RESUMO
Com este estudo objetivou-se analisar a eficiência da utilização de
sistemas de transporte de sêmen refrigerado na estabilização das
palhetas previamente à congelação de sêmen equino. Os ejaculados foram
diluídos em meio diluente Botu-Sêmen®, e centrifugados por dez minutos
a 600xg e; os pellets foram ressuspendidos no diluente para
criopreservação Botucrio®, envasados em palhetas de 0,5 ml e divididos
em três grupos. No Grupo M, as palhetas foram dispostas horizontalmente
em geladeira Minitub®, a 5°C, por vinte minutos. Nos Grupos B e E, as
palhetas foram colocadas respectivamente nos sistemas Botutainer® e
Equitainer®, previamente equilibrados na temperatura interna de 5°C, e
mantidas nesses sistemas também por vinte minutos. A congelação
seguiu-se da mesma maneira para os três grupos. As palhetas foram
descongeladas em banho-maria a 46°C, por vinte segundos, e analisadas
quanto às motilidades total (MT) e progressiva (MP) (CASA) e
integridade de membrana por microscopia de fluorescência (IMP). Não se
observaram diferenças estatíscas (P>0,05) para os valores de MT (GM
= 67,1%a; GB = 65,2%a e GE = 63,4%a) e MP (GM = 32,1%a; GB = 31,9%a e
GE = 30,4%a). Para os valores de IMP não foram observadas diferenças
estatísticas entre os Grupos M e B; no entanto, o Grupo E apresentou um
valor significativamente inferior (P<0,05) em comparação com os
demais (GM = 49,4%a, GB = 48,7%a, GE = 44,9%b). Apesar do sistema
Equitainer® ser menos eficiente na manutenção da IMP do que os outros
sistemas estudados, os dispositivos de transporte refrigerado de sêmen
podem ser empregados na estabilização das amostras seminais previamente
à congelação como uma alternativa aos refrigeradores, facilitando o
procedimento de criopreservação a campo.
PALAVRAS-CHAVES: Equino, sêmen, estabilização, criopreservação.
ABSTRACT
USE OF EQUINE SEMEN COOLING SYSTEMS TO STABILIZE SEMINAL SAMPLES BEFORE FREEZING
The aim of this study was to evaluate the efficiency of passive cooling
device to stabilize equine straws before freezing. The samples were
diluted in Botu-Sêmen® extender and centrifuged at 600xg for 10
minutes. Then, the pellets were ressuspended with Botucrio®
cryopreservation extender, loaded into 0.5 mL straws and divided into
three groups. On Group M, straws were placed horizontally in a Minitub®
refrigerator at 5°C for 20 minutes. For groups B and E, the straws were
placed in Botutainer® and Equitainer® devices, respectively. Both
systems were previously stabilized at 5°C and straws were maintained
for 20 minutes, and then frozen. The straws were thawed at 46°C for 20
seconds. Sperm samples were evaluated by CASA for Total Motility (TM)
and Progressive Motility (PM) and by fluorescent microscopy for Plasma
Membrane Integrity (MPI). Statistical differences were not observed
(p>0.05) for Total Motility (GM=67.1%; GB=65.2% and GE= 63.4%) and
Progressive Motility (GM=32.1%; GB=31.9% and GE=30.4%). Although MPI
percentages were not different between groups M and B, group E showed a
decrease in comparison to the other groups (GM=49.4%, GB= 48.7%, GE=
44.9%). These results demonstrate that passive cooling devices can be
used to stabilize equine straws before freezing, being an alternative
for replacing refrigerators, making easier the cryopreservation in the
field.
KEYWORDS: Equine, semen, stabilization, cryopreservation.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento de biotecnologias cada vez mais modernas tem
contribuído para os avanços na área de Reprodução animal. A
criopreservação de sêmen se destaca por suas diversas vantagens, como
diminuição de custos com aquisição de animais geneticamente superiores;
armazenamento por tempo indeterminado; utilização do sêmen de animais
excepcionais mesmo após a perda da capacidade reprodutiva ou morte;
racionalização do uso do reprodutor com aumento da relação macho-fêmea;
controle de doenças venéreas e facilidade no transporte a longas
distâncias. No entanto, a criopreservação encontra desafios como a
variabilidade da congelabilidade de sêmen entre garanhões e o
transporte de garanhões a centros especializados para congelação.
