ESTUDO
COMPARATIVO ENTRE AS TÉCNICAS DE SCHALM E DE CLAUSS NA
DETERMINAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO
PLASMÁTICA DO FIBRINOGÊNIO EM EQUINOS HÍGIDOS E COM
CÓLICA
Paula Alessandra Di Filippo,1 Áureo Evangelista Santana2 e Lia G. Rezende3
1. Pós-graduanda do Departamento de Clínica e
Cirurgia Veterinária da FCAV, UNESP. E-mail:
paula_difilippo@yahoo.com.br
2. Professor doutor do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da FCAV, UNESP
3. Residente do Laboratório de Patologia Clínica da FMVZ, UNESP
RESUMO
Foram comparadas, em oito
diferentes momentos, duas técnicas de determinação
da concentração plasmática do fibrinogênio
em equinos hígidos (GI=20) e com cólica (GII=10): a
técnica de Schalm, fundamentada na precipitação
térmica do fibrinogênio a 56oC, e a técnica de
Clauss, que envolve a polimerização da molécula de
fibrinogênio. Em ambos os grupos e em todos os momentos de
avaliação os valores médios obtidos por
intermédio da técnica de Schalm foram superiores
(P<0,05) àqueles obtidos pela técnica de Clauss. A
diferença observada entre os dois métodos avaliados
deve-se à interferência de inúmeros fatores
inibidores do processo cinético atuantes no procedimento de
Clauss. A hiperfibrinogenemia apresentada pelos animais com
cólica (GII) entre o segundo e o quinto dias
pós-operatório deve-se não somente ao trauma
cirúrgico, mas também ao processo inflamatório e
infeccioso da ferida cirúrgica. A análise seriada do
fibrinogênio contribui de forma positiva e precoce no
diagnóstico de processos inflamatórios e infecciosos em
equinos com cólica. Diante de tais observações,
recomenda-se o método de Schalm na determinação do
fibrinogênio em equinos hígidos e com cólica, por
ser de um procedimento simples, de fácil execução,
baixo custo e com resultados coerentes.
PALAVRAS-CHAVES: Cólica, comparação de técnicas, equinos, fibrinogênio.
ABSTRACT
COMPARATIVE STUDY BETWEEN PLASMA
FIBRINOGEN CONCENTRATIONS DETERMINED BY SCHALM AND CLAUSS TECHNIQUES IN
COLIC AND HEALTHY HORSES
Two different techniques
for the determination of fibrinogen plasma concentration were compared
during eight time points. Twenty healthy horses (GI) and ten horses
with colic (GII) were included in this study. The Schalm´s
technique was compared to the Clauss´s technique. The first one
is based on the thermal precipitation of the fibrinogen at 56oC. The
second involves the polymerization of the fibrinogen molecule. Both
groups of horses during all time points had mean values of plasmatic
fibrinogen higher using Schalm’s technique compared to the values
obtained with Clauss technique (p<0.05). This difference can be due
to the several inhibitor factors that interfere with the kinetic
process at the Clauss´s technique. The hyperfibrinogenemia seen
in GII, between the 2nd and 5th day post-surgery occurred not only due
to the surgical trauma, but also to the infection process at the
surgical wound. With these finding it is recommended the use of
Schalm’s technique for fibrinogen determination in healthy and
colic horses. This technique is then considered to be the simplest, of
easy execution, low cost and coherent. The seriated analysis of
fibrinogen contributes in a positive and precocious manner during the
diagnoses of inflammatory and infectious processes in colic horses.
KEY WORD: Colic, equine, fibrinogen, techniques comparison.
INTRODUÇÃO
O fibrinogênio
é uma glicoproteína dimérica composta por
três pares de cadeias polipeptídicas (Aα, Bβ, e
γ). Em condições normais, menos de 70% das
moléculas de fibrinogênio possuem ambas dessas cadeias
Aα intactas e de alto peso molecular (fibrinogênio-HMW). As
demais moléculas possuem uma porção C-terminal e
uma molécula de fibrinogênio de baixo peso molecular
(fibrinogênio-LMW), ou ambas de pesos moleculares ainda mais
baixos (fibrinogênio-LMW١), resultando em prejuízo na
polimerização do fibrinogênio (CARAPETO et al.,
2006).
Durante as
reações de fase aguda, como as que ocorrem após a
maioria dos procedimentos cirúrgicos, a
concentração de fibrinogênio aumenta rapidamente no
plasma, principalmente pelo aumento da síntese do
fibrinogênio-HMW. Depois disso, o aumento da fração
HMW diminui gradativamente até atingir o normal, ao passo que a
concentração total de fibrinogênio permanece
elevada por um longo período de tempo (JENSEN et al., 2000).
Outros marcadores da
resposta inflamatória aguda tais como a proteína C
reativa, haptoglobina, ceruloplasmina e a α1-glicoproteína
ácida, além de não estarem completamente validados
ou padronizados para a espécie equina, não são
facilmente determinados na rotina clínica. Assim, apesar da
falta de especificidade diagnóstica, a
determinação do fibrinogênio, segundo TAMZALI et al.
