INTRODUÇÃO
A
Pteridium aquilinum,
popularmente conhecida por samambaia, é um dos vegetais tóxicos mais
preocupantes em vários países do mundo, incluindo o Brasil. No Paraná é
uma das plantas tóxicas que causa grandes prejuízos à pecuária bovina,
ocorrendo em 105 municípios (MARÇAL
et al.,
2001), dos 399 existentes (FERREIRA, 1996). Embora em algumas fazendas
as pastagens sejam renovadas, ainda assim a samambaia persiste, em
proporções que variam de, no mínimo, brotos quase imperceptíveis a
estruturas herbáceas bem desenvolvidas (MARÇAL
et al., 2001).
OLIVEIRA
et al. (1998), em
pesquisa requisitada por pecuaristas da região nordeste do Paraná,
verificaram pela anamnese, nos municípios de Santo Antônio da Platina,
Ibaiti e Arapoti, que o problema de intoxicação pela planta era mais
frequente nos animais de primeira cria ou em vacas na faixa etária de
quatro a cinco anos. Os bovinos apresentavam urina com coloração
avermelhada, emagrecimento progressivo e prostração, com quadro clínico
irreversível, culminando em alguns óbitos.
Nesse aspecto, a ciência busca, cada vez mais, encontrar meios para
controle epidemiológico, já que, em algumas localidades do Paraná,
existe a predileção da planta por solos pobres e ácidos ou crescimento
sem controle devido à topografia íngreme. Muitos pecuaristas utilizam
essas áreas com pastagem para cria e recria de bovinos, levando as
instituições de pesquisa a buscar meios para o diagnóstico precoce,
sobretudo da Hematúria Enzoótica dos Bovinos (HEB); nesse processo, os
biomarcadores tumorais podem ser um importante instrumento de
diagnóstico.
Nos últimos anos, pesquisas com o ácido siálico como biomarcador
tumoral têm merecido destaque científico. Localizados nas posições
terminais de glicoconjugados (glicoproteínas e glicolipídios) da
superfície e da membrana celular, o ácido siálico está intimamente
envolvido em processos biológicos fundamentais à manutenção da vida,
mas em funções diferentes daquelas normalmente atribuídas a
carboidratos, como armazenadores de energia (glicogênio e amido, por
exemplo) ou como componentes de blocos estruturais (quitina e
celulose). O envolvimento do ácido siálico inclui processos biológicos
como, por exemplo, as funções de mediadores na adesão célula-célula,
mediadores na comunicação intercelular, renovadores celulares,
receptores para bactérias e vírus, entre outras (WILSON & VON
ITZSTEIN, 2003; SEARS & WONG, 1999).
GOTTSCHALK (1951) isolou pela primeira vez o ácido siálico mais
abundante nos eucariontes, o ácido N-acetilneuramínico. Cerca de 50
tipos de ácido siálico ocorrem na natureza, diferindo entre si por
variações de grau de substituição e oxidação no esqueleto carbônico, e
tendo como molécula precursora a N-acetil-D-manosamina ou simplesmente
NanaNac (ANGATA & VARKI, 2002).
Na enfermidade HEB, as células tumorais produzem em sua superfície
quantidade razoável de mucina (glicoproteínas), presente também no
interior da bexiga na forma de muco. Pesquisa conduzida por SINGH
et al.
(1980) demonstrou a correlação entre a produção excessiva de
mucoproteína nos animais com HEB e o ácido siálico, comprovando que ele
pode ser considerado um biomarcador para bovinos no processo neoplásico
no tumor de bexiga.
MAKIMURA & USUI (1990) destacaram a inter-relação entre o ácido
siálico e o aumento de neutrófilos em bovinos acometidos por doenças
inflamatórias. MANOHAR
et al.
(1993) comprovaram, em elevada significância (P<0,01), a correlação
entre o ácido siálico e o carcinoma etmoidal em bovinos, provando que o
ácido siálico é um carboidrato envolvido nos processos inflamatórios e
no desenvolvimento tumoral.
Ensaios conduzidos por CITIL
et al. (2004) e GUNES
et al.
