PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS À INFECÇÃO POR LENTIVÍRUS DE PEQUENOS RUMINANTES EM CAPRINOS NO ESTADO DO TOCANTINS
Objetivando estimar a prevalência de
caprinos sororreagentes aos lentivírus de pequenos ruminantes (LVPR),
através de uma amostragem não probabilística em rebanhos no Estado do
Tocantins, analisaram-se 843 amostras de soros, mediante a utilização
do teste de imunodifusão em gel de agarose (MICRO-IDGA) para a detecção
de anticorpos anti-LVPR, sendo verificada uma frequência de animais
sororreagentes de 2,7% (23/843). Identificaram-se cinco focos: dois no
município de Araguaína e um em cada um desses municípios: Babaçulândia,
Filadélfia e Miracema do Tocantins. De acordo com a região, os
resultados foram os seguintes: 10,0% (20/200) e 1,4% (3/207) para as
microrregiões Norte e Miracema, respectivamente. Entre as raças, a
Saanen se apresentou com o maior percentual de animais sororreagentes,
11,7% (7/60). Para os animais sem raça definida, o percentual foi de
0,6% (2/310), e para a Anglo-Nubiana, de 3,0% (14/466). De acordo com a
idade, os animais com idade inferior e superior a 24 meses apresentaram
1,9% (6/314) 3,2% (17/529), respectivamente. Os machos apresentaram
2,4% (4/166) de positivos e as fêmeas 2,8% (19/677). Os resultados
indicam que os LVPR ocorrem com baixa prevalência no Estado do
Tocantins, afetando principalmente animais da raça Saanen e da região
norte.
PALAVRAS-CHAVES: Brasil, CAEV, epidemiologia, microimunodifusão.
PREVALENCE AND ASSOCIATE FACTORS TO THE INFECTION FOR LENTIVIRUS OF SMALL RUMINANTS IN CAPRINE OF TOCANTINS STATE, BRAZIL
The aim of this study was to estimate
the prevalence of caprine blood reagents to small-ruminant lentiviruses
(SRLV), through a non probabilistic sampling of herds in Tocantins
State. In order to detect the anti-SRLV antibodies, 843 blood samples
were analyzed using the microimmunodiffusion test in agarose gel –
MICRO-IDGA. The frequency of blood reagent goats was 2.7% (23/843).
Five focus, being two in the city of Araguaína and one in each of the
cities of Babaçulândia, Filadelfia and Miracema do Tocantins had been
identified. The results were distributed according to micro-region in
the following manner: 10.0 (20/200) and 1.4% (3/207) for the North and
Miracema micro-regions, respectively. The Saanen was the breed with the
highest percentage of blood reagent animals (11.7%; 7/60), the
undefined breed animals 0.6% (2/310) and Anglo-Nubian (3.0%; 14/466).
Regarding age, 1.9% (6/314) and 3.2% (17/529) of animals under and over
24 months of age, respectively, tested positive. 2.4% (4/166) of males
and 2.8% (19/677) of females tested positive. The SRLV infection occurs
at a low prevalence among goats in Tocantins State, affecting mainly
animal of the Saanen breed and from the north region.
KEY WORDS: Brazil, CAEV, epidemiology, microimmunodiffusion.
Análises da cadeia produtiva da
caprinocultura nacional tem mostrado um grande potencial de
expansão. Nesse sentido, é fundamental a preocupação com o estado
sanitário dos rebanhos, uma vez que se têm intensificado as exigências
sanitárias para o comércio de animais. Dessa forma, a melhoria das
condições de higiene das instalações e a certificação de rebanhos
livres para determinadas doenças podem resultar na agregação de valor
aos animais e seus produtos (CASTRO & MELO, 2001).
A ausência de um programa nacional de melhoramento genético essencial
para a expansão da caprinocultura leiteira mostrou a necessidade de se
importar animais de raças especializadas. Com as importações desses
animais em países europeus, diversos problemas sanitários emergentes
têm sido registrados, destacando-se as lentiviroses de pequenos
ruminantes (LVPR) (ASSIS & GOUVEIA, 1994; CASTRO, et al., 1994).
