RESUMO
Neste trabalho avaliou-se a hematologia de machos e fêmeas de jundiá,
alimentados com três níveis protéicos: 24, 27 e 30% PB. Um total de 270
peixes (135 machos e 135 fêmeas – peso inicial médio de 216,38 ± 26,73
g) foram alimentados durante 100 dias em um sistema de recirculação de
água contendo 18 tanques (seis tratamentos com três repetições). Após
esse período, capturaram-se seis peixes por tratamento para coleta de
sangue a fim de se obterem os valores de hematócrito, hemoglobina,
eritrócitos, volume corpuscular médio, hemoglobina corpuscular média,
concentração de hemoglobina corpuscular média e plaquetas. Os machos
apresentaram maiores valores (P<0,01) de eritrócitos, hematócrito e
hemoglobina em relação às fêmeas. As fêmeas apresentaram maior
quantidade de plaquetas. O teor de proteína da dieta influenciou os
valores das plaquetas (P<0,01) e da concentração de hemoglobina
corpuscular média (P<0,05). O volume corpuscular e a hemoglobina
corpuscular média não foram afetados pelo nível de proteína nem pelo
sexo (P>0,05). Conclui-se que machos de jundiá apresentam parâmetros
hematológicos superiores às fêmeas. A proteína dietária influencia na
quantidade de plaquetas e na concentração de hemoglobina corpuscular
dos jundiás.
____________________
PALAVRAS-CHAVE: fêmeas; hematócrito; hemoglobina; machos;
Rhamdia quelen.
ABSTRACT
HEMATOLOGY OF JUNDIÁ FISH IN RESPONSE TO DIET PROTEIN LEVEL
In this study, hematology was evaluated in jundiá fish males and
females fed with three protein levels: 24, 27 and 30% CP. A total
of 270 fishes (135 males and 135 females – initial weight of 216.38 ±
26.73 g) were fed during 100 days, in a water re-use system containing
18 tanks (six treatments and three replicates). After this period, six
fishes by treatment were captured for blood collection, by which the
following values were obtained: hematocrit, hemoglobin, red blood
cells, mean corpuscular volume, mean corpuscular hemoglobin, mean
corpuscular hemoglobin concentration and platelets. The males showed
higher values (P<0.01) of red blood cells, hematocit and hemoglobin
comparing to the females. The females showed higher platelet values.
Platelets and mean corpuscular hemoglobin concentration were affected
by dietetic protein level. Corpuscular volume and mean corpuscular
hemoglobin were not affected by the diet protein level nor the fish sex
(P>0.05). It can be concluded that jundiá fish males showed higher
hematological parameters compared to females. The dietary protein
influences in platelets and mean corpuscular hemoglobin concentration
of jundiá fish.
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KEYWORDS: females; hematocrit; hemoglobin; males;
Rhamdia quelen.
INTRODUÇÃO
A piscicultura é a atividade de produção animal que mais cresce no
Brasil. Isto se deve à intensificação dos sistemas de cultivo e à
diversidade de espécies utilizadas nas criações. O jundiá (
Rhamdia quelen)
é um bagre de hábito alimentar onívoro e com grandes aptidões para a
criação comercial. Em sua dieta, é necessária a inclusão de pelo menos
uma fonte de origem animal, pois é um peixe bastante exigente quanto à
qualidade da proteína (MEYER & FRACALOSSI, 2004; LAZZARI
et al., 2006).
A proteína é o nutriente mais caro e importante da dieta para o
crescimento dos peixes, pois ela constitui a maioria dos tecidos.
Alguns trabalhos testaram a influência da proteína no crescimento do
jundiá nas fases jovens de criação (MEYER & FRACALOSSI, 2004; SALHI
et al., 2004; PIEDRAS
et al., 2006).
O sangue reflete várias alterações metabólicas decorrentes de
diferentes condições de criação. Pode ser usado para monitorar
situações de estresse causadas por poluentes (ROMANI
et al., 2003) e também para avaliar o estado de saúde dos animais.
