DOI: 10.5216/cab.v11i1.4107
EFEITOS DA INFUSÃO CONTÍNUA DE CETAMINA S(+) EM EQUINOS ANESTESIADOS PELO HALOTANO


José Henrique Saraiva Borges,1 Adriana Helena de Souza,1 Renata Gebara Sampaio Dória,1
Júlio Carlos Canola,2 Paulo Sérgio Patto dos Santos3 e Carlos Augusto Araujo Valadão4

1. Pós-graduando do Programa de Cirurgia Veterinária da FCAV UNESP
2. Professor adjunto do DCCV/FCAV UNESP
3. Professor doutor do Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal do Curso de Medicina Veterinária da FOA UNESP
4. Professor titular do DCCV/FCAV UNESP.



RESUMO

A manutenção da pressão arterial, no transanestésico, consiste grande desafio, principalmente quando se trata da espécie equina, suscetível à instabilidade cardiovascular. Por isso, torna-se imperioso utilizar técnica anestésica que mantenham estáveis os parâmetros cardiovasculares. A cetamina tem sido amplamente empregada na indução anestésica para o halotano em equinos, conferindo-lhes estabilidade cardiovascular. A cetamina S(+), recentemente disponibilizada no mercado, induz estimulação cardiovascular e possui maior potência anestésica e analgésica em relação à cetamina. Todavia, os efeitos dessa substância, administrada por infusão contínua durante a  manutenção da anestesia pelo halotano em equinos, ainda não foram avaliados. Em face da tendência atual de a infusão continuada da cetamina potencializar os anestésicos inalatórios, considerou-se pertinente avaliar os efeitos cardiovasculares e respiratórios desse isômero de cetamina em equinos anestesiados pelo halotano. Conclui-se que a infusão contínua de 0,01mg/kg/min de cetamina S(+) durante anestesia com 1,5 CAM de halotano em equinos não agravou a depressão cardiorrespiratória promovida por esse anestésico inalatório.
 
PALAVRAS-CHAVES: Cetamina S(+), equinos, halotano, infusão contínua.


ABSTRACT

EFFECTS OF S(+)-KETAMINE CONTINUOUS RATE INFUSION IN HORSES ANESTHETIZED BY HALOTHANE

The horse’s blood pressure is susceptible to changes induced by volatile anesthetics. Because of that, the use of anesthesic techniques which keep stable the horse´s blood pressure is essencial. Ketamine is an important induction and maintenance anesthetic agent used in the horse anesthesia practice mainly to improve the blood pressure. S(+)-ketamine provides the same effects on the blood pressure, with greater analgesic results and less side effects than the normal ketamine. Although some studies have been conducted with ketamine continuous rate infusion during the halothane anesthetized horses, the S(+)-ketamine has not been evaluated yet. Considering the increased use of ketamine, it is important to evaluate its cardiovascular and respiratory effects in halothane anesthetized horses. To conclude, S(+)-ketamine 0.01mg/kg/min. continuous rate infusion did not induce additive cardiovascular and respiratory depression in halothane anesthetized horses.

KEY WORDS: S(+)-ketamine, horses, halothane, continuous rate infusion.


