ALTERAÇÕES
NA MORFOLOGIA ESPERMÁTICA EM TOUROS DE CORTE COM E SEM
SUPLEMENTAÇÃO DE ZINCO NA MISTURA MINERAL
Carlos Eurico Fernandes,1 Alexandra Rocha Oliveira2, Paula de Almeida Barbosa Miranda,3 Simone da Cunha Pereira Lopes,3 Sheila da Silva Moraes,3 Maria da Graça Morais,4 Urbano Gomes Pinto de Abreu5 e Fernanda da Cruz Landim-Alvarenga6
1. Professor adjunto do Departamento de Patologia, CCBS, UFMS
2. Doutoranda da UNESP, campus de Jaboticabal. E-mail: alexandra_oliveira@yahoo.com.br
3. Pesquisadoras da Embrapa Gado de Corte
4. Departamento de Produção Animal, FAMEZ
5. Pesquisador da Embrapa Pantanal
6. Departamento de Radiologia e Reprodução Animal, FMVZ, UNESP.
RESUMO
Características
seminais de touros provenientes de um rebanho sem Zn na
suplementação mineral (ZN-0, n=4, 0mg/Zn/kg/dia) foram
comparadas com as de touros contemporâneos criados com
suplementação adequada (ZN-60FI, n=4, 60mg/Zn/kg/dia). O
sêmen foi colhido quinzenalmente, entre 17 e 29 meses de idade.
Incluíram-se no exame a análise da cromatina
espermática e o perfil morfométrico da cabeça
espermática, com base no comprimento, largura superior e
inferior (µm) e área (µm2). Os touros do ZN-0
apresentaram redução de espermatozoides normais em
relação ao ZN-60FI (62,4 ±2,88% x 74,5
±2,83), sendo que a prevalência de anormalidades de
cromatina (16,7 ±2,05%) e de defeitos de peça
intermediária (9,3 ±0,81%) foi superior aos do ZN-60FI
(9,5 ±2,03 e 3,2 ±0,80, respectivamente). A microscopia
eletrônica de transmissão mostrou irregularidades
mitocondriais e ruptura dos feixes de fibras densas externas. Nos
touros do ZN-60FI, a área da cabeça espermática
foi proporcionalmente inferior a do ZN-0. Conclui-se que touros criados
e mantidos a campo, provenientes de rebanhos com deficiência na
suplementação de Zn, estão sujeitos à
redução da qualidade seminal, por apresentarem maior
frequência de anormalidades morfológicas, na cromatina, e
nos padrões morfométricos da cabeça
espermática com predomínio de lesões na estrutura
mitocondrial e nos feixes de fibras densas na peça
intermediária.
PALAVRAS-CHAVES: Bovino, cromatina, morfometria espermática, nutrição, qualidade seminal, zinco.
ABSTRACT
SPERMATIC MORPHOLOGY ALTERATIONS IN BEEF BULLS SUPPLEMENTED OR NOT WITH ZINC IN MINERAL SALT
Seminal
characteristics of bulls without Zn in the mineral supplementation
(ZN-0, n=4, 0mg/Zn/kg/dia) were compared with bulls contemporary with
appropriate mineral supplementation (ZN-60FI, n=4, 60mg/Zn/kg/dia). The
semen was evaluated biweekly, between 17 and 29 months of age. The
prevalence of abnormal chromatin and morphometric profile (length,
superior and inferior width (µm) and area (µm2) of the
sperm head were included in the analysis. ZN-0 bulls presented
reduction of normal sperms in relation to ZN-60FI (63.3 ±2.88 x
74.5 ±2.83%), higher abnormal chromatin (16.7 ±2.05 x 9.3
±0.81%) and abnormal intermediate piece (9.3 ±0.81 x 3.2
±0.80%), respectively. Abnormalities of intermediate piece were
characterized by irregularities in the mitochondrial organization and
rupture of the external dense fibers in electronic microscopy. The area
of head sperm of ZN-60 bulls was lower (25.0 ±3.8 x 27.9
±4.6, p <0.01) in relationship to ZN-0, respectively. We
concluded that bulls born and maintained in the field conditions coming
of herds with subclinic deficiency of Zn in the basal diet, are subject
the reduction of the seminal quality and present larger frequency of
intermediary piece abnormalities, sperm chromatin and variations on
morphometrics measurements of head sperms.
