As áreas de lazer são de uso
frequente na educação infantil. Entretanto, elas podem estar
contaminadas por fezes de cães e gatos, predispondo os seus usuários à
aquisição de diversas zoonoses. O presente estudo avaliou a ocorrência
dos agentes de larva migrans visceral e cutânea em 20 creches, 36
escolas municipais e 10 praças públicas de Cuiabá, Mato Grosso, no
período de junho a novembro de 2006. As amostras de areia e solo foram
coletadas em cinco pontos distintos da área de estudo, armazenadas em
sacos plásticos e enviadas ao HOVET-UFMT, para imediato processamento
através das técnicas de Willis-Mollay, Hoffmann, Pons e Janer e
Baermann. Das instituições pesquisadas, em duas creches, cinco escolas
e uma praça pública encontraram-se larvas filariformes e/ou
rabtidiformes da área de recreação. O risco de transmissão de larva
migrans visceral nas creches estudadas pode ser considerado pequeno,
uma vez que não se observou a presença de ovos de Toxocara
spp. nas amostras analisadas. Porém, há o risco de infecção das
crianças por larva migrans cutânea nesses locais. Dessa forma, há
necessidade de desenvolver novos estudos, para determinar as principais
fontes de infecção dessa zoonose às crianças matriculadas nas creches e
escolas municipais de Cuiabá.
PALAVRAS-CHAVES: Ancylostoma sp., creches, escolas municipais, praças públicas, Toxocara sp.
EGGS AND LARVAE OF HELMINTH IN KINDERGARTENS, PUBLIC SCHOOLS AND PUBLIC SQUARES OF CUIABA, MT
Playground areas are widely used in
elementary and preschool education; however the contamination of these
areas by feces of dogs and cats exposes its users to several zoonosis.
This study assessed the occurrence of agents of visceral and cutaneous
larva migrans at 20 kindergartens, 36 public schools and 10 public
squares of Cuiaba, MT, in the period from June to November 2006. The
samples of sand and soil were collected at five different points of the
study area, stored in plastic bags and sent to the HOVET - UFMT, for
immediate processing through the techniques of Willis-Mollay, Hoffmann,
Pons and Janer and Baermann. from the institutions surveyed, the
institutions surveyed, helminth larvae where found in the recreation
areas of two kindergartens, five schools and one public square. The
risk of transmission of visceral larva migrans studied in these
preschools can be considered small, because there was no presence of Toxocara
spp eggs in the samples analyzed. Meanwhile, there is risk of infection
of children by larva migrans through skin contact in preschools,
elementary schools or the home environment. Thus, further studies
should be developed to determine the main sources of infection of
zoonosis of children enrolled in preschools and public schools in
Cuiabá.
KEYWORDS: Ancylostoma sp., municipal schools preschools, Toxocara sp.
INTRODUÇÃO
Os animais domésticos, particularmente cães e gatos, possuem um
importante papel na sociedade, no que diz respeito ao desenvolvimento
emocional de crianças e ao bem-estar de seus proprietários (ALDERETE
et al.,
2003). Entretanto, esses animais são hospedeiros definitivos para
algumas espécies de helmintos, que podem atuar como agentes etiológicos
de patologias no organismo humano.
Diversos estudos demonstram que houve uma elevação, no Brasil, do risco
de infecção de pessoas por parasitos, principalmente crianças, dado o
crescente número de cães domiciliados, peridomiciliados e errantes, de
um modo geral, associado ao seu fácil acesso aos locais de lazer
(ARAÚJO
et al., 2000; NUNES
et al., 2000; GUIMARÃES
et al., 2005).
Em creches e escolas de ensino infantil, a areia das áreas de lazer
pode constituir uma via de transmissão para várias zoonoses
parasitárias, representando risco potencial para as crianças que
brincam nesses locais. Dentre as espécies de helmintos com potencial
zoonótico, encontram-se os agentes etiológicos da larva migrans
visceral – T
oxocara canis e
T. cati; e da larva migrans cutânea –
Ancylostoma braziliense e
A. caninum (NUNES
et al., 2000; GUIMARÃES
et al., 2005).
A larva migrans visceral é consequência da ingestão acidental de ovos larvados de
Toxocara,
eliminados nas fezes de seus hospedeiros naturais, e se caracteriza
pela migração das larvas nas vísceras humanas, acarretando casos
assintomáticos e processos patológicos hipereosinofílicos crônicos.
Segundo CAMPOS JÚNIOR
et al.
(2003), trata-se de um problema de saúde pública de grande relevância,
que não tem sido alvo de estudos e da intervenção necessária para a
redução do seu impacto populacional.
A larva migrans cutânea é uma dermatite decorrente do contato direto da pele do ser humano com a larva do terceiro estádio do
Ancylostoma
spp. Após a penetração na epiderme, as larvas migram no tecido
subcutâneo, provocando erupções serpiginosas, distribuídas
principalmente nos membros inferiores, pernas, nádegas e mãos (ALMEIDA
et al.,
2007). No Brasil, essa dermatose tem sido assinalada em vários Estados
e frequentemente está relacionada a pacientes que tiveram contato com
areia de praias, de depósitos peridomiciliares ou de áreas de recreação
(RODRIGUES
et al., 2004).
