UTILIZAÇÃO DO TESTE DE VOGES-PROSKAUER E DA COAGULASE PARA O DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE Staphylococcus aureus ENVOLVIDOS NA EPIDEMIOLOGIA DA MASTITE BOVINA
Luiz Francisco Zafalon,1 Juliana Rodrigues Pozzi Arcaro,2 Antônio Nader Filho3
e Luciano Menezes Ferreira4
1. Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Área de Sanidade Animal. E-mail: zafalon@cppse.embrapa.br
2. Pesquisadora do Instituto de Zootecnia, Área de Qualidade do Leite
3. Professor titular – FCAV/UNESP
4. Médico veterinário, Instituto Aequitas.
RESUMO
Estudaram-se as características diagnósticas do teste de Voges-Proskauer (VP) na identificação de Staphylococcus aureus
isolados de leite de quartos mamários de vacas com mastite,
óstios dos tetos e insufladores dos conjuntos de ordenha,
perante diferentes graus de coagulação apresentados pelas
cepas na prova de coagulase lenta com plasma de coelho e com distintos
níveis de chuvas ocorridas na região da propriedade
à qual os animais pertenciam. Os testes de VP e de coagulase
foram realizados após o isolamento das amostras bacterianas em
ágar sangue, visualização de lâminas
após a realização da coloração de
Gram e a verificação da produção de
catalase. Todas as cepas isoladas foram confirmadas por meio da
amplificação de fragmentos de DNA cromossômico
específico de S. aureus. Identificou-se um total de 329 amostras como S. aureus,
das quais 167 isoladas a partir do leite, 117 originaram-se de
óstios e 45 de insufladores dos conjuntos de ordenha. Dentre as
amostras isoladas, 85,0%, 71,1% e 69,2% de S. aureus
que se originaram de leite, insufladores e óstios,
respectivamente, apresentaram coagulação completa
à prova de coagulase. Encontraram-se especificidades reduzidas
para o teste de VP, para os diferentes graus de
coagulação identificados, tanto no período com
menos chuvas como no de maiores níveis pluviométricos. As
sensibilidades diagnósticas identificadas para o teste de VP
mostraram-se superiores em período com menor quantidade de
chuvas para todas as fontes e graus de coagulação, exceto
em amostras isoladas em óstios, que apresentaram
coagulação incompleta, e em amostras oriundas de
insufladores, que apresentaram coagulação completa.
Recomenda-se o teste de VP como uma boa ferramenta diagnóstica
para a identificação de S. aureus em conjunto com outros
testes como o de coagulase, principalmente em amostras de leite
oriundas de quartos mamários com mastite e em períodos
com menor ocorrência de chuvas.
PALAVRAS-CHAVES: Bacteriologia, diagnóstico, leite, sanidade animal.
ABSTRACT
VOGES-PROSKAUER AND COAGULASE TESTS TO THE LABORATORIAL DIAGNOSTIC OF
Staphylococcus aureus INCLUDED IN THE EPIDEMIOLOGY OF BOVINE MASTITIS
Diagnostic characteristics of acetoin production to the Staphylococcus aureus
isolated from milk of mammary quarters of cows with mastitis, orifices
of teats and mouthpieces of the liners were studied, in agreement to
different coagulation grades presented by strains in the tube coagulase
test with rabbit plasma and different rain levels in the environment of
the herd. The production of acetoin and the coagulase test were
performed after growth on blood agar base supplemented with sheep
blood, Gram staining and catalase production. All strains were
confirmed by molecular identification at species level by
species-specific PCR. Among 329 samples identified, 167 were isolated
from milk, 117 from teat orifices and 45 from mouthpieces of the
liners. Among these samples, 85.0%, 71.1% and 69.2% strains originated
from the milk, mouthpieces and orifices, respectively, presented whole
coagulation in the coagulase test. Reduced specificities were obtained
to the acetoin production to different coagulation grades on the few
rains period as well as on the many rains period. Sensitivities to the
acetoin production were higher on the few rains period to all sources
and coagulation grades, except to strains from orifices with incomplete
coagulation and strains from mouthpieces with complete coagulation. It
is recommended the acetoin production test how a good diagnostic
strategy to the S. aureus
identification, combined with other tests how coagulase, mainly in the
milk samples originated from mastitic mammary quarters and on periods
with little occurrence of rains.
KEY WORDS: Animal health, bacteriology, diagnosis, milk.
