AVALIAÇÃO DOS PARÂMETROS SEMINAIS E ESPERMÁTICOS DE CAPRINOS JOVENS DA RAÇA BOER NASCIDOS NAS ESTAÇÕES CHUVOSA E SECA


Filipe Queiros Gondim Bezerra,1 Leopoldo Mayer Freitas Neto,1 Cristiano Rocha Aguiar Filho1, Maico Henrique Barbosa Santos1, Jairo Pereira Neves3 e Marcos Antonio Lemos Oliveira1,2

1. Laboratório de Biotécnicas da Reprodução do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. E-mail: filipegondimvet@yahoo.com
2. Professor associado do Departamento de Medicina Veterinária da UFRPE, Av. Dom Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, CEP 52171-900, Recife, PE, Brasil
3.Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, CEP 70910-900, Brasília, DF, Brasil.




RESUMO

Este trabalho objetivou determinar motilidade, turbilhonamento, vigor, defeitos maiores e menores dos espermatozoides de caprinos da raça Boer durante a estação chuvosa (n = 11) e seca (n = 11). Na estação chuvosa, a concentração espermática variou de 0,90 ± 1,46 x 109/mL a 2,7 x 109/mL, a motilidade progressiva de 16,0% a 62,0%, o turbilhonamento de 0,3 a 2,6 , vigor de 1,1 a 2,8 , defeitos maiores de 18,3% a 3% e menores de 16,1% a 3,4%. Na estação seca, a concentração espermática variou de 0,96 x 109/mL a 2,15 x 109/mL, a motilidade progressiva de 35,4% a 64,1%, o turbilhonamento de 1,7 a 3,1, vigor de 2,0 a 3,0, defeitos maiores de 16,9% a 4,2% e menores de 17,5% a 3,2%. Foi registrada correlação positiva (P < 0,05) entre motilidade espermática vs turbilhonamento espermático, respectivamente, para a estação chuvosa e seca, motilidade espermática vs vigor espermático bem como negativa entre motilidade progressiva vs defeitos maiores dos espermatozoides e entre motilidade progressiva e defeitos menores dos espermatozoides. Dessa forma, pode-se concluir que machos caprinos da raça Boer nascidos na estação seca têm atraso de três meses do início da maturidade sexual em comparação àqueles nascidos na estação chuvosa.

PALAVRAS-CHAVE: Boer, caprino, época do nascimento, espermograma.

ABSTRACT

SPERMATIC AND SEMINAL EVALUATION IN YOUNG BOER GOATS BORN IN THE RAINY AND DRY SEASON

This study had the objective to distinguish spermatic and seminal parameters in animals born during the dry (n=11) and rainy (n=11) seasons. In the rainy season, the spermatic concentration ranging from 0.90 to 2.7 x 109/mL, the progressive motility from 16.0% to 62.0%, the mass movement from 0.3 to 2.6, vigor from 1.1 to 2.8, major sperm defects of 18.3% to 3 % and minor sperm defects from 16.1%  to 3.4% . In the dry season, the spermatic concentration varied from 0.96 to 2.15 x 109/mL, the progressive motility from 35.4% to 64.1%, the mass movement form 1.7 to 3.1, vigor from 2.0 to 3.0, major sperm defects from 16.9% to 4.2% and minor sperm defects from 17.5% to 3.2%.  It was observed positive correlation between spermatic motility versus spermatic mass movement, spermatic motility versus spermatic vigor as well as a negative correlation between motility versus major sperm defects of the spermatozoa and between motility and spermatozoa smaller defects respectively, in the rainy and dry seasons. Based on these results we conclude that Boer male goats born in dry season have sexual retardation of three months in comparison to those born in the rainy station.

KEY WORDS:  Birth season, boer, goat, puberty, sperm morphology.