(2004) comprovaram, respectivamente, o aumento sérico do ácido siálico
como um marcador inflamatório em bovinos com reticuloperitonite
traumática e o alto nível do mesmo em lesões oculares em bezerros com
ceratoconjuntivite infecciosa bovina.
Determinar as concentrações séricas do ácido siálico em novilhas em pastagens infestadas pela planta
Pteridium aquilinum
e compará-las com os níveis normais de ácido siálico em novilhas sadias
é a fase preliminar de uma pesquisa com biomarcadores, auxiliando na
rapidez e efetividade do diagnóstico precoce da Hematúria Enzoótica dos
Bovinos (HEB).
MATERIAL E MÉTODOS
Como procedimento de pesquisa, para testar o ácido siálico como um
provável biomarcador tumoral, avaliaram-se dois grupos distintos de
fêmeas da raça Nelore. O grupo 1 (controle) era composto de 19 novilhas
clinicamente sadias e o grupo 2 (experimental) constituído de 29
novilhas nascidas em propriedade rural com pastagens infestadas com a
planta
Pteridium aquilinum
(samambaia) e endêmica para hematúria enzoótica dos bovinos, sendo que,
na data da coleta de sangue, verificou-se hematúria em duas fêmeas
estudadas.
A fazenda do grupo 2 (experimental) localiza-se no município de São
Jerônimo da Serra – Paraná, com altitude de 920 metros, Latitude de
23°44’06” S Longitude de 50°40'48" W (FERREIRA, 1996, p. 632). Essa
região registra há décadas elevadas prevalências de casos clínicos de
HEB e, segundo relato dos funcionários da fazenda pesquisada,
anualmente surgem na propriedade cerca de 30 a 40 novos casos de HEB e
dois a três casos de carcinoma epidermóides do trato digestivo superior
(CETDS), mas nunca se registrou caso de diátese hemorrágica. Na data de
realização do experimento, o rebanho total era de 608 animais, em uma
área total de 1769 hectares; porém, somente 920 hectares estavam sendo
utilizados como área de pastagem. Aproximadamente 90% dos pastos são
constituídos de Brachiaria brizanta, entremeados de samambaia. O
terreno é acidentado e íngreme, o que favorece o desenvolvimento da
Pteridium aquilinum,
dificultando o seu controle e a tecnificação do solo. Os animais eram
suplementados no inverno com protéicos a base de uréia e no verão
recebiam sal mineral.
A outra propriedade, à qual pertencia o grupo 1 (controle), é uma
estação experimental da ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz), localizada no município de Londrina, estado do Paraná, com
altitude de 576 metros, Latitude de 23°23'30"S Longitude de 51°11'30"W
(FERREIRA, 1996, p. 405). A área total da propriedade é de 3686
hectares, sendo 2070 hectares de pastagem. A pastagem predominante é
Panicum maximum cultivar Colonião; porém, foram formadas novas áreas
com
Panicum maximum cultivares Tanzânia e Mombaça, além de
Brachiaria brizantha. Ainda existem pastos antigos com grande participação do
Paspalum notatum (grama batatais).
A fazenda detinha, no período do experimento, um rebanho de 5576
cabeças, sendo que 2115 eram matrizes. O controle sanitário da
propriedade é rigoroso, por ser uma instituição voltada à pesquisa;
portanto, os animais são vacinados anualmente contra Febre Aftosa e
Clostridiose, sendo as bezerras vacinadas também contra Brucelose. A
vermifugação é feita uma vez ao ano no gado adulto e três vezes ao ano
nos jovens.
Para a realização do experimento, foram selecionadas 19 novilhas (15 a
24 meses de idade). Todas elas passaram por anamnese clínica e
apresentavam ausência de febre, inexpressiva carga ectoparasitária,
estavam hidratadas, com movimentos ruminais e fezes normais, além de
peso e tamanho adequados à sua idade.
