DOI: 10.1590/1089-6891v16i433639
MEDICINA VETERINÁRIA
CARACTERIZAÇÃO FILOGENÉTICA MOLECULAR E RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE Escherichia coli ISOLADAS DE CAPRINOS NEONATOS COM DIARREIA
MOLECULAR-PHYLOGENETIC CHARACTERIZATION AND ANTIMICROBIAL RESISTANCE OF Escherichia coli ISOLATED FROM GOATS WITH DIARRHEA
Rodrigo Almeida Guimarães1
Domingos Fernandes Lugo Neto1
Mauro de Mesquita Souza Saraiva1
Ricardo Pereira Lima2
Mercia Rodrigues Barros3
Mateus Matiuzzi da Costa4
Celso Bruno Oliveira5
Danilo Tancler Stipp2*
1Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Agrárias, Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Areia, PB, Brasil.
2Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Agrárias, Departamento de Ciências Veterinárias, Areia, PB, Brasil.
3Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Medicina Veterinária, Recife, PE, Brasil. 4Universidade Federal do Vale do São Francisco, Colegiado Acadêmico de Zootecnia, Petrolina, PE, Brasil. 5Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Agrárias, Departamento de Zootecnia, Areia, PB, Brasil.
*Autor para correspondência - stipp@cca.ufpb.br
Resumo
A diarreia neonatal determina alterações significativas na conversão alimentar, resultando na queda da produtividade de caprinos. A resistência antimicrobiana em bactérias caracteriza-se como importante problema de saúde pública, assim, a Escherichia coli pode ser caracterizada como importante patógeno por expressar mecanismos de virulência responsáveis por significativas afecções clínicas em seres humanos e animais. O presente estudo avaliou a presença de E. coli em 117 amostras fecais de caprinos e analisou a resistência antimicrobiana dos isolados. Colônias sugestivas foram submetidas a testes bioquímicos, seguido de determinação do grupo genotípico e análise filogenética; posteriormente foram submetidas à prova de suscetibilidade a antimicrobianos. Foram identificados isolados de E. coli, Salmonella spp, Shigella sonnei e Enterobacter aerogenes. Isolados de E. coli foram classificados filogeneticamente em B2 (9/39), D (19/39), B1 (7/39) e A (4/29). Os fatores de virulência identificados foram K99 (04/39) e Stx (02/39). À prova de suscetibilidade antimicrobiana, os isolados foram sensíveis a Cloranfenicol, Estreptomicina, Amoxicilina e Ciprofloxacina, sendo todos resistentes à Lincomicina, Vancomicina e Penicilina. Os resultados reforçam a necessidade de estabelecimento de protocolos criteriosos para o uso de antimicrobianos, medida fundamental para o aprimoramento da sanidade dos rebanhos caprinos brasileiros.
Palavras-chave: antibióticos; bactérias; caprinos; E. Coli.
Abstract
Neonatal diarrhea determines significant changes in feed conversion, causing productivity loss in caprine herds. The antimicrobial resistance in bacteria is characterized as an important public health issue; therefore, Escherichia coli may be characterized as an important pathogen due to expressing virulence mechanisms responsible for significant clinical conditions in humans and animals. The present study evaluated the presence of E. coli among 117 caprine fecal samples and analyzed the isolates for antimicrobial resistance. Suggestive colonies were submitted to biochemical screening followed by genotypic group determination and phylogenetic analysis; further, the samples were submitted to antimicrobials susceptibility test. E. coli, Salmonella spp, Shigella sonnei and Enterobacter aerogenes were identified. E. coli isolates were phylogenetically classified as B2 (9/39), D (19/39), B1 (7/39) e A (4/29) groups. The analysis of the isolates also revealed the presence of K99 (04/39) and Stx (02/39) virulence factors. Antimicrobial susceptibility test revealed sensitive isolates to Chloramphenicol, Streptomycin, Amoxicillin and Ciprofloxacin, being all resistant to Lincomycin, Vancomycin and Penicillin. The results support the need of establishing restricted protocols for antimicrobial use, a fundamental procedure for health improvement in Brazilian caprine herds.
Keywords: antibiotics; bacteria; caprine; E. coli.
Enviado em: 18 janeiro 2015
Aceito em: 20 agosto de 2015
As bactérias da família Enterobacteriaceae estão amplamente distribuídas na natureza, encontradas no solo, água, vegetais e no trato intestinal de seres humanos e animais. Os membros desta família são agrupados, arbitrariamente, em três categorias, sendo classificados como: patógenos principais determinantes de doenças entéricas e sistêmicas; patógenos oportunistas, que ocasionalmente determinam doença clínica além do trato alimentar; e não-patógenos.
