DOI: 10.5216/cab.v13i1.3790

 

 

 

 

 

 

 

PARTICIPAÇÃO DOS Staphylococcus spp NA ETIOLOGIA DAS MASTITES EM BOVINOS LEITEIROS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (BRASIL)

 

Rinaldo Aparecido Mota1, Elizabeth Sampaio de Medeiros2, Marcos Veiga dos Santos3, José Wilton Pinheiro Júnior1, Andrea Paiva Botelho Lapenda Moura1, Luciana Cavalcanti Arruda Coutinho4

 
1Professores Doutores da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil rinaldo.mota@hotmail.com
2Professora Doutora da Universidade Federal de Alagoas, Viçosa, AL, Brasil
3Professor Doutor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, Pirassununga, SP, Brasil .
4 Pós-graduanda da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
 

RESUMO

Objetivou-se com este trabalho estimar a ocorrência de bactérias do gênero Staphylococcus na etiologia da mastite bovina no estado de Pernambuco. Foram coletadas 1080 amostras de leite procedentes de 15 propriedades situadas em municípios da Região Metropolitana do Recife, Agreste e Zona da Mata do Estado de Pernambuco. Alíquotas de leite foram semeadas em ágar base enriquecido com 5% de sangue ovino e incubadas a 37ºC, realizando-se leituras após 24, 48 e 72 horas. Para identificação bacteriana foram observadas as características morfológicas das colônias além das características morfotintorias à técnica do Gram. Foram realizadas provas bioquímicas como produção de coagulase livre, DNase, catalase,  provas de produção de acetoína, fermentação da glicose (anaerobiose) e do manitol (aerobiose e anaerobiose). Das 1080 amostras analisadas, 740 (68,5%) foram positivas ao exame microbiológico e 340 (31,5%) foram negativas. Das amostras positivas, isolaram-se bactérias do gênero Staphylococcus em 291 (39,3%), das quais 170 (58,4%) foram classificadas como Staphylococcus coagulase negativa (SCN), 84 (28,9%) como Staphylococcus aureus (S.aureus) e 37(12,7%) como Staphylococcus coagulase positiva (SCP). Os resultados obtidos neste estudo demonstram a elevada participação do gênero Staphylococcus na epidemiologia das mastites em bovinos na região estudada e sugerem a necessidade da capacitação de profissionais para a realização do controle e profilaxia adequados das mastites contagiosas.

PALAVRAS CHAVES: epidemiologia; glândula mamária; mastites; microbiologia.

 

PARTICIPATION OF Staphylococcus spp IN THE ETIOLOGY OF MASTITIS IN DAIRY COWS IN THE STATE OF PERNAMBUCO (BRAZIL)

 

ABSTRACT

The purpose of this study was to quantify the occurrence of the bacteria Staphylococcus in the etiology of bovine mastitis in the state of Pernambuco (Brazil). A total of 1,080 samples were collected from 15 farms located in Zona de Mata, Agreste, and Metropolitan Recife Regions of the State of Pernambuco. Milk samples  were spread on an agar base enriched with 5% sheep’s blood and incubated at 37ºC, with readings at 24, 48 and 72 hours. The morphological characteristics of the colonies were used to identify the bacteria, as well as the morphostaining chacteristics, using the Gram technique.  Biochemical tests were carried out, such as production of free coagulase, DNase, catalysis, acetonin production test, glucose (anaerobiose) and manitol (aerobiose and anaerobiose) fermentation.  Of the 1,080 samples analyzed, 740 (68.5%) were positive upon microbiological examination and 340 (31.5%) negative.  The Staphylococcus bacteria were isolated in 291 (39.3%) of the samples.  Of these, 170 (58.4%) were classified as coagulase-negative Staphylococcus (SCN), 84 (28.9%) as Staphylococcus aureus (S.aureus) and 37(12.7%) as coagulase-positive Staphylococcus (SCP). The results of the present study indicated that Staphylococcus spp has a high participation in the epidemiology of bovine mastitis in the region selected and suggests that medium and long-term training take place to prepare specialists to control and prevent contagious mastitis.

KEYWORDS: epidemiological; mammary gland; mastitis; microbiology.


INTRODUÇÃO

Entre os processos infecciosos da glândula mamária que interferem na qualidade do leite, destaca-se a mastite que é considerada uma das principais enfermidades que causam prejuízos à indústria leiteira, apesar dos inúmeros esforços voltados para o seu controle (PEDRINI & MARGATHO, 2003; FREITAS et al., 2005). Trata-se de uma enfermidade plurietiológica e multifatorial que acomete a maior parte do rebanho leiteiro e causa problemas em toda a cadeia produtiva, inclusive ao consumidor que poderá ter um produto final de qualidade inferior (COSTA et al., 1999).

