CARCINOMA SÓLIDO DE GLÂNDULA MAMÁRIA COM METÁSTASE
EM MEDULA ESPINHAL
Ana Paula Iglesias Santin,1 Veridiana Maria Brianezi Dignani Moura,1 Naida Cristina Borges,1 Severiana Cândida Mendonça Cunha Carneiro,2 Denise Caroline Toledo3 e Regiani Nascimento Gagno Porto1
1. Professoras doutoras da Escola de Veterinária da UFG
2. Médica veterinária do HV/EV/UFG
3. Graduanda em Medicina Veterinária, EV/UFG.
RESUMO
Neoplasias mamárias
são comuns entre as fêmeas caninas e os carcinomas,
dentre as formas malignas, ocorrem com maior frequência,
particularmente o tipo sólido. Estes podem apresentar-se
pequenos e incipientes à macroscopia, contudo são
invasivos e pouco diferenciados, com possibilidade de produzir
metástases que comprometem a sobrevida do animal. Assim,
descreve-se o caso de uma cadela, da raça Fila Brasileiro, de
seis anos, que apresentou tetraplegia consequente à
metástase medular cervical de carcinoma sólido
mamário.
PALAVRAS-CHAVES: Cão, neoplasia mamária, sistema nervoso central.
ABSTRACT
MAMMARY SOLID CARCINOMA WITH SPINAL CORD METASTASIS
Mammary neoplasias are
common in canine females and carcinomas, among malignant types, occur
frequently, especially solid form. At gross view, it can be small and
incipient, but it’s invasive and show little differentiation,
being able to produce metastasis that can compromise animal survive.
This describes a bitch, Fila Brasileiro, six year old with tetraplegy
and cervical spinal cord metastasis of mammary solid carcinoma.
KEYWORDS: Central nervous system, dog, mammary neoplasia
INTRODUÇÃO
Tumores mamários
figuram entre as principais neoplasias que acometem as fêmeas
caninas (MORRIS & DOBSON, 2001) e fatores hormonais e de
crescimento apresentam papel importante na tumorigênese
mamária, bem como aqueles relacionados à
nutrição (MISDORP, 2002).
As neoplasias
mamárias são observadas com maior frequência em
cadelas adultas a idosas e todas as raças podem ser afetadas
(MISDORP, 2002), incluindo animais sem raça definida (ROCHA
& TOSTES, 2005). Dos possíveis tipos histológicos, os
carcinomas são os de maior ocorrência entre as formas
malignas (MORRIS & DOBSON, 2001), assim como entre os carcinomas o
tipo sólido é o mais frequente, sendo considerado pouco
diferenciado e de caráter invasivo (ZUCCARI et al., 2001).
Metástases de
tumores mamários caninos ocorrem por via linfática ou
venosa (QUEIROGA & LOPES, 2002) e podem produzir focos
metastáticos em diversos órgãos, como
pulmão e sistema nervoso central (SNC) (KOESTNER & HIGGINS,
2002).
Neste contexto, descreve-se
o caso de uma cadela com tetraplegia que apresentava metástase
de carcinoma sólido mamário na medula espinhal e nas
vértebras na altura de C1, C2 e C3. A apresentação
clínica pouco comum de envolvimento medular é uma das
características deste relato.
DESCRIÇÃO DO CASO
Uma fêmea canina, da
raça Fila Brasileiro e seis anos de idade, apresentou
histórico de dificuldade de locomoção e
progressão para tetraplegia havia dois meses. À
mielografia constatou-se interrupção da drenagem do
contraste entre as vértebras cervicais C1 e C4 (Figura 1),
ratificando a suspeita clínica inicial de lesão medular
cervical de origem neoplásica. Diante do prognóstico
reservado e o estado geral do animal, procedeu-se à
eutanásia e ao exame necroscópico. À
análise da cadeia mamária constatou-se nódulo
único, de consistência firme, superfície
ligeiramente irregular, móvel e medindo 3 cm de diâmetro,
em mama abdominal cranial esquerda. Os pulmões apresentavam
múltiplas nodulações que variavam entre 0,5 e 3 cm
de diâmetro (Figura 2A).
Na altura das vértebras cervicais foi observado aumento de
volume de aspecto neoplásico, infiltrando vértebras
cervicais C1, C2 e C3, assim como comprimindo medula espinhal
correspondente (Figura 2B).
Para a
determinação da histogênese neoplásica,
fragmentos de nódulos mamário e pulmonares, bem como de
vértebra, incluindo neoplasia em canal medular, foram colhidos,
fixados em formol tamponado a 10%, processados e corados com HE.