INTRODUÇÃO
Os esforços para o
controle da mastite bovina dependem em grande parte do
diagnóstico laboratorial dos agentes responsáveis pela
doença. Nesse sentido, o laboratorista lança mão
de um arsenal de testes que, mesmo assim, podem trazer resultados
inconclusivos. Um teste diagnóstico deve ser utilizado para
reduzir ao máximo o grau de incerteza da
identificação microbiológica. O teste ideal seria
aquele no qual a sensibilidade e a especificidade atingissem 100%.
Entretanto existe um equilíbrio entre essas duas propriedades ao
ponto de, quando uma delas aumenta, a outra diminui (MEDRONHO &
PEREZ, 2002).
Dentre as espécies
de estafilococos coagulase-positivas, as de maior ocorrência na
etiologia infecciosa da mastite bovina são S. intermedius, S. hyicus e S. aureus,
esta última a de maior importância, pela elevada
prevalência e por causar riscos à saúde
pública. Talvez por este fato, existem indicações
de que o microrganismo pode ser identificado após os testes de
coagulase, com a classificação das cepas
coagulase-positivas como S. aureus.
Apesar disso, o Conselho Nacional de Mastite dos Estados Unidos
recomenda o teste de Voges-Proskauer (VP) como um meio adicional para a
diferenciação de S. aureus das outras cepas positivas à prova da coagulase (CUNHA NETO et al., 2002).
A produção da coagulase por S. aureus
constitui um importante determinante fenotípico, uma vez que
está associada à virulência desses microrganismos.
Segundo CUNHA NETO et al.
(2002), há estudos para correlacionar a produção
de enterotoxinas com a presença de enzimas como a coagulase. Em
estudo dos aspectos ambientais referentes à cadeia
epidemiológica da mastite bovina, ZAFALON et al. (2008) concluíram que os riscos de infecção por S. aureus
aumentaram diante de índices pluviométricos mais elevados
e que microrganismos isolados a partir do leite mostraram grau de
reação na prova da coagulase classificado como mais
forte, quando comparados com os isolados a partir de insufladores e
óstios, o que poderia levar a interpretações
diferentes no diagnóstico do agente nesses sítios, de
acordo com o protocolo adotado.
A reação de
Voges Proskauer (VP) ou teste de produção de
acetoína testa a formação do acetilmetilcarbinol,
também conhecido como acetoína, a partir da glicose. Em
presença de oxigênio atmosférico e hidróxido
de potássio a 40%, a acetoína é convertida
à diacetila e o alfa-naftol atua como catalisador para produzir
um complexo de cor vermelha. As cepas de S. aureus apresentam elevada (90%) produção de acetoína, quando comparadas às cepas de S. intermedius e S. hyicus (KONEMAN et al., 2001).
Dada a possibilidade de
resultados atípicos com as provas diagnósticas em
função da origem das cepas, objetivou-se estudar as
características diagnósticas do teste de VP após a
confirmação molecular de isolados do leite de
vacas com mastite, dos óstios dos tetos e de insufladores de
teteiras durante a ordenha, diante de diferentes graus de
coagulação e índices pluviométricos, como
forma de colaborar na identificação de S. aureusS. aureus na cadeia epidemiológica da mastite bovina.
MATERIAL E MÉTODOS
Os animais faziam parte do
rebanho de fazenda experimental pertencente ao Centro de Bovinos de
Leite do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa, Estado de São
Paulo, sob ordenha mecânica realizada duas vezes ao dia, em
sistema com circuito fechado. Durante a colheita das amostras de leite,
a mediana de 52 animais das raças Holandesa e
Pardo-Suíça permaneceu em lactação
(mínimo de 40 e máximo de 66 animais). Realizaram-se as
aferições dos índices pluviométricos
mensalmente, de agosto de 2005 até dezembro de 2006 (CIIAGRO,
2006). A estação seca foi assim denominada quando a
precipitação média no espaço de tempo
(trinta dias) compreendido entre duas colheitas de amostras foi igual a
27,9 mm, e a estação chuvosa aquela em que a média
de chuvas foi igual a 113,6 mm.
Fez-se o diagnóstico
da mastite subclínica a partir da realização
mensal do california mastitis test (CMT) em todas as vacas lactantes do
rebanho. Também foram investigados animais com quadro
clínico de mastite por meio do teste da caneca telada, durante
os dezessete meses de estudo. Animais que estavam nos primeiros dez
dias de lactação e nos trinta dias anteriores à
secagem não foram investigados. Além da colheita das
amostras de leite realizou-se, paralelamente, a colheita de amostras
dos óstios papilares e dos insufladores dos conjuntos de
ordenha.
