com mais de cinco milhões de cabeças de equinos, ocupando o quarto lugar no cenário mundial(1). A utilização de biotecnologias da reprodução tem grande importância no incremento dessa população, por permitir um aumento da eficiência reprodutiva e, consequentemente, ganhos na produção, além de intensificar e facilitar o melhoramento genético dos animais. Dentre as biotecnologias utilizadas, a inseminação artificial (IA) apresenta maior impacto na produção equina, pois um reprodutor pode deixar centenas de descendentes ao longo de sua vida reprodutiva quando a IA é usada eficientemente(2).
Durante o processo de resfriamento do sêmen, ocorre uma queda da fertilidade, conforme observado por Aurich(3). A manutenção da capacidade fertilizante do espermatozoide depende da integridade da membrana plasmática(4). Alguns fatores podem desencadear a cristalização dos lipídios e a agregação de proteínas presentes na membrana. Um deles é o resfriamento do sêmen, que pode levar a uma instabilidade na membrana plasmática(5).
Em torno de 5 °C, o espermatozoide utiliza metabolismo anaeróbico, o qual é induzido pelo esgotamento de oxigênio, provocando a redução do pH, diminuição do metabolismo e produção de ATP, resultando em queda de motilidade(6). Dessa forma, é importante a utilização dos diluentes para a conservação das propriedades do sêmen resfriado a 5 °C por 24 horas ou mais de armazenamento(7). Os diluentes de sêmen possuem a capacidade de exercer efeitos benéficos controlando o pH e osmolaridade do meio, dando substrato energético para o espermatozoide e diluindo o plasma seminal(8).
Os diluentes industrializados, além de promover proteção à membrana plasmática dos espermatozoides no choque térmico, contêm substâncias que neutralizam produtos tóxicos provenientes do crescimento bacteriano, como os antibióticos(5). Diluentes comerciais foram desenvolvidos para favorecer a viabilidade espermática durante a refrigeração, para que possa manter a motilidade adequada para inseminação por mais de 24 horas a 5 °C.
O leite é utilizado tanto como diluente de fácil acesso, como base para diluentes industrializados para resfriamento de sêmen, pois em torno de 5 °C o leite UHT (ultra high temperature) desnatado apresenta melhor eficiência para armazenamento de sêmen por 24 horas(9). As micelas da caseína, ao interagirem com as proteínas da membrana plasmática, protegem o espermatozoide da remoção de fosfolipídios e colesterol(10). O leite UHT é comercializado em três apresentações diferenciadas pela quantidade de lipídios em sua composição, sendo o desnatado com < 0,1%, o integral com 3% e o semidesnatado de 0 a 3% de lipídios. O leite tratado a temperatura ultra alta permanece em condições aceitáveis durante vários meses, sem necessitar de refrigeração, características que favorecem sua utilização como diluente para sêmen equino.
O objetivo deste trabalho foi verificar alternativas de diluentes de fácil acesso, os quais pudessem ser utilizados em campo, em situações de emergência, nas quais não há disponibilidade de um outro diluente na refrigeração de sêmen, por até 48 horas a 5 °C, bem como comparar o leite desnatado com os diluentes industrializados mais utilizados no mercado na refrigeração do sêmen equino.