Além da virulência, a resistência a antimicrobianos em cepas de Escherichia coli tem sido motivo de grande preocupação para a saúde pública, principalmente diante da evidência de que antibióticos exercemumapressãoseletivatantoembactériaspatogênicasquantonascomensaisdamicrobiota. Desta forma, o aumento do uso de agentes antimicrobianos na clínica de pequenos animais, particularmente os de amplo espectro, tais como fluorquinolonas, cefalosporinas, e penicilinas associadas ao ácido clavulâmico têm agravado o problema da resistência microbiana. A emergência de fenótipos de resistência de relevância clínica como, por exemplo, as betalactamases de espectro estendido (ESBL) e a multirresistência em cepas de E. coli de origem animal ilustram bem a gravidade do problema(1). Os antimicrobianos, quando usados como promotores de crescimento na alimentação animal, podem exercer forte pressão seletiva sobre os patógenos e a microbiota saprofítica, principalmente quando utilizados abusivamente, podendo resultar no aparecimento de resistência quer seja na microbiota saprofítica e/ou patogênica, em dependência da codificação de genes para resistência antimicrobiana pela ação de plasmídeos e transposons. A terapia antimicrobiana é comumente utilizada para controlar e prevenir infecções, mas esta prática pode selecionar bactérias resistentes. A ingestão de alimentos contendo resíduos de fármacos pode ocasionar resistência bacteriana aos antimicrobianos utilizados rotineiramente na terapêutica humana, dificultando o tratamento de enfermidades infecciosas humanas(2). A resistência a drogas pode ser carreada por plasmídeos, bem como mutações cromossômicas que ocorrem espontaneamente(3). Resistência a multidrogas têm sido descrita em humanos e suínos em isolados de E. coli. Bactérias formadoras de biofilmes são mais resistentes a drogas antimicrobianas, como foi determinado em outros patógenos veterinários, como Pseudomonas aeruginosa, Aeromonas hydrophila e Staphylococcus aureus(1).
A origem evolutiva de E. coli, especialmente de isolados extraintestinais, tem sido estudada pela análise da presença de fatores de virulência em relação à organização populacional desta bactéria em diferentes grupos, a qual é definida por métodos filogenéticos(4). Nas análises filogenéticas, tem- se verificado que cepas podem ser classificadas em quatro grupos principais conhecidos para esta espécie bacteriana, sendo: A, B1, B2 e D(5). As cepas virulentas geralmente classificam-se no grupo B2, porém algumas são classificadas no grupo D. Por outro lado, as cepas comensais pertencem aos grupos A e B1(6-8). Cepas extraintestinais patogênicas e comensais de E. coli diferem de acordo com os fatores de virulência, expressos por genes geralmente agrupados em ilhas de patogenicidade, proporcionando um mecanismo de transferência horizontal coordenada desses genes de virulência(9). Três candidatos a marcadores de patogenicidade têm sido estudados: chuA, um gene necessário para o heme-transporte em E. coli enterohemorrágica (0157:H7)(10,11); yjaA, um gene inicialmente identificado no genoma de E coli K12, cuja função ainda é desconhecida(12) e um fragmento de DNA designado TSPE4.C2(11). Cepas toxigênicas de E. coli causam diarreia aquosa profusa e/ou lesões vasculares sistêmicas devido à liberação de enterotoxinas como as toxinas termo-lábil (LT), termo- estável (Sta e Stb) e Shiga toxina (Stx2e)(13).
As fímbrias, também consideradas fatores de virulência, permitem a aderência dessas bactérias a receptores específicos localizados na superfície de enterócitos. Cinco diferentes tipos principais de fímbrias foram descritos em isolados de E. coli toxigênicas (ETEC) de origem suína: K88, K99, 987P, F18 e F41(14). A partir da aderência, essas bactérias colonizam a superfície celular e lá secretam as toxinas envolvidas no processo de diarreia. Após a adesão, E. coli enterotoxigênicas produzem toxinas (ST e LT) que induzem a hipersecreção pelas células do intestino ou que interferem na síntese proteica das células (Stx2e) acarretando diarreia nos animais(15-17).
