Considerando a importância do VLFe na
clínica felina, assim como a possível disseminação do agente a partir
de um felino portador sintomático ou assintomático, o estudo tem como
objetivo verificar a frequência de viremia pelo VLFe em felinos
residentes em Pelotas e Rio Grande, municípios situados na região sul
do Brasil. Para isso foi coletado sangue de 120 animais
semidomiciliados para a detecção do retrovírus através da técnica de
imunofluorescência indireta (IFI). Detectou-se a viremia em 38,3%
(46/120) dos animais estudados, representando uma frequência maior em
relação a outros estudos realizados no Brasil, o que confirma a
importância deste agente na região estudada.
PALAVRAS-CHAVES: Felinos, imunofluorescência, retrovírus, VLFe.
Considering the importance of FeLV in
the feline clinic, as well as the likely agent spread from a
symptomatic or asymptomatic feline bearer, this work has as objective
the study of the frequency of FeLV in felines residents in the cities
of the Pelotas and Rio Grande, municipalities located in the south area
of Brazil. For that, the blood of 120 semi-domiciled animals was
collected for the detection of the retrovirus through the Indirect
Immunofluorescence technique (IFA). FeLV was detected in 38,3% (46/120)
of the studied animals, representing a larger frequency considering
other studies accomplished in other areas of Brazil, what confirms the
importance of FeLV in the studied region.
KEY WORDS: FeLV, felines, immunofluorescence, retrovirus.
O vírus da leucemia felina (VLFe) é
um retrovírus oncogênico e imunossupressor de distribuição mundial que
afeta felinos domésticos e silvestres. A transmissão ocorre via contato
direto entre o animal infectado e o suscetível, através da saliva,
mordeduras, acasalamento e com secreções contaminadas. A transmissão
transplacentária pode também ocorrer, quando a fêmea gestante for
portadora do vírus, infectando o feto, o que leva a quadros de abortos
e/ou natimortos (ARJONA
et al., 2000).
As manifestações clínicas do VLFe são atribuídas aos efeitos
oncogênicos e imunosupressores do retrovírus, incluindo-se sinais
clínicos inespecíficos como febre, anemia, linfadenopatia, perda de
peso, glomerulonefrites, enterites, atrofia do timo com consequente
alta taxa de mortalidade (JARRET, 1999). Aproximadamente, 80% das
mortes de gatos virêmicos devem-se à imunodepressão, enquanto que 20%
são em consequência do aparecimento de tumores, sendo linfoma o de
maior ocorrência nos animais acometidos (PONTIER
et al., 1998; COSTA
et al.,
2000). Já foram identificados três subgrupos do VLFe patogênicos para
os felinos. O subtipo A é o que representa menor patogenicidade, o C
pode causar um quadro de anemia arregenerativa e o B acarreta variados
quadros patológicos, como linfoma, anemia e leucemia (ARJONA
et al., 2000).
A evolução da infecção pelo VLFe depende de vários fatores, entre eles
a dose inoculada, a virulência da cepa, tempo de exposição e de fatores
intrínsecos do hospedeiro como idade e a condição imunológica. O animal
suscetível pode reagir de diferentes formas à infecção, passando por um
estágio de viremia transitória, caso ocorra resposta imunológica com a
produção de anticorpos com a gp 70 capazes de neutralizar o vírus, o
qual pode ser eliminado num período de seis a oito semanas (CHARREYRE
& PEDERSEN, 1991; JARRET, 1999). Normalmente os filhotes são
protegidos pelos anticorpos maternos até as seis semanas de idade, com
a possível infecção transitória caso entrem em contato com o agente.
Frequentemente após a fase inicial de viremia, ocorre uma aparente
recuperação do animal, sendo que os testes sorológicos, normalmente,
resultam negativo nessa fase. No entanto, o vírus se encontra de forma
latente, com células infectadas na medula óssea e linfonodo (COURCHAMP
et al.,
2000). Pode ainda haver reativação viral em casos de situações
estressantes para o animal, ficando esses com viremia persistente. Os
animais nesse estágio de infecção não produzem resposta imune efetiva
com o vírus, resultando no óbito três a cinco anos após o início da
viremia. Apenas 30% dos felinos adquirem a forma de viremia persistente
(SPAKERS, 1997).