Material e métodos

O experimento foi realizado no laboratório de Reprodução Animal (REPROLAB), localizado na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre e aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Federal de Pelotas (protocolo 9919).
Foram utilizados garanhões (dois da raça Puro Sangue de Corrida e um da raça Pônei Brasileiro) clinicamente normais e aptos à reprodução, com idade entre 3 e 11 anos. A alimentação era composta por pastagem natural e suplementação com concentrado à base de aveia com acesso livre a água.
No experimento 1 (n=31), dois garanhões foram coletados 11 vezes cada e o terceiro garanhão foi coletado 9 vezes (ele adoeceu, impossibilitando a continuação das coletas). No experimento 2, foram realizadas 10 coletas de cada garanhão (n=30). As coletas foram realizadas duas vezes por semana, durante a estação reprodutiva. Para as coletas do sêmen, foram utilizadas éguas em estro e a coleta foi realizada com vagina artificial modelo Hannover a uma temperatura de 42 °C(11). A ejaculação foi detectada pelos jatos ejaculatórios, verificados com a palma da mão colocada na porção ventral do pênis. A fração gelatinosa do ejaculado foi separada através de um filtro acoplado ao copo coletor de sêmen.
Após a coleta, o sêmen foi avaliado quanto ao aspecto (aquoso, opalescente, leitoso e cremoso), cor e o volume do ejaculado foi determinado em ml em uma proveta estéril graduada.
Para o exame de motilidade espermática do sêmen fresco, uma gota de sêmen foi colocada entre a lâmina e lamínula pré-aquecidas a 37 °C em uma mesa térmica, avaliada por um técnico experiente, utilizando-se aumento de 250x em um microscópio óptico com contraste de fase. A motilidade foi analisada como a porcentagem de espermatozoides progressivos (movimento ativo para frente), localizados (movimentos em círculos) e imóveis em uma escala percentual (0 a 100%) e o vigor foi classificado variando de zero (0) a quatro (4), considerando o escore 0 equivalente à total imobilidade espermática e o escore 4 à movimentação intensa, vigorosa, progressiva(12). A concentração espermática foi obtida através do aparelho Spermacue e, para a análise, uma amostra do sêmen foi colocada na microcuveta. A contagem foi realizada pelo número de células por unidade de volume estimado pela opacidade do ejaculado, a qual foi medida pela porcentagem de transmissão ou absorbância da amostra. O resultado foi dado em x106 espermatozoides/ml.
Experimento 1
O ejaculado de cada garanhão foi fracionado em três partes e diluído com leite UHT desnatado (LD – gordura <0%), semidesnatado (LS – gordura entre 1%) ou integral (LI- gordura = 3%), numa proporção de 3:1, ou seja, 3ml de diluente e 1ml de sêmen. Imediatamente após a diluição foi realizada avaliação de motilidade e vigor, utilizando a mesma metodologia usada para sêmen fresco e realizadas análises de integridade e funcionalidade de membrana espermática.
Na análise de integridade de membrana foram utilizados dois corantes fluorescentes: iodeto de propídio (preparado com 0,5 mg de PI diluído 1 ml de solução fisiológica) e carboxifluoresceína (preparado com 0,46 mg CFDA diluído 1 ml de DMSO - Dimetilsulfóxido). Para essa avaliação, diluiu-se 400 µl de sêmen com 3 µl de iodeto de propídio e 2 µl de carboxifluoresceína em um microtubo previamente coberto em papel alumínio, para evitar incidência da luz. A aplicação das sondas fluorescentes era realizada em sala escura. As amostras foram colocadas em banho maria a 37 °C durante 8 minutos. Após esse período, as amostras foram examinadas em microscópio óptico com contraste de fase, em um aumento de 1000x, utilizando-se óleo de imersão, com a contagem de 100 células por lâmina.
A funcionalidade de membrana plasmática foi avaliada através do teste hiposmótico, utilizando 200 µl de água destilada e 100 µl de sêmen segundo a técnica de Lomeo & Giambersio(13) modificado por Lagares et al.(14). As amostras foram incubadas em banho maria a 37 °C por 8 minutos para posterior observação em microscópio óptico de contraste de fase em um aumento de 400x, com a contagem de 100 células.
As amostras foram então armazenadas em um refrigerador com temperatura controlada de 5 °C, e todas as análises foram repetidas com 24 e 48 horas.
Experimento 2
O sêmen de cada garanhão foi fracionado em três partes, com leite UHT desnatado (3:1) e com os diluentes comerciais Botusemen® e Botusemen Special®, que foram acrescentados ao sêmen seguindo a diluição recomendada pelo fabricante do produto de acordo com a concentração espermática, no exame do sêmen fresco.
Imediatamente após a diluição, assim como no experimento 1, as amostras foram submetidas a avaliação microscópica (motilidade e vigor), integridade e funcionalidade de membrana plasmática.
A análise estatística foi realizada através de estatística descritiva e análise de variância através do método não paramétrico de Kruskal-Wallis, uma vez que as variáveis não apresentavam distribuição normal. Foram utilizadas como variável dependente o tempo e como variáveis independentes o diluente utilizado e as análises realizadas.

Resultados e discussão

No experimento 1 não foi observada diferença (P>0,05) entre os diluentes (leite UHT desnatado com 0% de gordura, semidesnatado com 1% de gordura e integral com 3% de gordura nas médias de motilidade espermática, vigor, integridade e funcionalidade de membrana plasmática. Entretanto, houve diminuição da qualidade do sêmen após 48 horas de armazenamento (Tabela 1).

