TOPOGRAFIA E MORFOLOGIA DAS VÍSCERAS DO PERIQUITO-AUSTRALIANO (Melopsittacus undulatus, SHAW 1805)
Fabiana S. Matsumoto,1 Ana Flávia de Carvalho,2 André Luis R. Franciolli,3
Phelipe O. Favaron,4 Maria Angélica Miglino,5 e Carlos Eduardo Ambrósio6
1. Bióloga, mestre, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
2. Médica veterinária, doutora, professora do Centro
Universitário da Fundação Ensino Octávio
Bastos, UNIfeob, São João da Boa Vista, SP
3. Biólogo, doutorando da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
4. Biólogo, doutorando da FMVZ / USP
5. Médica veterinária, PhD, professora titular do Departamento de Cirurgia da FMVZ / USP
6. Médico veterinário, PhD, professor livre docente do
Departamento de Ciências Básicas da Faculdade de Zootecnia
e
Engenharia de Alimentos da USP, Pirassununga, SP – E-mail: ceambrosio@usp.br
RESUMO
Em virtude da escassez de
dados referentes à morfologia e topografia das aves em geral, o
presente estudo teve como objetivo descrever a topografia e morfologia
das vísceras do periquito-australiano (Melopsittacus undulatus),
para assim proporcionar um conhecimento mais amplo sobre
características específicas dessa espécie. Para a
descrição da morfologia e topografia das vísceras
foram utilizados dez periquitos, sendo cinco machos e cinco
fêmeas. Os animais foram fixados com solução de
formaldeído 10%, através de perfusão na
musculatura e cavidade visceral. Macroscopicamente, as vísceras
do periquito não apresentaram muitas diferenças
comparadas a outras espécies de aves domésticas.
Microscopicamente, a principal diferença estava na
presença de mecanorreceptores (corpúsculos de Pacini) na
língua, encontrados pela primeira vez nesta espécie de
psitaciforme.
PALAVRAS-CHAVES: Melopsittacus undulatus, morfologia, topografia, vísceras.
ABSTRACT
TOPOGRAPHY AND VISCERAL MORPHOLOGY OF THE Melopsittacus undulatus, SHAW 1805
The aim of this research was to study the topography and morphology of Australian parakeet (Melopsittacus undulatus)
viscera. Ten Australian parakeet were used (5 males and 5 females). The
animals were fixed in 10% formaldehyde solution, through perfusion in
the musculature and visceral cavity. Macroscopically, the Australian
parakeet viscera did not show expressive differences when compared to
other domestic birds’ species. Microscopically, the main
difference was the presence of mechanoreceptors (Corpuscles of Pacini)
in the tongue, found for the first time in this psittaciform
species.
KEY WORDS: Melopsittacus undulatus, morphology, topography, viscera.
INTRODUÇÃO
O periquito-australiano (Melopsittacus undulatus) pertence à Classe Aves, Ordem Psittaciformes e à Família Psittacidae (SICK, 1997; HICKMAN, 2001).
HICKMAN (2001) cita que os
periquitos atingem a maturidade sexual a partir de um ano de idade. A
diferenciação entre macho e fêmea é
possível pela coloração da
“carúncula”, nome dado à saliência
encontrada acima do bico. Nos machos ela é azulada e nas
fêmeas é rósea ou bege-claro, podendo tornar-se
mais intensa no período reprodutivo.
O tamanho médio que
o periquito-australiano pode atingir é de cerca de 17 cm,
enquanto que o padrão inglês atinge 22 cm de comprimento,
com média de vida de doze anos.
Dada a escassez de dados
referentes à morfologia e topografia das aves em geral, o
presente estudo objetivou realizar uma descrição da
topografia e morfologia das vísceras do periquito-australiano
(Melopsittacus undulatus), para assim proporcionar um conhecimento mais
amplo sobre características dessa espécie.
MATERIAL E MÉTODOS
Para
descrição morfológica das vísceras do
periquito-australiano (Melopsittacus undulatus), utilizaram-se dez
exemplares, sendo cinco machos e cinco fêmeas. As aves foram
eutanasiadas mediante uma dose total de 25mg de tiopental sódico
pela via intracelomática (GAIGA & SCHOSSLER, 2003).