As LVPR são enfermidades infectocontagiosas de evolução lenta, causadas por um vírus da família Retroviredae e Subfamilia Lentivirinae,
que se apresenta sob quatro formas clínicas: nervosa, respiratória,
mamária e articular. A articular é a mais frequente em caprinos
adultos, e com menor frequência observa-se leucoencefalomielite, em
crias com idade entre um e quatro meses (DAWSON, 1980; EAST et al.,
1993; CALLADO et al., 2001).
A principal forma de transmissão das LVPR é a ingestão de colostro ou
leite de cabras infectadas. Porém, pode ocorrer a transmissão
horizontal através das secreções e excreções, instrumentos e
equipamentos contaminados e o contato de animais sadios com infectados
por período prolongado (ADAMS et al., 1983; ALVES, 1999; PETERHANS et al.,
2004). Essa infecção é insidiosa, vindo a apresentar sinais
clínicos meses a anos após a infecção, enquanto a maioria dos animais
não apresenta sintomatologia. No entanto, parâmetros de produção,
principalmente em cabras leiteiras, são afetados (SMITH & CUTLIP,
1988; GREENWOOD, 1995).
No Brasil, a primeira descrição sobre as LVPR em caprinos foi feita no Rio Grande do Sul, por MOOJEN et al.
(1986). Estudos sorológicos com amostragem probabilística seguidos têm
registrado a presença de animais positivos em vários Estados,
principalmente nos rebanhos leiteiros de exploração comercial. As
prevalências observadas variaram de 0,73% a 43,0%, em pesquisas nos
seguintes Estados: Pernambuco (SARAIVA NETO et al., 1995), Ceará (PINHEIRO et al., 2001), São Paulo (LEITE et al., 2004), Paraíba (BANDEIRA, 2009), Rio Grande do Norte (SILVA et al., 2005), Bahia (OLIVEIRA et al., 2006), Piauí (SAMPAIO JR., 2007) e Rio de Janeiro (MOREIRA et al., 2007).
Tendo em vista o crescimento da caprinocultura no Tocantins e a falta
de informação sobre as LVPR em caprinos no Estado, objetivou-se, com
este trabalho, estimar a prevalência de caprinos sororreagentes para
LVPR no Estado do Tocantins e verificar se existe associação entre
microrregião, raça, idade, sexo, sistema de criação e criatórios com
associação de espécie com a ocorrência de LVPR.
O Estado do Tocantins, com uma área
de 286.706 Km², situa-se na Região Norte do País, na Amazônia Legal, e
tem como coordenadas geográficas longitude de 46º 00’ e 51º 00’ de
Greenwich e latitude de 05º 00’ e 13º 00’ S. Possui vegetação bastante
variada, desde o campo cerrado, cerradão, campos limpos ou rupestres a
floresta equatorial de transição, sob forma de “mata de galeria”. O
clima é tropical semiúmido, com temperatura média anual de 26°C. As
precipitações pluviais variam de 1.500 mm a 1.800 mm/ano e
caracterizam-se por uma distribuição que define dois períodos, um seco
de maio a agosto, outro chuvoso, correspondendo aos meses de setembro a
maio (NASCIMENTO, 2007).
A prevalência de LVPR em caprinos foi estimada com base em um estudo
por amostragem não probabilística, envolvendo os municípios de
Araguatins, Araguaína, Xambioá, Babaçulândia, Filadélfia, Barra do
Ouro, Araguacema, Dois Irmãos do Tocantins, Miracema do Tocantins,
Pium, Paraíso, Palmas, Natividade, Dianópolis e Ponte Alta do Bom Jesus
(Figura 1). O número de animais utilizados nesta pesquisa foi calculado
com auxílio do programa Epi-Info na versão 3.3.2 (DEAN
et al., 1992), por meio da seguinte fórmula, descrita por KISH (1965):
N = Z . Z [ P (1 – P )] / D . D,
em que:
No - número de amostras para estimar prevalência em uma população infinita;
P - prevalência esperada (5%);
Z - fator determinante do grau de confiança de 90% (Z=1,64) e
D - erro amostral (25% P).
