DENERVAÇÃO
ARTICULAR COXOFEMORAL
Leandro Branco Rocha1, Eduardo Alberto Tudury2, Cláudio Roehsig3, Durval Baraúna4, Ricardo Chioratto5, Felipe Purcell Araújo6, Bernado Kemper7
RESUMO
A
técnica de denervação coxofemoral é realizada em cães displásicos, com o
intuito de aliviar a dor. O objetivo deste trabalho foi avaliar alívio da dor,
melhora da função articular, reabilitação muscular e progressão da
instabilidade em 10 cães displásicos submetidos à técnica de denervação da
articulação coxofemoral. A graduação da apresentação clínica foi realizada através
de avaliações específicas da andadura, testes de estação bípede, de rotação com
abdução externa e de iliopsoas. A reabilitação muscular foi avaliada através da
circunferência da coxa e exame físico. A avaliação da instabilidade foi feita
através de técnica radiográfica para índice de distração. Na graduação da
claudicação e teste de estação bípede foi verificado que houve redução
significante a partir de um mês pós-cirúrgico. Já nos testes de abdução com
rotação externa, houve redução da dor a partir do sétimo dia pós-cirúrgico; no
teste de iliopsoas houve redução significante da dor, em todos os tempos do
pós-cirúrgico. Houve aumento significante da circunferência da coxa a partir do
sétimo dia. Foi observado que 90% tiveram redução do índice de distração,
refletindo melhora da instabilidade. A técnica é eficaz no alívio da dor, na
reabilitação muscular após a melhora na capacidade de exercitar-se e na redução
da instabilidade, sendo motivo de satisfação para os proprietários.
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JOINT HIP DENERVATION IN DOGS WITH
DEGENERATIVE JOINT DISEASE SECONDARY TO DYSPLASIA
ABSTRACT
The hip denervation
technique has been performed in dysplasic dogs, demonstrating to be efficient
in the relief of pain. The objective of this work was to evaluate pain relief,
improvement of joint function, muscular rehabilitation and instability
progression in 10 dysplasic dogs submitted to the hip joint denervation
technique. The grading of the clinical presentation was performed according to
specific evaluation of walking, biped station, rotation with external
abduction, subluxation and iliopsoas. The muscular rehabilitation was evaluated
through the circumference of the thigh and physical examination. The
instability was evaluated through the values of distraction index (DI). In the
claudication graduation and the biped station test, we verified that there was
a significant reduction after one month post-surgery. In the abduction with
external rotation tests, there was a reduction in pain after the seventh day;
in the iliopsoas test there was a significant reduction in pain in all the
post-surgery times. There was a significant increase in thigh circumference after
the seventh day. We observed that 90% of the articulations had a reduction in
their DI, reflecting an improvement of their instability. The technique is
efficient in the relief of pain, muscular rehabilitation after the improvement
of the ability to exercise, and in reduction of instability, being the cause of
owner satisfaction.
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INTRODUÇÃO
A displasia coxofemoral é
caracterizada pelo desenvolvimento ou crescimento anormal da articulação coxofemoral,
em geral bilateral (93%), o que pode evoluir para doença articular degenerativa
(DAD). É uma afecção comum em cães, prevalente em raças de grande porte (THOMAS et al., 1992; RISER, 1993;
ARAUJO et al., 1997; MARTINEZ, 1997; TORRES et al., 1999).
Os proprietários dos animais
displásicos relatam uma história de claudicação progressiva e crônica. A
maioria apresenta marcha bamboleante, rígida, curta e relutam em fazer
exercícios. Os sinais podem ter piora aguda após aumento da atividade física
(HAAN & BEALE, 1999; PIERMATTEI & FLO, 1999). Quando o animal convive
muito tempo com a dor e a DAD está presente, a musculatura da região pélvica e
da coxa normalmente atrofia-se, principalmente os músculos glúteos e quadríceps
(THOMAS, 1992; RISER, 1993; SOMMER & FRATOCCHI, 1998; PIERMATTEI & FLO,
1999; NOGUEIRA & TUDURY, 2002).
Existem vários testes
específicos para avaliar a função e a dor na articulação coxofemoral, dentre
eles: avaliação da claudicação, testes de estação bípede, de abdução com
rotação externa e do iliopsoas (MARTINEZ, 1997; SOMMER & FRATOCCHI, 1998;
PIERMATTEI & FLO, 1999; NOGUEIRA & TUDURY, 2002). Cães displásicos
podem exibir dor, demonstrando o desconforto através de tensão muscular, flexão
brusca do membro ou até mesmo vocalização e agressão (THOMAS et al., 1992;
WENDELBURG, 1998).
