A manutenção da pressão arterial, no
transanestésico, consiste grande desafio, principalmente quando se
trata da espécie equina, suscetível à instabilidade cardiovascular. Por
isso, torna-se imperioso utilizar técnica anestésica que mantenham
estáveis os parâmetros cardiovasculares. A cetamina tem sido amplamente
empregada na indução anestésica para o halotano em equinos,
conferindo-lhes estabilidade cardiovascular. A cetamina S(+),
recentemente disponibilizada no mercado, induz estimulação
cardiovascular e possui maior potência anestésica e analgésica em
relação à cetamina. Todavia, os efeitos dessa substância, administrada
por infusão contínua durante a manutenção da anestesia pelo
halotano em equinos, ainda não foram avaliados. Em face da tendência
atual de a infusão continuada da cetamina potencializar os anestésicos
inalatórios, considerou-se pertinente avaliar os efeitos
cardiovasculares e respiratórios desse isômero de cetamina em equinos
anestesiados pelo halotano. Conclui-se que a infusão contínua de
0,01mg/kg/min de cetamina S(+) durante anestesia com 1,5 CAM de
halotano em equinos não agravou a depressão cardiorrespiratória
promovida por esse anestésico inalatório.
PALAVRAS-CHAVES: Cetamina S(+), equinos, halotano, infusão contínua.
EFFECTS OF S(+)-KETAMINE CONTINUOUS RATE INFUSION IN HORSES ANESTHETIZED BY HALOTHANE
The horse’s blood pressure is
susceptible to changes induced by volatile anesthetics. Because of
that, the use of anesthesic techniques which keep stable the horse´s
blood pressure is essencial. Ketamine is an important induction and
maintenance anesthetic agent used in the horse anesthesia practice
mainly to improve the blood pressure. S(+)-ketamine provides the same
effects on the blood pressure, with greater analgesic results and less
side effects than the normal ketamine. Although some studies have been
conducted with ketamine continuous rate infusion during the halothane
anesthetized horses, the S(+)-ketamine has not been evaluated yet.
Considering the increased use of ketamine, it is important to evaluate
its cardiovascular and respiratory effects in halothane anesthetized
horses. To conclude, S(+)-ketamine 0.01mg/kg/min. continuous rate
infusion did not induce additive cardiovascular and respiratory
depression in halothane anesthetized horses.
KEY WORDS: S(+)-ketamine, horses, halothane, continuous rate infusion.
O halotano, um líquido anestésico
volátil amplamente utilizado em equinos, induz relaxamento muscular e
bom plano anestésico, porém causa depressão cardiovascular com
bradicardia, dada a estimulação vagal (WRIGHT & HALL, 1976), além
de hipotensão e redução do débito cardíaco de forma dose dependente
(NORBY & LINK, 1970; STEFFEY & HOWLAND, 1978). Segundo
INGWERSEN et al. (1998), a
hipotensão se deve à redução significativa do débito cardíaco, já que a
resistência vascular periférica é preservada. Esse agente, em
alta concentração, pode também induzir depressão e acidose respiratória
(STEFFEY et al., 1977a), mais pronunciada em animais mantidos em respiração espontânea (STEFFEY & HOWLAND, 1978).
A cetamina, um anestésico dissociativo, induz inconsciência e
catalepsia, preservando os reflexos vitais, mesmo que de forma reduzida
(BERGMAN, 1999). Seu mecanismo de ação é relacionado, principalmente, à
inibição não competitiva dos receptores glutaminérgicos do tipo
N-metil-D-aspartato (NMDA), em doses consideravelmente menores que
aquelas necessárias para induzir anestesia cirúrgica, o que explica
porque este anestésico conserva propriedades anti-hiperalgésicas mesmo
em doses subanestésicas (SUZUKI et al. 2006; HARPER, 2007).
A cetamina é comercializada na forma racêmica, constituída por dois
isômeros: 50% R(-) e 50% S(+). A dose letal (DL 50) dos isômeros é
idêntica, entretanto, o índice terapêutico do isômero S(+) é 2,5 vezes
maior que o da forma R(-), sendo a dose efetiva (DE50) da primeira
significativamente menor. Adicionalmente, mesmo em doses efetivas, o
isômero S(+) causa menor estimulação motora (KIENBAUM et al.,
2001). O isômero S(+) da cetamina tem mostrado maior eficiência
analgésica trans e pós-operatória, com menor incidência de efeitos
alucinógenos (LAURETTI et al.,
2000). A potência anestésica e analgésica desse isômero é de 2,5 a 4
vezes maior que a do isômero R(-). Por essa razão, preconiza-se a
redução de 50% a 70% na dose do isômero S(+) quando utilizado
isoladamente (KIENBAUM et al., 2001).