KEY WORDS: Bovine, chromatin, nutrition, semen quality, sperm morphometry, zinc.
INTRODUÇÃO
A
eficiência dos sistemas produtivos em gado de corte está
diretamente associada ao manejo reprodutivo e nutricional. No Brasil,
onde a pecuária caracteriza-se basicamente por
criações extensivas, a interação desses
fatores é um desafio constante no sentido de estabelecer
metodologias direcionadas ao aumento da produtividade. Nas
regiões de clima tropical onde há predomínio de
vegetação do tipo cerrado e solos de baixa fertilidade, o
Zn tem recebido atenção especial, devido ao seu baixo
nível encontrado no perfil mineral de diferentes forrageiras
utilizadas na produção bovina (MORAES, 2001; MANDAL et
al., 2007).
Recentemente,
OLIVEIRA et al. (2007) encontraram evidências de que a
concentração de Zn na dieta afeta a qualidade seminal em
touros no período puberal. Especialmente na morfologia
espermática, os autores encontraram elevação de
defeitos na peça intermediária e cauda, com subsequente
baixa motilidade e maior prevalência de defeitos de cabeça
nos animais sem suplementação de Zn no sal mineral. No
macho, a deficiência de Zn tem sido reportada à atrofia do
epitélio tubular, redução na
produção dos hormônios luteinizante,
folículo estimulante e testosterona com inibição
da espermatogênese (UNDERWOODS & SOMERS, 1969; FAVIER, 1992).
Segundo ALLEN et al. (1983), o conteúdo de Zn é alto nos
testículos de animais adultos, sendo que a maior
concentração desse mineral encontra-se na
próstata. Porém, deficiências marginais de Zn nem
sempre acarretam distúrbios metabólicos clinicamente
diagnosticáveis, embora possam ocasionar
alterações na qualidade do sêmen (SALGUEIRO et al.,
2000).
A
participação efetiva do Zn na estrutura
espermática nos bovinos ainda não está totalmente
compreendida. Nos mamíferos, de modo geral, o conteúdo de
Zn nas espermatogônias e espermatócitos primários
é similar ao observado em células somáticas,
porém, a partir das espermátides, há
mudanças na incorporação desse elemento na matriz
nuclear. Durante a espermiogênese e, portanto, durante a
remodelação das espermátides, o Zn liga-se aos
grupamentos sulfídricos das cisteínas e auxilia a
compactação das protaminas, protegendo-as dos processos
oxidativos (MARZRIMAS et al., 1986; DADOUNE, 1993). A expressão
de genes da família Zfp-29 possibilita este mecanismo,
determinando a transcrição de uma proteína de 68,7
kDa associada à regulação da capacidade de
compactação e condensação da cromatina
espermática (DENNY & ASHWORTH, 1991). Assim,
pressupõe-se que níveis insuficientes de Zn na
dieta, por longos períodos, resulte em falhas da
função nuclear, especialmente em tecidos em
proliferação e diferenciação. No caso das
espermátides, leva à desestabilização da
cromatina, à maior fragilidade do DNA e, consequentemente, a
variações no perfil morfométrico da cabeça
espermática (KVIST et al., 1987; OSTEMEIER et al., 2000).
Além de
compor a estrutura nuclear, o Zn está associado à
função energética espermática. Embora a
formação da peça intermediária e da cauda
espermática ocorra nos túbulos seminíferos,
é na cabeça, corpo e cauda do epidídimo que essas
estruturas atingem plena função bioquímica (AMANN
et al., 1993). A peça intermediária é formada por
um feixe mitocondrial de forma helicoidal que cobre o axonema,
constituído por nove grupamentos de fibras densas externas sobre
dois pares de túbulos centrais (AMELAR et al., 1980).
Íons Zn predominam nas fibras densas externas e contribuem na
prevenção da oxidação dos grupamentos
dissulfídricos (CALVIN et al., 1973). À medida que os
espermatozoides avançam no epidídimo, especialmente na
cauda e após ejaculação, o conteúdo de Zn
reduz-se em mais de 60%, aumentando progressivamente a
oxidação dos grupamentos dissulfídricos,
resultando em energia e motilidade progressiva (HENKEL et al., 1999).