Dada a característica de o VLFe causar imunodepressão, pelas
manifestações clínicas inespecíficas assim como pelo risco de
disseminação do agente entre os animais infectados, principalmente em
populações de gatos mantidos em confinamento ou em agrupamentos, o
diagnóstico da enfermidade tornou-se fundamental na clínica de felinos,
não se restringindo a sua indicação a animais que apresentem quadros de
neoplasias (HAGIWARA
et al., 1997).
Uma das formas utilizadas para diagnosticar o VLFe é a utilização de
anticorpos monoclonais “anti-p27” marcados com fluresceína na
circulação sanguínea periférica. As células infectadas, tanto as
sanguíneas quanto as salivares, possuem no seu citoplasma partículas
proteicas do vírus em excesso, sendo essas partículas reveladas através
da formação do imunocomplexo marcado. Esse método, a imunofluorescência
indireta (IFI), é considerado altamente específico e, quando resultar
positivo, indica que a medula óssea foi infectada. Em 1980, o teste
ELISA (Enzyme-Liked-Immunosorbent Assay) foi introduzido na rotina
hospitalar para o diagnóstico do VLFe. O teste baseia-se na pesquisa de
antígenos virais no plasma sanguíneo, lágrima e saliva, enquanto o IFI
pesquisa o antígeno ou partículas virais presentes nos leucócitos e
plaquetas. Os antígenos detectados pelo teste são livres nas amostras
analisadas, sendo o plasma considerado o material biológico de eleição
para a realização do exame (SPARKES, 1997; ROBINSON
et al., 1998).
Ambas as provas, IFI e ELISA, são testes de imunodecteção específicos e
indicam a presença de infecção. A concordância entre o ELISA e o IFI é
de 100% nos casos de reação negativa. No entanto, essa taxa cai para
90%, quando se considera a reação positiva. Dessa forma, animais
positivos para o ELISA e que não demonstrem sintomatologia sugestiva
para a retrovirose devem ser reavaliados com o teste de IFI, antes de
se estabelecer o diagnóstico definitivo. O ELISA é capaz de detectar
antígenos precocemente, sendo que os amimais positivos para a prova
podem ser virêmicos transitórios e capazes de debelar a infecção. O IFI
pode resultar falso negativo no caso de os animais apresentarem
trombocitopenia e leucopenia, tornando-se de importância a avaliação do
leucograma nos casos discordantes dos testes de ELISA e IFI (SPARKES,
1997; ROBINSON
et al., 1998).
Na região sul do Brasil, são escassos os estudos que avaliam a
ocorrência de felinos portadores do VLFe. Dessa forma, considerando a
importância da enfermidade na clínica de felinos, assim como o risco da
disseminação da retrovirose a partir de um felino portador do agente, o
estudo tem como objetivo investigar a presença do VLFe em felinos
domésticos semidomiciliados residentes nos municípios de Pelotas e Rio
Grande.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletadas amostras de sangue de 120 felinos (71 machos e 49
fêmeas) provenientes de treze agrupamentos contendo no mínimo cinco
felinos. Os agrupamentos se localizavam nos municípios de Pelotas e Rio
Grande, regiões situadas na zona sul do Rio Grande do Sul, sendo que
todos apresentavam precárias condições higiênicas e sanitárias com
constante ingresso de novos animais com livre acesso ao ambiente
externo das residências.
Colheram-se as amostras de sangue dos felinos por punção dos vasos
radiais após tricotomia e desinfecção local com álcool 70º.
Centrifugou-se o sangue total de cada animal a 2.000 g e realizou-se
esfregaço sanguíneo a partir da camada de leucócitos. As lâminas foram
acondicionadas sob refrigeração e enviadas para o Setor de Virologia
Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em no
máximo 24 horas para a detecção do VLFe, através do teste de
imunofluorescência indireta (IFI).
As lâminas foram, então, fixadas à temperatura ambiente em uma mistura
de 75% acetona e 25% metanol, por vinte minutos. Após secas à
temperatura ambiente, foi realizada a técnica de imunofluorescência
indireta (IFI) para VLFe. Os anticorpos e conjugados foram adquiridos
comercialmente (VMRD - VMRD Inc., P. O Box 502, Pullman, WA, 99163,
USA. FAX: (509) 332-5356).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O VLFe foi detectado em 38,3% (46/120) das amostras, sendo 27 machos e
19 fêmeas. A análise microscópica resultou em fluorescência
citoplasmática de coloração esverdeada nos leucócitos e plaquetas (
Figura 1).
A frequência do VLFe obtida no estudo foi maior quando comparada à de
outros estudos desenvolvidos no Brasil, variando estas entre 12,5% e
29,1% (HAGIWARA
et al., 1997; Costa
et al., 2000). HAGIWARA
et al.