Uma vez diagnosticada, as
alterações patológicas da displasia são geralmente irreversíveis. Nenhum
tratamento é efetivo em restaurar uma articulação displásica à normalidade
(BIASI et al., 2000; COOK, 2003).
Os benefícios do tratamento
clínico quando a doença já está avançada normalmente são temporários, sendo
necessário realizar técnicas cirúrgicas que promovem o alívio da dor, dentre
elas, a denervação da articulação coxofemoral (KÜPPER & KINZEL, 1994; KINZEL
& KÜPPER, 1997; KINZEL et al., 2002a, b; BRAUN et al., 2003).
KÜPPER & KINZEL (1994),
na Alemanha, estudando a técnica de artroplastia da borda acetabular dorsal,
verificaram que os cães submetidos a essa técnica apresentavam um surpreendente
alívio da dor logo nos primeiros cinco a 10 dias após a cirurgia e concluíram
que esse alívio é causado pela eliminação dos ramos que inervam a cápsula nessa
região. Sendo assim, desenvolveram uma técnica de denervação capsular para
alívio da dor em cães displásicos.
A modalidade sensorial dor
está associada, entre outros fatores, às terminações nervosas que ocorrem nos
revestimentos fibrosos dos ossos, como periósteo e cápsula articular fibrosa
(GARDNER, 1950). A dor que os animais displásicos sentem, aparentemente, tem
várias origens, dentre elas: estiramento e inflamação da cápsula articular,
contratura dos músculos adutores da articulação coxofemoral, provocando
processos neuroirritativos nas inserções destes, e alongamento e sensibilização
do periósteo, devido à formação de osteófitos (HAMLET et al., 1972; ARNOCZKY
& MARSHALL, 1981; BANKS, 1992; GASSE et al., 1996; MORGAN, 1997; PIERMATTEI
& FLO, 1999; ALVAREZ, 2001; KINZEL et al., 2002b).
A cápsula articular
coxofemoral canina recebe maior tensão na região crânio-lateral, por isso é a
região com maior número de receptores da dor. Dessa forma, a inervação
sensitiva da porção caudal-lateral e ventral contribui minimamente para a
sensação de dor em casos de displasia coxofemoral (KINZEL et al., 1998; KINZEL
et al., 2002a, b).
A cápsula da articulação
coxofemoral em cães é enervada na sua porção crânio-lateral por ramos do nervo
glúteo cranial, na porção caudo-lateral por ramos do nervo ciático, na porção
crânio-medial por ramos do nervo femoral e na porção caudo-medial por ramos do
nervo obturatório (GASSE et al., 1996; KINZEL et al., 1998; KINZEL et al.,
2002a, b). Todos esses ramos percorrem inicialmente o periósteo do corpo do
ílio antes de atingir a cápsula articular (GASSE et al., 1996; KINZEL et al.,
1998; KINZEL et al., 2002b). A técnica de denervação craniolateral da
articulação coxofemoral em cães displásicos com DAD faz com que os animais
sintam-se mais confortáveis devido ao alívio da dor e ao retorno da função
articular e dos membros, abolindo a necessidade de medicamentos analgésicos.
Isso favorece o condicionamento físico da musculatura da bacia e coxa,
fortalecendo a articulação displásica incongruente. As lesões articulares
causadas pela displasia e sua evolução permanecem inalteradas (KÜPPER & KINZEL,
1994; GASSE et al., 1996;
KINZEL & KÜPPER, 1997; KINZEL et al., 2002a, b; BRAUN et al., 2003).
O grau de atrofia muscular no
pré-operatório é indicador para o sucesso no pós-operatório. Quanto maior a
atrofia muscular do membro atingido, maior o tempo para melhora (BRAUN et al.,
2003).
Na literatura, são relatadas diferentes técnicas
de denervação da caspula articular, diferenciando-se principalmente em sua
abordagem cirúrgica, que pode ser aberta ou fechada. Em todas as técnicas,
relata-se sucesso no alívio da dor variando de 90,6% a 96% (KINZEL &
KÜPPER, 1997; KINZEL et al., 2002a, b; BRAUN et al., 2003; FERRIGNO et
al., 2007a; SELMI et al., 2009; MINTO
et al., 2012; ANDERSON, 2011; SILVA et
al., 2012).
Já na primeira semana de pós-operatório,
observa-se alívio da dor (FERRIGNO et al., 2007a). Alguns pacientes foram avaliados durante
10 anos no período pós-operatório e permaneceram livres de dor nesse tempo (KINZEL et al. 2002b). Porém, BRAUN et al. (2003) verificaram
recidiva da dor em 32,6%, num período de 3,5 anos de avaliação; contudo, mesmo
nesses casos, os proprietários classificaram os resultados como satisfatórios. Animais
mais jovens, abaixo de um ano de idade, apresentaram melhores resultados do que
os com maior idade, entre 7 e 8 anos.
