DOI: 10.5216/cab.v11i1.438
FREQUÊNCIA DO VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA  (VLFe) EM FELINOS DOMÉSTICOS (Felis catus) SEMIDOMICILIADOS NOS MUNICÍPIOS DE PELOTAS E RIO GRANDE


Ana Raquel Mano Meinerz,1 Tatiana de Ávila Antunes,2 Lorena Leonardo de Souza,2 Patrícia da Silva Nascente,3 Renata Osório de Faria,4 Marlete Brum Cleff,5 Fabiane Resende Gomes,6 Márcia de Oliveira Nobre,3 Dilmara Reischak,7 Luis Filipe Damé Schuch8 e Mário Carlos Araújo Meireles9

1. Pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas, E-mail: rmeinerz@bol.com.br
2. Pós-graduanda da Universidade Federal de Pelotas
3. Professora adjunta na Universidade Federal de Pelotas
4. Doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
5. Professor substituto na Faculdade de Veterinária da UFPel
6. Agência Nacional de Vigilância Sanitária
7. Fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
8. Professor de Doenças Infecciosas DVP/FV/UFPel
9. Professor associado da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).


RESUMO

Considerando a importância do VLFe na clínica felina, assim como a possível disseminação do agente a partir de um felino portador sintomático ou assintomático, o estudo tem como objetivo verificar a frequência de viremia pelo VLFe em felinos residentes em Pelotas e Rio Grande, municípios situados na região sul do Brasil. Para isso foi coletado sangue de 120 animais semidomiciliados para a detecção do retrovírus através da técnica de imunofluorescência indireta (IFI). Detectou-se a viremia em 38,3% (46/120) dos animais estudados, representando uma frequência maior em relação a outros estudos realizados no Brasil, o que confirma a importância deste agente na região estudada.

PALAVRAS-CHAVES: Felinos, imunofluorescência, retrovírus, VLFe.

ABSTRACT

FREQUENCY OF THE VIRUS OF THE FELINE LEUKEMIA (FeLV) IN DOMESTIC FELINES (Felis catus) SEMI-DOMICILED IN THE MUNICIPALITIES OF PELOTAS AND RIO GRANDE

Considering the importance of FeLV in the feline clinic, as well as the likely agent spread from a symptomatic or asymptomatic feline bearer, this work has as objective the study of the frequency of FeLV in felines residents in the cities of the Pelotas and Rio Grande, municipalities located in the south area of Brazil. For that, the blood of 120 semi-domiciled animals was collected for the detection of the retrovirus through the Indirect Immunofluorescence technique (IFA). FeLV was detected in 38,3% (46/120) of the studied animals, representing a larger frequency considering other studies accomplished in other areas of Brazil, what confirms the importance of FeLV in the studied region.

KEY WORDS: FeLV, felines, immunofluorescence, retrovirus.