INTRODUÇÃO

O halotano, um líquido anestésico volátil amplamente utilizado em equinos, induz relaxamento muscular e bom plano anestésico, porém causa depressão cardiovascular com bradicardia, dada a estimulação vagal (WRIGHT & HALL, 1976), além de hipotensão e redução do débito cardíaco de forma dose dependente (NORBY & LINK, 1970; STEFFEY & HOWLAND, 1978). Segundo INGWERSEN et al. (1998), a hipotensão se deve à redução significativa do débito cardíaco, já que a resistência vascular periférica é preservada.  Esse agente, em alta concentração, pode também induzir depressão e acidose respiratória (STEFFEY et al., 1977a), mais pronunciada em animais mantidos em respiração espontânea (STEFFEY & HOWLAND, 1978).
A cetamina, um anestésico dissociativo, induz inconsciência e catalepsia, preservando os reflexos vitais, mesmo que de forma reduzida (BERGMAN, 1999). Seu mecanismo de ação é relacionado, principalmente, à inibição não competitiva dos receptores glutaminérgicos do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA), em doses consideravelmente menores que aquelas necessárias para induzir anestesia cirúrgica, o que explica porque este anestésico conserva propriedades anti-hiperalgésicas mesmo em doses subanestésicas (SUZUKI et al. 2006; HARPER, 2007).
A cetamina é comercializada na forma racêmica, constituída por dois isômeros: 50% R(-) e 50% S(+). A dose letal (DL 50) dos isômeros é idêntica, entretanto, o índice terapêutico do isômero S(+) é 2,5 vezes maior que o da forma R(-), sendo a dose efetiva (DE50) da primeira significativamente menor. Adicionalmente, mesmo em doses efetivas, o isômero S(+) causa menor estimulação motora (KIENBAUM et al., 2001). O isômero S(+) da cetamina tem mostrado maior eficiência analgésica trans e pós-operatória, com menor incidência de efeitos alucinógenos (LAURETTI et al., 2000). A potência anestésica e analgésica desse isômero é de 2,5 a 4 vezes maior que a do isômero R(-). Por essa razão, preconiza-se a redução de 50% a 70% na dose do isômero S(+) quando utilizado isoladamente (KIENBAUM et al., 2001).
A cetamina tem sido indicada para indução anestésica em equinos com distúrbios circulatórios (GUEDES & NATALINI, 2002), pois aumenta o tônus simpático, elevando, consequentemente, a frequência cardíaca, o débito cardíaco, a pressão arterial média, a pressão arterial pulmonar e a pressão venosa central por interação com os receptores adrenérgicos-α1, induzindo, também, cronotropismo positivo por inibição do impulso vagal eferente (BEVAN et al., 1997). HODGSON & DUNLOP (1990) observaram que nos pacientes hipotensos pode ser vantajoso utilizar a cetamina como complemento da anestesia geral inalatória, dadas suas propriedades simpatomiméticas, reduzindo o consumo de isofluorano ou halotano, permitindo melhorar a qualidade anestésica (DIAMOND et al., 1993; GUEDES & NATALINI, 2002). MUIR & SAMS (1992) demonstraram que a cetamina infundida continuamente, em equinos anestesiados com halotano, reduz em até 30% a concentração alveolar mínima (CAM) desse agente inalatório.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados seis equinos hígidos, machos, adultos, sem raça definida, pesando entre 350 e 450 kg, distribuídos em dois grupos experimentais de seis animais, alocados, por sorteio, nos grupos infusão cetamina S(+)(GICS - Ketamin S(+)- Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda., Itapira, SP, Brasil.) e infusão solução fisiológica (GISF - Solução de NaCl 0,9%- Lab. Farmacêutico Ltda., Aquiraz, CE, Brasil). Os mesmos animais participaram dos dois grupos experimentais, respeitando-se um intervalo de quinze dias entre cada procedimento em um mesmo animal.