Realizaram-se as colheitas
das amostras de leite para o isolamento microbiológico de acordo
com os procedimentos recomendados pelo National Mastitis Council
(HARMON et al., 1990).
Após a limpeza do óstio papilar com álcool
etílico 70% (v/v), utilizaram-se tubos de ensaio esterilizados
para amostras individuais de 2 a 5 mL de leite, em duplicatas, de cada
quarto mamário positivo ao CMT, antes do início da
ordenha. Essas amostras foram acondicionadas em recipientes com gelo e
levadas ao laboratório para isolamento e
identificação bacterianos. Classificaram-se como
resultados positivos ao teste de CMT quaisquer graus de viscosidade
observados após a mistura de leite com a solução,
em raquete de leitura utilizada para o exame.
Imediatamente após a
antissepsia anterior à ordenha, feita com solução
à base de cloro, colheram-se amostras oriundas dos óstios
papilares de animais positivos ao CMT, independentemente de todos os
quartos mamários terem sido reagentes ao teste, com o
auxílio de suabe estéril e a realização de
movimentos circulares sobre os óstios (INGAWA et al.,
1992). Suabes estéreis também foram friccionados em
movimentos circulares na porção final de cada um dos
insufladores (quatro por cada conjunto de ordenha), em todos os
conjuntos da ordenhadeira durante e após as ordenhas, conforme
recomendação de McDONALD et al. (1993). O material foi transportado em tubos de ensaio individuais contendo água peptonada estéril.
Isolaram-se 167 cepas de S. aureus
a partir das amostras de leite dos quartos mamários, após
a semeadura direta em placas de Petri com ágar sangue de ovino a
5% por meio do auxílio de alça de platina padronizada
(0,01mL). Obtiveram-se 117 isolados originados a partir dos
óstios papilares e 45 dos insufladores dos conjuntos de ordenha
após a semeadura direta com os suabes utilizados na colheita das
amostras. Todas as amostras permaneceram incubadas por 18 a 24 horas, a
37˚C. As colônias foram submetidas à
coloração de Gram, com posterior realização
das provas de catalase e coagulase lenta com plasma de coelho para os
cocos Gram-positivos, seguidas pela verificação da
produção de acetoína (HOLMBERG, 1973; HOLT et al., 1994).
As leituras da prova da
coagulase foram realizadas uma, duas, três, quatro e 24
horas após a incubação à temperatura de
37˚C em banho-maria. Os resultados classificados como coagulase
“4” foram aqueles em que houve coagulação
completa nos tubos, e os demais graus variaram desde coágulos
pequenos e desorganizados até coágulos grandes
organizados, mas sem coagulação completa (GARCIA et al., 1980).
Realizaram-se as leituras
dos testes para a verificação da produção
de acetoína após a semeadura de um tubo com caldo
VM/VP com um cultivo puro de S. aureus.
Os tubos foram incubados por 24 horas a 35˚C. Adicionou-se
primeiramente 0,6 mL de alfa-naftol a 5% e, a seguir, 0,2 mL de KOH a
40 %. Procedeu-se a uma agitação suave dos tubos para a
exposição do meio ao oxigênio atmosférico,
deixando-se em repouso por quinze minutos, sendo logo a seguir efetuada
a leitura, que foi repetida após 45 minutos. Resultados
positivos foram indicados pelo desenvolvimento de cor vermelha quinze e
sessenta minutos após a agitação (KONEMAN et al., 2001).
Após a
extração do DNA bacteriano, procedeu-se à
confirmação molecular dos isolados de S. aureus
para a identificação da espécie, a partir da
amplificação de fragmentos de DNA cromossômico
específico de S. aureus, de acordo com o protocolo descrito por MARTINEAU et al.