A cetamina tem sido indicada para indução anestésica em equinos com
distúrbios circulatórios (GUEDES & NATALINI, 2002), pois aumenta o
tônus simpático, elevando, consequentemente, a frequência cardíaca, o
débito cardíaco, a pressão arterial média, a pressão arterial pulmonar
e a pressão venosa central por interação com os receptores
adrenérgicos-α1, induzindo, também, cronotropismo positivo por inibição
do impulso vagal eferente (BEVAN et al.,
1997). HODGSON & DUNLOP (1990) observaram que nos pacientes
hipotensos pode ser vantajoso utilizar a cetamina como complemento da
anestesia geral inalatória, dadas suas propriedades simpatomiméticas,
reduzindo o consumo de isofluorano ou halotano, permitindo melhorar a
qualidade anestésica (DIAMOND et al.,
1993; GUEDES & NATALINI, 2002). MUIR & SAMS (1992) demonstraram
que a cetamina infundida continuamente, em equinos anestesiados com
halotano, reduz em até 30% a concentração alveolar mínima (CAM) desse
agente inalatório.
Foram utilizados seis equinos
hígidos, machos, adultos, sem raça definida, pesando entre 350 e 450
kg, distribuídos em dois grupos experimentais de seis animais,
alocados, por sorteio, nos grupos infusão cetamina S(+)(GICS - Ketamin
S(+)- Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda., Itapira, SP,
Brasil.) e infusão solução fisiológica (GISF - Solução de NaCl 0,9%-
Lab. Farmacêutico Ltda., Aquiraz, CE, Brasil). Os mesmos animais
participaram dos dois grupos experimentais, respeitando-se um intervalo
de quinze dias entre cada procedimento em um mesmo animal.
Os animais foram submetidos a jejum alimentar por doze horas e hídrico
de seis horas. No dia do experimento, realizou-se tricotomia, na região
paraesternal direita, dorsalmente ao olécrano, abrangendo os quarto e
quinto espaços intercostais para a realização do exame ecocardiográfico
(CANOLA
et al., 2002).
Realizou-se, também, a tricotomia no terço médio da região cervical
esquerda, para a cateterização transcutânea da artéria carótida, que
fora previamente transposta para o espaço subcutâneo (TAVERNOR, 1969) e
da veia jugular esquerda. Após antissepsia local, foram introduzidos
cateteres (Abbocath – Abbott Laboratórios Ltda., São Paulo, SP, Brasil)
de calibres 18 e 14G, respectivamente.
O protocolo anestésico empregado constou de sedação com xilazina
(Sedomin –Lab. König S.A. Santa Cecília, São Paulo, SP, Brasil), na
dose de 1 mg/kg e, decorridos cinco minutos, aplicou-se o éter
gliceril guaiaco (EGG -Éter Gliceril Guaiacol – Henrifarma Produtos
Químicos e Farmacêuticos Ltda., São Paulo, SP, Brasil. ), na dose de
100 mg/kg, numa concentração de 10%, ambos administrados por via
intravenosa (IV). Após o decúbito lateral direito, os animais foram
submetidos à indução anestésica com cetamina S(+)(Ketamin S(+) –
Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda., Itapira, SP, Brasil),
na dose de 1mg/kg, administrada pelo catéter venoso. Ato contínuo,
intubaram-se os equinos com sonda de Magill (Sonda de Magill –
Cirúrgica Fernandes Ltda., São Paulo, SP, Brasil.) compatível com o
diâmetro da traqueia, posicionados em decúbitos dorsal na mesa
cirúrgica e mantidos com oxigênio e halotano, com fluxo de
20mL/kg/minuto, durante os dez minutos iniciais, fornecido por meio de
circuito anestésico com reinalação parcial de gases, em aparelho de
anestesia (Aparelho HB Contest Big – HB Ind. e Com. Equip. Med. Hosp.