Os animais foram submetidos a jejum alimentar por doze horas e hídrico de seis horas. No dia do experimento, realizou-se tricotomia, na região paraesternal direita, dorsalmente ao olécrano, abrangendo os quarto e quinto espaços intercostais para a realização do exame ecocardiográfico (CANOLA et al., 2002). Realizou-se, também, a tricotomia no terço médio da região cervical esquerda, para a cateterização transcutânea da artéria carótida, que fora previamente transposta para o espaço subcutâneo (TAVERNOR, 1969) e da veia jugular esquerda. Após antissepsia local, foram introduzidos cateteres (Abbocath – Abbott Laboratórios Ltda., São Paulo, SP, Brasil) de calibres 18 e 14G,  respectivamente.
O protocolo anestésico empregado constou de sedação com xilazina (Sedomin –Lab. König S.A. Santa Cecília, São Paulo, SP, Brasil), na dose de 1 mg/kg e,  decorridos cinco minutos, aplicou-se o éter gliceril guaiaco (EGG -Éter Gliceril Guaiacol – Henrifarma Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda., São Paulo, SP, Brasil. ), na dose de 100 mg/kg, numa concentração de 10%, ambos administrados por via intravenosa (IV). Após o decúbito lateral direito, os animais foram submetidos à indução anestésica com cetamina S(+)(Ketamin S(+) – Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda., Itapira, SP, Brasil), na dose de 1mg/kg, administrada pelo catéter venoso. Ato contínuo, intubaram-se os equinos com sonda de Magill (Sonda de Magill – Cirúrgica Fernandes Ltda., São Paulo, SP, Brasil.) compatível com o diâmetro da traqueia, posicionados em decúbitos dorsal na mesa cirúrgica e mantidos com oxigênio e halotano, com fluxo de 20mL/kg/minuto, durante os dez minutos iniciais, fornecido por meio de circuito anestésico com reinalação parcial de gases, em aparelho de anestesia (Aparelho HB Contest Big – HB Ind. e Com. Equip. Med. Hosp. Ltda., São Paulo, SP, Brasil.), dotado de vaporizador (Vaporizador HB – HB Ind. e Com. Equip. Med. Hosp. Ltda., São Paulo, SP, Brasil.) calibrado para halotano. A concentração desse anestésico foi ajustada em 1,5 CAM, medida ao final da expiração, por um analisador de gases (OHMEDA – mod. 5220 Datex-Ohmeda Inc.,  Madison, WI, EUA). Decorridos dez minutos do início da anestesia, reduziu-se o fluxo de oxigênio para 10mL/kg/minuto.
 No GICS, após a estabilização do plano anestésico com 1,5 CAM de halotano, administrou-se 0,01mg/kg/minuto de cetamina S(+), por via intravenosa, diluída em solução de NaCl a 0,9% para um volume final de 250 mL. Da mesma maneira, iniciou-se, no GISF, a infusão intravenosa de 250mL de solução de NaCl a 0,9%. Todas as infusões foram administradas por meio de uma bomba de infusão contínua (Samtronic Ind. e Com. Ltda., São Paulo, SP, Brasil.), por um período de cinquenta minutos, com fluxo de 5mL/min.
Os parâmetros foram avaliados segundo o seguinte esquema: B = valores basais; MPA = imediatamente após o decúbito pelo EGG; I = dois minutos após a indução com 1mg/kg de cetamina S (+); M0 = imediatamente após a estabilização do plano anestésico, obtida pela leitura dos gases expirados em 1,5 CAM de halotano; M10 a M50 = avaliações consecutivas em intervalos de dez minutos a partir M0.  
Determinou-se a frequência cardíaca (FC) através do traçado eletrocardiográfico (ECG - ECGPC TEB – Tecnologia Eletrônica Brasileira Ltda., São Paulo, SP, Brasil.). As mensurações do débito cardíaco (DC), da fração de encurtamento (FS) e da fração de ejeção (FE) foram obtidas por meio de ecocardiografia, aplicando-se varredura eletrônica do coração com transdutor setorial mecânico (Ultrasond model 240 – Parus Vet-Pie Medical Equipament B.V. São Paulo, SP, Brasil.) de 3,5MHz na região paraesternal direita, dorsal ao olécrano, correspondendo ao 4º ou 5º espaço intercostal, segundo CANOLA et al. (2002).