            Estudos epidemiológicos sobre a etiologia da mastite bovina revelam que os microrganismos de origem contagiosa são os mais prevalentes e, entre esses, o gênero Staphylococcus destaca-se por possuir maior frequência em casos clínicos e subclínicos da doença, sendo o Staphylococcus aureus a espécie de maior relevância para a indústria leiteira (ZSCHÖCK et al., 2000).

De acordo com Pinheiro DE Sá et al. (2004), os estafilococos são importantes agentes causadores de mastites, sendo o Staphylococcus aureus, responsável por mastites clínicas e subclínicas, destacando-se como o agente de maior ocorrência nos diversos rebanhos mundiais (FAGUNDES & OLIVEIRA, 2004). O índice de isolamento do Staphylococcus aureus pode ser diferente de acordo com a literatura consultada, variando entre 9,1 e 85% (NADER FILHO et al., 1985; LANGENEGGER et al., 1986; DE FREITAS & MAGALHÃES, 1990; BELOTI et al., 1997).

As espécies coagulase negativas comumente isoladas no leite bovino são consideradas como patógenos secundários e podem causar reações inflamatórias moderadas na glândula mamária (BRAMLEY et al., 1996). Em pesquisa realizada por OLIVEIRA et al. (2011), o percentual de isolamento de Staphylococcus coagulase negativo foi de 25,0%  nos casos de mastite clínica e 32,3% nos casos de mastite subclínica.

A mastite é considerada como uma doença que causa um grande impacto nas áreas econômica, social e de saúde pública (CONTRERAS & RODRÍGUEZ, 2011). Diversos estudos foram realizados no Brasil demonstrando a importância dos Staphylococcus produtores de enterotoxinas responsáveis por toxinfecções alimentares (DE FREITAS & MAGALHÃES, 1990; BRABES et al., 1999; CARDOSO et al., 2000; FAGUNDES & OLIVEIRA, 2004; PINHEIRO DE SÁ et al., 2004; ZSCHÖCK et al., 2004; SILVA et al., 2005).

Considerando a importância dessa enfermidade e a carência de dados epidemiológicos na região estudada, objetivou-se com este trabalho estudar a participação dos Staphylococcus spp na etiologia infecciosa de casos de mastite bovina em propriedades leiteiras no estado de Pernambuco, contribuindo, dessa forma, com informações epidemiológicas que poderão auxiliar no diagnóstico da situação e no controle da doença.

 
MATERIAL E MÉTODOS

 Foram analisadas 1080 amostras de leite bovino de quartos mamários procedentes de 15 propriedades de exploração leiteira localizadas em 13 municípios das diferentes regiões do Estado de Pernambuco, sendo dois municípios localizados na Região Metropolitana do Recife, oito na região Agreste e três na Zona da Mata. A amostragem foi realizada por conveniência não probabilística. Os rebanhos eram constituídos de animais de várias raças, idades e se encontravam em diferentes estágios de lactação. Eram criados em sistema intensivo ou semi-intensivo e submetidos à ordenha mecânica e/ou manual.

As amostras foram coletadas após prévia lavagem do teto com água e sabão, secagem com papel toalha e anti-sepsia do óstio com álcool a 70ºGL. Para realização da colheita do leite, os três primeiros jatos foram desprezados em caneca telada e em seguida realizou-se o California Mastitis Test (CMT), de acordo com metodologia preconizada por Schalm & Noorlander (1957). Após esses procedimentos, as amostras de leite foram coletadas dos quartos mamários com mastite clínica e daqueles negativos e positivos ao CMT, independente da reação, num volume de 5 mL em frascos com tampa rosqueável, esterilizados e previamente identificados com o nome ou número do animal e quarto mamário, sendo devidamente enviadas ao laboratório em caixas isotérmicas contendo gelo reciclável para o processamento.

Alíquotas de leite foram semeadas em ágar base enriquecido com 5% de sangue ovino e incubadas em estufa bacteriológica a 37ºC, realizando-se leituras após 24, 48 e 72 horas, observando-se as características morfológicas das colônias como tamanho, tipo, coloração e presença de hemólise. Ao microscópio, foram observadas a disposição das células e as características morfotintorias à técnica do Gram (CARTER, 1998).