Ltda., São Paulo, SP, Brasil.), dotado de vaporizador (Vaporizador HB –
HB Ind. e Com. Equip. Med. Hosp. Ltda., São Paulo, SP, Brasil.)
calibrado para halotano. A concentração desse anestésico foi ajustada
em 1,5 CAM, medida ao final da expiração, por um analisador de gases
(OHMEDA – mod. 5220 Datex-Ohmeda Inc., Madison, WI, EUA).
Decorridos dez minutos do início da anestesia, reduziu-se o fluxo de
oxigênio para 10mL/kg/minuto.
No GICS, após a estabilização do plano anestésico com 1,5 CAM de
halotano, administrou-se 0,01mg/kg/minuto de cetamina S(+), por via
intravenosa, diluída em solução de NaCl a 0,9% para um volume final de
250 mL. Da mesma maneira, iniciou-se, no GISF, a infusão intravenosa de
250mL de solução de NaCl a 0,9%. Todas as infusões foram administradas
por meio de uma bomba de infusão contínua (Samtronic Ind. e Com. Ltda.,
São Paulo, SP, Brasil.), por um período de cinquenta minutos, com fluxo
de 5mL/min.
Os parâmetros foram avaliados segundo o seguinte esquema: B = valores
basais; MPA = imediatamente após o decúbito pelo EGG; I = dois minutos
após a indução com 1mg/kg de cetamina S (+); M0 = imediatamente após a
estabilização do plano anestésico, obtida pela leitura dos gases
expirados em 1,5 CAM de halotano; M10 a M50 = avaliações consecutivas
em intervalos de dez minutos a partir M0.
Determinou-se a frequência cardíaca (FC) através do traçado
eletrocardiográfico (ECG - ECGPC TEB – Tecnologia Eletrônica Brasileira
Ltda., São Paulo, SP, Brasil.). As mensurações do débito cardíaco (DC),
da fração de encurtamento (FS) e da fração de ejeção (FE) foram obtidas
por meio de ecocardiografia, aplicando-se varredura eletrônica do
coração com transdutor setorial mecânico (Ultrasond model 240 – Parus
Vet-Pie Medical Equipament B.V. São Paulo, SP, Brasil.) de 3,5MHz na
região paraesternal direita, dorsal ao olécrano, correspondendo ao 4º
ou 5º espaço intercostal, segundo CANOLA
et al. (2002).
O volume (VS), o índice cardíaco (IC) e sistólico (IS), o trabalho
ventricular esquerdo (TVE) e o índice do trabalho ventricular esquerdo
(ITVE) foram estabelecidos por equações matemáticas conforme descrito
por DUCKETT (1995), MUIR & MASON (1996) e VALVERDE
et al.
(1991), respectivamente. Para mensuração das pressões arteriais
sistólica (PAS), média (PAM) e diastólica (PAD), obtidas pela leitura
direta do valor transduzido e mostrado no visor do monitor
multiparamétrico (DIGIMAX 5000 – Digicare Ltda., Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.), utilizou-se o catéter introduzido na artéria carótida
esquerda. A resistência periférica total (RPT) e o índice da
resistência periférica total (IRPT) foram obtidos por cálculos
matemáticos segundo apresentado por VALVERDE
et al. (1991).
A frequência respiratória (f) foi avaliada por observação da
movimentação do gradil costal durante um intervalo de um minuto, sendo
expressa em movimentos por minuto, e o dióxido de carbono ao final da
expiração (ETCO
2) em mmHg foi obtido por leitura direta do monitor de capnometria do aparelho analisador de gases.
Para a análise hemogasométrica arterial e venosa colheram-se amostras,
diretamente dos cateteres inseridos, respectivamente, na artéria
carótida e veia jugular esquerdas subsequentemente analisadas em
aparelho de hemogasometria, para a mensuração do pH, pressão parcial de
oxigênio arterial (PaO2), pressão parcial de dióxido de carbono
arterial (PaCO
2), concentração de bicarbonato (HCO
-3), dióxido de carbono arterial total (TaCO
2),
Determinou-se a frequência cardíaca (FC) através do traçado
eletrocardiográfico (ECG). As mensurações do débito cardíaco (DC), da
fração de encurtamento (FS) e da fração de ejeção (FE) foram obtidas
por meio de ecocardiografia, aplicando-se varredura eletrônica do
coração com transdutor setorial mecânico de 3,5MHz na região
paraesternal direita, dorsal ao olécrano, correspondendo ao 4º ou 5º
espaço intercostal, segundo CANOLA
et al. (2002).