Alterações na dieta e condições de manejo inadequadas também podem afetar as características hematológicas dos peixes (KLINGER
et al., 1996). De acordo com alguns estudos, essas características do jundiá são influenciadas pela composição da dieta (CAMARGO
et al., 2005), por herbicidas (CRESTANI
et al. 2006), pelo estresse no confinamento (BARCELLOS
et al., 2004) e por aflatoxinas na dieta (VIEIRA
et al., 2006).
Sendo assim, objetivou-se com o presente trabalho avaliar a relação
entre a nutrição e a hematologia para jundiás adultos, avaliando-se os
parâmetros hematológicos de machos e fêmeas de jundiá alimentados com
diferentes níveis de proteína na dieta.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido durante 100 dias nas instalações do
Laboratório de Piscicultura da Universidade Federal de Santa Maria – RS
(altitude 95 m, longitude 29°43’S, latitude 53°42’W). O experimento foi
delineado em um arranjo fatorial três X dois (três níveis de proteína
bruta – 24, 27 e 30%PB – e dois sexos), em triplicata.
Utilizou-se como instalação experimental um sistema de recirculação de
água, com filtragem biológica e sistema de aeração do tipo “Venturi”,
composto por 18 tanques de polipropileno (280L cada), onde se
distribuíram 15 peixes/tanque (nove tanques com machos e nove com
fêmeas). Utilizaram-se ao todo 270 peixes (135 fêmeas e 135 machos,
peso médio inicial= 216,38 ± 26,73g), que foram submetidos a um período
de adaptação ao sistema de sete dias antes do início do experimento.
Deste total, 36 peixes foram capturados aleatoriamente para a
realização das análises hematológicas.
As dietas experimentais foram formuladas de acordo com LAZZARI
et al. (2006), conforme
Tabela 1.
O alimento foi ofertado uma vez ao dia (9h), sendo que nos primeiros 20
e nos últimos 20 dias de experimento forneceu-se 1,5% PV/dia. Nos 60
dias intermediários, a oferta foi de 3%PV/dia. Esse manejo foi
previamente escolhido devido à adaptação dos peixes e ao controle de
sobras nos tanques de criação.
Para a fabricação das dietas, os ingredientes foram pesados e
misturados através de misturador até completa homogeneização.
Posteriormente, a mistura foi umedecida, peletizada e levada à estufa
de circulação de ar forçado por 24h a 53ºC. Após a secagem, a ração foi
moída, peneirada e conservada em refrigerador (-4ºC).
Periodicamente, foram aferidos os parâmetros físico-químicos da água do
sistema de criação: temperatura, amônia total, nitrito, alcalinidade,
pH e oxigênio dissolvido. A água para as análises foi coletada na
entrada do primeiro filtro biológico, antes de cada alimentação. Para
medição da temperatura e oxigênio dissolvido utilizou-se um oxímetro
digital (YSI-Yellowsprings-EUA). Para as demais análises utilizou-se o
kit colorimétrico (Alfakit, Florianópolis, SC). A análise de amônia foi
baseada no método Indotest e a alcalinidade, no método de neutralização
(volumétrico), ambos descritos no manual da APHA (2005). O nitrito foi
analisado pelo método proposto por FRIES (1971) (método da
alfa-naftilamina) e o pH, pelo uso de indicador (AWWA, 1970).
Realizaram-se também a limpeza dos encanamentos, a sifonagem de
resíduos e a renovação diária de água (10% do volume total).
Ao final do período de alimentação, dois peixes por tanque (seis por
tratamento) foram capturados aleatoriamente para coleta de sangue. A
retirada desse material foi realizada por punção na veia caudal, com
seringas heparinizadas (3,0 mL). Após a coleta, as amostras foram
acondicionadas em tubos contendo EDTA imersos em gelo e foram
imediatamente enviadas para análise.
Foram determinados os valores de hematócrito, hemoglobina, eritrócitos,
volume corpuscular médio, hemoglobina corpuscular média, concentração
de hemoglobina corpuscular média e plaquetas. O hematócrito foi
determinado pela técnica de centrifugação do microhematócrito e a
hemoglobina, por espectrofotometria pelo método de cianometahemoglobina.
