DETECÇÃO
DE ANTICORPOS CONTRA O VÍRUS DA LÍNGUA AZUL EM OVINOS NA
REGIÃO DE ARAÇATUBA, SÃO PAULO, BRASIL
Adriana Hellmeister de Campos Nogueira,1 Edviges Maristela Pituco,1 Eliana de Stefano,1
Vera Cláudia Lorenzetti Magalhães Curci2 e Tereza Cristina Cardoso3
1. Pesquisadora científica, Agência Paulista de
Tecnologia dos Agronegócios (APTA), Instituto Biológico,
Centro de Sanidade Animal, Laboratório de Viroses de
Bovídeos, São Paulo, SP. – E-mail:
adrianogueira@biologico.sp.gov.br
2. Pesquisadora científica, APTA, Pólo Extremo Oeste, Araçatuba
3. Professora adjunta do Departamento de Produção e
Saúde Animal do Curo de Medicina Veterinária da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Laboratório de
Virologia, Araçatuba.
RESUMO
A língua azul
é uma doença viral, cujo agente etiológico
pertence à família Reoviridae, gênero Orbivirus, transmitida por um vetor (artrópode) hematófago, do gênero Culicoides.
Os animais acometidos são ruminantes domésticos e
selvagens, porém os pequenos ruminantes são os mais
afetados. O estudo teve como objetivo detectar a presença de
anticorpos para língua azul em ovinos da região de
Araçatuba, por possuir um rebanho expressivo e
condições climáticas favoráveis à
multiplicação de insetos. Foram analisadas 1.002 amostras
de soros ovinos, provenientes de 31 cabanhas, pelas provas de
imunodifusão dupla em gel de ágar (AGID) e ELISA (Enzyme
Linked immunosorbent Assay) de competição da fase
sólida (ELISA CFS), provenientes do Centro Panamericano de Febre
Aftosa. Desses soros, 651 (65%) foram reagentes ao vírus da
língua azul, pela técnica de AGID, e 742 (74,1%) ao teste
de ELISA–CFS. Esses resultados sugerem que o vírus da
língua azul encontra-se disseminado nessas regiões,
ocasionando infecções inaparentes.
PALAVRAS-CHAVES: AGID, ELISA, inquérito soroepidemiológico, vírus da língua azul.
ABSTRACT
DETECTION OF ANTIBODIES AGAINST THE BLUETONGUE VIRUS IN SHEEP IN THE REGION OF ARAÇATUBA, SÃO PAULO, BRAZIL
Bluetongue (BT) is an
infectious, insect-born viral disease of ruminants. The causative agent
of BT is bluetongue virus (BTV) that belongs to the family Reoviridae
genus Orbivirus. Insect vectors in the genus Culicoides
transmit this virus. BT affects domestic and wild ruminants, however
small ruminants are considered the most affected specie. The aim of the
study was to detect antibodies against BTV in commercial sheep farms,
of the Northeastern region of Sao Paulo State, Brazil. A total of 1002
sera samples collected from adult sheep (above 1 year-old), comprising
a total of 31 farms, were screened for the presence of BTV antibodies,
by agar gel immunodiffusion test (AGID) and ELISA-CFS (Enzyme Linked
Immunosorbent Assay – competitive solid phase), both produced by
Pan American Center of FMDV. From a total of 1002 samples, 651 (65%)
were positive by AGID and 742 (74.1%), were positive by ELISA-CFS.
These results suggest that the BTV is widespread among farms, probably
causing subclinical infections.
KEY WORDS: AGID, bluetongue virus, ELISA-CFS, seroepidemiological survey.
INTRODUÇÃO
A ocorrência de
viroses é comum nos rebanhos ovinos e, em determinadas
circunstâncias, são inevitáveis os prejuízos
advindos pela introdução e disseminação
dessas doenças no rebanho (PINHEIRO et al., 2003).
Nesse contexto, a natureza
de uma doença, especialmente sua epidemiologia e o potencial de
disseminação desta sobre populações
animais, é fator relevante e preocupação dos
veterinários devido à morbidade, mortalidade e seu
caráter endêmico (GARNER & LACK, 1995).
A língua azul (BT)
é uma doença infecciosa, não contagiosa, de
notificação obrigatória, segundo a
Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) (OIE,
2008), e, como consequência, há restrições
à movimentação internacional dos animais e seus
produtos. Essa enfermidade, reconhecida pela primeira vez na
África do Sul no final do século XVIII, descrita em
detalhe por HUTCHEN em 1902, foi denominada “epizootia catarral
das ovelhas”. Em 1902, ainda sem conhecer a etiologia, foi
proposto o nome de língua azul (RONDEROS et al.,
2003), em virtude da inflamação observada na
língua e na mucosa oral, que apresenta uma
coloração roxo-escura ou azulada. Em 1906, demonstrou-se
que a doença era causada por vírus, injetando-se sangue
filtrado de ovelhas doentes em animais susceptíveis,
reproduzindo, assim, a doença clínica (THEILER, 1906).