O sangue para pesquisa do ácido siálico foi coletado da veia coccígena,
por meio de agulhas descartáveis e tubos Vacuntainer® (Becton
Dickinson, New Jersey, USA) com gel separador. Houve necessidade de
centrifugação de algumas amostras a 3000 rpm por cinco minutos para
obtenção do soro. Os soros foram armazenados em tubos, que foram
alocados em freezer com temperatura inferior a –30º C, onde
permaneceram até a data em que se mensurou o ácido siálico. A análise
laboratorial do ácido siálico foi realizada através do método do
tiobarbitúrico, descrito por Warren (1985). A leitura para a
quantificação do ácido siálico foi feita pelo método de
espectrofotometria e, para isso, foi utilizado o equipamento
Espectronic Hélios ® Computadorizado Duplo Feixe Termoestatizado,
pertencente ao Hospital Universitário da Universidade Estadual de
Londrina, em Londrina-PR.
Os dados obtidos no experimento foram submetidos a análise de variância
e para comparação das médias foi realizado o teste de Tukey,
utilizando-se o programa SAEG (1998).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A representação do ácido siálico como biomarcador inflamatório e
tumoral é inquestionável de acordo com os trabalhos conduzidos por
GUNES
et al. (2004), CITIL
et al. (2004), MANOHAR
et al. (1993) e MAKIMURA & USUI (1990). Entretanto, o resultado do experimento demonstrado na
Tabela 1,
destaca que não foram significativas as diferenças entre as médias dos
grupos controle e experimental, na tentativa de diagnóstico precoce
para HEB. A média do ácido siálico nas novilhas Nelore nascidas em
propriedade onde não há samambaia na pastagem nem registro clínico da
enfermidade HEB foi de 0,611 ± 0,225 g/L. O valor é muito próximo ao
encontrado nas novilhas nascidas e criadas em propriedade endêmica para
HEB, com elevada infestação de samambaia, média igual a 0,615 ± 0,258
g/L. Cabe ressaltar que duas das 29 novilhas examinadas já estavam com
sinal clínico clássico da hematúria enzoótica dos bovinos, ou seja,
apresentavam sangue na urina na data de coleta do material
biológico.
Ensaios e pesquisas que propiciam a antecipação diagnóstica de
enfermidades em animais de produção, sobretudo nos bovinos, são sempre
desafiadores porém necessários, bem como confrontar um grupo de animais
sadios contra um de animais prestes a desenvolver tumores, como é o
caso da proposta deste experimento.
Mensurar o nível do ácido siálico sérico é a etapa inicial do estudo em
busca de um diagnóstico precoce para hematúria enzoótica dos bovinos
utilizando-se biomarcadores tumorais e/ou inflamatórios. A mensuração
desse ácido teve início na década de 80, como ferramenta de patologia
clínica, através de pesquisa conduzida por SINGH
et al.
(1980). Na ocasião, esses pesquisadores verificaram o nível da
mucoproteína e do ácido siálico em quatro animais saudáveis e sete
hematúricos com o objetivo de comparar valores entre os dois grupos de
animais. No exame post-mortem dos animais hematúricos foi relatada a
presença de hemangioma, adenoma e adenocarcinoma na bexiga urinária,
além de aumento entre 35% e 50% nos níveis de mucoproteína e ácido
siálico no sangue desses animais, respectivamente. Isso pode ser
reflexo da reação tecidual e da presença de neoplasias.
Nota-se pela literatura consultada haver um hiato de tempo, com início
na década de 80 e com novas mensurações somente uma década após. Isso
provavelmente é reflexo do alto custo operacional de análises
laboratoriais, o que já não representa fator limitante no século atual.
À medida que a ciência e a tecnologia evoluem, é de se esperar que o
custo analítico também seja mais acessível e possível em novos desafios
experimentais, a exemplo do que está se propondo no presente trabalho.
CONCLUSÃO
Nesta pesquisa o ácido siálico não se demonstrou efetivo como
biomarcador, quando testado em novilhas nascidas e criadas em
propriedade endêmica para Hematúria Enzoótica dos Bovinos, algumas
inclusive com o sinal clínico da enfermidade.
REFERÊNCIAS
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Protocolado em: 06 mar. 2008. Aceito em: 21 fev. 2011.