(2001), torna-se especialmente conveniente, desde que possa ser
facilmente mensurada, mesmo que por técnicos pouco treinados.
Diante dessas
observações, o presente estudo objetivou comparar as
técnicas de Schalm e de Clauss na determinação da
concentração plasmática do fibrinogênio em
equinos hígidos e com cólica, bem como correlacionar os
achados às possíveis causas e consequências, e
ainda investigar se tais procedimentos podem auxiliar no
diagnóstico de processos inflamatórios e infecciosos.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se vinte equinos
hígidos, sete machos (castrados) e treze fêmeas
(não gestantes), quatorze Brasileiros de Hipismo, um Anglo
Árabe, um Mangalarga Marchador e quatro sem raças
definidas, com idades entre dois e vinte anos (média= 11.35
anos), os quais constituíram o grupo GI (controle), e dez
equinos com cólica, submetidos à laparotomia
exploratória, os quais constituíram o grupo GII (Quadro 1).
Nenhum dos animais
ensaiados apresentou alterações nos valores dos
biomarcadores sanguíneos da função
hepática, quais sejam, aspartato aminotransferase,
gamaglutamiltransferase e fosfatase alcalina.
As amostras de sangue foram
obtidas por venipunção jugular, com agulhas 25x8,
acopladas em seringas plásticas descartáveis, em oito
diferentes momentos, antes da laparotomia (M0) e, diariamente
(às 8 horas), a partir da cirurgia, até o sétimo
dia pós-operatório.
Para a
realização da técnica de
precipitação térmica descrita por Schalm (1970),
foram utilizadas amostras de sangue colhidas em frascos contendo
ácido etilenodiaminotetracetato dissódico (1 mg/mL-1).
Ato contínuo, preencheram-se dois tubos de
micro-hematócrito com a amostra de sangue, até atingir
aproximadamente 75% de sua capacidade, com subsequente
vedação de uma de suas extremidades. Posteriormente,
foram centrifugados por cinco minutos a 12000G e, a partir do
sobrenadante, determinou-se em um dos tubos a
concentração proteica plasmática total por
refratometria. Sequencialmente, o segundo tubo foi submetido à
temperatura de 56°C (±1°C) por três minutos e
recentrifugado por cinco minutos a 12000G. Após o que
mensurou-se novamente a concentração proteica
plasmática total. A diferença entre a
concentração proteica inicial (tubo um) e final (tubo
dois) ensejou a obtenção da concentração do
fibrinogênio presente na amostra em mg/dL-1.
No procedimento
cronométrico descrito por Clauss (1957), utilizaram-se amostras
de sangue colhidas em tubos contendo citrato de sódio (0,13
mol/L) na razão de 9:1. Ato contínuo, as amostras foram
centrifugadas a 5000G por cinco minutos e, em seguida,
diluíram-se 200μL do plasma citratado em uma
solução tampão contendo barbital sódico, na
razão de 1:10. Posteriormente, essa solução foi
acrescida de 100μL de trombina (100 NIH U/mL), responsável
pela polimerização do fibrinogênio. O tempo de
formação do coágulo foi determinado a 37°C,
por meio de um analisador específico. O tempo obtido foi
então convertido em concentração de
fibrinogênio por meio de uma tabela específica fornecida
pelo fabricante. Analisou-se cada amostra quatro vezes e utilizou-se a
média das observações na elaboração
da concentração final de fibrinogênio. As amostras
de sangue dos animais-controle foram similarmente colhidas e analisadas.
Para comparar os diferentes
métodos dentro de cada grupo, foi aplicado o teste t de Student
pareado para amostras dependentes. Para confrontar as médias dos
diferentes grupos em cada método, empregou-se o teste t de
Student para amostras independentes. Para ambos os métodos
estatísticos, considerou-se o nível de probabilidade de
5%. Procedeu-se a um estudo de correlação entre as
variáveis dependentes por intermédio do cálculo
dos coeficientes de correlação de Pearson por meio do
programa Statistical Analysis of System (SAMPAIO, 2002).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das
concentrações plasmáticas de fibrinogênio,
com as respectivas médias, desvios-padrão e
estatística calculada estão expressos na Tabela 1.
Na Tabela 1,
observa-se que os valores médios obtidos por intermédio
da técnica de Schalm foram superiores (p<0,05) aos obtidos
pela técnica de Clauss, em todos os momentos de
avaliação, nos animais dos grupos GI e GII. Ademais,
constata-se que os valores médios apresentados pelos animais
hígidos (GI) encontram-se dentro da faixa dos valores de
referência para a espécie equina (200-400 mg/dL-1)
apenas quando obtidos pela técnica de Schalm. Resultados
semelhantes foram encontrados por DINTENFASS & KAMMER (1976),
CAMPBELL et al. (1981), HENRY & MOORE (1991) e por TAMZALI et al.
(2001), os quais obtiveram valores de fibrinogênio 30% mais
baixos quando fizeram uso da técnica cronométrica, em
comparação à técnica de
precipitação térmica.