INTRODUÇÃO

O aumento da produção de carne caprina pode ser alcançado pela melhoria da eficiência reprodutiva da cabra, estabelecendo-se metas de três partos a cada dois anos, isto é, um intervalo entre partos de oito meses com redução dos períodos improdutivos para quatro meses (SIMPLICIO et al., 2002). Para um adequado manejo reprodutivo faz-se necessário o conhecimento da idade e do peso à puberdade das diferentes raças de caprinos explorados numa região. Essas informações possibilitam a adoção de práticas simples de manejo e de seleção, visando à utilização precoce de animais na reprodução (NUNES, 1982).
Na maioria das regiões de clima tropical e subtropical, a desnutrição impõe sérias limitações à produção animal, em virtude da escassez e da baixa qualidade das pastagens durante a época seca, de modo que os animais podem perder até 40% do seu peso corporal (CLARIGET et al., 1998), afetando significativamente a produção de leite e carne (ABDALLA et al., 1999). Em contrapartida, no período chuvoso as pastagens são frequentemente de boa qualidade e disponíveis em quantidades adequadas (LUSWETI, 2000).
A qualidade do sêmen determina a eficiência reprodutiva masculina durante o ano, aspecto este que pode variar de acordo com a raça, localização geográfica e época do ano (KARAGIANNIDIS et al., 2000). Este último fator exerce forte influência na qualidade do sêmen de caprinos (BARKAWI et al., 2006).
Distinguir os fatores que afetam as características do sêmen é importante para algumas práticas de manejo reprodutivo, especialmente nos programas de inseminação artificial. Características seminais e circunferência escrotal apresentam grande variação entre raças e até mesmo entre indivíduos da mesma raça (LANGFORD et al., 1998; NORAN et al., 1998), Mudança de estação afeta tanto a qualidade quanto a quantidade de sêmen em toda a extensão do ano (CHEMINEAU et al., 1992). A variação na qualidade e quantidade do sêmen é um dos fatores determinantes na reprodução dos machos (PEREZ & MATEOS, 1996) e a idade contribui fortemente para as diferenças entre as características seminais (TOE et al., 1994).
Apesar da importância da caprinocultura para o Nordeste brasileiro, existem poucos estudos que tratam de determinar a idade à puberdade dos caprinos criados nessa região. Algumas pesquisas disponíveis evidenciam que machos caprinos, quando criados nas condições do Nordeste, são relativamente precoces (TRALDI et al., 1984).
Diante do exposto, objetivou-se avaliar as diferenças de desenvolvimento reprodutivo de caprinos jovens da raça Boer, nascidos nas estações chuvosa e seca, a partir da análise dos parâmetros seminais e espermáticos.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais e manejo
Foram utilizados vinte e dois caprinos (Capra hircus) machos da raça Boer oriundos de parto simples, sendo onze nascidos nos meses de setembro e outubro, período correspondente à estação seca, e com peso médio ao nascimento de 3,12 ± 0,73 kg, e onze nascidos nos meses de fevereiro e março, período correspondente à estação chuvosa, e com peso médio ao nascimento de 3,87 ± 0,79 kg. Os animais pertenciam à Estação Experimental Benjamim Maranhão (EMEPA), a qual é sediada no município de Campo de Santana, a 150 km de João Pessoa. A propriedade encontra-se localizada na Mesorregião do Agreste Paraibano e Microrregião do Curimataú, em que as coordenadas são de 6°29’17” (latitude sul) e de 35°38’13” (longitude oeste de Greenwich).
O clima da região é semiárido quente, com classificação BSH proposta por Koppen- Geiger, sendo de 465 mm a taxa pluviométrica média anual no município, com período seco de sete meses (julho a janeiro), pluviosidade média mensal de 15 mm, e o período chuvoso entre os meses de fevereiro a junho com pluviosidade média mensal de 72 mm. Os maiores valores de pluviometria ocorrem nos meses de março e abril, e a temperatura média anual é da ordem de 24°C.
Os animais estudados foram desmamados aos noventa dias, pesando 11,35 ± 2,45 kg na estação seca e 16,26 ± 3,1 kg na estação chuvosa. O sistema de criação é o semi-intensivo. Os animais são soltos pela manhã, para pastar na vegetação nativa do tipo caatinga arbustiva e pastagem cultivada com capim-buffel (Cenchrus ciliares L.). Retornam naturalmente ao aprisco no período da tarde, para receber suplementação volumosa com feno de tifton e proteica com ração comercial para caprinos jovens (18% PB – Caprinotech, Purina®) e um concentrado produzido na EMEPA (15% PB), com água e sal mineral ad libitum.

Colheita e análise do ejaculado
A partir do momento em que os animais apresentaram descolamento do pênis, averiguado com a exposição manual do pênis, efetuou-se a colheita de sêmen por eletroejaculação, sendo os ejaculados dos animais avaliados como descrito pelo CBRA (1998). Imediatamente após a colheita, o sêmen foi macroscopicamente avaliado quanto ao volume, cor e aspecto, sendo os tubos coletores colocados em banho-maria a 37°C para análise em microscopia de luz com aumento de cem e quatrocentas vezes, que constou de turbilhonamento (0-5), motilidade progressiva (0%-100%) e vigor (0-5). A concentração espermática foi determinada em câmara de Neubauer, diluindo-se o ejaculado, conforme o aspecto menos ou mais denso do sêmen, numa relação de uma parte de sêmen para cem partes de solução de formol salino tamponado.
As avalições das patologias espermáticas foram efetuadas em microscópio de luz, com aumento de mil vezes, contando-se duzentas células por lâmina, utilizando-se a preparação úmida em formol salino tamponado com a adição, na mesma proporção, de corante rosa bengala como descrito por POPE et al. (1991).