O volume (VS), o índice cardíaco (IC) e sistólico (IS), o trabalho ventricular esquerdo (TVE) e o índice do trabalho ventricular esquerdo (ITVE) foram estabelecidos por equações matemáticas conforme descrito por DUCKETT (1995), MUIR & MASON (1996) e VALVERDE et al. (1991), respectivamente. Para mensuração das pressões arteriais sistólica (PAS), média (PAM) e diastólica (PAD), obtidas pela leitura direta do valor transduzido e mostrado no visor do monitor multiparamétrico (DIGIMAX 5000 – Digicare Ltda., Rio de Janeiro, RJ, Brasil.), utilizou-se o catéter introduzido na artéria carótida esquerda. A resistência periférica total (RPT) e o índice da resistência periférica total (IRPT) foram obtidos por cálculos matemáticos segundo apresentado por VALVERDE et al. (1991).
A frequência respiratória (f) foi avaliada por observação da movimentação do gradil costal durante um intervalo de um minuto, sendo expressa em movimentos por minuto, e o dióxido de carbono ao final da expiração (ETCO2) em mmHg foi obtido por leitura direta do monitor de capnometria  do aparelho analisador de gases.
Para a análise hemogasométrica arterial e venosa colheram-se amostras, diretamente dos cateteres inseridos, respectivamente, na artéria carótida e veia jugular esquerdas subsequentemente analisadas em aparelho de hemogasometria, para a mensuração do pH, pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2), pressão parcial de dióxido de carbono arterial (PaCO2), concentração de bicarbonato (HCO-3), dióxido de carbono arterial total (TaCO2), Determinou-se a frequência cardíaca (FC) através do traçado eletrocardiográfico (ECG). As mensurações do débito cardíaco (DC), da fração de encurtamento (FS) e da fração de ejeção (FE) foram obtidas por meio de ecocardiografia, aplicando-se varredura eletrônica do coração com transdutor setorial mecânico de 3,5MHz na região paraesternal direita, dorsal ao olécrano, correspondendo ao 4º ou 5º espaço intercostal, segundo CANOLA et al. (2002).
O volume (VS), o índice cardíaco (IC) e sistólico (IS), o trabalho ventricular esquerdo (TVE) e o índice do trabalho ventricular esquerdo (ITVE) foram estabelecidos por equações matemáticas conforme descrito por DUCKETT (1995), MUIR & MASON (1996) e VALVERDE et al. (1991), respectivamente. Para mensuração das pressões arteriais sistólica (PAS), média (PAM) e diastólica (PAD), obtidas pela leitura direta do valor transduzido e mostrado no visor do monitor multiparamétrico, utilizou-se o catéter introduzido na artéria carótida esquerda. A resistência periférica total (RPT) e o índice da resistência periférica total (IRPT) foram obtidos por cálculos matemáticos segundo apresentado por VALVERDE et al. (1991).
A frequência respiratória (f) foi avaliada por observação da movimentação do gradil costal durante um intervalo de um minuto, sendo expressa em movimentos por minuto, e o dióxido de carbono ao final da expiração (ETCO2) em mmHg foi obtido por leitura direta do monitor de capnometria  do aparelho analisador de gases.
Para a análise hemogasométrica arterial e venosa colheram-se amostras, diretamente dos cateteres inseridos, respectivamente, na artéria carótida e veia jugular esquerdas subsequentemente analisadas em aparelho de hemogasometria (Omni C - Roche Diagnostica Brasil, São Paulo, SP, Brasil.), para a mensuração do pH, pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2), pressão parcial de dióxido de carbono arterial (PaCO2), concentração de bicarbonato (HCO-3), dióxido de carbono arterial total (TaCO2), saturação da oxihemoglobina (SO2) e balanço de base (BE-).
O conteúdo arterial de oxigênio (CaO2), o conteúdo venoso de oxigênio (CvO2), a diferença arteriovenosa de oxigênio (c(a-v)O2), o índice de transporte de oxigênio (IDO2) e o índice de consumo de oxigênio (IVO2) foram calculados empregando-se fórmulas descritas por SHOEMAKER (1995). Calculou-se a taxa de extração de oxigênio (TeO2) mediante a fórmula descrita por CARMONA & SLULLITEL (2001).