MURADIAN
et al. (2005)
concluíram que a alta densidade populacional de cães e gatos em áreas
urbanas, provavelmente, induz à contaminação do solo, resultando em
alta infecção das crianças por
Toxocara sp. CAMPOS JUNIOR
et al. (2003) verificaram uma frequência de soropositividade para antígenos de
T. canis
sete vezes maior nas crianças que habitavam na periferia de grandes
cidades, o que se relaciona com as condições sanitárias do local.
Para MARDER
et al. (2004), a
existência de parasitos em amostras fecais de cães e gatos que convivem
com o homem e sua presença em lugares públicos são fundamentais para
interpretar a epidemiologia de inúmeras enfermidades transmissíveis ao
homem. Assim, a identificação da contaminação desses locais por ovos ou
larvas de helmintos justifica o implemento de medidas preventivas
adequadas.
O relato de larva migrans cutânea em crianças de uma escola de educação
infantil em Campo Grande, MS, vem alertar sobre o risco de transmissão
de zoonoses parasitárias nas áreas de recreação infantil (ARAÚJO
et al., 2000).
O objetivo do presente trabalho foi avaliar a ocorrência dos agentes de
larva migrans visceral e cutânea nas áreas de recreação das creches,
escolas municipais e praças públicas de Cuiabá, MT, por meio da
identificação de larvas e/ou ovos de
Ancylostoma spp. e de ovos de
Toxocara spp.
MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo foram pesquisadas dezessete creches, dezessete
escolas municipais e dez praças públicas de Cuiabá, MT, escolhidas
aleatoriamente, no período de junho a novembro de 2006. A mínima
amostra requerida neste estudo foi de nove creches e onze escolas, com
intervalo de confiança de 95%, calculada pelo programa Epi Info 3.3.2.,
com uma frequência esperada de 29,7% (MURADIAN
et al., 2005) e precisão de 5%, de um total de 26 creches e 79 escolas do município (PREFEITURA MUNICIPAL DE CUIABÁ, 2004).
Durante as visitas, que ocorreram sempre no período da manhã, foram
coletadas amostras de fezes e de areia dos parques de recreação. Para a
obtenção do material a ser analisado, utilizou-se uma pá, sendo
realizada a coleta em cinco pontos distintos da área e desprezada a
areia superficial, evitando-se a coleta de sujidades. As amostras foram
armazenadas em sacos plásticos e enviadas refrigeradas ao Hospital
Veterinário da UFMT (HOVET-UFMT) para imediato processamento (SANTOS
et al., 2003).
No HOVET-UFMT, as cinco amostras de cada área foram homogeneizadas e
tamisadas para obtenção de única amostra (30 gramas), examinadas pelas
técnicas de Willis-Mollay (1921) e Hoffmann, Pons e Janer (1934), para
a obtenção de ovos de helmintos, e a técnica de Baermann para a
recuperação de larvas. Para cada amostra, realizaram-se três
repetições, nas três técnicas utilizadas. As lâminas obtidas foram
examinadas por microscopia óptica em aumento de 10X.
Amostras de fezes que se encontravam sobre o solo
foram coletadas e processadas pela técnica de WILLIS-MOLLAY (1921) e
HOFFMANN
et al. (1934), para
a pesquisa de ovos de helmintos, sendo confeccionadas três lâminas em
cada técnica e observadas por microscopia óptica.
Informações quanto ao número de crianças, cuidados
com as caixas de areia e presença de casos anteriores ou atuais de
larva migrans cutânea foram obtidas junto à administração das creches.
RESULTADOS
Das dezessete creches estudadas, em dezesseis delas foram coletadas
amostras de areia e, em uma, amostra de fezes e areia, totalizando
dezessete amostras de areia e uma de fezes. Em duas amostras de areia
das creches visualizaram-se larvas filariformes e, em apenas uma,
rabditiformes. Na amostra de fezes encontrada na areia da área de lazer
verificaram-se ovos de
Ancylostoma spp.
Nas amostras obtidas nas escolas municipais, em cinco observaram-se
larvas de helmintos. Destas, em três havia larvas do tipo rabditiforme
e, em uma, do tipo rabditiforme e filariforme. Doze encontravam-se
negativas. Em quatro escolas coletaram-se amostras fecais, sendo todas
negativas nas técnicas parasitológicas utilizadas.
Uma das dez praças investigadas apresentou larvas filariformes e rabditiformes em sua areia da área de recreação (
Tabela 1).