(1998). As reações compreenderam volume final de 20 μL
com 20 mM Tris-HCl (pH 8,4), 50 mM KCl, 2,5 mM MgCl2, 0,2 mM de cada
dNTP, 0,4 μM de cada oligonucleotídeo iniciador Sa442-1
(5’- AAT CTT TGT CGG TAC ACG ATA TTC TTC ACG- 3’) e Sa442-2
(5’- CGT AAT GAG ATT TCA GTA GAT AAT ACA ACA- 3’), e 0,5 U
de Taq polimerase em amplificação do tipo host-start. As
misturas de PCR foram submetidas à desnaturação
por três minutos a 94°C e, posteriormente, a trinta ciclos de
um segundo a 95°C, e trinta segundos a 55°C para pareamento e
extensão dos oligonucleotídeos iniciadores. Dez
microlitros do produto amplificado foram visualizados após
eletroforese em gel de agarose em concentração de 2%,
corado com brometo de etídio. Utilizou-se marcador de tamanho
molecular 100 pb como padrão de peso molecular.
Estudaram-se as
características diagnósticas do teste de VP, definindo-se
a sensibilidade do teste como a proporção dos verdadeiros
positivos entre todos os resultados positivos após o
diagnóstico, e a especificidade como a proporção
dos verdadeiros negativos entre todos os resultados negativos.
Determinou-se a eficiência do teste de VP pela
proporção de resultados verdadeiros que o teste foi capaz
de identificar (MEDRONHO & PEREZ, 2002). Consideraram-se as provas
moleculares como “padrão-ouro”, comparando-se as
características do teste de acordo com os resultados obtidos na
prova de coagulase lenta com plasma de coelho em diferentes
condições pluviométricas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Tabela 1 estão apresentados os valores referentes à quantidade de amostras de S. aureus
isoladas a partir de leite, óstios e insufladores dos conjuntos
de ordenha, com os seus respectivos graus de coagulação
na prova de coagulase lenta com plasma de coelho, de acordo com a
quantidade de chuvas ocorridas durante o período de estudo.
Observou-se que houve uma
menor quantidade de isolados com graus de coagulação
inferiores a “4” nas três fontes estudadas, tanto no
período com uma quantidade superior de chuvas como naquele com
menores níveis pluviométricos. De um total de 329
amostras identificadas como S. aureus,
167 (50,8%) foram isoladas no leite de quartos mamários com
mastite, 117 (35,6%) originaram-se de óstios pertencentes a
quartos mamários sadios e 45 (13,6%) foram oriundas dos
insufladores dos conjuntos de ordenha. Dentre as amostras isoladas a
partir do leite, 142 (85,0%) apresentaram coagulação
completa. Esse grau de coagulação foi encontrado em 81
(69,2%) e 32 (71,1%) amostras isoladas em óstios e insufladores,
respectivamente.
O exame
bacteriológico do leite, obtido a partir de um único
quarto ou de amostras compostas, é o procedimento padrão
para o estabelecimento da infecção mamária
(ELVINGER & NATZKE, 1992). Nos casos de surtos de mastite
clínica em um rebanho ou em casos isolados, especialmente em
vacas de alto valor zootécnico, o isolamento do agente
etiológico é o método diagnóstico de
eleição. Dessa maneira, a cultura do leite de vacas do
rebanho é útil no monitoramento da prevalência e
dos agentes etiológicos presentes (SEARS et al., 1993).
Existe uma gama de testes laboratoriais que podem ser utilizados para a identificação de S. aureus.
Citem-se a utilização concomitante do teste da coagulase
e de termonuclease, o crescimento em ágar Baird Parker
suplementado com acriflavina, atividade da β-galactosidase, teste
de hemólise em ágar chocolate, além da prova de
DNAse, teste do manitol em anaerobiose e a fermentação de
açúcares (KONEMAN et al.,
2001). SILVA & GANDRA (2004) chamam a atenção para a
análise de resultados em conjunto para a
discriminação das espécies. Porém, uma
identificação rápida, confiável e
não excessivamente onerosa de colônias de S. aureus em culturas de amostras de leite é fundamental para o controle da mastite por esse microrganismo.
Métodos de
sequenciamento genético permitem a identificação
de vários patógenos bacterianos. Porém, na
contramão da necessidade de testes de baixo custo, esses
métodos ainda são relativamente caros, trabalhosos e, na
maioria das vezes, não estão na rotina diagnóstica
de laboratórios especializados na área
veterinária. A maior parte das amostras originadas de casos de
mastite é analisada de acordo com critérios financeiros,
e testes simples podem permitir a identificação da
etiologia infecciosa da doença, como a combinação
de aspectos referentes à hemólise apresentada no meio de
cultivo e a verificação da produção de
coagulase, por exemplo. Por sua vez, o teste da coagulase com quatro
horas de incubação parece não apresentar adequada
sensibilidade diagnóstica. Recomenda-se, diante desse
período de tempo para a leitura da prova, a
utilização concomitante de outros testes, como a
verificação da produção de
beta-hemólise, por exemplo, em que se verificou a
elevação da sensibilidade diagnóstica de 60,4%
para 99,4% (BOERLIN et al., 2003).