O volume (VS), o índice cardíaco (IC) e sistólico (IS), o trabalho
ventricular esquerdo (TVE) e o índice do trabalho ventricular esquerdo
(ITVE) foram estabelecidos por equações matemáticas conforme descrito
por DUCKETT (1995), MUIR & MASON (1996) e VALVERDE
et al.
(1991), respectivamente. Para mensuração das pressões arteriais
sistólica (PAS), média (PAM) e diastólica (PAD), obtidas pela leitura
direta do valor transduzido e mostrado no visor do monitor
multiparamétrico, utilizou-se o catéter introduzido na artéria carótida
esquerda. A resistência periférica total (RPT) e o índice da
resistência periférica total (IRPT) foram obtidos por cálculos
matemáticos segundo apresentado por VALVERDE
et al. (1991).
A frequência respiratória (f) foi avaliada por observação da
movimentação do gradil costal durante um intervalo de um minuto, sendo
expressa em movimentos por minuto, e o dióxido de carbono ao final da
expiração (ETCO2) em mmHg foi obtido por leitura direta do monitor de
capnometria do aparelho analisador de gases.
Para a análise hemogasométrica arterial e venosa colheram-se amostras,
diretamente dos cateteres inseridos, respectivamente, na artéria
carótida e veia jugular esquerdas subsequentemente analisadas em
aparelho de hemogasometria (Omni C - Roche Diagnostica Brasil, São
Paulo, SP, Brasil.), para a mensuração do pH, pressão parcial de
oxigênio arterial (PaO
2), pressão parcial de dióxido de carbono arterial (PaCO
2), concentração de bicarbonato (HCO
-3), dióxido de carbono arterial total (TaCO
2), saturação da oxihemoglobina (SO
2) e balanço de base (BE-).
O conteúdo arterial de oxigênio (CaO
2), o conteúdo venoso de oxigênio (CvO
2), a diferença arteriovenosa de oxigênio (c(a-v)O
2), o índice de transporte de oxigênio (IDO
2) e o índice de consumo de oxigênio (IVO
2) foram calculados empregando-se fórmulas descritas por SHOEMAKER (1995). Calculou-se a taxa de extração de oxigênio (TeO
2) mediante a fórmula descrita por CARMONA & SLULLITEL (2001).
Para a avaliação da qualidade de recuperação da anestesia, foram
atribuídos escores de acordo com a escala a seguir: (1) excelente –
levanta na primeira tentativa, após o animal estar posicionado em
decúbito esternal; (2) muito bom – levanta em duas ou três tentativas,
após o animal estar posicionado em decúbito esternal; (3) bom – levanta
em quatro tentativas, após o animal estar posicionado em decúbito
esternal; sem excitação; (4) regular – levanta depois de quatro
tentativas, após o animal estar posicionado em decúbito esternal,
ataxia significante e (5) ruim – tentativas múltiplas para levantar-se,
evidenciando excitação, risco de injúrias alto.
Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística empregando-se o
software SAS®. Utilizou-se análise de variância para repetições
múltiplas (PROC ANOVA, para dados balanceados e PROC GLM para dados não
balanceados), na avaliação das diferenças das médias ao longo do tempo
dentro de cada grupo, seguida pelo teste de Student-Newman-Keuls. A
comparação entre os grupos, nos diferentes intervalos, foi realizada
pelo teste t de Student. Consideraram-se as diferenças estatisticamente
significantes com p≤0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a indução anestésica com cetamina S(+), os equinos apresentaram
adequado relaxamento muscular, ausência de hipertonia muscular e foram
intubados sem dificuldade. O período médio para a estabilização da
anestesia em 1,5 CAM de halotano foi de trinta e oito minutos e
quarenta minutos para o GICS e GISF, respectivamente. Observou-se,
clinicamente, maior profundidade do plano anestésico nos animais do
GICS, pois eles apresentaram ausência de reflexo palpebral e corneal ao
longo da infusão com cetamina S(+), enquanto os do GISF apresentaram
reflexo palpebral diminuído. Este fato demonstra que ocorreu efeito
aditivo da cetamina S(+) na anestesia pelo halotano em equinos.