Este trabalho teve como
objetivo avaliar o alívio da dor, a melhora da função articular, a reabilitação
muscular e a progressão da instabilidade, em cães displásicos com DAD,
submetidos à técnica de denervação da articulação coxofemoral.
MATERIAL E MÉTODOS
Para o estudo, foram
utilizados 10 cães, com diagnóstico de DAD secundária à displasia coxofemoral.
Quatro Rottweilers e seis Pastores Alemães; sete cães com idade variando de
seis meses a um ano e quatro meses, e três cães com idade entre cinco e nove
anos. O peso variou de
Após o exame clínico,
realizou-se exame ortopédico geral para detectar alterações dolorosas em todas
as articulações e meticulosamente nas articulações coxofemorais.
Especificamente neste trabalho, criaram-se escalas (Quadro 1) para avaliação da
função e dor articular por meio dos testes de estação bípede, andadura, abdução
com rotação externa e iliopsoas.
O volume da massa muscular
foi considerado, medindo-se a circunferência da coxa, com o auxílio de uma fita
métrica no ponto médio entre o trocanter maior e a borda proximal da patela,
para avaliação da musculatura da coxa, nos tempos pré-cirúrgico, 48 horas, sete
dias, um mês, dois, quatro e seis meses.
A confirmação radiográfica da
displasia coxofemoral, com verificação da DAD e grau de instabilidade, foi
feita com o animal anestesiado e utilizando-se o posicionamento da técnica
PennHipâ,
determinando-se os valores do índice de distração (ID) e do NorDis (ADAMS et
al., 1998).
No dia da cirurgia, os
animais foram encaminhados à sala de preparo cirúrgico onde foi aplicado
antibiótico profilático cefalotina[i] (25mg/kg/IV), flunixin
meglumine[ii] (1mg/kg/SC) e realizada
tricotomia da área a ser operada. Em seguida, aplicou-se a pré-anestesia com
diazepam[iii] (0,5 mg/kg/IV) e
acepromazina[iv] (0,05 mg/kg/IM). A
medicação para indução anestésica foi administrada na sala de cirurgia e
dependeu das condições clínicas do paciente (thiopental sódico[v] – 12,5 mg/kg/IV, quetamina[vi] – 12,5 mg/kg/IM ou propofol[vii] 4 mg/kg/IV). Para
anestesia epidural, injetou-se bupivacaina[viii]
(1mg/kg) no espaço vertebral L7-S1. A manutenção
anestésica foi feita com halotano[ix] ou isoflurano[x] dependendo da condição
orgânica e cardiovascular de cada cão.
A abordagem cirúrgica à
articulação coxofemoral, conforme descrição de KINZEL et al. (2002b),
compreendeu incisão cutânea de
A denervação foi realizada
eliminando-se o periósteo da superfície cortical do osso ílio, debridando e
raspando, com um elevador de periósteo, uma área em forma de meia-lua situada
entre a margem crânio-dorsal da cápsula articular, até a margem ventral do
ílio, estendendo-se também a manobra, ao redor das áreas de inserções
musculares ilíacas dos músculos reto femoral e glúteo profundo (Figura 1-B).
Após a lavagem dos tecidos
com soro fisiológico, realizou-se oclusão da ferida cirúrgica em três planos:
fascia muscular, tecido subcutâneo e pele, utilizando-se para tal, fio de
náilon agulhado, com padrão de sutura contínuo festonada, continuo simples e
isolado simples respectivamente.
Após o retorno anestésico,
foi receitado curativo na ferida cirúrgica com digluconato de clorexidina (uma
vez ao dia), cobertura com gaze estéril e esparadrapo micropore, antibiótico
cefalexina (25 mg/kg/TID - completando 24 horas) e antiinflamatório flunixin
meglumine (1,0 mg/kg/SID - durante 2 dias).
Para verificação da eficácia
da técnica no alívio da dor, no retorno da função e na reabilitação muscular,
as mesmas avaliações realizadas no pré-cirúrgico, foram repetidas 48 horas,
sete dias, um, dois, quatro, e seis meses após a cirurgia.
A progressão da DAD e a lassidão
articular foram avaliadas nos tempos pré-operatório e após seis meses,
comparando-se as imagens radiográficas obtidas pela técnica PennHip®
(índice de distração) incluindo NorDis.
O teste não paramétrico de
Wilcoxon para diferenças entre pares ordenados foi utilizado para comparação
dos resultados dos tempos pré-operatório e pós-operatórios. As amplitudes da
melhora das graduações foram calculadas subtraindo a graduação pré-cirúrgica
pela que foi estabelecida nos tempos pós-operatórios (REIS, 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os cães, no período
pré-operatório, apresentaram sinais de dor com graus variados, repercutindo na
função articular.