O presente estudo teve como objetivo identificar cepas de E. coli, a partir de isolados obtidos de fezes de caprinos com diarreia, determinar o perfil de resistência das cepas isoladas frente a diferentes antimicrobianos e identificar os fatores de virulência e sua classificação filogenética.
No período de março de 2013 a maio de 2014 foram coletadas 117 amostras de fezes diarreicas de caprinos em 24 propriedades, no estado da Paraíba, com até 90 dias de idade. As amostras foram armazenadas em frascos universais de coleta estéreis e sob refrigeração por até 15 dias.
A identificação bacteriana foi realizada por meio de etapa prévia de enriquecimento em caldo Brain Heart Infusion (BHI) e, posteriormente, semeadas em meio Levine com incubação por 24 horas a 37,5 °C. As colônias sugestivas de enterobactérias foram submetidas à análise bioquímica por meio de inoculação em meio TSI, Citrato, SIM, VM e VP, com leitura após 24 horas e análise de acordo com o manual Bergey. As colônias sugestivas foram estocadas, mantidas em caldo Triple Sugar Iron (TSI) e, posteriormente, transferidas para BHI glicerinado, sendo mantidas sob à temperatura de -20 ºC até o seu uso.
Os isolados foram enriquecidos em caldo BHI e novamente semeados sem Agar MacConkey, sendo incubados por 24 horas a 37 °C. Colônias isoladas foram coletadas e ressuspendidas em microtubo contendo 500 μL de água estéril ultrapura. As suspensões foram aquecidas a 100 °C por 10 minutos e, em seguida, mantidas em gelo por 10 minutos e centrifugadas a 12.000 RPM por 3 minutos, sendo retirado ao final do processo o sobrenadante com o DNA bacteriano.
Para a realização da técnica de multiplex-PCR (mPCR) foi preparada solução “mastermix” composta de: 15 μL de H2O milli-Q, 2,5μL de tampão, 1 μL MgCl2, 1 μL dNTPs, 1 μL de cada primer (Tab 01) e 0,5 μL Taq polimerase. Foram utilizados 22 μL da solução “mastermix” acrescidos de 3 μL de água estéril ultrapura como controle negativo e 3μL de cada amostra de DNA. A amplificação dos genes ChuA (279pb) e YjaA (211pb) consistiu de desnaturação a 94 °C por 4 min.; seguido por 30 ciclos de 94 °C por 30s, 55 °C por 30s e 72 °C por 30s; com extensão final à 72 °C por 7 min. A amplificação do gene TspE4C2 (152pb) consistiu de desnaturação a 94 °C por 3 min.; seguido por 35 ciclos de 94 °C por 3 min., 55 °C por 1min. e 72 °C por 45s; com extensão final à 72 °C por 7 min. A amplificação dos genes de virulência K99 (543pb), Stx (758pb), K88 (855pb), Sta (158pb), StbP (113pb) e LT (272pb) consistiu de 35 ciclos de 94 °C por 30s, 55 °C por 30s e 72 °C por 90s; com extensão final à 72 °C por 10 min. O gel foi visualizado sob luz ultra violeta e fotografado.
Para o teste de sensibilidade a antimicrobianos, foi utilizada a técnica de difusão em ágar, segundo as recomendações de Woods e Washington(18). A partir das amostras de E. coli isoladas em ágar triptona de soja por 24h a 37 °C, foi utilizada uma solução salina autoclavada e diluídas as colônias de bactérias até se atingir o equivalente à escala 0,5 MacFarland e inoculadas em ágar Muller-Hinton. As placas foram incubadas por 18h a 37 °C. Foram utilizados discos de Amoxicilina e Ácido Clavulâmico (ì30), Ampicilina (ì10), Cefalexina (ì30), Ciprofloxacina(ì5), Cloranfenicol (ì30), Estreptomicina (ì300), Gentamicina (ì10), Lincomicona (ì2), Penicilina G (ì10), Sulfametoxazoletrimetopima (ì25), Tetraciclina (ì30), Vancomicina (ì30). Após a incubação, os halos de inibição foram medidos e os padrões de susceptibilidade foram determinados segundo o Manual Clinical and Laboratory Standards Institute (CSLI, 2007)(19).
As amostras foram submetidas às análises bioquímicas e identificadas resultando em 47% (55/117) de isolados indiferenciados, 33% (39/117) de isolados de E. coli, 10% (12/117) de Shigella sonnei, 6,83% (8/117) de Enterobacter aerogenes, 0,85%(1/117) de Salmonela spp., 0,85% (1/117) de Providencia spp. e 0,85% (1/117) de Klebsiella pneumoniae.