Para análises
macroscópicas, os animais foram fixados com
solução de formaldeído 10%, através de
perfusão na musculatura e cavidade visceral. A seguir,
dissecaram-se as vísceras in situ, com a finalidade de descrever
sua topografia e morfologia.
Para a microscopia,
fragmentos da língua, esôfago, traqueia, papo,
pró-ventrículo, intestino delgado, intestino grosso, rim,
pulmão, coração, baço, pâncreas e
órgãos reprodutores femininos e masculinos foram fixados
em formaldeído 10% e em PBS (Dulbecco phosfates buffer salina,
DPBS, Gibco Co., USA). Após a fixação, o material
desidratou-se em etanóis (concentrações crescentes
de 70% a 100%), sendo diafanizado em xilol, seguindo-se a
inclusão em similar de parafina (Histosec®-Merck Embedding
Media – Germany). Retiraram-se cortes em um micrótomo
LEICA 2165 com espessura de 5 micrometros, que foram corados em
hematoxilina-eosina-HE (TOLOSA et al., 2003).
RESULTADOS
A extremidade cranial da
traqueia está situada na linha média ventral do
esôfago, dorsalmente a ela e acima da parte glandular do
estômago. O esôfago apresenta parede dilatada e
relativamente fina. Na cavidade corpórea, o esôfago passa
pela siringe, sob a superfície ventral dos pulmões e
sobre a base do coração, fundindo-se com o estômago
glandular diretamente, o qual sofre dilatação
ventralmente formando o papo. Microscopicamente, a traqueia
apresenta-se como camadas histológicas: mucosa (epitélio
pseudoestratificado ciliado, lâmina própria de tecido
conjuntivo), submucosa (cartilagem hialina), muscular e
adventícia (tecido conjuntivo e mesotélio) (Figura 1A e B; Figura 2A).
Os pulmões (direito
e esquerdo) ocupam a maior parte da cavidade toracoabdominal,
localizando-se na parte crânio dorsal da cavidade, onde se
encontram levemente unidos à parede corpórea. Ao corte
histológico, apresentam estruturas características das
aves: mesobrônquios ou paleopulmo, parabrônquios ou
neopulmo e as vesículas aéreas (Figura 1C; Figura 2B).
Na siringe, nota-se
epitélio de revestimento pseudoestratificado ciliado baixo,
seguido de lâmina própria e uma camada de cartilagem
ossificada. Na lâmina própria, há tecido
linfático (nódulos linfoides). A área de
ossificação circunda a siringe em segmentos ossificados
externamente e repletos de sangue internamente. A camada mais espessa
é constituída de uma camada muscular revestida por
adventícia (Figura 2C).
O coração se
insere na parte cranial da cavidade toracoabdominal. Sua parte apical
mostra-se em repouso entre os lobos direito e esquerdo do
fígado. O átrio direito recebe as veias cavas craniais
direita e esquerda, bem como a única veia cava caudal. Ao corte
histológico, o coração apresenta três
camadas murais: endocárdio, miocárdio e epicárdio (Figura 1D; Figura 2D).
O fígado, localizado
caudalmente ao coração, possui coloração
escura (enegrecido). O lobo direito mostra-se maior que o esquerdo, se
apoiando sobre a moela. Os lóbulos hepáticos
característicos não foram observados, porém as
regiões características foram discriminadas. Não
se visualizou vesícula biliar (Figura 1D; Figura 2E).
Os testículos,
direito e esquerdo, situam-se cranioventralmente ao rim e com a
superfície ventral do pulmão. No macho maduro e
sexualmente ativo, os testículos são mais desenvolvidos.
Estes possuem formato de feijão e coloração creme.
Notam-se túbulos seminíferos ao corte, com
característico epitélio germinativo
(espermatogônias, espermatócitos e espermátides).
Na luz dos túbulos foram observados os espermatozoides (Figura 1F e G; Figura 2F).
Nas fêmeas, somente o
ovário esquerdo é desenvolvido, possuindo
superfície lisa. Poucos folículos em crescimento
são observados e apenas um grande folículo está
presente (Figura 2G).
O baço possui
formato ovoide e situa-se entre a moela e o testículo e
cranialmente ao intestino. É revestido por uma cápsula de
tecido conjuntivo, que adentra ao órgão dividindo-o em
lóbulos. Podem-se notar as polpas branca e vermelha
características, porém os folículos
esplênicos não possuem a arteríola centrofolicular (Figura 1G; Figura 2H).