No teste de estação bípede,
verificou-se que, com 48 horas de pós-cirúrgico, apenas um cão (10%) teve
melhora da dor, oito (80%) mantiveram-se estáveis e um (10%) teve piora; com
sete dias: seis cães (60%) tiveram melhora da dor e quatro (40%) mantiveram-se
estáveis; com um mês, sete cães (70%) tiveram melhora da dor e 3 (30%)
mantiveram-se estáveis; com dois meses, oito cães (80%) tiveram melhora da dor
e dois (20%) mantiveram-se estáveis; com
quatro e seis meses, sete cães (70%) tiveram melhora da dor e três (30%)
retornaram ao estado pré-operatório, identificando-se que 70 % dos animais que
apresentavam esse teste positivo no pré-cirúrgico, a partir de dois meses,
tornaram-se negativos.
Na avaliação da andadura,
verificou-se que, com 48 horas, apenas um cão (10%) teve melhora, oito (80%)
mantiveram-se estáveis e um (10%) teve piora; com sete dias de pós-cirúrgico, cinco cães (50%) tiveram melhora, quatro
(40%) mantiveram-se estáveis e um (10%) teve piora; com um mês, seis cães (60%)
tiveram melhora e quatro (40%) mantiveram-se estáveis; com dois meses, sete
cães (70%) tiveram melhora e três (30%) mantiveram-se estáveis; com quatro
meses, sete cães (70%) tiveram melhora e três (30%) retornaram ao estado
pré-operatório; com seis meses, oito (80%) tiveram melhora e dois (20%)
mantiveram-se estáveis.
As graduações da dor
desencadeada pelo teste de abdução com rotação externa, comparadas entre os
tempos pré-operatório e pós-operatório, permitiram verificar que, após 48
horas, apenas três cães (30%) tiveram melhora da dor e sete (70%) mantiveram-se
estáveis; com sete dias, seis cães (60%) tiveram melhora da dor e quatro (40%)
mantiveram-se estáveis; com um mês, oito cães (80%) tiveram melhora da dor, um
(10%) manteve-se estável e um (10%) retornou ao estado inicial; com dois meses,
sete cães (70%) tiveram melhora da dor, dois (20%) voltaram ao estado inicial e
um (10%) manteve-se estável; com quatro meses, seis cães (60%) tiveram melhora
da dor e quatro (40%) voltaram ao estado inicial; e com seis meses: oito cães
(80%) tiveram melhora da dor, um (10%) manteve-se estável e um (10%) voltou ao
estado inicial.
As graduações da dor
desencadeada pelo teste de iliopsoas, comparadas entre o tempo pré-operatório e
os tempos de avaliação pós-operatório, permitiram verificar que, após 48 horas,
três cães (30%) apresentaram melhora da dor e sete (70%) mantiveram-se
estáveis; com sete dias de pós-cirúrgico,
sete cães (70%) apresentaram melhora da dor, dois (20%) mantiveram-se
estáveis e um (10%) voltou ao estado inicial; com um, dois, quatro e seis
meses, os dez cães (100%) apresentaram melhora da dor. Não ocorreram casos de
piora da dor neste teste.
A aplicação do teste de
Wilcoxon permitiu verificar que no teste de estação bípede e na avaliação da
andadura, com 48 horas e sete dias não houve redução estatisticamente
significante do grau de dor, mas, a partir de um mês, houve redução
estatisticamente significante. No teste de abdução com rotação externa,
verificou-se que houve redução estatisticamente significante da dor já partir
do sétimo dia pós-cirúrgico. No teste de iliopsoas houve redução
estatisticamente significante da dor em todos os tempos do pós-cirúrgico
(P<0,01).
No decorrer dos retornos, com
exceção do quarto mês, a média da graduação da dor diminuiu gradativamente (Figura
2) e as amplitudes de melhora da dor elevaram-se (Figura 3). No entanto, houve
interferência nesses resultados pelos motivos expostos a seguir.
A limitada redução da dor no
teste de estação bípede e da claudicação na avaliação da andadura, nos períodos 48 horas e sete dias, foi
compatível com os resultados revisados na literatura (KINZEL et al., 2002a). Sabe-se que, no
local cirúrgico, assim como nos tecidos circunjacentes, a reatividade aos
estímulos mecânicos fica aumentada, devido à ação de mediadores inflamatórios
(PASCOE, 1998), e essa sensibilização piora com a ação mecânica da cabeça do
fêmur instável.