A escolha dos 12 agentes antimicrobianos para verificar as suscetibilidades entre os isolados clínicos foi baseada em protocolos sugeridos pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI)(19) para Enterobactérias Gram negativas. Os antibióticos testados são de uso frequente na clínica veterinária de animais de produção.
A prova de sensibilidade a antimicrobianos demonstrou que todas as amostras foram resistentes à Lincomicina, Vancomicina e Penicilina, seguido de 38,46% (15/39) à Tetracicilina, 35,89% (14/39) à Cefalexina e 33,33% (13/39) à Sulfametoxazol e Trimetopima. A sensibilidade bacteriana encontrada nas amostras analisadas foi de 92,30% (36/39) para Estreptomicina, Amoxicilina e Ácido Clavulânico, e Cloranfenicol.
Com relação à multirresistência a drogas (MDR), caracterizada como a resistência a três ou mais agentes antimicrobianos, algumas amostras obtiveram 100% de resistência. O fenótipo mais frequente de MDR foi o de resistência à Penicilina,Vancomicina e Lincomicina de 100% das cepas (Fig. 1).
Os isolados de E. coli foram caracterizados genotipicamente, sendo 10,2% (4/39) pertencentes ao grupo A, 17,9% (7/39) ao grupo B1, 23,07% (9/39) ao grupo B2 e 48,71% (19/39) ao grupo D. Considerando que cepas virulentas são geralmente classificadas nos grupos B2 e D, um total de 71,78% (28/39) das cepas caracterizadas são possíveis de serem patogênicas. Seis (15%) amostras analisadas foram positivas para um ou mais fatores de virulência, sendo quatro (10,2%) positivas para K99 e duas (5,12%) para Stx, indicando a presença de possível potencial patogênico nas amostras(20).
A caracterização de E. coli quanto ao padrão de resistência a antibióticos e a identificação do padrão de virulência são informações fundamentais para a caracterização de isolados clínicos, tanto de animais, como da água e do ambiente; além de possibilitarem discriminar o potencial patogênico dessas bactérias e a identificação de clones patogênicos emergentes(21). Bactérias estão amplamente disseminadas em diferentes espécies de hospedeiros e também no meio ambiente. Além disso, podem apresentar multirresistência a antimicrobianos comumente utilizados na produção(22,23). A lincomicina é um dos antimicrobianos autorizados no Brasil para uso na avicultura, como aditivo na alimentação. O uso de antibióticos nas medicinas veterinária e humana é considerado um fator importante para promover a seleção e disseminação de microrganismos resistentes(24). Neste trabalho, verificou-se também que, independentemente do tipo de criação, os isolados de E. coli apresentaram resistência de 100,0% para lincomicina. A produção da enzima Beta-lactamase é o mais comum mecanismo de produção de resistência frente a antibióticos beta-lactâmicos em bactérias Gram negativas. O uso contínuo de antibióticos de amplo espectro induz a produção destas enzimas(25).
Dentre os isolados analisados, todos apresentaram resistência há pelo menos três dos agentes antimicrobianos testados e 75% apresentaram resistência a mais de três antimicrobianos. A multirresistência tem sido citada por diversos autores(21,26), apresentando níveis mais elevados em cepas isoladas de suínos quando comparada a bovinos e ovelhas, fato que se deve à pressão seletiva causada pelo uso indiscriminado de antimicrobianos, provavelmente na ração animal como promotor de crescimento(27). Esta resistência é importante, podendo ser transmitida aos humanos, tanto através da colonização direta do intestino por cepas de E. coli animal quanto pela transmissão de genes de resistência a bactérias residentes no intestino humano.