Segundo relatam CUNHA et al.
(1987, 1988), a BT surgiu no Brasil em decorrência da
importação de animais de raças leiteiras
infectados. Primeiramente foi relatada por SILVA (1978), que descreveu
anticorpos contra o vírus da língua azul (VLA) em ovinos
e bovinos no Estado de São Paulo.
Ruminantes são
susceptíveis ao vírus causador da BT e em geral a
infecção ocorre de forma não aparente, com
exceção dos ovinos, que manifestam sinais evidentes, com
diminuição na produção e mortalidade
elevada (LOBATO, 1999). Segundo ERASMUS (1975), os sinais observados
com mais frequência são edema facial, erosão e
ulceração do trato gastrointestinal, coronite com
consequente claudicação e febre alta, confundindo com
outras enfermidades, como a febre aftosa.
O BTV é o protótipo do gênero Orbivirus, da família Reoviridae, os quais são arbovírus, transmitidos por artrópodes (FENNER et al.,
1992), que se infectam ao ingerirem sangue de vertebrados no
período de viremia, com replicação viral nos
tecidos dos artrópodes, que os transmitem através da
picada (JUBB et al., 1993).
São conhecidos 24 sorotipos (FENNER et al., 1993), transmitidos principalmente por um inseto do gênero Culicoides (RONDEROS et al., 2003) denominado “mosquito-pólvora”, mas também foi isolado de moscas de ovinos (Melophagus ovinus) e piolhos de bovinos (Haematopinus eurysternus)
(HOURRIGAN & KLINGSPORN, 1975). O BTV depende dos mosquitos vetores
para se manter na natureza, sendo as condições de
temperatura e umidade, na grande parte do país, fatores que
favorecem a multiplicação e manutenção dos
insetos, caracterizando a endemia. As mudanças climáticas
em regiões limítrofes de endemias,
movimentações de animais, mudanças nas
características da estação chuvosa e,
principalmente, movimento dos ventos podem trazer os vetores de
regiões distantes para áreas livres da doença
(LOBATO, 1999).
A transmissão
venérea por meio de sêmen contaminado e transmissão
congênita do BTV podem ocorrer em ruminantes (MICHELSEN, 1990;
FENNER et al., 1993), mas o
risco é bem menor quando comparado à
importação de animais vivos, pois o vírus
só é eliminado no sêmen temporariamente, durante o
período de viremia (ROBERTS et al.,
1993), sendo a sua presença provavelmente associada com
traços de sangue infectado com o vírus, proveniente do
trato genital.
Com o objetivo de verificar
a presença de anticorpos para essa enfermidade nos
municípios pertencentes à Região Administrativa
(RA) de Araçatuba, foram realizados testes sorológicos
visando à detecção de anticorpos, mediante a
utilização dos testes de AGID e ELISA – CFS. A
escolha da região ocorreu em virtude da crescente
expansão da criação de ovinos e das
condições climáticas favoráveis à
multiplicação e disseminação dos mosquitos
Culicoides. NOGUEIRA & JUNIOR (2005) demonstram que o plantel de
ovinos do Estado de São Paulo está concentrado nos
Escritórios de Desenvolvimentos Regionais (EDRs) de
Marília, Araçatuba, São José do Rio Preto,
Botucatu e Andradina, sendo que Araçatuba detém o segundo
maior rebanho desse Estado (IBGE, 2008). O conhecimento da
situação da infecção contribuirá
para a implementação de medidas sanitárias
adequadas à região.
MATERIAL E MÉTODOS
Região de estudo e amostragem
A região escolhida foi Araçatuba, incluindo a área urbana e rural, com 470km2,
localização de latitude 21º11`50`` e longitude
50º25`52``. O clima é semiárido, com chuvas
localizadas no verão e um inverno extremamente seco e umidade
relativa do ar de 37%, calculada neste último ano. O
número de animais em manejo de criação comercial
no Brasil é de aproximadamente 16.019.170 animais cadastrados,
sendo que 664.422 estão localizados na região Sudeste
(IBGE, 2008). Este número representa aproximadamente 4% do
rebanho nacional, sendo a região mais produtora o
município de São José do Rio Preto, representando
20%, e em segundo lugar a cidade de Araçatuba e região,
com 12%.
As amostras foram colhidas
ao longo do ano de 2006, de ovinos adultos, em fase reprodutiva (acima
de doze meses e com pelo menos uma parição, ou em caso de
machos sexualmente maduros) e sem sintomas característicos da
doença, de ambos os sexos, cadastrados no Núcleo de
Produtores de Ovinos da Região de Araçatuba,
distribuídas nos municípios da RA de Araçatuba.
O número
mínimo de amostras de soro a serem testadas foi calculado
mediante a fórmula estatística n=z2.P.Q/ε2
(n=784), segundo a prevalência de 50%, nível de
confiança de 95% e precisão relativa de 7%. Entretanto,
neste estudo utilizaram-se 1.002 amostras, o que diminuiu a margem de
erro para 3%, oferecendo resultados mais fidedignos da
situação da língua azul na região.