Os dados foram submetidos ao teste de Shapiro-Wilk para verificação de
normalidade. Como não apresentaram distribuição normal, os dados de
concentração de hemoglobina corpuscular média foram submetidos à ANOVA
de Kruskall-Wallis (P<0,05). As demais variáveis foram submetidas à
análise de variância de duas vias (two-way ANOVA), sendo que as
diferenças entre os sexos foram comparadas pelo teste "t" de Student e
o efeito do nível protéico avaliado por regressão polinomial
(P<0,05). Realizaram-se também estudos de correlação de Pearson (r)
entre as variáveis observadas. O pacote estatístico "SAS" (1997) foi
utilizado para as análises estatísticas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de qualidade da água verificados no experimento foram:
temperatura 20,07 ± 2,52ºC; pH 6,95 ± 0,15; oxigênio dissolvido 5,9 ±
0,78 ppm; amônia total 1,25 ± 0,8 ppm; nitrito 0,02 ± 0,003 ppm;
alcalinidade total 45,5 ± 11,45 mg CaCO3/L; dureza 54,67 ± 11,57 mg CaCO
3/L. Esses valores estão em uma faixa aceitável para o crescimento da espécie (GOMES
et al., 2000).
Observou-se que os machos de jundiá apresentaram maiores valores (
Tabela 2) de eritrócitos, hematócrito (HT) e hemoglobina (HB) em relação às fêmeas (P<0,01). Machos de cachara (
Pseudoplatystoma fasciatum)
capturados de cativeiro apresentaram, da mesma forma que no presente
estudo, maiores valores de hematócrito, hemoglobina e eritrócitos
(RANZANI-PAIVA
et al., 2005).
Isto pode estar associado a hormônios relacionados à reprodução, como a
testosterona. Da mesma forma, um aumento do número de eritrócitos
influencia também a síntese de hemoglobina.
O nível protéico da dieta e as interações com o sexo não afetaram os valores hematológicos (
Tabela 2).
Jundiás alimentados com três níveis protéicos (30, 40 e 50%PB)
apresentaram aumento linear nos valores de eritrócitos, hematócrito e
hemoglobina de acordo com o nível protéico da dieta (CAMARGO
et al.,
2005), diferentemente do obtido no presente trabalho. Segundo os
autores acima citados, a proteína estimula a eritropoiese, aumentando
os teores de hemoglobina e mantendo a saúde dos peixes. Deve-se
ressaltar também que o peso dos peixes utilizados no presente trabalho
é superior aos encontrados em outros estudos. Além disso, a espécie, a
idade, o sexo, a qualidade da água e os métodos de captura influenciam
na variabilidade dos parâmetros hematológicos em peixes (CAMARGO
et al., 2006).
Pela hematologia é possível avaliar o estado de saúde dos peixes frente
a diversas alterações no processo de cultivo. Para machos de jundiá,
BORGES
et al. (2004)
salientam que os valores normais de hematócrito e hemoglobina são,
respectivamente, 43% e 8,7 g/dL. Jundiás com peso inicial de 137g e
alimentados com dietas contendo 36% de proteína bruta apresentaram
valores de 35% e 11 g/dL para hematócrito e hemoglobina,
respectivamente. Juvenis dessa espécie alimentados com dieta contendo
41ppb de aflatoxinas/kg apresentaram valores de hematócrito e
hemoglobina de 13,16% e 8,2 g/dL, respectivamente (VIEIRA
et al.,
2006). Esses valores são muito inferiores aos obtidos no presente
estudo e em outros trabalhos com o jundiá, caracterizando uma condição
de anemia dos peixes.
Outro fator que pode alterar a hematologia do jundiá é a presença de
poluentes na água de criação. Diferentes dosagens do herbicida
clomazone não alteram os valores de hemoglobina da espécie, entretanto,
o tempo de exposição implica na diminuição dos valores de hematócrito
(CRESTANI
et al., 2006).
Deve-se ressaltar que muitas das alterações hematológicas observadas
nesses casos dependem muito do tempo de exposição do peixe a um
determinado produto.