Para a identificação dos isolados de Staphylococcus spp., foram realizadas provas bioquímicas como produção de catalase, coagulase livre e DNase, segundo Silva et al. (1997), e as provas de produção de acetoína, fermentação da glicose (anaerobiose) e do manitol (aerobiose e anaerobiose) (MAC FADDIN, 1980).

Após a realização das provas, os isolados foram classificados em: Staphylococcus aureus (S. aureus), quando positivo em todos os testes; Staphylococcus coagulase positiva (SCP), quando positivo para a produção da coagulase, fermentação da glicose em anaerobiose e catalase, mas negativo em algum dos outros testes; Staphylococcus coagulase negativa (SCN) quando a bactéria não coagulava o plasma de coelho, apresentava características de estafilococos na técnica de coloração de Gram, fermentava a glicose em anaerobiose e produzia a catalase (BAIRD-PARKER, 1990).

A análise estatística utilizada foi do tipo descritiva, calculando-se as frequências absoluta e relativa dos isolados de acordo com Sampaio (1998).

 
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das 1080 amostras analisadas, 740 (68,5%) foram positivas ao exame microbiológico, enquanto que 340 (31,5%) foram negativas. Das amostras positivas, isolaram-se bactérias do gênero Staphylococcus em 291 (39,3%). Costa et al. (2000), em levantamento realizado sobre a etiologia das mastites bovinas nas sete principais bacias leiteiras do Estado de São Paulo, verificaram que microrganismos do gênero Staphylococcus apresentaram alto índice de ocorrência em todas as regiões estudadas. BARBALHO & MOTA (2001) avaliaram 104 amostras de leite provenientes de 43 animais e demonstraram que as bactérias do gênero Staphylococcus spp foram isoladas em 50 amostras, correspondendo a 38,8%, percentual similar ao encontrado neste estudo. Os mesmos autores relataram que esses patógenos continuam sendo os mais frequentemente isolados nesse tipo de infecção, representando grande importância epidemiológica e clínica nas mastites bovinas. De acordo com CONTRERAS & RODRIGUES (2011), Staphylococcus aureus pode ocasionar mastite crônica em animais leiteiros. A gravidade da infecção por esse agente é bastante variável podendo ocorrer desde uma mastite subclínica até um caso mais severo de evolução gangrenosa (LE MARÉCHAL et al., 2011).

Segundo revisão realizada por FREITAS et al. (2005), bactérias desse gênero possuem vários fatores de virulência contribuindo, assim, para sua persistência no tecido mamário e, embora medidas preventivas que visam ao controle das mastites sejam amplamente praticadas, as mastites causadas por esse patógeno ainda são bastante frequentes.

Dos 291 isolados, 170 (58,4%) foram classificadas como Staphylococcus coagulase negativa (SCN), 84 (28,9%) como Staphylococcus aureus (S.aureus) e 37 (12,7%) como Staphylococcus coagulase positiva (SCP). PITAKÄLÄ et al. (2004) observaram que o agente etiológico mais prevalente nos casos de mastite bovina na Finlândia foi o SCN com percentual (49,6%) que se aproxima do encontrado neste estudo para os SCN. Os estafilococos coagulase negativa tornaram-se os isolados mais comuns nos casos de mastite bovina em muitos países e, portanto, poderiam ser considerados como patógenos emergentes. Ainda segundo esses autores, a prevalência de mastite causada por esses agentes é maior em vacas primíparas e os SCN não são tão patogênicos e as infecções causadas são geralmente subclínicas (PYÖRÄLA & TAPONEN, 2009).

Com relação aos Staphylococcus coagulase negativos, diversos estudos foram realizados quanto à prevalência desses agentes em rebanhos leiteiros. Nos EUA, a variação das infecções por SCN no pré e pós-parto foi de 11,0 a 57,8% (MATTHEWS et al., 1992). No Brasil, PARDO et al. (1998) e LAFFRANCHI (2001) encontraram 35,3% e 68,0% de SCN, respectivamente.

Em pesquisa realizada por BENITES et al. (2001) sobre o aspecto microbiológico do parênquima mamário de vacas leiteiras submetidas ao abate, das 140 amostras analisadas, 54,29% pertenciam ao grupo dos Staphylococcus coagulase negativo. BELOTI et al. (1997) estudaram 503 vacas no estado do Paraná e encontraram uma positividade para a mastite em 29,8% do total de 295 quartos mamários. O Staphylococcus aureus esteve presente em 18,0% das amostras e os coagulase negativos em 12,5%.

A importância do gênero Staphylococcus spp ficou também evidente para LANGONI et al. (1991), que trabalharam com 7902 e 850 amostras de leite e isolaram S.aureus em 22,5% dos casos clínicos e em 11,4% dos subclínicos.