O aspecto
macroscópico dos rins é semelhante ao de outras
espécies, com uma cápsula conjuntiva recobrindo o
órgão. Além disso, podem-se notar,
histologicamente, glomérulos ou corpúsculos renais na
camada cortical e túbulos contorcidos proximais e distais. Na
camada medular são identificados a alça de Henle e o
túbulo coletor (Figura 3A).
O pâncreas é
alongado, situando-se entre os ramos das alças duodenais.
Histologicamente apresenta ácinos serosos e ilhotas de
Langerhans por todo parênquima (Figura 1H; Figura 3B).
O papo encontra-se
localizado ventrolateralmente ao esôfago, na sua
porção final. O proventrículo é um
órgão alongado, localizado na parte ventral esquerda da
cavidade corpórea. Histologicamente, o proventrículo
possui epitélio de revestimento colunar, lâmina
própria repleta de glândulas multilobulares, muscular da
mucosa, submucosa, muscular circular interna, muscular longitudinal
externa e adventícia (Figura1E; Figura 3C).
Macroscopicamente, a moela
apresenta coloração esbranquiçada, com parede
extremamente grossa. Cranialmente à sua face esquerda,
encontra-se o lobo esquerdo hepático e, caudalmente, podem ser
evidenciadas as alças duodenais e porção do jejuno
(Figura 1G).
E sua estrutura histológica é constituída por uma
cutícula, glândulas de muco, submucosa e músculo
liso (Figura 3D).
Os intestinos ocupam a
parte caudal da cavidade corpórea, onde se mostram em contato
direto com a moela e órgãos reprodutivos. O ceco
não foi identificado. O arranjo das camadas histológicas
do intestino delgado são comuns ao duodeno, jejuno e
íleo, um epitélio simples colunar, lâmina
própria, muscular da mucosa, submucosa, muscular circular
interna, muscular longitudinal externa e serosa. Vilos são
característicos, e as células colunares apresentam
aspecto de borda em escova indicando microvilosidades. Células
caliciformes foram observadas. O intestino grosso somente difere do
intestino delgado pela ausência da muscular longitudinal externa
e de vilos, existindo somente pregas na superfície epitelial (Figura 1H; Figura 3E).
Na língua existe
epitélio de revestimento típico (pavimentoso
estratificado queratinizado) formando a epiderme, e o tecido conjuntivo
formando a derme, onde são notados vasos e corpúsculos de
Pacini. Esses possuem forma ovoide e são compostos por uma
única fibra amielínica que o percorre. O centro dos
corpúsculos contém terminações nervosas
amielínicas e células de Schwann, circundadas por
fibroblastos. Não foram observadas papilas linguais e
ácinos serosos e mucosos (Figura 3F).
DISCUSSÃO
Em relação
à morfologia geral das vísceras do periquito-australiano,
sobre o aparelho cardiorrespiratório infere-se que a traqueia
é similar à estrutura dos vertebrados superiores (aves e
mamíferos), como ressaltado por GETTY (1981), somando a
presença de uma espessa camada de tecido adiposo, com
provável função de aquecimento do ar durante o voo
(isolante térmico), e apresentando suas camadas constituintes
salientadas pela mucosa, submucosa e adventícia GARTNER (1997).
BANKS (1991) menciona que a
siringe é constituída por epitélio pavimentoso
biestratificado e prismático. As glândulas da mucosa,
assim como o tecido linfático nodular e difuso, estão
presentes na lâmina própria. Entretanto, ao ser observada
a siringe do periquito-australiano, notam-se o epitélio de
revestimento pseudoestratificado ciliado baixo seguido de lâmina
própria e uma camada de cartilagem ossificada.
Os pulmões do
periquito-australiano apresentavam-se relativamente grandes e com
textura esponjosa, comunicando-se com os sacos aéreos. Os dados
de SCHMIDT-NIELSEN (1999), no entanto, contradizem esses achados, pois
afirma ser este um órgão pequeno e compacto. Os
parabrônquios apresentam epitélio pavimentoso simples e a
camada muscular bem desenvolvida GEORGE (1998). Já BANKS (1991)
descreve as vesículas aéreas como projeções
dos parabrônquios, contínuas aos sacos aéreos,
sendo estes mesmos achados evidenciados na espécie aqui
estudada.