No presente trabalho, os
microrganismos isolados que não apresentaram
coagulação do plasma de coelho não foram
submetidos à confirmação molecular, apesar da
possibilidade de, segundo SOUTO (2006), isolados de
infecções intramamárias apresentarem
características atípicas, não demonstrando
comportamento bioquímico clássico, como, por exemplo,
reação de coagulase positiva. SILVA et al. (2000) também mencionaram o aparecimento de colônias atípicas de S. aureusS. aureus em ágar Baird Parker (39,4%) em que 94,4% eram oriundas do leite.
SILVA et al.
(2000) verificaram que a intensidade da reação na prova
da coagulase variou com a origem das amostras. S. aureus originados das
máquinas de ordenha e mãos de ordenhadores eram 3 ou 4
cruzes. E 17,1% dentre os oriundos do leite apresentaram
reações 1 ou 2 cruzes, ou seja, de menor intensidade. O
estudo de cepas de S. aureus
oriundas de diferentes fontes é de importância para o
acompanhamento da epidemiologia da mastite, uma vez que parece existir
especificidade das amostras isoladas em humanos e animais. A
determinação da origem de amostras identificadas como
responsáveis pela mastite bovina pode contribuir para o
estabelecimento de medidas de controle contra a doença. Segundo
FAGUNDES & OLIVEIRA (2004), deve ser ressaltada a importância
do homem como reservatório de S. aureus.
Há tempos que os
estafilococos vêm sendo analisados em alimentos com base na
habilidade ou não de coagular o plasma sanguíneo,
já que é referenciada a relação
intrínseca entre a produção de coagulase e a
disponibilidade de S. aureus, de produzir enterotoxinas. O procedimento
do teste da coagulase passa por diferentes critérios de
interpretação, desde a consideração de
quaisquer graus de coagulação até a
consideração de somente o grau máximo de
coagulação (PEREIRA et al., 2000).
No diagnóstico da mastite bovina por S. aureus,
alguns protocolos não consideram reações fracas na
prova da coagulase como resultados positivos, o que influencia na
sensibilidade e especificidade do teste. Colônias atípicas
podem ser isoladas em quaisquer sítios de
localização, de modo que a inclusão de provas
adicionais pode elevar o número de amostras identificadas
corretamente. Além disso, o estudo dos resultados de testes
laboratoriais, diante das condições climáticas
anteriores às colheitas, das amostras pode colaborar no
levantamento de fatores intervenientes dos resultados. A dificuldade em
manter condições higiênicas adequadas em
períodos mais chuvosos, com condições de umidade e
temperatura favoráveis à multiplicação de
microrganismos, pode fazer com que haja uma maior dispersão de
amostras bacterianas no ambiente com distintas características
fenotípicas.
Na Tabela 2 constam as características diagnósticas do teste de VP na identificação de S. aureus
em diferentes fontes envolvidas com a epidemiologia da mastite bovina,
de acordo com os graus de coagulação das cepas
bacterianas, durante a estação classificada como
“seca”.
Na estação seca verificou-se que a eficiência do teste de VP para identificar S. aureus
foi inferior para aqueles microrganismos que apresentaram graus de
coagulação incompleta, tanto para os isolados do leite
como para aqueles originados de óstios e insufladores.
Encontrou-se uma eficiência superior (87,1%) para S. aureus
oriundos do leite de quartos mamários com mastite e que
apresentaram coagulação completa na prova da coagulase
lenta com plasma de coelho, quando comparada com as eficiências
de outros graus de coagulação e das demais fontes.
Sensibilidades elevadas durante a estação classificada
como “seca” foram encontradas. Porém, em isolados de
óstios com coagulação não completa, a
sensibilidade do teste foi inferior às demais fontes e graus de
coagulação (75%). A capacidade do teste de VP em
identificar amostras negativas para S. aureus
mostrou-se baixa quando os resultados das provas de
confirmação diagnóstica se mostraram negativos
(10,0% a 22,2%).
Na Tabela 3
encontram-se os resultados referentes às características
diagnósticas do teste de VP, na identificação de S. aureus
em diferentes fontes envolvidas com a epidemiologia da mastite bovina,
de acordo com os graus de coagulação das cepas em
estação classificada como “chuvosa”.