Alguns protocolos incluem um período de resfriamento do sêmen antes da
congelação, com o objetivo de recuperar as células espermáticas dos
efeitos da centrifugação e diminuir as lesões celulares que podem ter
sido causadas pelo choque frio (JASKO, 1994). Pode-se evitar ou
amenizar ocorrência do choque pelo frio refrigerando-se lentamente o
sêmen equino diluído até 4ºC, com taxas iguais ou inferiores a
0,05ºC/min (PICKETT & AMANN, 1993).
O termo choque frio define algumas modificações que ocorrem no
espermatozoide quando submetido a uma curva de refrigeração rápida
(JASKO, 1994). Esse processo se caracteriza por uma alteração na
orientação dos lipídeos de membrana induzindo um desarranjo das
moléculas, com formação de pontos de fragilidade que levam a uma
permeabilidade excessiva ou mesmo à ruptura da membrana, resultando em
padrão anormal de movimento espermático, perda rápida de motilidade,
danos no acrossoma, redução do metabolismo e perda dos componentes
intracelulares (AMANN & GRAHAM, 1992; KAYSER
et al., 1992; SQUIRES
et al., 1999).
A despeito da conhecida sensibilidade do espermatozoide equino ao
choque pelo frio, alguns estudos foram desenvolvidos com o intuito de
avaliar a possibilidade de se congelar sêmen de garanhões sem
estabilização refrigerada prévia. Em dois estudos – um realizado por
VIDAMENT
et al., (2000), em que se utilizou o diluente INRA 82, e outro, em que o sêmen foi congelado por FURST
et al.
(2003) em meio a uma base de lactose-EDTA-gema de ovo – houve queda
significativa na motilidade pós-descongelação, quando não se realizou
antes o período de estabilização refrigerada.
Com o intuito de permitir a colheita, diluição e pré-resfriamento do
sêmen em transportes adequados para envio a laboratórios especializados
na congelação, fizeram-se alguns estudos sobre a congelação de sêmen
após um período de até 24 horas de refrigeração a 5°C e 15°C (CROCKET
et al., 2001; BACKMANN
et al., 2004; MELO
et al., 2006). MELO
et al
(2006) observaram que a congelação de sêmen equino após 24 horas de
refrigeração no sistema Equitainer® não interferiu nos parâmetros
espermáticos de motilidade total e progressiva, bem como na integridade
de membrana espermática e índices de fertilidade. Resultados
semelhantes haviam sido observados anteriormente por BACKMANN
et al.
(2004), quando o sêmen foi congelado após dezoito horas de
refrigeração. Porém esses resultados diferiram dos encontrados por
CROCKET
et al. (2001), os quais observaram uma redução na motilidade progressiva do sêmen refrigerado por 24 horas a 5°C antes da congelação.
Esses sistemas passivos são muito utilizados no Brasil e no mundo no
emprego do sêmen refrigerado, e muitos estudos demonstraram sua
eficiência na manutenção da viabilidade seminal (BATELLIER
et al., 1997; MACHADO
et al., 2002; BRINSKO
et al., 2003; FARRÁS
et al., 2008; NUNES
et al.
2008). A biotecnologia permite ao proprietário do garanhão maior
flexibilidade para colher e enviar o sêmen no momento oportuno, tendo
sido demonstrados diversos avanços em sua utilização (PICKETT, 1992;
AURICH, 2008).
No presente estudo, objetivou-se analisar a eficiência da utilização
dos sistemas de transporte refrigerado de sêmen equino Equitainer®
(Hamilton-Thorne Research Beverly/MA, USA) e Botutainer® (Biotech
Botucatu, SP, Brasil) para a estabilização seminal previamente à
congelação, em comparação com o uso do refrigerador programável
Minitub® (Minitub do Brasil, Porto Alegre, Brasil) na manutenção da
qualidade dos parâmetros espermáticos de MT, MP e IMP.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais
Foram utilizados quatro garanhões com idades entre cinco e vinte anos,
das raças Westfallen, Quarto de Milha, Puro Sangue Árabe e Hannoverano,
pertencentes ao Centro de Reprodução e Biotecnologia Equina (Cerbeq) e
Departamento de Reprodução animal e Radiologia Veterinária/FMVZ/Unesp,
Botucatu. Utilizaram-se nove ejaculados dos garanhões das raças
Westfallen e Hannoverano, e nove ejaculados dos garanhões das raças
Quarto de Milha (QM) e Puro Sangue Árabe (PSA) totalizando 36
ejaculados. Porém, seis amostras (três QM, e três PSA) foram
desprezadas pela dificuldade de armazenamento das palhetas no sistema
Equitainer®.