O maior índice de sensibilidade foi observado para Amoxicilina, Ácido Clavulânico, Estreptomicina e Cloranfenicol, em 92,30% dos isolados; seguido por Ciprofloxacina em 84,61% dos isolados. Em estudo realizado em carcaças suínas, obteve-se porcentagem semelhante à do presente estudo em relação à sensibilidade dos isolados à Ciprofloxacina, com 88,2 %(23), mas com diferença de resultados em relação à Nitrofurantoína, em que apenas 17,6% dos isolados foram sensíveis. A divergência observada pode ser atribuída à variabilidade das estirpes e ao crescente aumento da resistência antimicrobiana entre as enterobactérias(28). Aos antimicrobianos Sulfametoxazol e Trimetoprim, 87,5% dos isolados foram sensíveis, resultado semelhante ao descrito por Varga et al.(29), que verificaram 93,6% dos isolados de E. coli, de suínos saudáveis, sensíveis ao mesmo. A maior resistência dos isolados foi observada para tetraciclina com 93,7%. Isto não é surpreendente, uma vez que a tetraciclina é utilizada há muitos anos como promotor de crescimento para animais. Apesar de sua proibição de uso em animais de produção, um isolado (2,56%) foi resistente ao Cloranfenicol, e dois isolados (5,12%) com sensibilidade intermediária, indicando seu possível uso em animais de produção. A identificação de resistência para Cloranfenicol indica um sério problema à saúde pública. Desta maneira, monitorar a resistência de bactérias isoladas de animais a diferentes grupos de antibióticos torna-se um fator determinante para eleição e êxito do tratamento, bem como eliminar, através do uso de antibióticos específicos, a presença de linhagens carreadoras de genes relacionados à patogenicidade de E. coli.
A análise filogenética determinou maior proporção de isolados classificados nos grupos B2 e D, sendo estes grupos os de maior virulência e com possibilidades de serem patogênicos. Estes resultados são semelhantes aos descritos por Bingen et al.(30) em humanos. Estudos demonstraram que as mais importantes cepas de E. coli encontradas pertenciam aos grupos B1 e D, diferente de dados obtidos em estudos com humanos, os quais observaram maior prevalência de isolados dos grupos A e B2. Em outro estudo, foi descrita uma maior incidência de isolados do grupo D em amostras aviárias(31). Em amostras de origem humana, são comumente detectados isolados do grupo B2(32). Essas diferenças podem estar relacionadas com a alta sensibilidade a antimicrobianos e à maior ou menor virulência. Em comparação, cepas isoladas de animais são mais resistentes a antimicrobianos. Algumas variações podem estar associadas a regiões geográficas e/ou características individuais das espécies de hospedeiros.
Estudos sugerem que os isolados de E. coli podem ter uma origem múltipla, uma de linhagem patogênica e outra de linhagem não patogênica possivelmente aperfeiçoada pela aquisição horizontal de genes virulentos. Silveira et al.(33) e Baccaro et al(20) pesquisaram genes de toxinas (StaP, Stb e LT) e fímbrias (K88, K99, 987P, F41) isoladas de suínos diarreicos e identificaram, respectivamente, 27,3% e 24,3% das amostras com fatores de virulência. No presente estudo, as frequências de detecção dos genes K99 foi de 10,25% e de 5,12% para o gene Stx, diferentemente do que foi descrito por aqueles autores.
Fairbrother et al.(16) analisaram, por meio da PCR, isolados de E. coli de suínos com diarreia e constataram que em 75% e 65,5% dos casos, respectivamente, as amostras apresentaram resultado positivo para pelo menos um dos genes fimbriais (F18, F41, K88 e K99) ou toxinas (Sta, Stb, LT e Stx2e) pesquisados. No entanto, a análise para o gene Stx2 não foi incluída no estudo de Fairbrother et al.(16) e as amostras analisadas foram positivas para apenas um dos genes testados, isto é, amostras positivas para o gene Stx não foram positivas para nenhum outro gene testado, e amostras positivas para o gene fimbrial K99 também não foram positivas a nenhum outro gene.
Os isolados de E. coli foram identificados como pertencentes a grupos filogenéticos de elevada virulência (B2 e D), sendo observados fatores de virulência (K99 e Stx) que indicam potencial patogênico significativo das amostras, o que apresenta uma provável relação como determinante da diarreia nos rebanhos investigados.
Foi observada significativa resistência antimicrobiana entre algumas drogas testadas, implicando uma emergente necessidade de controle das drogas disponíveis para o uso em Medicina Veterinária e também a necessidade de descoberta de novas drogas que não possuam elevado índice de resistência. Os resultados reforçam a necessidade de estabelecimento de protocolos criteriosos para o uso de antimicrobianos para se limitar esta resistência.
A utilização de métodos eficazes de diagnóstico de microrganismos envolvidos nas infecções constitui uma importante etapa do processo de vigilância quanto à identificação de cepas bacterianas resistentes a antimicrobianos. Além disso, atualizações constantes por meio de publicações de novos estudos sobre o estado de resistência aos antimicrobianos, especialmente os mais utilizados na medicina veterinária, são fundamentais para o aprimoramento da sanidade dos rebanhos caprinos brasileiros.
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