Quanto à recuperação anestésica, ambos os grupos não apresentaram risco
de injúria, embora o GICS tenha demonstrado pior qualidade na
recuperação dos animais, provavelmente por causa da predominância de
níveis plasmáticos residuais do agente dissociativo, na ausência do
efeito hipnótico do halotano (STEFFEY, 2003). A meia-vida de eliminação
da cetamina de 42 minutos (KAKA
et al.,
1979) pode ter favorecido a estimulação límbica no período de
recuperação anestésica, a qual está relacionada a efeitos adversos tais
como excitação, aumento da atividade locomotora e hipertonia muscular
(MUIR
et al., 1977; MUIR, 1991; TAYLOR & CLARKE, 1999; SOUZA
et al.,
2002). Dessa forma, visando minimizar esses efeitos indesejáveis,
sugere-se interromper previamente a infusão contínua de cetamina em
relação à anestesia pelo halotano.
A infusão contínua de cetamina S(+) não alterou os valores da FC (
Tabela 1),
sendo que os valores exibidos permaneceram dentro da faixa fisiológica
descrita para a espécie, corroborando resultados de FLAHERTY
et al. (1998).
Observou-se, também, redução significativa das pressões arteriais
durante a estabilização do plano anestésico em 1,5 CAM (Tabela 1). A
PAM manteve-se abaixo do valor fisiológico para a espécie equina,
porém, estável ao longo de toda a infusão de cetamina S(+). A ausência
de estímulo cirúrgico, em associação à alta concentração de halotano e
ausência de fluidoterapia, pode ter favorecido a hipotensão acentuada
(NORBY & LINK, 1970; STEFFEY & HOWLAND, 1978). Provavelmente,
os efeitos simpatomiméticos da cetamina S(+) não foram observados em
virtude da ocorrência de efeito aditivo, fato observado na maior
profundidade do plano anestésico, que reduziu a resposta central à
hipotensão, pois a ação vasopressora periférica da cetamina está
relacionada à estimulação central e pode ser inibida pela anestesia
geral (WRIGHT, 1982).
O débito cardíaco, o volume sistólico e o índice do volume sistólico
apresentaram redução significativa após a MPA e mantiveram seus valores
em nível menor ao fisiológico ao longo do experimento (
Tabela 1).
Sabe-se que ocorre redução do débito cardíaco dependente da dose
durante a anestesia pelo halotano (WRIGHT & HALL, 1976). Segundo
INGWERSEN (1988), a redução do débito cardíaco determina hipotensão,
uma vez que a resistência vascular periférica é preservada em equinos
anestesiados com halotano. Nesse sentido, deve-se ressaltar que, neste
estudo, os valores médios da resistência vascular periférica total e do
índice da resistência periférica total, em ambos os grupos,
permaneceram estáveis. A anestesia pelo halotano reduziu o débito
cardíaco, a fração de encurtamento e de ejeção, fato este determinado,
provavelmente, pelo efeito inotrópico negativo desse anestésico
(HILLIDGE & LEES, 1976).
A redução da frequência respiratória (
Tabela 1) após a indução anestésica com cetamina S(+) em potros já fora relatada por ALMEIDA
et al.
(2002). Observou-se o mesmo efeito durante a indução anestésica neste
estudo, perdurando por toda anestesia com halotano, pois este agente
possui ação depressora respiratória, como demonstrado em diversas
pesquisas (PATTERSON
et al., 1968; STEFFEY
et al., 1977b).
Por meio da hemogasometria pôde-se observar que houve aumento na taxa de PaCO
2, a partir da estabilização da anestesia com o halotano, de acordo com os estudos de HALL
et al. (1968b), STEFFEY
et al. (1977b) e TEIXEIRA NETO
et al. (2000). O aumento na concentração arterial de CO
2 deve-se à diminuição ou supressão da resposta dos quimiorreceptores centrais e periféricos por ação do halotano (PATTERSON
et al.,
1968), que se agravaram em função do decúbito dorsal por desequilíbrio
na relação ventilação/perfusão, levando à hipoxemia/hipercapnia, mesmo
quando se administram frações inspiradas elevadas de oxigênio (
Tabela 1).