BRABES et al. (1999) relataram que, em levantamentos epidemiológicos nacionais e internacionais, o Staphylococcus aureus está presente em cerca de 50% das infecções da glândula mamária dos bovinos leiteiros.

Segundo BRITO et al. (1999), bactérias do gênero Staphylococcus ocupam um papel de destaque na etiologia das infecções intramamárias do gado leiteiro, sendo a espécie S. aureus considerada um patógeno primário que tem sido o agente mais frequentemente isolado tanto de infecções clínicas como subclínicas. Embora existam diferenças, às vezes marcantes, entre os resultados obtidos em diferentes estudos, esse agente pode ser considerado como o de maior prevalência na etiologia das mastites, atribuindo a essas diferenças aspectos referentes à raça, idade, fatores ambientais e os de manejo na criação, além de muitos casos que tratam de estudos retrospectivos com números de amostras diferentes.

Considerando que as principais vias de transmissão dessa bactéria são as mãos dos ordenhadores e os equipamentos de ordenha (SANTOS & FONSECA, 2006), as medidas de controle e profilaxia para reduzir o índice de isolamento do Staphylococcus devem ser direcionadas para atuar no ponto crítico da disseminação desse agente que está relacionado ao processo de ordenha.

Algumas variáveis apontadas como fatores de risco associados às mastites contagiosas foram identificadas em todas as propriedades visitadas neste estudo, como a falta de informação dos ordenhadores sobre a doença, deficiências na realização do pré e pós-dipping, falta de lavagem e desinfecção das mãos, falta de controle de moscas e inexistência da linha de ordenha. Em 13,3% das propriedades, os animais com mastite clínica eram ordenhados no mesmo lote dos animais clinicamente sadios, constituindo como importante fonte de infecção. OLIVEIRA et al. (2009), ao analisarem dois rebanhos leiteiros no Estado do Sergipe, durante dezoito meses, identificaram que nenhuma das propriedade utilizava a adoção de pré e pós-dipping e relataram que isso contribui para uma elevada prevalência de mastite.

A despeito da participação de bactérias do gênero Staphylococcus isolada das mãos de ordenhadores e equipamentos de ordenha, no processo inflamatório da glândula mamária de bovinos, SILVEIRA FILHO et al. (2005) relataram a importância dessa bactéria quando encontraram um mesmo perfil genotípico entre um isolado de Staphylococcus aureus procedente do equipamento de ordenha e de animais com infecção subclínica em um mesmo rebanho no estado de Pernambuco. Considerando os resultados obtidos neste estudo quanto à alta frequência de isolamento de S. aureus (39,3%), acredita-se que o controle das mastites só poderá obter sucesso com a implantação de medidas que instruam os ordenhadores por meio da educação continuada, além da adoção de outras medidas.

SANTOS & FONSECA (2006) destacam que, do ponto de vista epidemiológico, a maior incidência de casos de mastite causada por agentes contagiosos no rebanho indica falhas no sistema de ordenha, período em que geralmente ocorre a transmissão desses agentes durante a ordenha manual ou mecânica. Ainda de acordo com esses autores, os principais métodos indicados para o controle da doença seriam a diminuição da exposição dos animais aos agentes (manejo de ordenha, treinamento dos ordenhadores, desinfecção das teteiras, desinfecção da superfície dos tetos), aumento da resistência imunológica da vaca e antibioticoterapia.

Outro aspecto importante observado neste estudo foi a utilização de antimicrobianos e desinfetantes de forma inadequada e por longos períodos sem a realização de testes laboratoriais que comprovem a eficácia do antibiótico utilizado no tratamento das mastites clínica e subclínica e também dos desinfetantes utilizados no pré e pós-dipping. Esse fato pode comprometer o controle e a profilaxia das mastites causadas por Staphylococcus spp., pois eles podem tornar-se resistentes em consequência do uso indiscriminado dos produtos. Em 20% das propriedades também foi observada a presença de mastite crônica, fato que pode estar associado ao tratamento inadequado dos casos clínicos e subclínicos com o emprego de drogas às quais as bactérias são resistentes.

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos neste estudo demonstram a elevada ocorrência do gênero Staphylococcus nos casos das mastites bovina na região estudada e sugerem a necessidade de treinamentos a médio e longo prazo para capacitar os profissionais para a realização do controle e profilaxia adequados das mastites contagiosas.

 
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Protocolado em: 13 abr. 2008.   Aceito em: 05 mar. 2012.