Para a avaliação da qualidade de recuperação da anestesia, foram atribuídos escores de acordo com a escala a seguir: (1) excelente – levanta na primeira tentativa, após o animal estar posicionado em decúbito esternal; (2) muito bom – levanta em duas ou três tentativas, após o animal estar posicionado em decúbito esternal; (3) bom – levanta em quatro tentativas, após o animal estar posicionado em decúbito esternal; sem excitação; (4) regular – levanta depois de quatro tentativas, após o animal estar posicionado em decúbito esternal, ataxia significante e (5) ruim – tentativas múltiplas para levantar-se, evidenciando excitação, risco de injúrias alto.   
Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística empregando-se o software SAS®. Utilizou-se análise de variância para repetições múltiplas (PROC ANOVA, para dados balanceados e PROC GLM para dados não balanceados), na avaliação das diferenças das médias ao longo do tempo dentro de cada grupo, seguida pelo teste de Student-Newman-Keuls. A comparação entre os grupos, nos diferentes intervalos, foi realizada pelo teste t de Student. Consideraram-se as diferenças estatisticamente significantes com p≤0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a indução anestésica com cetamina S(+), os equinos apresentaram adequado relaxamento muscular, ausência de hipertonia muscular e foram intubados sem dificuldade. O período médio para a estabilização da anestesia em 1,5 CAM de halotano foi de trinta e oito minutos e quarenta minutos para o GICS e GISF, respectivamente. Observou-se, clinicamente, maior profundidade do plano anestésico nos animais do GICS, pois eles apresentaram ausência de reflexo palpebral e corneal ao longo da infusão com cetamina S(+), enquanto os do GISF apresentaram reflexo palpebral diminuído. Este fato demonstra que ocorreu efeito aditivo da cetamina S(+) na anestesia pelo halotano em equinos.
Quanto à recuperação anestésica, ambos os grupos não apresentaram risco de injúria, embora o GICS tenha demonstrado pior qualidade na recuperação dos animais, provavelmente por causa da predominância de níveis plasmáticos residuais do agente dissociativo, na ausência do efeito hipnótico do halotano (STEFFEY, 2003). A meia-vida de eliminação da cetamina de 42 minutos (KAKA et al., 1979) pode ter favorecido a estimulação límbica no período de recuperação anestésica, a qual está relacionada a efeitos adversos tais como excitação, aumento da atividade locomotora e hipertonia muscular (MUIR et al., 1977; MUIR, 1991; TAYLOR & CLARKE, 1999; SOUZA et al., 2002). Dessa forma, visando minimizar esses efeitos indesejáveis, sugere-se interromper previamente a infusão contínua de cetamina em relação à anestesia pelo halotano.
A infusão contínua de cetamina S(+) não alterou os valores da FC (Tabela 1), sendo que os valores exibidos permaneceram dentro da faixa fisiológica descrita para a espécie, corroborando resultados de FLAHERTY et al. (1998).
Observou-se, também, redução significativa das pressões arteriais durante a estabilização do plano anestésico em 1,5 CAM (Tabela 1). A PAM manteve-se abaixo do valor fisiológico para a espécie equina, porém, estável ao longo de toda a infusão de cetamina S(+). A ausência de estímulo cirúrgico, em associação à alta concentração de halotano e ausência de fluidoterapia, pode ter favorecido a hipotensão acentuada (NORBY & LINK, 1970; STEFFEY & HOWLAND, 1978). Provavelmente, os efeitos simpatomiméticos da cetamina S(+) não foram observados em virtude da ocorrência de efeito aditivo, fato observado na maior profundidade do plano anestésico, que reduziu a resposta central à hipotensão, pois a ação vasopressora periférica da cetamina está relacionada à estimulação central e pode ser inibida pela anestesia geral (WRIGHT, 1982).