Portanto, a redução do conteúdo de Zn na
peça intermediária favorece a atividade móvel e
capacidade energética da célula espermática. Nos
bovinos, porém, poucos estudos têm investigado a
associação do Zn com variações na
motilidade espermática.
Em touros de
corte, alterações no formato e no contorno da
cabeça espermática estão presentes em
níveis variáveis e associam-se a alterações
na espermiogênese, possivelmente com substancial
redução na fertilidade (SAILER et al., 1996; FERNANDES et
al., 2004). Os métodos convencionais para o estudo da morfologia
incluem a avaliação visual microscópica de
alterações em regiões específicas do
espermatozoide e, desse modo, a avaliação do formato da
cabeça do espermatozoide é realizada de forma subjetiva.
No sentido de diminuir a possibilidade de avaliação
subjetiva, análises morfométricas, com auxílio da
computação, vêm sendo amplamente utilizadas.
Medidas morfométricas em planimetria permitem a estimativa da
área, perímetro, comprimento e largura, determinando
perfis e suas variantes frente a alterações no
espermiograma (BOERSMA et al., 2001; FOOTE, 2003). Uma vez que a
morfologia da cabeça espermática tem grande
importância na fertilização e
liberação do genoma masculino no ovócito, tais
medidas têm sido usadas na avaliação da fertilidade
e na integridade da cromatina nuclear.
Os objetivos
deste estudo foram de avaliar o espermiograma, assim como
variações na integridade da cromatina espermática
e o perfil morfométrico da cabeça espermática em
touros Nelore com e sem deficiência de Zn na dieta.
MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia
deste estudo, no que tange à formação e
preparação dos piquetes experimentais,
composição dos grupos experimentais, análises de
solo, forragem e perfil plasmático do Zn, foram previamente
detalhados por OLIVEIRA et al. (2007). Para fins deste experimento,
foram avaliados oito touros pertencentes aos tratamentos Zn-0 (n=4),
sem fonte de Zn no sal mineral e Zn-60FI (n=4), com 60 mg de Zn
fonte inorgânica. Resumidamente, formulou-se a mistura mineral
para cada tratamento para pasto de médio nível
nutricional, com os seguintes níveis de
suplementação/dia: cálcio=1.040 g;
fósforo=800 g; sódio=1.000 g; cobre=10 mg; cobalto=0,2
mg; iodo=0,5 mg; selênio=0,2 mg. As fontes dos minerais foram
fosfato bicálcico, cloreto de sódio, sulfato de cobre,
sulfato de cobalto, iodato de potássio e selenito de
sódio. Assim, a variação dos níveis de
suplementação de zinco foi o que diferiu os tratamentos.
Para fins de acompanhamento das características nutricionais dos
animais, consideraram-se as médias entre estação
seca (abril a setembro) e chuvosa (outubro a março) para o
consumo de sal mineral (g/unidade animal), concentração
média de Zn na forragem (mg/kg) e média de Zn na
matéria seca (g/dia).
A partir dos
dezessete meses de idade, os animais passaram a ser submetidos a exame
andrológico a cada quinze dias, para acompanhamento da qualidade
seminal. O período experimental compreendeu de fevereiro de 2003
a janeiro de 2004. O sêmen foi colhido por
eletroejaculação, sendo que, imediatamente após,
estimaram-se a motilidade (%) e o vigor (1-5), em lâmina e
lamínula sob microscopia de campo claro. Amostras foram
diluídas em formol-salino tamponado 1% e avaliadas
posteriormente para morfologia espermática em microscopia de
contraste de fase (preparações úmidas, 1000x).
Contaram-se 200 células /lâmina, para
determinação do percentual de espermatozoides
morfologicamente normais, defeitos de cabeça (piriforme,
cratera, subdesenvolvido, contorno irregular, micro e
macrocefálico), acrossomo (granular, vesiculoso, destacado e
dobrado), peça intermediária (fraturada, dobrada,
hipoplásica, engrossada e desnuda), gota citoplasmática
proximal, cauda (fortemente dobrada e retroaxial), cabeça
destacada (contorno e forma normais), segundo PIMENTEL (2001). Para
fins de análise, consideraram-se as médias mensais
obtidas de cada touro, no período de fevereiro de 2003 a janeiro
2004.