Em períodos mais
chuvosos, encontraram-se eficiências inferiores para o teste de
VP quando os isolados eram provenientes de óstios e insufladores
e apresentavam coagulação incompleta (38,9% e 33,3%,
respectivamente), diferentemente que o apresentado pelas amostras
originadas de leite (82,4%). Verificou-se que o teste de VP apresentou
uma sensibilidade superior em épocas com quantidade inferior de
chuvas, exceto para os isolados originados de insufladores quando os
microrganismos apresentaram grau “4” de
coagulação (coagulação completa), apesar de
próxima da encontrada para os isolados dessa fonte na
época “seca” (90,9% e 87,5%, respectivamente) e para
microrganismos oriundos de óstios sem coagulação
completa. Verificaram-se especificidades superiores para as amostras
isoladas nas chuvas, quando comparadas com a estação
“seca”, exceto em óstios com isolados que não
apresentaram coagulação completa e para insufladores, em
que não foi possível o cálculo pela pequena
quantidade de amostras.
BRITO et al. (2002), ao identificarem 38 amostras como S. aureus,
verificaram que 81,6% produziram acetoína e classificaram o
teste de VP como de fácil execução e com baixo
custo, além de o considerarem como uma
característica-chave para S. aureus, apesar do tempo de
incubação considerado prolongado. Em levantamento
anterior, dentre 55 amostras de S. aureus
não produtoras de betagalactosidase que cresceram em ágar
Baird-Parker suplementado com acriflavina, algumas apresentaram
resultados variados em outros testes: 13 amostras produziram pigmentos
carotenoides, 36 fermentaram a maltose aerobicamente, 47 fermentaram o
manitol de forma anaeróbica e 40 apresentaram atividade
hemolítica em ágar sangue, e 46 (83,6%) produziram
acetoína (GANDRA et al., 2005). Resultados semelhantes foram relatados por CAPURRO et al. (1992) e ROBERSON et al. (1992), que observaram altas porcentagens (94% e 98%, respectivamente) de amostras positivas no teste de VP.
Quanto menor o número de testes hábeis para a identificação de S. aureus,
mais fácil será para o técnico na rotina
laboratorial, principalmente quando sistemas automatizados de
diagnóstico não estão disponíveis. Em
sistemas com automação, o custo de tempo de
incubação para a identificação
estafilocócia parece não ser adequado. Além disso,
muitas vezes pode existir um grande número de amostras
atípicas, assim como as relatadas por IORIO et al.
(2007), que encontraram 55,6% de amostras de estafilococos
atípicos em pelo menos um teste utilizado. Com
relação a S. aureus, uma amostra (5,6%) apresentou comportamento atípico em prova que verificou a produção de acetoína.
Há evidências de variação clonal de S. aureus dentro de rebanhos individuais (YOUNG et al., 2001). O aspecto crônico das mastite por S. aureus
faz com que haja a possibilidade de vacas adquirirem diferentes cepas
da bactéria que permanecem corresidentes dentro do úbere
e que podem suprimir a resposta imunológica do hospedeiro e
permitir, consequentemente, a persistência da
infecção. Pelos resultados apresentados neste trabalho,
sugere-se que em épocas mais chuvosas um número superior
de variantes do microrganismo esteja presente, o que pode reduzir a
eficiência de testes fenotípicos como o de
produção de acetoína, por exemplo, espelhando a
possível necessidade de testes adicionais para a
identificação de S. aureus.
CONCLUSÕES
O teste de produção de acetoína apresentou adequada sensibilidade para identificar S. aureus
em fontes ligadas à cadeia epidemiológica da mastite
bovina, em conjunto com a coagulase, principalmente em períodos
com menor ocorrência de chuvas, independentemente do grau de
coagulação apresentado. Dada a possível
variabilidade que pode ser encontrada entre as amostras, não
é recomendado o uso unicamente do teste de VP em conjunto com a
prova de coagulase lenta com plasma de coelho, principalmente em
épocas de maior ocorrência de chuvas, em que a
sensibilidade do teste para amostras de leite de quartos
mamários com mastite pode apresentar-se inferior, quando
comparada com a sensibilidade da prova apresentada em período
menos chuvoso.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, Processo no 05/53856-3).
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Protocolado em: 12 maio 2008. Aceito em: 1º maio 2009.