Análise estatística
A concentração, o turbilhonamento, o vigor, a motilidade progressiva e as patologias espermáticas dos caprinos foram submetidos à análise de correlação parcial de Pearson, em que se converteram todos os valores em números absolutos (SAS, 1990), realizando-se teste de comparação de médias (t-Student), considerando-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dois animais apresentaram azoospermia na primeira colheita de sêmen, sendo um de cada estação. A concentração espermática evoluiu (P < 0,05) entre o quarto e quinto mês de idade nos animais da estação chuvosa e do sétimo ao nono mês naqueles da estação seca (Figura 1A). Os valores da concentração espermática dos animais na estação chuvosa oscilaram de 0,90 ± 1,46 x 109/mL a 2,7 ± 1,65 x 109/mL e a daqueles na estação seca variaram entre 0,96 ± 0,60 x 109/mL e 2,15 ± 0,73 x 109/mL.
A presença de espermatozoides móveis no ejaculado variou de 10% a 80%, ocorrendo aos quatro meses de idade em 70% dos animais nascidos na estação chuvosa e somente aos sete meses em 83,3% dos nascidos na estação seca. Aos seis meses de idade na estação chuvosa e aos oito meses na estação seca, 100% dos animais apresentaram ejaculados contendo espermatozoides móveis, entretanto, a motilidade progressiva variou de 10% a 90%. No sétimo mês da estação chuvosa e no nono da estação seca, a oscilação individual foi de 30% a 95%. O padrão da motilidade espermática, representado na Figura 1B, demonstra que os animais da estação chuvosa foram mais precoces do que os da estação seca, mas, em ambos os grupos, a porcentagem de motilidade progressiva nem sempre variou de forma significativa.
O turbilhonamento espermático apresentou uma tendência semelhante ao da motilidade espermática, não sendo constantes nos animais em ambas as estações (Figura 1C). Houve grande variação entre os ejaculados de um mesmo indivíduo, oscilando de zero a cinco.
De modo similar, o vigor comportou-se de acordo com a motilidade progressiva e o turbilhonamento espermático (Figura 1D), variando durante o experimento de zero a cinco em alguns dos animais de ambas as estações.
O total de defeitos menores até os sete meses nos animais da estação chuvosa e até o décimo mês da estação seca decresceu (P < 0,05) (Figura 1E). O percentual de defeitos maiores mostrou-se decrescente do quarto ao sexto mês nos animais da estação chuvosa, não variando entre o sexto e o oitavo mês, e nos animais da estação seca decresceu do sétimo ao nono mês, não variando entre o nono e décimo mês (Figura 1F).
Tanto na estação chuvosa quanto na seca as correlações obtidas apresentaram os mesmos valores na motilidade individual progressiva e no turbilhonamento (r = 0,92; r = 0,92). Já a motilidade progressiva e o vigor (r = 0,94; r = 0,92), motilidade progressiva vs defeitos maiores (r = -0,28; r = -0,25) e motilidade progressiva vs defeitos menores (r = -0,30; r = -0,21) apresentaram valores distintos (P < 0,05).