Segundo HUBBELL (1991), esse aumento da taxa de CO
2 arterial
diminui o pH arterial e induz a liberação de catecolaminas. Neste
estudo, foi possível observar aumento das taxas da PaCO
2 e,
concomitantemente, redução do pH durante a anestesia pelo halotano,
caracterizando um quadro de acidose respiratória. Deve-se supor que,
para compensar essa acidose respiratória, ocorreu aumento subsequente
da concentração arterial de HCO
3-, como descrito
por CORLEY & MARR (1998), acarretando excesso de bases. É
importante ressaltar que os valores médios de pH, HCO
3- e PaCO
2
não diferiram entre os grupos, apontando que a associação da cetamina
S(+) não provocou efeito aditivo sobre a depressão respiratória
induzida pela anestesia com halotano. Entretanto, deve-se destacar que,
embora tenha ocorrido elevação da PaCO
2, tais achados são
condizentes com a ocorrência de hipoventilação, normalmente presente em
equinos anestesiados sob ventilação espontânea, pois os valores de PaO
2
foram mantidos em níveis adequados, o que deve ter mantido suprimento
adequado de oxigênio aos tecidos (ROBERTSON & BAILEY, 2002).
Os valores médios de CaO
2 e CvO
2 se comportaram
de maneira similar entre os grupos e, embora tenham diminuído após a
indução com cetamina S(+), mantiveram-se constantes ao longo da
anestesia com halotano.
O C(a-v)O
2, o IDO
2 e a TeO
2 foram
constantes ao longo do experimento, não havendo diferença significativa
entre os grupos, demonstrando que a infusão de cetamina S(+) não
promoveu maior consumo ou extração de O
2 pelos tecidos (BONAGURA & MUIR, 1991; BONETTI & DALLAN, 1997; CARMONA & SLULLITEL, 2001).
CONCLUSÕES
A infusão contínua de 0,01mg/kg/min de cetamina S(+) durante anestesia
geral inalatória com 1,5 CAM de halotano, em equinos, não agrava a
depressão cardiocirculatória, respiratória e hemogasométrica promovida
por este líquido anestésico volátil.
REFERÊNCIAS
BERGMAN, A. S. Ketamine: reviews of its
pharmacology and its use in pediatric anesthesia. Anesthesia Progress,
v. 46, n. 1, p. 10-20, 1999.
BEVAN, R. K.; ROSE M. A.; DUGGAN K. A.
Evidence for direct interaction of ketamine with α1 and β2 adrenoceptors.
Clinical Experimental Pharmacology and
Physiology, v. 24, p. 923-926, 1997.
BONAGURA, J. D.;
MUIR, W. W. The cardiovascular system. In: MUIR, W.W.; HUBBEL, J. A. E. Equine
anesthesia: monitoring and emergency therapy. St. Louis: Mosby Year Book, 1991. p. 39-104.
BONETTI,
E.; DALLAN, L. A. O. Hemodinâmica básica e avançada. In: FELIX, V. N.;
CARVALHO, W. B.; AULER JR. J. O. C.; PROENÇA FILHO, J. O. Terapia intensiva
adulto-pediatria/RN. São Paulo: Sarvier, 1997. p. 40-45.
CANOLA,
J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da romifidina sobre as dimensões
ecocardiográficas e sobre índices da função cardíaca em equinos. Ars
Veterinaria, v. 18, n. 3, p. 231-237, 2002.
CARMONA,
M. J. C.; SLULLITEL, A. Monitorização em anestesia. In: YAMASHITA, A.
M.; TAKAOKA, F.; AULER JR, J. O. C.; IWATA, N. M. Anestesiologia:
Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Atheneu, 2001.
p. 137-169.
CORLEY, K. T. T.; MARR, C. M. Pathofisiology, assessment and treatment of
acid-base disturbances in the horse. Equine Veterinary Education, v.
5, p. 255-265, 1998.
DIAMOND, M. J.; YOUNG, L. E.; BARTRAM, D.
H.; GREGG, A. S.; CLUTTON, R. E.; LONG, K. J.; JONES, R. S. Clinical evaluation
of romifidine/ketamine/halotane anaesthesia in horses. Veterinary Record,
v. 132, p. 572-575, 1993.
DUCKETT, W. M. Acute care of burn victims.
Journal Equine Veterinary Science, v. 15, n. 4, p. 157-159, 1995.