O animal 1, no retorno de 48
horas, apresentou dor intensa no membro pélvico esquerdo, sendo diagnosticada
luxação coxofemoral crânio-dorsal pós-cirúrgica. Isso ocorreu porque logo após
a cirurgia houve um alívio da dor na cápsula articular, fazendo com que o
animal apoiasse este membro com mais firmeza, desenvolvendo mais atividades
físicas, incluindo correr, o que, junto à atrofia muscular pré-existente,
contribuiu para a luxação. Surpreendentemente, a partir do retorno de sete
dias, o animal apresentou progressiva melhora da dor, encontrando-se aos dois
meses com grau mínimo de dor. Para evitar o ocorrido, os seguintes cães
operados foram submetidos a repouso em canil por sete dias e retorno gradual às
atividades, o que contribuiu para evitar a ocorrência de luxação nos demais
cães.
A piora dos sinais clínicos
dos cães 7 e 10 no teste de estação bípede ocorreu devido à concomitante
existência de dor na coluna vertebral lombo-sacral, diagnosticada já no período
pré-operatório, que pode ter se exacerbado pelo aumento da movimentação
pós-operatória gerada pela denervação coxofemoral. Afecções que acometem a
coluna lombo-sacral fazem parte do diagnóstico diferencial da displasia
coxofemoral, sendo assim, animais displásicos devem ser submetidos a um exame
ortopédico e neurológico detalhado (LECOUTEUR
& CHILD, 1997). Mesmo com outra afecção, esses animais foram
beneficiados com melhora da andadura, refletida na satisfação dos
proprietários.
Cães displásicos com idade
avançada e intensa fibrose na cápsula articular apresentam normalmente
resultado positivo no teste de estação bípede (NOGUEIRA & TUDURY, 2002).
Dos cães nessa situação (três cães) apenas o número 3 não apresentou melhora
nesse teste.
No quarto mês, o retorno da
claudicação do cão 4 ocorreu devido ao estado de pseudociese que causa como
sintomatologia fraqueza, letargia e comportamento anormal (ETTINGER &
BARRETT, 1997). O proprietário relatou que, quando o animal saia de debaixo da
cama, apresentava claudicação, que cessou quando houve interrupção desse
comportamento, levando a crer que o posicionamento sob o móvel de alguma forma
promoveu uma sobrecarga mecânica em um dos outros locais de origem da dor na
displasia (GARDNER, 1950; HAMLET et
al., 1972; ARNOCZKY & MARSHALL, 1981 e MORGAN, 1997).
Apesar da tendência
crescente, as baixas médias da amplitude de melhora da claudicação na avaliação
da andadura (Figura 4) ocorreram porque essa avaliação também sofreu
influências: da luxação pós-cirúrgica do animal 1, da dor lombo-sacral
pré-existente nos animais 7 e 10 e da ausência de claudicação do animal 8 em
todos os tempos.
BRAUN et al.(2003), durante um período médio de
avaliação de três anos e quatro meses, tiveram como resultado a ausência de dor
durante a rotação, flexão e extensão da articulação em 61,5% de 26 cães; no
entanto, neste estudo, com seis meses foi verificada a ausência de dor no teste
de abdução com rotação externa em apenas 1 cão (10%).
Comparativamente aos outros
testes, as médias das graduações do teste de abdução com rotação externa foram maiores (Figura 5),
apesar de apresentarem uma tendência a crescer e as médias das amplitudes da
melhora da graduação terem sido baixas (Figura 6), provavelmente pelo fato de
que esse teste provoca distensão de outras áreas da cápsula articular (região
dorso-caudal) (NOGUEIRA & TUDURY, 2002), não passíveis de denervação pela
abordagem executada (GASSE et al., 1996).
As médias da dor no teste de
iliopsoas também tiveram tendência a diminuir durante os retornos
pós-cirúrgicos (Figura 7). Comparativamente aos resultados dos outros testes,
este permitiu verificar uma maior média da amplitude de melhora da dor nos
tempos pós-cirúrgicos (Figura 8). Sabe-se que a contratura da musculatura
adutora periarticular coxofemoral provoca processos neuroirritativos nas
inserções dos músculos, causando dor (HAMLET et al., 1972; ARNOCZKY &
MARSHALL, 1981; BANKS, 1992; GASSE et al., 1996; MORGAN, 1997; PIERMATTEI &
FLO, 1999; ALVAREZ, 2001; KINZEL et al., 2002b). Sendo assim, o alívio da dor
na cápsula articular fez com que ocorresse um alívio da tensão dos músculos
adutores, consequentemente aliviando o processo neuroirritativo nas inserções
destes.