Defeitos no
núcleo espermático e condensação anormal da
cromatina foram estimados pela reação de Feulgen (BARTH
& OKO, 1989). Após a realização do
esfregaço, as lâminas foram embebidas em
solução de ácido clorídrico 5N por trinta
minutos e, em seguida, lavadas com água destilada e mergulhadas
em reativo de Schiff por trinta minutos. Posteriormente, foram lavadas
em água corrente por cinco minutos e, após secagem,
mergulhadas em solução de ácido periódico a
2%, por trinta minutos, novamente lavadas e secas em ambiente
laboratorial Procedeu-se à leitura em microscopia de contraste
de fase em imersão (1000x), estimando-se, em duzentos
espermatozoides, o percentual de formas com condensação
anormal na cromatina, ou seja, núcelos que apresentavam
fragmentação, estavam descorados (tipo
“fantasma”) ou com halos claros na região
central, segundo SPRENCHER & COE (1995).
Os mesmos
esfregaços foram usados para análise morfométrica
da cabeça espermática. Nesta análise,
selecionaram-se, ao acaso, dois touros pertencentes ao Zn-60FI
(coeficiente de variação abaixo de 5% entre medidas da
cabeça espermática) considerados animais-controle e
comparados com os do Zn-0 (n=4). Mensuraram-se trinta espermatozoides
em, no mínimo, cinco campos/lâmina, sendo dez com
morfologia normal, dez com anormalidades de cabeça e dez com
anormalidades de peça intermediária. As imagens foram
captadas digitalmente, armazenadas e processadas em aumento de 1000x em
microscopia de campo claro (Kontron Electronik Imaging System,
KS400-2.0. Determinaram-se o comprimento, a largura superior (na
região da maior medida) e a largura inferior (na região
da base espermática) em µm e área total em µm2 pela equação: área = [(largura superior (B) + largura inferior(C))/2 x comprimento(A)], conforme a Figura 1.
Posteriormente
ao término do período experimental, encaminharam-se
amostras de um dos touros do ZN-0 (C), que apresentava alto percentual
de defeitos de peça intermediária e cauda, para
análise ultraestrutural. Para isso, fixou-se 1 mL de sêmen
em 5 mL de 2,5% de glutaraldeído em tampão fosfato a 0,1M
(pH 7,4) e, posteriormente, em 1% de tetróxido de ósmio
utilizando o mesmo tampão. Após a
desidratação, em séries crescentes de acetona, o
material foi embebido em Epon 812. Obtiveram-se os cortes ultrafinos
com navalha de diamante, montados em grade de cobre e corados com
acetato de uranila e citrato de chumbo. Os cortes foram, então,
examinados em um microscópio eletrônico de
transmissão Philips EM 301, no Centro de Microscopia
Eletrônica do Instituto de Biociências da UNESP,
Botucatu-SP. Devido à importância da
orientação da célula para avaliação
uniforme, os espermatozoides, especialmente a região da
peça intermediária, foram estudados utilizando-se
secções longitudinais e transversais.
A
análise estatística foi dividida em duas etapas. Na
primeira, verificou-se o efeito da suplementação mineral
com ou sem zinco (efeito de tratamento) e de touro sobre o
espermiograma, estimado pela microscopia de contrate de fase, com base
em modelo linear completamente casualizado (teste F), ajustando-se as
médias para data da colheita e peso corporal
(covariância). Na segunda etapa, verificou-se o efeito de
tratamento sobre o comprimento (µm), a largura superior
(µm), a largura inferior (µm) e a área (µm2)
da cabeça espermática, ajustando-se o modelo para o
efeito de touro. Incluiu-se, ainda, como fator fixo, a
característica primária da célula (normal, com
anormalidade de cabeça ou com anormalidade de peça
intermediária). As médias foram comparadas pelo teste F
em um modelo inteiramente casualizado, para p<0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos aspectos
observados neste estudo, destaca-se o fato de que os touros do ZN-0
eram provenientes de vacas cuja gestação foi conduzida
com baixos níveis de Zn na dieta. Essa
condição,embora não seja adequada, pode ser comum
em regiões onde sabidamente os níveis de Zn na forragem
são inferiores para os requerimentos diários, sem que
haja reposição suplementar adequada (MORAES, 2001).