Meirelles et al.(15) analisaram sêmen diluído em leite desnatado contendo 0,5% de gordura e 0,1% de gordura e concluíram que o leite que apresentava maior índice de gordura teve uma diminuição na motilidade. Os autores sugerem que a queda da motilidade está relacionada à maior quantidade de gordura, a qual provocaria uma maior aglutinação dos espermatozoides. Diferente do estudo de Meirelles et al.(15), as variáveis estudadas neste trabalho não apresentaram diferença. Da mesma forma, Householder et al.(16) sugerem a utilização do leite desnatado como diluente em sêmen refrigerado, devido à facilidade de preparação da amostra para análise no microscópio para um exame subjetivo, uma vez que, quando se utiliza leite integral, as gotículas de gordura podem prejudicar a interpretação da motilidade. No entanto, neste estudo não se observou diferença na avaliação da motilidade quando foram utilizados leites com diferentes concentrações de gordura.
Tendo em vista que cada garanhão possui características individuais distintas, Province et al.(17) propõem que a escolha do diluente deve ser baseada, entre outros aspectos, nas características dos animais, pois, segundo os autores, não há um diluente que seja ideal para utilização em todos os garanhões com a mesma efetividade final.
Segundo Samper et al.(18), o índice de prenhez das éguas é altamente dependente da fertilidade do sêmen refrigerado, sendo utilizada uma porcentagem de motilidade > 35% para aplicação da técnica convencional de inseminação no corpo uterino da égua. O estudo realizado não demonstrou diferença na motilidade dos garanhões nas 24 horas, (Tabela 1). Neste aspecto, LeFrapper et al.(19) cita a necessidade de identificar diluentes que possam manter a motilidade adequada por mais de 24 horas a 5 °C. A indústria de produtos equinos, ciente dessa necessidade do mercado, investiu no desenvolvimento de diluentes para utilização de diferentes garanhões com base no melhor aproveitamento das características individuais de cada animal. Diante disso, notou-se no experimento II, conforme a Tabela 2, que o diluente Botusemen Special® (BSS), quando comparado aos diluentes leite desnatado UHT (LD) e Botusemen® (BS), promoveu uma maior longevidade dos espermatozoides principalmente entre 24 e 48 horas de refrigeração.

Não houve diferença nas primeiras 24 horas de motilidade total, porém, houve diferença nos seguintes testes: na funcionalidade de membrana (HOST), LD (37,2%), BS (33,3%), BSS (46,1%), e no teste de integridade de membrana (CFDA/PI) (59,9%), BS (52,7%), BSS (65,1%), conforme demonstrado na Tabela 2. Em todos os testes realizados, houve uma maior manutenção da qualidade espermática quando se utilizou o diluente industrializado BSS nas 48 h, diferente do leite desnatado UHT, que foi semelhante aos demais até as 24 horas, e do BS que se apresentou similar ao leite desnatado no mesmo período. Ressalta-se aqui que o diluente industrializado BSS apresentou em 48 horas índices similares de funcionalidade de membrana aos índices apresentados pelos diluentes LD e BS em 24 h de refrigeração (Tabela 2).
Uma das hipóteses para a variação significativa nos testes de viabilidade da célula espermática durante 48 horas de refrigeração a 5 °C para o diluente BSS em relação ao BS pode se dever à sua composição que, segundo as especificações do fabricante, tem substâncias responsáveis pela maior viabilidade espermática. Ainda assim, há necessidade de estudos mais aprofundados com animais de padrões espermáticos diferenciados para constatar a influência dessas substancias e obter níveis aceitáveis para a fertilização equina.

Conclusão

Este estudo demonstrou que é possível a utilização de leite UHT desnatado, assim como semidesnatado ou integral como diluentes de sêmen equino, com manutenção da viabilidade da célula espermática em até 24 horas na refrigeração a 5 °C. No entanto, o diluente industrializado, principalmente o Botusemen Special®, se mostrou superior aos demais diluentes utilizados, leite UHT desnatado e Botusemen®, na manutenção de viabilidade entre 24 e 48 horas. Já o Botusemen® apresentou parâmetros similares ao diluente leite UHT desnatado.
Com base nos parâmetros encontrados nos experimentos I e II deste estudo, conclui-se que o leite UHT, independentemente do tipo, pode ser utilizado como diluente para as primeiras 24 horas de refrigeração, porém quando for necessária refrigeração por até 48 horas, o diluente industrializado se mostrou mais adequado.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Botupharma Biotecnologia animal.


Referências

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