As recidivas da dor podem ocorrer após a
denervação (BRAUN
et al., 2003). Os resultados
aqui apresentados mostram a importância de determinar exatamente a origem dessa
dor na recidiva, pois outras origens da dor provocaram interferências na
intensidade nas tendências de melhora.
Na avaliação de seis meses, verificou-se maior
negatividade dos sinais de dor na avaliação da andadura (80%) e teste de
estação bípede (70%) do que nos testes mais específicos de abdução com rotação
externa (10%) e de iliopsoas (50%). Em suma, a avaliação funcional (andadura e
estação bípede) foi mais condizente com a melhora clínica e a satisfação dos
proprietários do que a avaliação em decúbito com testes ortopédicos
específicos.
Na avaliação visual
pré-cirúrgica da musculatura da coxa e pelve, nove cães (90%) apresentavam
atrofia muscular, exceto o animal 8. Quando o animal displásico convive muito
tempo com a dor, a musculatura da região pélvica e da coxa normalmente está
atrofiada, principalmente os músculos glúteos e quadríceps (THOMAS, 1992;
RISER, 1993; SOMMER & FRATOCCHI, 1998; PIERMATTEI & FLO, 1999; NOGUEIRA
e TUDURY, 2002).
A aplicação do teste de
Wilcoxon permitiu verificar que houve aumento estatisticamente significante da
circunferência da coxa (massa muscular) (P>0,05), a partir do sétimo dia
pós-cirúrgico, quando seis cães (60%) já apresentaram aumento da massa muscular
com elevação da média da circunferência da coxa de
O animal 1, mesmo sofrendo
luxação coxofemoral no membro pélvico esquerdo, demonstrou melhora gradativa da
atrofia muscular, mais lenta que a do membro direito, de forma que, aos seis
meses, os dois membros apresentavam a mesma massa muscular de aparência normal.
Na literatura, é citada a
importância de que um programa de exercícios seja introduzido de forma gradual
e progressiva, respeitando as limitações dos animais com osteoartrose (MILLIS &
LEVINE, 1997; COOK, 2003). Uma restrição inicial e parcial de exercícios deve
ser recomendada com rigor aos cães displásicos submetidos à denervação para
evitar a luxação. Provavelmente, o grau de atrofia muscular e a distensão das
estruturas de suporte provocam fragilidade que susceptibiliza à luxação.
Os animais 2, 5, 6 e 10,
apesar de terem apresentado aumento da circunferência da coxa, tiveram
influência do fato de estarem em crescimento; no entanto, na opinião do
proprietário e visualmente no exame clínico pelo veterinário, os animais 2, 5 e
6 apresentaram melhora da atrofia muscular. A Figura 9 mostra o aumento
crescente estável das médias das circunferências das coxas nos animais entre
seis meses a um ano e quatro meses. Já nos animais com mais de cinco anos não
houve tendência de elevação desses valores no decorrer dos tempos. Isso confirma
que os melhores resultados da reabilitação muscular ocorrem nos animais mais
jovens (BRAUN et al., 2003).
Dos animais com dor
lombo-sacral, o número 10 apresentou surpreendente melhora da média da massa
muscular de
Sabe-se que alguns animais
suportam bastante a dor e outros respondem exageradamente a um estímulo mínimo
(AIGÉ & CRUZ, 2001). Isso foi verificado no animal 8, o qual mesmo
apresentando positividade nos testes de rotação com abdução externa e
iliopsoas, apresentou negatividade na avaliação da andadura e teste de estação
bípede, o que condizia com os relatos do proprietário de que, mesmo no
pré-cirúrgico, o animal não demonstrava grandes dificuldades em suas
atividades, favorecendo a normalidade da massa muscular.
À medida que os proprietários
observavam a melhora das atividades, os mesmos, por conta própria, estimulavam
seus animais a exercitar-se, favorecendo a reabilitação muscular. No entanto, o
animal 3 não recebeu esse estimulo, fazendo com que a vida sedentária causasse
piora da atrofia muscular.
Apesar de os resultados serem
influenciados pelos fatores expostos, houve uma tendência ao aumento da massa
muscular após o alívio da dor na cápsula articular em consequência aos efeitos
causados pela denervação (Figura 10).
Sabe-se que exercícios
físicos controlados de baixo impacto ajudam a manter uma massa muscular
adequada; auxiliam na perda de peso, diminuindo a carga de estresse na
articulação; aumentam o ângulo de movimentação articular (HAAN & BEALE,
1999; DASSLER, 2003) e diminuem a inflamação com consequentemente alívio da dor
(MILLIS & LEVINE, 1997; HARDIE, 2003). No entanto, para os animais deste
trabalho, não foram prescritos exercícios específicos, sendo mantidas as
atividades de costume impostas pelo proprietário em seu manejo pré-cirúrgico.