(1997) utilizaram o teste de ELISA como método laboratorial,
identificando animais com viremia transitória. Neste estudo,
utilizou-se a IFI, identificando-se animais com viremia persistente.
Esse alto número de portadores do retrovírus pode ser devido às
características dos agrupamentos analisados, os quais eram compostos
por animais, na sua maioria, de procedência desconhecida, de vida
livre, com ingressos constantes de novos animais, sendo animais
semidomiciliados. Segundo HAGIWARA
et al.
(1997), o contato permanente entre gatos recolhidos da rua ou
adquiridos de outros agrupamentos infectados pelo vírus facilita a
disseminação do VLFe.
Houve uma diferença numérica quanto ao sexo dos animais virêmicos,
sendo observado um maior número de machos infectados em relação às
fêmeas. Estudos observaram que machos são mais suscetíveis ao
retrovírus, em virtude dos hábitos inerentes da espécie, como de
procurar fêmeas para acasalamento e disputas territoriais,
possibilitando, com isso, o maior contato entre os animais e,
consequentemente, a transmissão do agente (FROMONT
et al., 1998; COURCHAMP
et al., 2000).
CONCLUSÕES
Foi detectada uma elevada taxa de animais VLFe positivos na região
estudada, sendo que alta infecção pelo VLFe constitui um problema
importante nos municípios de Pelotas e Rio Grande, cidades localizadas
na região sul do Rio Grande do Sul.
REFERÊNCIAS
ARJONA, A.;
ESCOLAR, E; SOTO. I;
BARQUERO, N.; MARTIN, D.; LUCIA, E. G. Seroepidemiological survey of infection
by feline leukemia virus and immunodeficiency virus in Madrid and correlation
with some clinical aspects. Journal of Clinical Microbiology, v. 38, p.
3448-3449, 2000.
CALLANAN,
J. J.; MCCANDLISH, I. A. P.; NEIL, B. O; LAWRENCE, C. E.; RIGBY, M.; PACITTI,
A. M.; JARRETT, O. Lynphosarcoma in experimentally induced Feline
Immunodeficiency Virus infection. The Veterinary Record, v. 130, p.
293-295, 1992.
CHARREYRE,
C.; PEDERSEN, N. C. Study of feline leukemia virus immunity. Journal
American Veterinary Medicine Association, v. 199, p. 1316-1324, 1991.
COSTA,
U. M.; REISCHAK, D.; SCHMITT, A. C.; RENCK, L.; OLIVEIRA, E. S.; FERREIRO, L.
Detection of feline leukemia virus (FeLV) antigen from 1992 to june 2000 by
indirect immunofluorescence test in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Virus
Reviews & Research, v. 5, p. 94, 2000.
COURCHAMP,
F.; SAY, L.; PONTIER, D. Transmission of feline immunodeficiency virus in a
population of cats. Wildlife Research, v. 27, p. 1-9, 2000.
FROMONT,
E.; PONTIER, D.; LANGLAIS, M. Dynamic
of a feline retrovirus (FeLV) in host population with variable structure. Proceedings of the Royal Biological Society, v. 265, n. 1401, p.1097-1104, 1998.
HAGIWARA, M. K.; JÚNIOR, A. R.; LUCAS,
S. R. R. Estudo clínico da infecção de felinos pelo vírus da leucemia felina em
São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Veterinárias, v. 4, p.
35-38, 1997.
JARRETT,
O. Strategies of retrovirus survival in the cat. Veterinary Microbiology,
v. 69, p. 99-107, 1999.
PONTIER,
D.; FROMONT, E.; COURCHAMP, F.; ARTOIS, M.; YOCCOZ, G. Retroviruses and sexual
size dimorphism in domestic cats (Felis catus). Proceedings of the
Royal Biological Society, v. 265, p. 167-173, 1998.
ROBINSON,
A.; DECANN, K.; JONES, T. J. G.; SPARKES, A. H.; WERRET, G.; HARBOUR, D. A.
Comparation of a rapid immunomigration test and ELISA for FIV antibody and FeLV
antigen testing in cats. Veterinary Record, v. 142, p. 491-492, 1998.
SPARKES,
A. H. Feline leukemia virus: a review of immunity and vaccination. Journal of small Animal Practice, v.
38, p.187-194, 1997.
Protocolado em: 18 nov. 2006.
Aceito em: 29 out. 2008.