A amostragem nas
propriedades foi realizada levando-se em conta o número total de
reprodutores, coletando-se 20% desse total.
Obtenção das amostras
As colheitas de sangue
foram realizadas após assepsia local, por punção
da veia jugular, com tubos de ensaio a vácuo sem anticoagulante.
Manteve-se o sangue obtido em repouso à temperatura ambiente
até a completa retração do coágulo para a
separação da fração sérica. Para
melhor separação do soro, foi realizada a
centrifugação (900xg, cinco minutos), sendo transferido
para tubos de 1,5 mL, devidamente identificados e armazenados a -20oC
até a realização dos testes.
Detecção de anticorpos para o vírus da língua azul (BTV)
As amostras foram
submetidas aos testes de imunodifusão dupla em gel de
ágar (AGID) e ELISA (enzyme linked immunosorbent assay)
competitivo em fase sólida (ELISA-CFS), fornecidos pelo Centro
Panamericano de Febre Aftosa, realizados segundo protocolo do
fabricante. Realizaram-se os ensaios no Laboratório de Viroses
dos Bovídeos do Instituto Biológico, SP. Todos os
procedimentos adotados seguiram as recomendações da OIE.
Análise estatística
A associação
entre a presença de anticorpos e o sexo foi determinada
utilizando-se o teste do qui-quadrado. Consideraram-se valores de P
<0,05 significativos.
RESULTADOS
Os resultados revelaram que
74,1% (742/1002) dos animais testados possuem anticorpos para o BTV
pelo ELISA CFS, e 65% (651/1002) apresentaram reatividade positiva para
os Orbivirus pela técnica de AGID.
Em todas as 31 cabanhas
encontraram-se ovinos soropositivos, indicando que o agente está
amplamente disseminado nessa região.
Uma das
explicações para o elevado número de animais
soropositivos pode estar no clima da região, com temperaturas
entre 13 e 35ºC, favoráveis à
multiplicação dos Culicoides, que requerem calor e
umidade, para se reproduzirem, bem como clima úmido quente e
calmo, para se alimentarem. Essa condição
favorável na região estudada ocorre na maior parte do ano
e, sendo assim, o clima representa o principal fator de risco (WARD
& THURMOND, 1995). Outro fator de risco é
a presença de grande quantidade de bovinos nessa região,
tendo em vista que a longa viremia nesses animais atua como
reservatório, a partir do qual os vetores podem se infectar e
transmitir o vírus a outros ruminantes como os ovinos (GORCHS
& LAGER, 2001). A viremia em bovinos pode chegar a setenta dias e
em ovinos varia de 14 a 28 dias (FENNER et al., 1993).
Em relação ao sexo dos animais, não houve diferença estatística, conforme demonstra a Tabela 1.
Poucos estudos em ovinos
estão disponíveis no Brasil. Até o momento,
não havia relatos da ocorrência de soropositividade para a
BT em ovinos na região estudada.
Utilizando a AGID, CUNHA et al.
(1988) examinaram 66 soros de ovinos provenientes de onze
municípios do Estado do Rio de Janeiro, obtendo 24,24% (16/66)
de positividade. COSTA et al.
(2006), nas mesorregiões Sudoeste e Sudeste do Rio Grande do
Sul, em ovinos, registraram a prevalência de 0,16% para BT
(2/1331).
A alta frequência
obtida nos estudos sorológicos, sem sinais clínicos
característicos da doença no campo, indicam que o BT
espalha-se pelos animais no país de forma silenciosa.
Condições de temperatura e umidade na região
estudada favorecem a multiplicação e
manutenção dos vetores, facilitando a endemicidade da
doença.
No Brasil, pouco se conhece
sobre a doença e sorotipos presentes, o que impede a
discussão sobre o uso de vacinas para o controle da
doença e dificulta a implementação de medidas
seguras para movimentação de animais. Até o
momento, os sorotipos 4 e 12 foram isolados no Brasil (CLAVIJO et al., 2002).
Diante da possibilidade de
disseminação do vírus para regiões de clima
temperado (mudanças climáticas), bem como da
introdução de novos sorotipos em regiões onde a
doença é endêmica e, consequentemente, do maior
rigor na movimentação de animais, é válido
incentivar pesquisas científicas direcionadas para o
território brasileiro.
Assim, para controlar a
doença e mitigar o risco da introdução de novos
sorotipos em áreas específicas, é essencial que se
conheça a situação da doença no
País. Esse conhecimento possibilitará fazer
vigilância e evitar consequências socioeconômicas.
Novos estudos podem ser realizados mediante os dados aqui
relatados.
AGRADECIMENTOS
À
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP), pelo apoio na forma de auxílio
à pesquisa (Processo 2006/54397-5).
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Protocolado em: 19 abr. 2008. Aceito em: 24 mar. 2009.