O débito cardíaco, o volume sistólico e o índice do volume sistólico apresentaram redução significativa após a MPA e mantiveram seus valores em nível menor ao fisiológico ao longo do experimento (Tabela 1). Sabe-se que ocorre redução do débito cardíaco dependente da dose durante a anestesia pelo halotano (WRIGHT & HALL, 1976). Segundo INGWERSEN (1988), a redução do débito cardíaco determina hipotensão, uma vez que a resistência vascular periférica é preservada em equinos anestesiados com halotano. Nesse sentido, deve-se ressaltar que, neste estudo, os valores médios da resistência vascular periférica total e do índice da resistência periférica total, em ambos os grupos, permaneceram estáveis. A anestesia pelo halotano reduziu o débito cardíaco, a fração de encurtamento e de ejeção, fato este determinado, provavelmente, pelo efeito inotrópico negativo desse anestésico (HILLIDGE & LEES, 1976).
A redução da frequência respiratória (Tabela 1) após a indução anestésica com cetamina S(+) em potros já fora relatada por ALMEIDA et al. (2002). Observou-se o mesmo efeito durante a indução anestésica neste estudo, perdurando por toda anestesia com halotano, pois este agente possui ação depressora respiratória, como demonstrado em diversas pesquisas (PATTERSON et al., 1968;  STEFFEY et al., 1977b).
Por meio da hemogasometria pôde-se observar que houve aumento na taxa de PaCO2, a partir da estabilização da anestesia com o halotano, de acordo com os estudos de HALL et al. (1968b), STEFFEY et al. (1977b) e TEIXEIRA NETO et al. (2000). O aumento na concentração arterial de CO2 deve-se à diminuição ou supressão da resposta dos quimiorreceptores centrais e periféricos por ação do halotano (PATTERSON et al., 1968), que se agravaram em função do decúbito dorsal por desequilíbrio na relação ventilação/perfusão, levando à hipoxemia/hipercapnia, mesmo quando se administram frações inspiradas elevadas de oxigênio (Tabela 1). 
Segundo HUBBELL (1991), esse aumento da taxa de CO2 arterial diminui o pH arterial e induz a liberação de catecolaminas. Neste estudo, foi possível observar aumento das taxas da PaCO2 e, concomitantemente, redução do pH durante a anestesia pelo halotano, caracterizando um quadro de acidose respiratória. Deve-se supor que, para compensar essa acidose respiratória, ocorreu aumento subsequente da concentração arterial de HCO3-, como descrito por CORLEY & MARR (1998), acarretando excesso de bases. É importante ressaltar que os valores médios de pH, HCO3- e PaCO2 não diferiram entre os grupos, apontando que a associação da cetamina S(+) não provocou efeito aditivo sobre a depressão respiratória induzida pela anestesia com halotano. Entretanto, deve-se destacar que, embora tenha ocorrido elevação da PaCO2, tais achados são condizentes com a ocorrência de hipoventilação, normalmente presente em equinos anestesiados sob ventilação espontânea, pois os valores de PaO2 foram mantidos em níveis adequados, o que deve ter mantido suprimento adequado de oxigênio aos tecidos (ROBERTSON & BAILEY, 2002).
Os valores médios de CaO2 e CvO2 se comportaram de maneira similar entre os grupos e, embora tenham diminuído após a indução com cetamina S(+), mantiveram-se constantes ao longo da anestesia com halotano.
O C(a-v)O2, o IDO2 e a TeO2 foram constantes ao longo do experimento, não havendo diferença significativa entre os grupos, demonstrando que a infusão de cetamina S(+) não promoveu maior consumo ou extração de O2 pelos tecidos (BONAGURA & MUIR, 1991; BONETTI & DALLAN, 1997; CARMONA & SLULLITEL, 2001).    

CONCLUSÕES

A infusão contínua de 0,01mg/kg/min de cetamina S(+) durante anestesia geral inalatória com 1,5 CAM de halotano, em equinos, não agrava a depressão cardiocirculatória, respiratória e hemogasométrica promovida por este líquido anestésico volátil. 

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Protocolado em: 26 jun. 2008.  Aceito em: 12 set. 2009.