INTRODUÇÃO

O vírus da leucemia felina (VLFe) é um retrovírus oncogênico e imunossupressor de distribuição mundial que afeta felinos domésticos e silvestres. A transmissão ocorre via contato direto entre o animal infectado e o suscetível, através da saliva, mordeduras, acasalamento e com secreções contaminadas. A transmissão transplacentária pode também ocorrer, quando a fêmea gestante for portadora do vírus, infectando o feto, o que leva a quadros de abortos e/ou natimortos (ARJONA et al., 2000).
As manifestações clínicas do VLFe são atribuí­das aos efeitos oncogênicos e imunosupressores do retrovírus, incluindo-se sinais clínicos inespecíficos como febre, anemia, linfadenopatia, perda de peso, glomerulonefrites, enterites, atrofia do timo com consequente alta taxa de mortalidade (JARRET, 1999). Aproximadamente, 80% das mortes de gatos virêmicos devem-se à imunodepressão, enquanto que 20% são em consequência do aparecimento de tumores, sendo linfoma o de maior ocorrência nos animais acometidos (PONTIER et al., 1998; COSTA et al., 2000). Já foram identificados três subgrupos do VLFe patogênicos para os felinos. O subtipo A é o que representa menor patogenicidade, o C pode causar um quadro de anemia arregenerativa e o B acarreta variados quadros patológicos, como linfoma, anemia e leucemia (ARJONA et al., 2000).
A evolução da infecção pelo VLFe depende de vários fatores, entre eles a dose inoculada, a virulência da cepa, tempo de exposição e de fatores intrínsecos do hospedeiro como idade e a condição imunológica. O animal suscetível pode reagir de diferentes formas à infecção, passando por um estágio de viremia transitória, caso ocorra resposta imunológica com a produção de anticorpos com a gp 70 capazes de neutralizar o vírus, o qual pode ser eliminado num período de seis a oito semanas (CHARREYRE & PEDERSEN, 1991; JARRET, 1999). Normalmente os filhotes são protegidos pelos anticorpos maternos até as seis semanas de idade, com a possível infecção transitória caso entrem em contato com o agente. Frequentemente após a fase inicial de viremia, ocorre uma aparente recuperação do animal, sendo que os testes sorológicos, normalmente, resultam negativo nessa fase. No entanto, o vírus se encontra de forma latente, com células infectadas na medula óssea e linfonodo (COURCHAMP et al., 2000). Pode ainda haver reativação viral em casos de situações estressantes para o animal, ficando esses com viremia persistente. Os animais nesse estágio de infecção não produzem resposta imune efetiva com o vírus, resultando no óbito três a cinco anos após o início da viremia. Apenas 30% dos felinos adquirem a forma de viremia persistente (SPAKERS, 1997).
Dada a característica de o VLFe causar imunodepressão, pelas manifestações clínicas inespecíficas assim como pelo risco de disseminação do agente entre os animais infectados, principalmente em populações de gatos mantidos em confinamento ou em agrupamentos, o diagnóstico da enfermidade tornou-se fundamental na clínica de felinos, não se restringindo a sua indicação a animais que apresentem quadros de neoplasias  (HAGIWARA  et al., 1997).
Uma das formas utilizadas para diagnosticar o VLFe é a utilização de anticorpos monoclonais “anti-p27” marcados com fluresceína na circulação sanguínea periférica. As células infectadas, tanto as sanguíneas quanto as salivares, possuem no seu citoplasma partículas proteicas do vírus em excesso, sendo essas partículas reveladas através da formação do imunocomplexo marcado. Esse método, a imunofluorescência indireta (IFI), é considerado altamente específico e, quando resultar positivo, indica que a medula óssea foi infectada. Em 1980, o teste ELISA (Enzyme-Liked-Immunosorbent Assay) foi introduzido na rotina hospitalar para o diagnóstico do VLFe. O teste baseia-se na pesquisa de antígenos virais no plasma sanguíneo, lágrima e saliva, enquanto o IFI pesquisa o antígeno ou partículas virais presentes nos leucócitos e plaquetas. Os antígenos detectados pelo teste são livres nas amostras analisadas, sendo o plasma considerado o material biológico de eleição para a realização do exame (SPARKES, 1997; ROBINSON et al., 1998).
Ambas as provas, IFI e ELISA, são testes de imunodecteção específicos e indicam a presença de infecção. A concordância entre o ELISA e o IFI é de 100% nos casos de reação negativa. No entanto, essa taxa cai para 90%, quando se considera a reação positiva. Dessa forma, animais positivos para o ELISA e que não demonstrem sintomatologia sugestiva para a retrovirose devem ser reavaliados com o teste de IFI, antes de se estabelecer o diagnóstico definitivo. O ELISA é capaz de detectar antígenos precocemente, sendo que os amimais positivos para a prova podem ser virêmicos transitórios e capazes de debelar a infecção. O IFI pode resultar falso negativo no caso de os animais apresentarem trombocitopenia e leucopenia, tornando-se de importância a avaliação do leucograma nos casos discordantes dos testes de ELISA e IFI (SPARKES, 1997; ROBINSON et al., 1998).
Na região sul do Brasil, são escassos os estudos que avaliam a ocorrência de felinos portadores do VLFe. Dessa forma, considerando a importância da enfermidade na clínica de felinos, assim como o risco da disseminação da retrovirose a partir de um felino portador do agente, o estudo tem como objetivo investigar a presença do VLFe em felinos domésticos semidomiciliados residentes nos municípios de Pelotas e Rio Grande.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram coletadas amostras de sangue de 120 felinos (71 machos e 49 fêmeas) provenientes de treze agrupamentos contendo no mínimo cinco felinos. Os agrupamentos se localizavam nos municípios de Pelotas e Rio Grande, regiões situadas na zona sul do Rio Grande do Sul, sendo que todos apresentavam precárias condições higiênicas e sanitárias com constante ingresso de novos animais com livre acesso ao ambiente externo das residências.
Colheram-se as amostras de sangue dos felinos por punção dos vasos radiais após tricotomia e desinfecção local com álcool 70º. Centrifugou-se o sangue total de cada animal a 2.000 g e realizou-se esfregaço sanguíneo a partir da camada de leucócitos. As lâminas foram acondicionadas sob refrigeração e enviadas para o Setor de Virologia Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em no máximo 24 horas para a detecção do VLFe, através do teste de imunofluorescência indireta (IFI).
As lâminas foram, então, fixadas à temperatura ambiente em uma mistura de 75% acetona e 25% metanol, por vinte minutos. Após secas à temperatura ambiente, foi realizada a técnica de imunofluorescência indireta (IFI) para VLFe. Os anticorpos e conjugados foram adquiridos comercialmente (VMRD - VMRD Inc., P. O Box 502, Pullman, WA, 99163, USA. FAX: (509) 332-5356).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O VLFe foi detectado em 38,3% (46/120) das amostras, sendo 27 machos e 19 fêmeas. A análise microscópica resultou em fluorescência citoplasmática de coloração esverdeada nos leucócitos e plaquetas (Figura 1).  A frequência do VLFe obtida no estudo foi maior quando comparada à de outros estudos desenvolvidos no Brasil, variando estas entre 12,5% e 29,1% (HAGIWARA et al., 1997; Costa et al., 2000). HAGIWARA et al. (1997) utilizaram o teste de ELISA como método laboratorial, identificando animais com viremia transitória. Neste estudo, utilizou-se a IFI, identificando-se animais com viremia persistente. Esse alto número de portadores do retrovírus pode ser devido às características dos agrupamentos analisados, os quais eram compostos por animais, na sua maioria, de procedência desconhecida, de vida livre, com ingressos constantes de novos animais, sendo animais semidomiciliados. Segundo HAGIWARA et al. (1997), o contato permanente entre gatos recolhidos da rua ou adquiridos de outros agrupamentos infectados pelo vírus facilita a disseminação do VLFe.
Houve uma diferença numérica quanto ao sexo dos animais virêmicos, sendo observado um maior número de machos infectados em relação às fêmeas. Estudos observaram que machos são mais suscetíveis ao retrovírus, em virtude dos hábitos inerentes da espécie, como de procurar fêmeas para acasalamento e disputas territoriais, possibilitando, com isso, o maior contato entre os animais e, consequentemente, a transmissão do agente (FROMONT et al., 1998; COURCHAMP et al., 2000).