Os animais beneficiados com a denervação coxofemoral demonstraram além da
melhora imediata, uma melhora gradativa, provavelmente devido ao aumento da
atividade física com seus consequentes benefícios em longo prazo.
Apesar de os resultados da
reabilitação muscular terem sido discutidos aqui, torna-se importante comprovar
esses resultados em futuros trabalhos, pois a maioria dos cães estudados eram
jovens e o ganho de massa muscular pode ter ocorrido devido ao próprio
crescimento de cada animal.
Para se manter uma
estabilidade articular, é necessário um volume muscular adequado (RISER &
SHIRER, 1967), entre outros fatores. Quanto menor o ID e maior o NorDis, mais
próxima à cabeça do fêmur estará do acetábulo, proporcionando uma maior
estabilidade articular (ADAMS et al., 1998). Os cães displásicos submetidos à
denervação coxofemoral foram beneficiados (como evidenciado pelo teste de
Wilcoxon) com redução estatisticamente significante do ID e aumento do NorDis
(P<0,01), em que, de 20 articulações denervadas, 18 (90%) tiveram redução do
ID e 16 (80%) tiveram aumento do NorDis. As Figuras 11 e 12 mostram as
tendências de redução e aumento das médias do ID e NorDis respectivamente.
A reabilitação muscular com
consequente melhora da estabilidade articular, proporcionada pela denervação
coxofemoral, já havia sido postulado na literatura (KÜPPER & KINZEL, 1994;
KINZEL & KÜPPER, 1997; KINZEL et al., 2002a, b; BRAUN et al., 2003;
FERRIGNO et al., 2007a), sendo que os resultados radiográficos deste trabalho a
confirmam.
Apesar de estar sendo
demonstrado em valores matemáticos (ID e NorDis), a diminuição do espaço entre
a cabeça do fêmur e o acetábulo foi facilmente observada, mesmo sem a medição
desses índices, como mostra a Figura 13.
A lassidão da articulação
coxofemoral é simulada durante a avaliação do ID e NorDis, semelhante à posição
das estruturas ósseas coxofemorais durante a sustentação de peso (NOGUEIRA et
al., 2005). Sendo assim, nos cães com diminuição do ID e aumento do NorDis
ocorreu maior cobertura do acetábulo na cabeça do fêmur (SMITH et al., 1990) (Figura
13). Isso reflete, durante a sustentação de peso e deambulação, uma menor
distensão da cápsula articular, com maior cobertura da cabeça do fêmur,
diminuindo o estimulo sensitivo nas áreas da cápsula não possíveis de serem
denervadas pela abordagem realizada. Provavelmente, esse fenômeno também esteve
inter-relacionado com a melhora gradativa da dor, à medida que ocorreu a
reabilitação muscular e estabilização articular.
Na avaliação radiográfica
pré-cirúrgica, observou-se que os dez animais apresentaram sinais variados de
DAD. Após seis meses, sete destes não apresentaram alterações radiográficas
distintas em relação a avaliação pré-cirúrgica; no entanto, o animal 7 (Figura 13)
teve um aumento de osteófitos nas bordas acetabulares, o animal 4 apresentou
fratura de osteófito na borda acetabular cranial do membro pélvico direito e o
animal 10, uma maior remodelagem da cabeça do fêmur do membro pélvico esquerdo,
sem haver diferença da melhora funcional em relação ao membro contralateral, em
que não houve piora radiográfica da doença degenerativa, mas é preciso
ressaltar que, muitas vezes, a gravidade dos achados radiográficos não é
proporcional a dos achados clínicos (RISER, 1993; MARTINEZ, 1997). As lesões
articulares causadas pela displasia e sua evolução permanecem inalteradas
(KINZEL & KÜPPER, 1997; KINZEL et al., 2002b). Isso foi confirmado pela não
observação de melhora na apresentação radiográfica nos 10 casos, o que já era
de se esperar, pois se sabe que nenhum tratamento é efetivo em restaurar uma
articulação displásica com DAD à normalidade (BIASI et al., 2000; COOK, 2003).
Em animais adultos com DAD
severa, a avaliação da frouxidão geralmente não é confiável, pois o
espessamento da cápsula articular, fibrose e osteófito periarticular fazem com
que a cabeça do fêmur fique mais firme no acetábulo (CHALMAN & BUTLER,
1985; PIERMATTEI e FLO, 1999), porém isso não interferiu nos resultados, porque
a avaliação radiográfica da instabilidade foi comparada entre os próprios
animais num intervalo de tempo pequeno (seis meses). Além disso, piora das
alterações degenerativas foi observada apenas nos três animais citados.