Assim, obteve-se “N” igual a 818 amostras. O número de amostras
colhidas por propriedades variou de 16 a 30, totalizando 843 em 29
propriedades. A idade dos animais foi estimada com base no número de
dentes que o animal apresentava: primeira muda (menos de 24 meses) e
mais de duas mudas (mais de 24 meses) (JARDIM, 1985).
Colheu-se o sangue por meio de venopunção da jugular, utilizando
sistema de vácuo. Após a retração do coágulo, as amostras foram
centrifugadas a 800 g, durante dez minutos e transferidas para tubos de
congelamento (1,5 mL), que permaneceram a -20ºC até o momento do
processamento.
Para a detecção de anticorpos contra LVPR, foi utilizada a microtécnica
de imunodifusão em gel de ágar (IDGA), utilizando kit comercial,
composto de antígeno, soro-padrão positivo e solução de agarose a 1% em
tampão borato, segundo as recomendações do fabricante.
Para análise dos dados, utilizou-se o teste Qui-quadrado de Pearson ou
o teste Exato de Fisher, quando não se verificaram as condições para
utilização do teste Qui-quadrado. O nível de significância utilizado na
decisão dos testes estatísticos foi de 5,0%. Para a obtenção dos
cálculos estatísticos, empregou-se o programa Epi-Info versão 3.2.2
(DEAN
et al., 1992).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 843 amostras séricas examinadas pelo teste de IDGA para pesquisa de
anticorpos contra LVPR, 23 (2,7%) foram positivas. Identificaram-se
cinco focos, sendo dois no município de Araguaína e um em cada um
destes municípios: Babaçulândia, Filadélfia e Miracema do Tocantins (
Figura 1). Dos 29 rebanhos estudados, cinco (17,2 %) apresentaram, pelo menos, um animal sororreagente.
A baixa prevalência encontrada nesta pesquisa pode ser explicada,
possivelmente, pela recente formação dos rebanhos no estado, composto
basicamente por Anglo-Nubiano e animais sem raça definida (SRD), que,
segundo SARAIVA NETO (1995), têm apresentado prevalências inferiores
aos animais de raças leiteiras de origem europeia. E também pela não
adoção, nas propriedades pesquisadas, de práticas que tendem a aumentar
o risco de transmissão horizontal, como o confinamento e a utilização
de mamadeira coletiva (ADAMS
et al.,
1983; ALVES, 1999). Todavia, esses resultados são considerados
importantes, pela possibilidade de disseminação do LVPR para outros
plantéis de caprinos. Além disso, a intensificação dos sistemas de
criação, à medida que se busca aumentar a produtividade, poderá
proporcionar condições para disseminação do vírus (COSTA
et al., 2007).
Encontraram-se animais sororreagentes para LVPR em duas microrregiões
– 10,0% entre os animais da microrregião Norte e 1,4% entre os
animais de Miracema (
Tabela 1)
–, mostrando resultados que indicam associação significativa entre a
prevalência de LVPR com as microrregiões (p < 0,05). A
alta positividade encontrada na microrregião Norte deve-se,
possivelmente, ao fato de os animais pertencerem a rebanhos de
exploração para a produção de leite.
Nas propriedades estudadas, registraram-se apenas cinco raças
(Anglo-Nubiano, Saanen, sem raça definida (SRD), Boer e Jamnapari), o
que demonstra a recente adesão à caprinocultura, por parte dos
criadores, no Estado. Verificou-se que a positividade para LVPR foi
mais elevada entre os animais da raça Saanen com 11,7% (7/60), seguida
da raça Anglo-Nubiano, 3,0% (14/452), e de 0,6% (2/310) nos animais de
sem raça definida (SRD). De acordo com a análise dos resultados,
comprovou-se associação significante entre raça e a ocorrência de LVPR
(P < 0,05) (
Tabela 2).