Os valores de hematócrito (34-40%) observados por GREENE &
SELIVONCHIK (1990) em trutas alimentadas com diferentes fontes de
lipídios são similares aos observados para os jundiás no presente
trabalho. Os autores salientam que alterações nutricionais influenciam
os parâmetros hematológicos e também que os valores observados para
cada espécie de peixe devem estar dentro de uma faixa considerada
“normal”. Abaixo ou acima dessa faixa, o animal estará possivelmente em
uma condição de saúde inadequada.
Corroborando com os resultados obtidos neste trabalho, juvenis de
jundiá (70-100g) alimentados com quatro níveis de proteína na dieta
(20, 27, 34 e 41%PB) também não apresentaram variações nos parâmetros
sanguíneos (MELO
et al., 2006).
Foram observadas correlações significativas entre hemoglobina e
hematócrito (0,94, P<0,0001) e entre hematócrito e eritrócitos
(0,83, P<0,0001). Para o cachara, RANZANI-PAIVA
et al.
(2005) observaram altas correlações (0,84 e 0,76) para as mesmas
variáveis, respectivamente. Para trutas alimentadas com diferentes
fontes de lipídios, observou-se alta correlação entre hematócrito e
hemoglobina (GREENE & SELIVONCHICK, 1990).
Os valores de volume corpuscular médio (VCM) e de hemoglobina
corpuscular média (HCM) não apresentaram diferenças entre sexos e não
sofreram influência do nível protéico da dieta (
Tabela 3).
Os peixes alimentados com a dieta contendo 27% de proteína bruta
apresentaram maior valor de concentração de hemoglobina corpuscular
média. Os valores de VCM verificados no presente estudo (154-165 fL)
foram superiores aos encontrados para jundiás alimentados com dieta
contendo 34% PB e criados em tanque de terra (139 fL)
(TAVARES-DIAS
et al., 2002). Por outro lado, os valores de concentração de hemoglobina corpuscular média foram similares.
A quantidade de plaquetas foi maior nas fêmeas (P<0,01) e também nos
peixes alimentados com o maior valor de proteína dietária testada (30%
PB). Para o jundiá, informações sobre o efeito da nutrição nas
plaquetas são inexistentes. As informações existentes para a espécie
referem-se mais às células de defesa como linfócitos, monócitos,
trombócitos e eosinófilos.
As variações dos valores dos parâmetros hematológicos em peixes são
grandes porque existem inúmeras causas, o que dificulta a comparação de
resultados mesmo em trabalhos com a mesma espécie. O trabalho de
TAVARES-DIAS & SANDRIN (1998) demonstra que os valores de
hematócrito e hemoglobina do sangue heparinizado são superiores se
comparados ao colhido com EDTA, em um mesmo peixe.
Para o jundiá e outras espécies nativas brasileiras, é importante que
mais estudos sobre hematologia em diferentes condições nutricionais
sejam conduzidos. Isto porque, geralmente, enfatiza-se exclusivamente o
aspecto de ganho em peso, sem levar em consideração o estado metabólico
e de saúde dos peixes. Além disso, muitos mercados preconizam a criação
dos peixes em condição de bem-estar, sendo a hematologia uma ferramenta
importante para monitorar tal condição. Os valores observados neste
estudo refletem apenas uma condição específica de manejo com o jundiá.
CONCLUSÃO
Conclui-se que machos de jundiá apresentam parâmetros hematológicos
superiores às fêmeas. A proteína dietária influencia na quantidade de
plaquetas e na concentração de hemoglobina corpuscular dos jundiás.
AGRADECIMENTOS
Os autores expressam agradecimento à SEAP/MCT/FINEP/Fundo Setorial
Agronegócio/Fundo CT Hidro-Aquicultura (processo n.3602/05) pelo
auxílio financeiro ao trabalho, à CAPES pelo fornecimento de bolsa de
estudos para Rafael Lazzari e ao CNPq pela bolsa de produtividade em
pesquisa (1D) para o professor João Radünz Neto. Também à FAPERGS pela
bolsa de iniciação científica para Viviani Corrêia. Ao Laboratório de
Análises Médicas (LABIMED, Santa Maria – RS) pela realização das
análises.
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Protocolado em: 26 jan. 2008. Aceito em: 29 mar. 2011.