Em estudos realizados por FERRIGNO
et al. (2007b) e SELMI et al. (2009),
avaliando cães submetidos à denervação, verificou-se que não há diferença nos
escores de dor atribuídos por veterinário e pelos proprietários. Sendo assim, a
avaliação do proprietário é importante na avaliação da dor, por que esses
conhecem mais o comportamento diário do seu animal do que o veterinário.
No retorno de um mês, os
proprietários relataram que, logo após o sétimo dia pós-cirúrgico, os animais
apresentaram uma significante melhora, concordando assim com os resultados
obtidos por KINZEL et al. (2002a) e FERRIGNO
et al. (2007a).
Todos os proprietários relataram que seus cães,
após denervação, começaram a ter atitudes que não conseguiam executar antes da
cirurgia, como: permanecer por mais tempo em posição bípede e em posição
quadrupedal, coçar o corpo com os membros posteriores, sentar e deitar com
posicionamento não habitual dos membros e maior disposição para suas
atividades, conforme foi observado por KÜPPER &
KINZEL (1994); KINZEL & KÜPPER (1997); KINZEL et al. (2002a, b); BRAUN et al. (2003); FERRIGNO et
al. (2007a), sendo que essas melhoras refletem em uma melhor qualidade
de vida dos cães (HAAN & BEALE, 1999; MINTO et al., 2012). Através da
anamnese, comprovou-se também que os cães mais jovens (seis meses a um ano e
quatro meses), apresentam essa melhora mais rapidamente do que os animais mais
velhos (cinco a nove anos), correspondendo com a avaliação da massa muscular
por faixa de idade mostrada na Figura 9 (BRAUN et al., 2003).
Os benefícios dos tratamentos não cirúrgicos, quando a displasia já esta
avançada, normalmente são temporários (KÜPPER & KINZEL, 1994; KINZEL
& KÜPPER, 1997; KINZEL et al., 2002a, b; BRAUN et al., 2003; FERRIGNO et
al., 2007a). Os proprietários dos cães 3, 4, 8 e 9 relataram que antes da
denervação já haviam sido submetidos a diversos tratamentos medicamentosos, com
recidivas de dor dentro de um período de seis meses. Após a denervação, esses
mesmos proprietários assim como os donos dos demais cães afirmaram satisfação
com os resultados durante o tempo de avaliação. Em nenhum animal houve a
necessidade de tratamento medicamentoso durante o período de avaliação.
A simplicidade da técnica,
levando em consideração o curto tempo cirúrgico (média de 45 minutos) e de
convalescência, também foram motivo de satisfação dos proprietários (MINTO et
al., 2012).
CONCLUSÃO
A técnica de denervação
coxofemoral em cães displásicos com doença articular degenerativa é eficaz no
alívio da dor e, consequentemente, promove uma melhora da função articular. A
reabilitação muscular após a melhora na capacidade de exercitar-se diminui o ID
e aumenta o NorDis, ou seja, reduz a instabilidade. A melhora da qualidade de
vida dos pacientes é motivo de satisfação dos proprietários.
AGRADECIMENTOS
À CAPES pela bolsa de
mestrado e ao CNPq pela bolsa de PIBIC.
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Protocolado
em:21 mar. 2008. Aceito em: 04 dez.
2012.
[i] Cefalotina sódica
[ii] Banamine 10 mg. Schering-Plough Veterinária –
Indústria Química Farmacêutica Schering-Plough S.A. Rua Antônio da Chagas,
1623, 2o andar. São Paulo-SP
[iii] Diazepam 5mg/1ml. Sigma Farma. Nature’s Plus Farm. Ltda. Rodovia SP-
[iv] Acepran 0,2% e 1% – Univet S.A. Indústria
Veterinária. Rua Climaco Barbosa, 700. São Paulo-SP.
[v] Thiopentax 1g, Cristalia – Produtos Químicos
Farmacêuticos Ltda., Rodovia Itapira – Lindóia, km 14, Itapira-SP.
[vi]
Dopalen 10%. Laboratórios Calier do Brasil Ltda. Av. Manoel Pedro
Pimentel, 15. Osasco-SP
[vii]
Diprivan 1%. AstraZeneca
do Brasil Ltda.. Rodovia Raposo Tavares, km 26,9. Cotia Moinho Velho-SP.
[viii] Marcaína 0,5%. AstraZeneca do Brasil Ltda..
Rodovia Raposo Tavares, km 26,9. Cotia Moinho Velho-SP.
[ix] Halothano. Cristália Produtos Químicos
Farmacêuticos Ltda. Av. Paoletti, 363. Itapira-SP
[x] Forane. Abbott Laboratórios do Brasil Ltda.
Rua Michigan, 735. São Paulo-SP