À microscopia do nódulo mamário, foi verificada
proliferação de células epiteliais
neoplásicas que se infiltravam para o interior dos
lóbulos, havendo impactação de alvéolos e
ductos, conferindo aspecto sólido ao neoplasma. Observaram-se,
ainda, quantidade moderada de trabéculas de tecido fibroso,
figuras de mitose e células neoplásicas no interior de
vasos sanguíneos, sendo os achados compatíveis com
carcinoma sólido de glândula mamária (Figuras 3A e 3B).
Fragmentos de pulmão e massa vertebral apresentaram aspecto
histológico semelhante ao da mama, caracterizando focos
metastáticos da neoplasia primária da mama (Figuras 3C e 3D).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Segundo MORRIS & DOBSON (2001) e RUTTEMAN et al.
(2001), neoplasias mamárias ocorrem em cadelas idosas, com
média de dez anos. Apesar disso, MISDORP (2002) e DE NARDI et al.
(2002) referem a ocorrência em animais acima de seis anos, idade
esta semelhante à do animal deste relato. De acordo com esse
mesmo autor, as raças mais afetadas são Pointer,
Retrievers, English Setters, Spaniels, Poodles, Boston Terriers e
Dachshunds. Neste caso, o carcinoma mamário foi diagnosticado em
uma cadela da raça Fila Brasileiro, o que está de acordo
com MISDORP (2002), que refere a possibilidade de ocorrência da
neoplasia em qualquer raça canina.
Segundo LOAR (1992) e RUTTEMAN et al.
(2001), tumores mamários caracterizam-se clinicamente por
nódulos únicos (75%) ou múltiplos (25%) no
interior da glândula mamária. No caso apresentado, a
cadela apresentava nódulo único e pequeno na mama
abdominal cranial esquerda, que passou despercebido clinicamente por
seu tamanho reduzido e, somente ao exame necroscópico, este foi
detectado e apontado como possível sítio primário
da neoplasia medular cervical detectada ainda em vida. Ainda, de acordo
com QUEIROGA & LOPES (2002) e ROCHA & TOSTES (2005), a maioria
das neoplasias mamárias ocorre nas mamas inguinais. Apesar
disso, o tumor mamário da cadela em questão encontrava-se
na mama abdominal cranial, que, segundo esses mesmos autores,
também constitui local comum de ocorrência de processos
dessa natureza. Já RUTTEMAN et al.
(2001) referem as mamas inguinais e abdominais caudais como
sítio frequente de neoplasia mamária, especulando que a
alta ocorrência nessas mamas se deva ao maior volume de tecido
mamário que estas possuem.
KOESTNER & HIGGINS
(2002) referem que as neoplasias primárias mais comuns com
metástase no SNC são carcinomas nasal, pulmonar,
mamário e renal. Ainda, de acordo com o mesmo autor, pode
ocorrer metástase dessas neoplasias também para a coluna,
gerando compressão medular e comprometimento de
movimentação e sensibilidade corporal, sendo observada
situação similar neste caso, em que o carcinoma
metastático da região cervical comprimiu a medula
espinhal, infiltrou na medula óssea e culminou com a tetraplegia
do animal. Outros autores também descrevem casos peculiares de
disseminação dos tumores mamários em cadelas, como
MANDARA et al. (2007), que
relataram o SNC como sítio metastático de carcinoma
sólido de glândula mamária, com envolvimento da
leptomeninge cerebelar. Já ALVES et al.
(2006) descreveram um caso raro de neoplasias sincrônicas no SNC,
acometendo uma fêmea canina da raça Boxer, de nove anos,
sendo uma de origem primária (oligodendroglioma) e outra
secundária (adenocarcinoma mamário metastático).
ZUCCARI et al.
(2001) referem que os carcinomas, independente do tipo, apresentam
prognóstico reservado, tendendo a desfavorável, como
observado neste animal. Quanto às características
microscópicas, todas as descritas por MISDORP (2002) foram
observadas no presente relato, com ênfase na
proliferação de células neoplásicas e na
impactação alveolar, que também são
destacadas por ZUCCARI et al.
(2001) como características histológicas importantes dos
carcinomas sólidos, frequentemente apontados nos casos em que
há disseminação, pois apresentam alto grau de
malignidade e invasão (MISDORP, 2002; MANDARA et al., 2007).
Neoplasias mamárias
malignas, independente do tamanho na apresentação
clínica, frequentemente causam metástases pulmonares.
Contudo, ossos e SNC também compreendem possíveis locais
para a ocorrência desse fenômeno de
disseminação neoplásica, sendo o exame
histopatológico essencial para a determinação da
origem e classificação desses tumores. Vale destacar que
o exame minucioso da cadeia mamária deve ser realizado,
especialmente em fêmeas caninas com sinais de doença
neoplásica óssea e/ou nervosa.
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Protocolado em: 7 mar. 2008. Aceito em: 12 set. 2009.