FLAHERTY, D.; NOLAN, A.; REID, J.; MONTEIRO, A. M. The
pharmacokinetics of ketamine after a continuous infusion under halothane
anaesthesia in horses. Journal of Veterinary Anaesthesia, v. 25, n. 1, p. 31-36, 1998.
GUEDES,
A. G. P.; NATALINI, C. C. Anestesia em equinos com síndrome cólica: análise de
48 casos e revisão de literatura. Ciência
Rural, v. 32, n. 3, p. 535-542, 2002.
HALL. L. W.; GILLESPIE, J. R.; TYLER, W.
S. Alveolar-arterial oxygen tension differences in anesthetized horses. British
Journal Anesthesia, v. 40, p. 560-568, 1968.
HARPER, T. D. Perioperative uses of
low-dose ketamine for pain management. Plastic Surgical Nursing, v. 27,
n. 2, p. 98-101, 2007.
HILLIDGE, C. J.; LEES, P. The rate of rise of
intraventricular pressure as an index of myocardial contractility in conscious
and anaesthetised ponies. Research Veterinary Science, v. 21, n. 2,
p.176-183, 1976.
HODGSON, D. S.; DUNLOP, C. I. General
anesthesia for horses with specific problems. Veterinary Clinics
North American: Equine Practice, v. 6, n. 3, p. 625-650, 1990.
HUBBELL, J. A. E. Oxygen supplementation
and ventilatory assist devices. In: MUIR, W. W.; HUBBELL, J. A. E. Equine
anesthesia: monitoring and emergency therapy. St. Louis: Mosby Year Book,
1991. p. 401-418.
INGWERSEN, W.; ALLEN, D. G.; DYSON, D. H.; PASCOE, P.
J.; O’GRADY, M. R. Cardiopulmonary effects of a halothane/oxygen combination in
healthy cats. Canadian Journal Veterinary Research, v. 52, n. 3, p.
386-91, 1988.
KAKA, J. S.; KLAVANO, P. A.; HAYTON, W. L.
Pharmacokinetics of ketamine in the horse. American Journal Veterinary
Research, v. 40, p. 978-981, 1979.
KIENBAUM, P.; HEUTER, T.; PAVLAKOVIC, T.
G.; MICHEL, M. C.; PETERS, J. S(+)-ketamine increases muscle sympathetic
activity and maintains the neural response to hypotensive challenges in humans.
Anesthesiology, v. 94, n. 2, p. 252-258, 2001.
LAURETTI,
G. R.; LIMA, I. C. P. R.; BUSCATTI, R. Y.; REIS, M. P. Avaliação clínica, hemodinâmica,
analgésica, psicodélica e anestésica da cetamina racêmica versus seu
S(+) isômero. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 50, p. 357-362,
2000.
LMEIDA,
R. M.; DUQUE, J. C.; FARIAS, A.; VALADÃO, C. A. A.; MELLO, D.; ALVES, R. O.;
VICENTI, F. A. M. Cetamina ou cetamina S (+) em associação com diazepam na
indução anestésica em potros. Revista Brasileira de Ciência Veterinária,
v. 9, n. 1, p. 337-339, 2002.
MUIR, W. W. Intravenous anesthetics
techniques in horses. In: MUIR, W. W.; HUBBELL, J. A. E. Equine anesthesia:
monitoring and emergency therapy. St. Louis: Mosby Year Book, 1991. p. 281-309.
MUIR, W. W.; MASON, D. Cardiovascular system. In:
THURMON, J. C.; TRANQUILLI, W. J.; BENSON, G. J. Lumb & Jones’
veterinary anesthesia. 3. ed. Philadelphia: Lea & Feabiger, 1996. p.
80.
MUIR,
W. W.; SAMS, R. Effects of ketamine infusion on halothane minimal
alveolar concentration in horses. American Journal Veterinary Research,
v. 53, n. 10, p. 1802-1806, 1992.
MUIR, W. W.; SKARDA,
R. T.; MILNE, D. W. Evaluation of xylazine and ketamine hydrochloride for
anesthesia in horses. American Journal Veterinary Research, v. 38, n. 2,
p. 195-201, 1977.