Assim, as alterações encontradas sugerem que a
deficiência ou falha prolongada na suplementação
mineral de Zn, em touros mantidos a campo, pode afetar a
espermiogênese e, assim, contribuir para redução da
qualidade seminal.
O consumo
médio do sal mineral foi de 57,4 g/UA para o Zn-0 e de 39,3g/UA
para o Zn-60FI, no período seco, e de 95,1 g/UA para o Zn-0 e
52,2 g/UA para o Zn-60FI no período chuvoso. A
concentração média de zinco no pasto do Zn-0
variou de 13,1 (seca) a 17,8 mg/kg (chuva) e no pasto do Zn-60FI variou
de 12,8 (seca) a 16,7 mg/kg (chuva) na matéria seca,
respectivamente. As médias anuais estimadas de zinco na
matéria seca da dieta total consumida pelos touros (zinco do sal
mineral mais a da forrageira) foram de 0,17 g/dia (chuva) e 0,12 g/dia
(seca) para os do Zn-0, 0,97 g/dia (chuva) e 0,53 g/dia (seca) para os
do Zn-60FI. Esses dados demonstram que ao longo do período
experimental a concentração de Zn fornecida pela
forrageira estava abaixo do recomendado para bovinos segundo o NRC
(1996). Assim, os touros do Zn-0 permaneceram com deficiência na
suplementação, sugestivo de uma condição
subclínica prolongada.
Os efeitos da
deficiência ou da suplementação de Zn após
períodos de seca e, portanto, com restrições na
qualidade das forrageiras sobre a qualidade seminal, têm sido
discutidos na literatura; no entanto, no Brasil, há poucos
estudos verificando esses aspectos (MORAES et al., 2001; NOGUEIRA et
al., 2005; OLIVEIRA et al., 2007).
O quadro espermático dos touros sem suplementação (Tabela 1 e Figura 2)
apresentou redução de espermatozoides normais (63,3
±2,88%), sendo que a prevalência de anormalidades de
cromatina (16,7 ±2,05%) e de defeitos de peça
intermediária (9,3 ±0,81%, caracterizados pelo tipo dag
defect e bent tail, Figura 3),
foram maiores do que as verificadas nos touros com
suplementação de Zn, com destaque para os touros A, B e
C, que apresentaram percentuais elevados destes defeitos. Em touros de
corte criados em campo, essas anormalidades ocorrem geralmente em
baixos percentuais no exame de sêmen e em animais com processos
patológicos testiculares (PIMENTEL, 2001). Porém,
já foram identificadas em touros inférteis com suposta
deficiência de Zn na alimentação (BLOM &
WOLSTRUP, 1976). Na peça intermediária, as
alterações observadas reduzem a motilidade e vigor
espermático, em razão das modificações no
alinhamento, condensação e organização dos
feixes mitocondriais (Figura 3).
Essas alterações indicam a presença de
alterações como a astenospermia e oligospermia
semelhantes ao encontrado em humanos com deficiência de Zn na
dieta (CHEMES et al., 1998; WONGRAM et al., 2000; BACCETTI et al.,
2004), intimamente associadas a transtornos na espermiogênese.
Outros estudos, no entanto, evidenciaram que a deficiência de Zn
causa alterações mais proeminentes na
condensação da cromatina nuclear nas espermátides,
decorrente da supressão de genes reguladores do Zn (KVIST et
al., 1987; DENNY & ASHWORTH, 1991), possivelmente,
relacionado aos altos percentuais de defeitos de núcleo e
cromatina.
Pela
coloração de Feulgen foi possível a
identificação de níveis variados de
fragmentação nuclear. Neste método, os
espermatozoides são submetidos à hidrólise
ácida, que destaca as bases purinas das riboses, expondo os
grupos aldeídos presentes no DNA. Nos locais onde há
ruptura dessas bases e descondensação da cromatina, os
agrupamentos aldeídos ficam livres e não reagem com a
fucsina básica (pararosanilina), formando quebras ou rachaduras
nucleares (KASTEN, 1960; CHIECO & DERENZINI, 1999).