Uma das causas de menor prevalência nos animais sem raça definida
(SRD), em comparação com os animais puros, pode ser o sistema de
manejo. Isso porque algumas práticas com tendência a aumentar o risco
de transmissão horizontal, como o confinamento e a utilização de
mamadeiras coletivas, ocasionalmente adotadas em algumas propriedades,
são geralmente empregadas no manejo de rebanhos puros leiteiros
(SARAIVA NETO
et al., 1995).
A presença, na quase totalidade, das LVPR entre os animais leiteiros
pode representar risco de disseminação do agente para os animais sem
raça de definida (SRD) (PINHEIRO
et al., 2001; BANDEIRA, 2005).
Com relação à idade dos animais, a prevalência de animais positivos
para as LVPR foi de 3,2% entre os animais com faixa etária entre a
segunda e a quarta mudas, e de 1,9% entre os animais na faixa etária
até a primeira muda. A análise dos resultados não comprovou associação
significativa entre faixa etária e a ocorrência de LVPR (p > 0,05) (
Tabela 3).
A superioridade da frequência de positivos entre os animais mais velhos
pode ser explicada, uma vez que se trata de uma enfermidade de evolução
lenta, pelo maior tempo de exposição dos animais ao vírus (MCGUIRE,
1987). O tempo para o animal produzir anticorpos a níveis detectáveis
no teste IDGA é demorado, podendo ocorrer até dezoito meses após a
detecção pelo PCR ou até mesmo não acontecer (WAGTER
et al., 1998).
Na
Tabela 4,
estão dispostos os resultados dos testes sorológicos referentes ao
sexo. A prevalência de animais positivos para LVPR foi apenas
0,4% mais elevada entre as fêmeas do que entre os machos (2,8% x 2,4%)
e não se comprovou associação significativa entre sexo e a ocorrência
de LVPR (p > 0,05). Esses resultados corroboram os de CRAWFORD
& ADAMS (1981) e SARAIVA NETO (1995), que afirmam não existir
fatores relacionados ao sexo que predisponham à infecção pelo vírus da
LVPR. No entanto, FERNANDES
et al.
(2003) relatam que o maior tempo de permanência das fêmeas no rebanho e
o fato de se manterem juntas todo o tempo na mesma baia (ao passo que
os machos reprodutores geralmente são mantidos em baias separadas) são
fatores que contribuem para disseminação do vírus entre as fêmeas.
De acordo com o sistema de manejo, observaram-se animais positivos em
6,6% (1/15) e 28,4% (4/14) das propriedades que adotam o sistema de
criação extensivo e semiextensivo, respectivamente (
Tabela 5).
A frequência de positivos no sistema semiextensivo foi superior, mas à
análise não se observou diferença significativa entre o sistema de
criação e a ocorrência de animais positivos por rebanhos (p > 0,05).
O sistema de criação dos animais é fator importante na disseminação do
vírus, por se considerar a aglomeração um fator favorável à
disseminação dos LVPR (CASTRO & MELO, 2001; FERNANDES
et al., 2003).
Na
Tabela 6,
constam os resultados por criatórios segundo associação ou não de
espécies. Nos criatórios que criam apenas caprinos, o porcentual de
animais sororrreagentes foi 18,7% (3/16) e nos que criam caprinos e
ovinos, 15,4% (2/15). A análise dos resultados não mostrou diferença
significativa (p > 0,05) entre o manejo associado caprino + ovino ou
apenas caprinos e a ocorrência de lentivírus nos rebanhos estudados (
Tabela 6). Todavia, estudos filogenéticos indicam a existência de transmissão entre caprinos e ovinos (OLIVER
et al., 1985; CASTRO
et al., 1999; SHAH
et al., 2004).
CONCLUSÃO
O LVPR está presente, com baixa prevalência, nos rebanhos de caprinos
no Estado do Tocantins, principalmente na microrregião Norte e nos
animais da raça Saanen. Esses dados mostram a importância da
implantação de medidas de controle das lentiviroses de pequenos
ruminantes no Estado.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento do presente trabalho.
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Protocolado em: 21 maio
2008. Aceito em: 15 ago. 2009.