A posição do
coração está relacionada à cavidade
toracoabdominal, posicionado acima do esterno, nas laterais dos
pulmões e abaixo dos lobos do fígado (BENEZ, 2001;
BEZUIDENHOUT, 1986). Ao corte histológico, apresentou três
camadas murais: endocárdio, miocárdio e epicárdio
(GEORGE, 1998), relatado em mamíferos domésticos.
Sobre o aparelho
digestório, em relação à cavidade oral, na
língua do periquito-australiano, nota-se o epitélio
característico (GEORGE, 1998). Entretanto, não foram
observadas estruturas comumente encontradas em outras aves, tais como
papilas linguais e corpúsculos gustativos e, sim,
visualizaram-se mecanorreceptores denominados corpúsculos de
Pacini, estes não descritos ainda em línguas de
aves.
Segundo HILDEBRAND (1995) e DYCE et al.
(1997), o esôfago das aves é longo, dispondo-se entre os
músculos cervicais e a traqueia. E o periquito, por se tratar de
uma espécie granívora, apresenta uma porção
do esôfago em forma de saco ou inglúvio (ORR, 1986). Em
relação aos estômagos, os resultados deste estudo
são semelhantes aos descritos por DYCE et al.
(1997) e BENEZ (2001), que mostram que o proventrículo é
um órgão alongado, localizado ventralmente e em contato
com o lobo hepático direto; e em sintopia ventral e direita com
o baço e, finalmente, à esquerda da cavidade
corpórea. Através da histologia, como averiguado por
BANKS (1991) e DYCE et al.
(1997), todos os constituintes histológicos do papo, descritos
nos resultados encontrados, estavam presentes no periquito. E sobre a
moela, observa-se na região da cutícula uma
secreção glicoproteíca oriunda das glândulas
mucosas, fato este averiguado por BANKS (1991) em outras
espécies de aves.
Histologicamente, o duodeno
do periquito-australiano é semelhante ao dos mamíferos,
mas não há distinção marcante
histológica entre o jejuno e o íleo. Ainda com
relação aos mamíferos, as vilosidades intestinais
deste psitacídeo são mais altas e proeminentes, mais
delgadas e mais numerosas, característica esta das aves, havendo
uma diferença em relação à
superfície de contato baixa para grande absorção
de água (DUKE, 1996).
O periquito não
apresentou vesícula biliar. Seu fígado é
castanho-escuro, sendo constituído de lobos direito e esquerdo,
conectados cranialmente por uma ponte dorsal ao coração,
envoltos por uma cápsula (BEZUIDENHOUT, 1986). Entretanto os
resultados desta pesquisa diferem dos achados por DYCE et al. (1997) sobre o contato do fígado cranioventralmente com o baço.
O baço apresentou-se
com as mesmas características histológicas averiguadas na
literatura (LEESON, 1977), apenas diferindo quando comparado ao formato
dos folículos esplênicos, que se apresentam arredondados e
com ausência da arteríola centrofolicular. Já o
pâncreas do periquito-australiano é similar à
literatura (GEORGE, 1998).
Sobre o aparelho
urogenital, em relação às características
microscópicas do rim, os resultados encontrados estão de
acordo com os mencionados por GARTNER (1997).
Diferente do ovário
das galinhas, os ovários do periquito apresentaram
superfície lisa e não irregular. No entanto, este
assemelhou-se às características do epitélio
germinativo com presença de folículos em vários
estágios de crescimento, como nas galinhas domésticas,
sendo também mais desenvolvido do lado esquerdo (BANKS, 1991). E
nos machos, os testículos eram bem desenvolvidos,
possuíam túbulos seminíferos, com
característico epitélio germinativo. Na luz dos
túbulos, podem observar os espermatozoides.
Os dados obtidos nesta
pesquisa elucidam a morfologia das vísceras do
periquito-australiano, e quando associados aos dados
fisiológicos, contribuem para um melhor entendimento de sua
biologia. Esses resultados podem ser utilizados para um melhor
aproveitamento reprodutivo não só desta espécie,
como também de outras afins, que são utilizadas como aves
ornamentais, e ainda daquelas silvestres nacionais, que necessitam de
um acompanhamento reprodutivo, quando em cativeiro.
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