NORBY, M. A.; LINK, R. P. Effect of
halothane anesthesia on liver function in the horse. Veterinary Medicine
Small Animal Clinicians, v. 65, n. 10, p. 946-949, 1970.
PATTERSON, R. W.; SULLIVAN, S. F.; MALM,
J. R.; BOWMAN, F. O. JR.; PAPPER, E. M. The effect of halothane on human airway
mechanics. Anesthesiology, v. 29, p. 900-907, 1968.
ROBERTSON, S. A.; BAILEY, J. E.
Aerosolized salbutamol (albuterol) improves PaO2 in hypoxemic
anaesthetized horses: a prospective clinical trial in 81 horses. Veterinary
Anesthesia and Analgesia, v. 29, p. 121-218, 2002.
SHOEMAKER, W. C. Diagnosis and treatment
of the shock syndromes. In: SHOEMAKER, W. C.; AYRES, S.; GRENVIK, A. Textbook
of critical care. 2. ed. Philadelphia: W.B. Saunders, 1989. 2227 p.
SOUZA,
A. H.; VALADÃO, C. A. A.; QUEIROZ-NETO, A.; ZAMUR, G.; COELHO, V. Efeitos da
injeção subcutânea de doses baixas de cetamina em equinos. Ars Veterinaria, v. 18, n. 3, p. 223-230, 2002.
STEFFEY,
E. P. Anestésicos inalatórios. In: ADAMS, H. R. Farmacologia e terapêutica
em veterinária. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. p. 154-178.
STEFFEY, E. P.; HOWLAND Jr., D.:
Cardiovascular effects of halothane in the horses. American Journal
Veterinary Research, v. 39, n. 4, p. 611-615, 1978.
STEFFEY, E. P.; HOWLAND Jr., D.; GIRI, S.;
EGER, E.I. Enflurane, halothane and isoflurane potency in horses. American
Journal Veterinary Research, v. 38, p. 1037-1039, 1977a.
STEFFEY, E. P.; WHEAT, J. D.; MEAGHER, D.
M.; NORRIE, R. D.; MCKEE, J.; BROWN, M.; ARNOLD, J. Body position and mode of
ventilation influences arterial pH, oxygen and carbon dioxide tensions in
halothane-anesthetized horses. American Journal Veterinary Research, v.
38, p. 379-382, 1977b.
SUZUKI, M.; HARAGUTI, S.; SUGIMOTO, K.;
KIKUTANI, T.; SHIMADA, Y.; SAKAMOTO, A. Low-dose intravenous ketamine
potentiates epidural analgesia after thoracotomy. Anesthesiology, v.
105, n. 1, p. 111-119. 2006.
TAVERNOR, W. D. Technique for the
subcutaneous relocation of the common carotid artery in the horse. American
Journal Veterinary Research, v. 30, n. 10, p. 1881-1883, 1969.
TAYLOR,
P. M.; CLARKE, K. W. Intravenous anesthesia. Handbook of equine anesthesia.
London: W. B. Saunders, 1999. p. 33-54.
TEIXEIRA NETO, F. J; LUNA, S. P.; MASSONE,
F.; THOMASSIAN, A.; VARGAS, J. L.; JUNIOR, J. R.; D’UTRA VAZ, B. B.; CROCCI, A.
J. The effect of changing the mode of ventilation on the arterial-to-end-tidal
CO2 difference and physiological dead space in laterally and
dorsally recumbent horses during halothane anesthesia. Veterinary
Surgery, v. 29, p. 200-205, 2000.
VALVERDE, A.; DYSON, D. H.; COCKSHUTT, J.
R.; McDONELL, W. N.; VALLIANT, A. E. Comparison of the hemodynamic effects of
halothane alone and halothane combined with epidurally administered morphine
for anesthesia in ventilated dogs. American Journal Veterinary Research,
v. 52, n. 3, p. 505-509, 1991.
WRIGHT, J. G.; HALL, L. W. Inhalation
Anesthesia in horse and farm animals.
In: _____. Wright’s veterinary
anesthesia and analgesia. 7. ed. London: Bailliere Tindall, 1976. p.
338-366.
WRIGHT, M. Pharmacologic effects of
ketamine and its use in veterinary medicine. Journal American Veterinary
Medical Association, v. 180, n. 12, p. 1462-1471, 1982.
Protocolado em: 26 jun.
2008. Aceito em: 12 set. 2009.