CONCLUSÕES

Foi detectada uma elevada taxa de animais VLFe positivos na região estudada, sendo que alta infecção pelo VLFe constitui um problema importante nos municípios de Pelotas e Rio Grande, cidades localizadas na região sul do Rio Grande do Sul.

REFERÊNCIAS
 

ARJONA, A.; ESCOLAR, E; SOTO. I; BARQUERO, N.; MARTIN, D.; LUCIA, E. G. Seroepidemiological survey of infection by feline leukemia virus and immunodeficiency virus in Madrid and correlation with some clinical aspects. Journal of Clinical Microbiology, v. 38, p. 3448-3449, 2000.

CALLANAN, J. J.; MCCANDLISH, I. A. P.; NEIL, B. O; LAWRENCE, C. E.; RIGBY, M.; PACITTI, A. M.; JARRETT, O. Lynphosarcoma in experimentally induced Feline Immunodeficiency Virus infection. The Veterinary Record, v. 130, p. 293-295, 1992.

CHARREYRE, C.; PEDERSEN, N. C. Study of feline leukemia virus immunity. Journal American Veterinary Medicine Association, v. 199, p. 1316-1324, 1991.

COSTA, U. M.; REISCHAK, D.; SCHMITT, A. C.; RENCK, L.; OLIVEIRA, E. S.; FERREIRO, L. Detection of feline leukemia virus (FeLV) antigen from 1992 to june 2000 by indirect immunofluorescence test in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Virus Reviews & Research, v. 5, p. 94, 2000.

COURCHAMP, F.; SAY, L.; PONTIER, D. Transmission of feline immunodeficiency virus in a population of cats. Wildlife Research, v. 27, p. 1-9, 2000.

FROMONT, E.; PONTIER, D.; LANGLAIS, M. Dynamic of a feline retrovirus (FeLV) in host population with variable structure. Proceedings of the Royal Biological Society, v. 265, n. 1401, p.1097-1104, 1998.

HAGIWARA, M. K.; JÚNIOR, A. R.; LUCAS, S. R. R. Estudo clínico da infecção de felinos pelo vírus da leucemia felina em São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Veterinárias, v. 4, p. 35-38, 1997.

JARRETT, O. Strategies of retrovirus survival in the cat. Veterinary Microbiology, v. 69, p. 99-107, 1999.

PONTIER, D.; FROMONT, E.; COURCHAMP, F.; ARTOIS, M.; YOCCOZ, G. Retroviruses and sexual size dimorphism in domestic cats (Felis catus). Proceedings of the Royal Biological Society, v. 265, p. 167-173, 1998.

ROBINSON, A.; DECANN, K.; JONES, T. J. G.; SPARKES, A. H.; WERRET, G.; HARBOUR, D. A. Comparation of a rapid immunomigration test and ELISA for FIV antibody and FeLV antigen testing in cats. Veterinary Record, v. 142, p. 491-492, 1998.

SPARKES, A. H. Feline leukemia virus: a review of immunity and vaccination. Journal of small Animal Practice, v. 38, p.187-194, 1997.


Protocolado em: 18 nov. 2006.   Aceito em: 29 out. 2008.