DISCUSSÃO

Na estação seca, os animais apresentam uma série de problemas reprodutivos, como já foi descrito em várias raças de pequenos ruminantes como Texel, Suffolk e Ile de France (MANDIKI et al., 1998) e em caprinos da raça Damascus (AL-GHALBAN et al., 2004) e Zaraibi (BARKAWI et al., 2006).
Dessa forma, neste trabalho observou-se que o aparecimento dos primeiros espermatozoides no ejaculado dos animais da estação chuvosa ocorreu aos quatro meses de idade, enquanto nos da estação seca somente foi possível verificar no sétimo mês. A presença de células espermáticas no ejaculado de caprinos é variável, segundo os trabalhos de TREJO et al. (1988) com a raça Alpina, CHAKRABORTY et al. (1989) com Anglo-nubiana, ABI-SAAB et al. (1997) com Baladi, AL-GHALBAN et al. (2004) com Damascus e SILVA (2000) com a raça Saanen. Observou-se que, neste estudo, os animais nascidos na estação chuvosa tornaram-se púberes com idade inferior aos daqueles nascidos na estação seca, contudo a concentração espermática foi semelhante nas duas estações.
É importante salientar que a motilidade espermática somente atingiu os padrões do CBRA (1998) a partir do sétimo mês nos animais da estação chuvosa e do nono mês nos da estação seca, porque, nesses períodos, tanto o turbilhonamento quanto o vigor espermático alcançaram valores aproximados daqueles obtidos em animais adultos.
Em caprinos da raça Saanen, tanto a maturidade sexual quanto as características seminais foram atingidas aos sete meses de idade (SILVA, 2000). Entretanto, nos animais deste trabalho, em ambas as estações, principalmente aqueles da estação seca, foram mais tardios sexualmente do que caprinos leiteiros de linhagens inglesas, que alcançaram boa qualidade de sêmen aos seis meses de idade (AHMAD & NOAKES, 1996) e mais tardia do que nos caprinos da raça Moxotó (TRALDI et al., 1984). Ainda com relação a esses parâmetros, os caprinos aqui avaliados mostraram-se mais precoces do que os da raça Anglo-Nubiana, nos quais os parâmetros mínimos de avaliação da qualidade seminal foram alcançados aos oito (SKALET et al., 1988) ou aos nove meses de idade (CHAKRABORTY et al., 1989), sendo essa diferença creditada, possivelmente, aos fatores genéticos, e/ou mais provavelmente aos diferentes tipos de manejo e à disponibilidade de forragens na estação chuvosa.
Resultados semelhantes foram obtidos por ELOY et al. (1986), quando verificaram estreita relação da motilidade com o vigor, turbilhonamento e a porcentagem de defeitos espermáticos. Neste trabalho, as correlações positivas entre motilidade vs turbilhonamento e motilidade vs vigor foram mais altas entre motilidade vs defeitos maiores e motilidade vs defeitos menores, significando que a motilidade é menos dependente dos defeitos espermáticos. Esse resultado já era esperado, tendo em vista que somente as alterações de cauda e de peça intermediária podem interferir sobre a motilidade dos espermatozoides, independente de ser defeito maior ou menor (MIES FILHO, 1987).
Neste trabalho ficou evidente que as condições adversas da estação seca não impedem que um animal sirva como reprodutor, entretanto retarda sua utilização, em decorrência de ser necessária uma motilidade superior a 50% (CBRA, 1998). Apesar do exposto e do fato desses animais não terem alcançado a maturidade sexual, deve ser recomendado separar os animais por sexo a partir do momento que existam células espermáticas móveis para evitar prenhez indesejada.
Nos animais deste experimento, a porcentagem de espermatozoides com defeitos maiores e menores mostrou-se elevada no quarto mês de idade dos animais na estação chuvosa e no sétimo na estação seca, em virtude do aparecimento das primeiras células no ejaculado. Todavia, somente a partir do sexto e do nono mês, respectivamente, é que os defeitos maiores, principais responsáveis pela infertilidade, ficaram abaixo dos valores máximos permitidos num animal, segundo o CBRA (1998), (2,4% e 3% de defeitos maiores na estação chuvosa e seca, respectivamente), para ser recomendado como reprodutor.
Os resultados dos defeitos espermáticos maiores e menores corroboraram com os dados obtidos por SKALET et al. (1988) no primeiro ejaculado de animais da raça Anglo-Nubiana e na raça Boer (LOUW & JOUBERT, 1964). Já SILVA (2000) encontrou altos índices de alterações espermáticas até os oito meses de idade em animais da raça Saanen nascidos na estação seca.
Diante da definição de que a maturidade sexual caprina é o momento em que o macho atinge sua produção espermática diária máxima (AMANN, 1970) ou no qual a porcentagem de defeitos espermáticos não ultrapasse os 20% (CBRA, 1998), admite-se que, sob a ótica desse último critério, os machos da raça Boer atingem a maturidade sexual a partir dos seis e nove meses de idade, respectivamente para a estação chuvosa e seca, porquanto similar ao que ocorre com os animais das raças Anglo-Nubiana (SKALET et al., 1988) e Moxotó (TRALDI et al., 1984).

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos a partir das análises das características seminais e espermáticas permitem concluir que machos caprinos da raça Boer nascidos na estação seca têm atraso de três meses do início da maturidade sexual em comparação àqueles nascidos na estação chuvosa. Entretanto, todos os animais são púberes entre seis e sete meses de idade.

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Protocolado em: 4 abr. 2008.   Aceito em: 17 fev. 2009.