Anormalidades
desse tipo também podem ser encontradas em processos
degenerativos, inflamatórios e em certos tumores testiculares
caracterizando quadros específicos (BARTH & OKO, 1989),
porém, neste estudo, a média ajustada para a data da
colheita indica que ao longo do período experimental houve, de
forma contínua, médias superiores para os defeitos
observados, sugerindo envolvimento da espermiogênese, sem
indícios clínicos e com caráter
irreversível.
Esse aspecto
ficou bem exemplificado no touro C, em razão da drástica
redução na qualidade seminal, especialmente pelos
percentuais de defeitos nucleares (39,5 ±3,32%) e peça
intermediária (16,9 ±1,82%), resultando no
decréscimo da motilidade, do vigor e do percentual de
espermatozoides normais (Figura 3).
Portanto, embora esses achados no espermograma não sejam
exclusivos da deficiência de Zn na dieta, estão
implícitos a essa condição e podem auxiliar no
diagnóstico da subfertilidade em bovinos.
No segundo
experimento, verificou-se o efeito dos tratamentos e de diferentes
características morfológicas sobre a morfometria da
cabeça espermática, com base na análise
planimétrica originalmente descrita por VAN DUIJIN (1960).
Independente do sistema classificatório adotado para
análise da morfologia (defeitos primários,
secundários, maiores ou menores), as variações na
cabeça espermática refletem diretamente
alterações ocorridas na espermiogênese. No entanto,
um padrão aceitável para a variabilidade da forma da
cabeça espermática pela análise visual não
está estabelecido no touro, o que torna esse atributo, de certa
forma, subjetivo. Variações acima de 10% (coeficiente de
variação da média) em medidas lineares da
cabeça espermática são representativas de
processos degenerativos e estão associadas à
descondensação da cromatina nuclear (AUGER & DADOUNE,
1993). Os resultados da morfometria, para espermatozoides sem
alterações de cabeça, estão de acordo com
as medidas reportadas por FOOTE (2003), quando estimadas pela
reação de Feulgen.
Houve
diferença significativa para o comprimento, largura inferior e
área, entre tratamentos e defeitos estudados (Figura 4).
As diferenças encontradas demonstram substancial
modificação na forma da cabeça espermática,
com tendência a uma configuração mais alongada
(formas delgadas) e mais retilínea, resultando em maior
área por µm2,
nos touros com deficiência de Zn na dieta. Isso sugere que o
padrão de remodelação da matriz nuclear, ao longo
da espermiogênese, não foi mantido, expandindo o tamanho
do núcleo, resultando no aumento da prevalência de
anormalidades na cromatina (DADOUNE, 1993; BOISSONNEAULT, 2002). Ao
contrário, nos touros-controle, a área da cabeça
espermática foi inferior (p<0,01), especialmente nos
espermatozoides que apresentavam defeitos de cabeça, sugerindo
um padrão de irregularidade diferente ao encontrado nos touros
sem suplementação de Zn na dieta. Esses resultados
corroboram com medidas do núcleo espermático,
estabelecidas por citometria de fluxo, proposta por OSTERMEIER et al.
(2001), que observaram maior integridade da cromatina em
espermatozoides com menor largura inferior e menor área total,
formato encontrado nos touros-controle.
CONCLUSÃO
Conclui-se que
touros criados e mantidos a campo, provenientes de rebanhos com
deficiência subclínica de Zn na matéria seca da
dieta basal, estão sujeitos à redução da
qualidade seminal, por apresentarem maior frequência de
anormalidades morfológicas resultantes de falhas na
compactação da cromatina espermática,
modificações nos padrões morfométricos da
cabeça espermática e com predomínio de
lesões na estrutura mitocondrial e nos feixes de fibras densas
na peça intermediária. Além disso, os resultados
encontrados indicam a necessidade de pesquisas sobre o nível de
zinco na alimentação, sua concentração na
peça intermediária, assim como sua
participação na formação nuclear, durante
os diferentes estágios da espermiogênese no touro.
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Protocolado em: 15 maio 2008. Aceito em: 21 out. 2008.