Essas diferenças, segundo TAMZALI et al.
(2001), guardam estreita relação com a grande diversidade
de técnicas laboratoriais utilizadas na
quantificação do fibrinogênio, propiciando que os
valores dessa glicoproteína, tanto em equinos hígidos
como naqueles com cólica, variem amplamente entre autores e
métodos de determinação. Entretanto, para JENSEN et al.
(2000), as diferenças originam-se principalmente no fato de que
as técnicas em questão se baseiam em princípios
distintos.
A técnica de Schalm
determina a quantidade total de glicoproteína precipitada pelo
calor a 56°C. A de Clauss mensura a porção
funcionalmente ativa do fibrinogênio, que é a
molécula coagulável e, nesse sentido, muitos fatores tais
como a viscosidade do plasma, a concentração de
proteínas anormais como as crioglobulinas e possíveis
produtos de degradação da fibrina podem interferir com o
processo cinético e contribuir para a diferença observada
entre os dois métodos.
O estímulo à
síntese de fibrinogênio, segundo JAIN (1993), ocorre seis
a oito horas após a injúria, sendo os valores
máximos obtidos entre dois a cinco dias. À
semelhança do obtido por DATT & USENIK (1974), JENSEN et al. (2000) e por FEIGE et al.
(2003), constatou-se neste ensaio que os valores máximos de
fibrinogênio apresentados pelos animais com cólica foram
obtidos entre o segundo e o quinto dias pós-operatório.
Entretanto, permaneceram dentro da faixa dos valores de
referência quando obtidos pela técnica de Clauss.
O aumento na
concentração plasmática de fibrinogênio em
equinos com cólica, segundo DATT & USENIK (1974), deve-se
à desidratação, com consequente aumento das
proteínas plasmáticas totais na corrente
sanguínea. Para outros pesquisadores, a elevação
dessa proteína de fase aguda indica muito mais a
existência de uma resposta inflamatória estimulada pelo
ato cirúrgico ou decorrente da própria
afecção intestinal, do que derivado da
desidratação (FAGLIARI & SILVA, 2002; FEIGE et al.,
2003; SOUTHWOOD, 2006). Equinos com cólica frequentemente
apresentam-se desidratados e hipovolêmicos, o que decorre,
principalmente, do movimento de água para o terceiro
espaço, como foi descrito por BOSCAN & STEFFEY (2007). Neste
ensaio, verificou-se que apenas os animais com cólica (GII)
encontravam-se desidratados, porém somente no momento zero.
A hiperfibrinogenemia
apresentada pelos animais do GII foi associada não somente ao
trauma cirúrgico, como também a um processo
inflamatório e infeccioso da ferida cirúrgica apresentado
por sete dos dez animais avaliados. Esse processo culminou com o
desenvolvimento de hérnias incisionais e com a necessidade de
reintervensões cirúrgicas. Entretanto, dois desses
animais não apresentavam alteração na
concentração plasmática do fibrinogênio, no
estágio inicial do processo inflamatório. Segundo
CAMPBELL et al. (1981), nesse
estágio a quantidade de fibrinogênio produzido pode
não ser suficiente para acarretar sua alteração
plasmática.
Adicionalmente, tem-se que
a determinação da concentração
plasmática de fibrinogênio também pode ser
utilizada como teste adicional na interpretação do
leucograma em equinos (CAMPBELL et al.,
1981). Segundo esses autores, em equinos as mudanças na contagem
total ou diferencial dos leucócitos em resposta aos processos
infecciosos ou toxicoinfecciosos não são tão
intensas como as observadas em cães, em virtude, sobretudo, do
pequeno estoque de granulócitos na medula óssea dos
equinos. Corroborando tais afirmações, observou-se que os
animais com cólica apresentavam leucopenia, neutropenia e
linfopenia entre o segundo e o quinto dia pós-operatório,
e leucocitose por neutrofilia apenas entre o sétimo e o
décimo dia pós-operatório, quando as feridas
cirúrgicas já demonstravam sinais clínicos
característicos da evolução de um processo
inflamatório e infeccioso.
CONCLUSÕES
Neste ensaio, verifica-se
que a técnica de Schalm demonstra maior coerência e
precisão na expressão de valores de fibrinogênio
tanto em equinos hígidos quanto naqueles com cólica,
devendo, portanto, ser priorizada na avaliação de tal
variável, se comparada à técnica de Clauss.
Ademais, apresenta facilidade e rapidez na sua execução,
e menores custos.
Além disso, a
determinação da concentração
plasmática do fibrinogênio, de forma seriada, contribui de
forma positiva e precoce no diagnóstico de estados
inflamatórios e infecciosos em equinos com cólica.
AGRADECIMENTO
À
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp), pelo financiamento integral a esta pesquisa
(processos nº. 03/09844-5 e 04/08662-3).
COMISSÃO DE ÉTICA
Aprovado pela Comissão de Ética e Bem-Estar Animal (CEBEA), protocolo no 013332-07.
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Protocolado em: 29 jan. 2008. Aceito em: 9 mar. 2009.