Colheita de sêmen
A colheita de sêmen foi realizada com o uso de vagina artificial
(Biotech Botucatu, SP, Brasil). Esta era composta por um tubo rígido de
fibra de vidro, mucosa de látex e mucosa plástica descartável, acoplada
a um copo coletor isotérmico contendo uma camisa sanitária descartável,
na temperatura de aproximadamente 45°C.
Análises laboratoriais
Filtrou-se cada ejaculado com auxílio de um filtro de nylon e
mensurou-se o volume em proveta graduada. Em seguida, foi feita a
avaliação macroscópica quanto à cor, ao odor e ao aspecto, com o
objetivo de eliminar amostras que apresentassem alguma anormalidade.
Uma pequena alíquota foi retirada para avaliação computadorizada (CASA)
dos parâmetros de motilidade total e progressiva (Hamilton-Thorne
Research Beverly/MA, USA) e concentração. Essa análise foi realizada em
microscópio de luz com contraste de fase (200x), com auxílio de uma
câmara de Neubauer após diluição na proporção de 1:20 (sêmen: água
destilada).
Processamento do sêmen
Diluíram-se os ejaculados na proporção de 1:1 com diluente Botu-Sêmen®
(Biotech Botucatu, SP, Brasil) e centrifugaram-se por dez minutos a
600xg. Os pellets foram ressuspendidos com diluente para
criopreservação Botu-Crio® (Biotech Botucatu, SP, Brasil), na
concentração de 200x106 espermatozoides viáveis por mL, envasados em
palhetas de 0,5 mL e divididos em três grupos. No Grupo M (GM), as
palhetas foram dispostas horizontalmente em geladeira Minitub® (Minitub
do Brasil, Porto Alegre, Brasil) a 5°C por vinte minutos. No Grupo B
(GB), colocaram-se as palhetas verticalmente no sistema de transporte
refrigerado de sêmen Botutainer® (Biotech Botucatu, SP, Brasil),
previamente equilibrado na temperatura interna de 5°C, onde foram
mantidas por vinte minutos. No Grupo E (GE), as palhetas foram
dispostas verticalmente no sistema Equitainer® (Hamilton Research INC.,
USA), também previamente equilibrado na temperatura interna de 5°C, e
mantidas pelos mesmos vinte minutos.
A maior dificuldade encontrada na utilização do sistema Equitainer®,
neste experimento, foi o armazenamento das palhetas em seu interior, já
que a altura do recipiente interno desse sistema é menor do que a
altura das palhetas de 0,5 mL utilizadas, ocorrendo o dobramento de
algumas amostras, que tiveram que ser desprezadas. No sistema
Botutainer®, não houve dificuldade no armazenamento das palhetas, visto
que ele foi desenvolvido e adaptado para palhetas de 0,5 e 0,25 mL.
Após o período de estabilização, a congelação seguiu-se da mesma
maneira para os três grupos. As palhetas foram colocadas
horizontalmente a 6 cm acima do nível de nitrogênio líquido (N
2) em caixa de isopor de 40 litros, com dimensões de 40 x 30 x 25 cm, contendo 3,5 cm de N
2, foram mantidas em vapor de N
2 por vinte minutos, e depois foram criopreservadas por imersão direta (PAPA
et al., 2008).
Descongelaram-se as palhetas em banho-maria a 46°C, por vinte segundos
(DELL’AQUA JR. 2000), e então foi realizada a análise computadorizada
do sêmen (CASA) quanto às motilidades total e progressiva
(Hamilton-Thorne Research Beverly/MA, USA) e integridade de membrana
plasmática por microscopia de fluorescência, através da associação das
sondas iodeto de propídeo e diacetato de 6-carboxifluoresceína
(HARISSON & VICKERS, 1990).
Para a comparação dos efeitos do sistema de refrigeração na
estabilização de amostras previamente à congelação, foi realizada a
análise de variância (ANOVA). Nos casos em que foi verificada variação,
utilizou-se o teste de Tukey para avaliar as diferenças significativas
entre os grupos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A média e o desvio padrão dos parâmetros de motilidade total (MT) e
motilidade progressiva (MP) obtidos pela avaliação computadorizada
(CASA) das amostras de sêmen equino a fresco antes do procedimento de
estabilização e congelação foram de 86,5 ± 5,5% e 38,3 ± 9,
respectivamente.
No presente estudo não houve diferença significativa entre os valores
dos parâmetros espermáticos de motilidade total e motilidade
progressiva das amostras quando comparadas as diferentes formas de
estabilização. No entanto, quando avaliada a integridade de membrana
plasmática, o sistema Equitainer® apresentou-se menos eficiente em
relação aos outros sistemas estudados (p<0,05). MELO
et al.
(2006) utilizaram o sistema Minitub® para o período de estabilização
das amostras seminais durante vinte minutos a 5°C e obtiveram
resultados de motilidades total e progressiva (68,9% e 31,6%) similares
aos do presente experimento (GM: 67,1% e 32,1%; GB: 65,2% e 31,9%; GE:
63,4% e 30,4% -
Tabela 1).
Ainda em relação à integridade da membrana plasmática, seria esperado
que não houvesse diferença entre os grupos testados, especialmente
entre os sistemas Botutainer® e Equitainer®, uma vez que as curvas de
refrigeração são bastante semelhantes entre eles. Ao se compararem os
sistemas Botutainer® e Equitainer® sob diferentes temperaturas,
simulando-se estresse térmico pelo frio (-4°C), pelo calor (38°C) e
pela temperatura ambiente (24ºC), diferentemente do que se observou no
presente experimento, não foram encontradas diferenças significativas
da integridade de membrana plasmática entre os sistemas testados
(AVANZI
et al., 2006; AVANZI
et al., 2007).
Apesar da manutenção da viabilidade espermática, as taxas de
refrigeração utilizadas no presente estudo (3,4°C/min no refrigerador
programável e 1,13°C/min nos sistemas de transporte) foram diferentes
das taxas recomendadas por KAYSER
et al
(1992). Esses autores concluíram que o espermatozoide equino pode ser
refrigerado rapidamente de 37 para 20°C, mas deve ser refrigerado a uma
taxa menor que 0,1°C por minuto, preferencialmente a 0,05°C por minuto,
de 20 para 5°C, para manter a máxima sobrevivência espermática. Os
sistemas de transporte refrigerado Equitainer® e Botutainer® apresentam
taxas de refrigeração de 0,03 e 0,05°C/min, respectivamente, e são
considerados adequados à biotecnologia de sêmen refrigerado.
Provavelmente essas taxas não foram atingidas devido ao volume interno
após a estabilização ser inferior ao indicado pelos fabricantes.
Acontece que o presente estudo foi delineado com base em resultados
obtidos para a espécie bovina, cujas palhetas são envasadas na fazenda,
transportadas no sistema Botutainer® por até 48 horas e congeladas no
laboratório, sem prejuízos nos índices de fertilidade (CRESPILHO, 2010).
Apesar de as curvas utilizadas no presente trabalho serem mais rápidas do que as recomendadas por KAYSER
et al.
(1992), as três metodologias testadas permitiram a obtenção de bons
resultados de motilidade total (GM = 67,1%, GB = 65,2%, GE = 63,4%),
motilidade progressiva (GM = 32,1%, GB = 31,9%, GE = 30,4%) e
integridade de membrana plasmática (GM = 49,4%a, GB = 48,7%a, GE =
44,9%b), demonstrando que os três dispositivos foram eficientes na
estabilização seminal prévia à congelação. Essa similaridade talvez
possa ser explicada pelo fato de os animais utilizados apresentarem
sêmen de alta congelabilidade e pelo uso do meio diluente Botu-Crio®.
Este tem demonstrado oferecer maior proteção às células espermáticas
durante o processo de congelação de sêmen equino em comparação aos
diluentes mais utilizados no mundo – INRA 82 e Lactose-EDTA-gema de
ovo, como descrito por PASQUINI
et al. (2007), – e às amostras de sêmen de epidídimo de garanhões, conforme PAPA
et al.
(2008). Ademais, a presença de substâncias com a função de
crioproteção, seja intra ou extracelular, como açúcares, gema de ovo,
glicerol e metilformamida, contidas no diluente Botu-Crio®, conferem ao
espermatozoide maior proteção contra uma curva de refrigeração mais
rápida.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos e nas condições em que se realizou o
presente trabalho, foi possível concluir que os sistemas Botutainer®
(GB) e Minitub® (GM) foram mais eficientes quanto à manutenção da
integridade de membrana plasmática em relação ao Equitainer® (GE). No
entanto, os sistemas de transporte refrigerado de sêmen equino
Botutainer® e Equitainer® podem ser utilizados para a realização do
período de estabilização previamente à congelação, pois foram obtidos
valores de MT, MP e IMP pós-descongelação tão satisfatórios quanto os
obtidos utilizando-se o refrigerador programável Minitub®, facilitando
assim a etapa da estabilização (5ºC/20 min) e, consequentemente, a
congelação de sêmen equino a campo.
AGRADECIMENTO
Ao CNPq.
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