A média de alunos das creches visitadas foi de 86,2
e das escolas, 769,1. Segundo dados obtidos junto à administração, em
seis (17,6%) instituições havia ocorrido casos da doença e em dez
(29,4%) havia casos anteriores e atuais de larva migrans cutânea nas
crianças. De acordo com os dados, em doze instituições informou-se a
entrada de cães e gatos (35,3%), em sete (20,6%) gatos e em uma (2,9%)
cães, sendo estes últimos associados aos pais dos alunos. Em quatorze
áreas (41,2%), não houve relato da presença dos referidos animais.
Em cinco creches foi informada a troca recente da areia utilizada no
parque de recreação infantil. Três dos parques eram novos. Em nenhuma
instituição pesquisada havia assistência médica em seu quadro de
funcionários, sendo os casos encaminhados aos postos de saúde regionais.
Das sete amostras positivas para larvas de helmintos, a técnica de Baermann detectou cinco e a de Hoffman, duas.
DISCUSSÃO
A ocorrência de amostras positivas para larvas do tipo rabditiforme e
filariformes é similar à encontrada em trabalho realizado por GUIMARÃES
et al. (2005) na cidade de
Lavras, MG. Entretanto, o mesmo estudo registrou ovos de Ancylostoma
spp. em areia, o que não foi observado nas áreas pesquisadas.
Trabalhos relatam o encontro de ovos de
Toxocara
spp. em amostras de areia de praças públicas, indicando risco de
infecção humana por este agente (CAPUANO & ROCHA, 2005). Neste
trabalho não foram encontrados ovos de
Toxocara spp., assim como observado por outros autores (NUNES
et al., 2000; GUIMARÃES
et al., 2005).
Das amostras de fezes coletadas nas instituições infantis, apenas uma apresentou ovos de
Ancylostoma
spp. Apesar de não ter sido observada a presença de larvas na referida
instituição, isso indica possível contaminação desse ambiente pelo
parasito causador da larva migrans cutânea.
O livre acesso de animais domésticos a áreas de
lazer tem sido um dos motivos da maior ocorrência de zoonoses
parasitárias. Os gatos foram os principais incriminados por tal
contaminação, o que se deve ao maior acesso dessa espécie às caixas de
areia, além do hábito de enterrar as fezes, evitando a dessecação e
viabilizando a manutenção de tais parasitos no ambiente. O frequente
acesso de cães nas praças, inclusive acompanhando os alunos às escolas,
propicia a contaminação ambiental por fezes desses animais, podendo
gerar uma maior ocorrência de larva migrans visceral e cutânea (ARAÚJO
et al., 2000; GUIMARÃES
et al., 2005).
Apesar de em apenas duas creches e em cinco escolas terem sido
encontradas larvas, havia informações da ocorrência de larva migrans
cutânea antes ou durante a realização deste estudo em dezenove
instituições estudantis. Segundo avaliação feita pelo 9º Distrito de
Metereologia de Cuiabá, MT, o índice pluviométrico dos meses de junho a
novembro variou de 4,1 a 142,9 milímetros. A influência dos fatores
ambientais, como a umidade e a temperatura média, sobre ovos e larvas
dos helmintos, justificaria a baixa prevalência observada, pois no
período de realização do estudo é característico na região temperatura
elevada com baixa umidade relativa, o que provocaria a dessecação. A
ocorrência de casos anteriores de larva migrans cutânea nas crianças
provavelmente coincide com a estação chuvosa. Outra hipótese é de a
contaminação ser domiciliar, aspecto a ser levado em conta, pois, de
acordo com estudo realizado por LEITE
et al. (2004), cerca de 45,03% das amostras fecais de cães de alunos de instituições de ensino apresentaram ovos de helmintos.
Diversos estudos demonstram contaminação das praças públicas por parasitos de caráter zoonótico (COELHO
et al., 2001; SANTARÉM
et al., 2004; WIWANITKIT & WAENLOR, 2004; CAPUANO & ROCHA, 2005; GUIMARÃES
et al., 2005; ALMEIDA
et al., 2007), principalmente por
Ancylostoma spp. e
Toxocara
spp., associados ao fácil acesso de cães e gatos a esses locais,
errantes ou levados pelos proprietários. Esse fato é de extrema
importância, sobretudo para crianças, haja vista uma maior
predisposição destas para se infectar por tais parasitos, como
demonstrado por ALDERETE
et al. (2003) e ANARUMA FILHO
et al. (2003).
No presente estudo, apenas uma praça pública teve sua areia do parque
de recreação contaminada por larvas de helmintos. Entretanto, esse
número pode ter sido subestimado, pois o estudo se restringiu às praças
onde havia tais parques, não sendo coletadas amostras de solo. Tal
justificativa leva em consideração o estudo realizado por ALMEIDA
et al.
(2007), em que, de 55 praças pesquisadas de Cuiabá, 40 apresentavam
amostras fecais caninas, de um total de 121 amostras coletadas, sendo
45 delas contaminadas por ovos de helmintos. Esse dado demonstra que há
uma maior contaminação das praças públicas de Cuiabá que a obtida no
presente estudo.
Em análise das técnicas utilizadas na verificação das amostras obtidas,
apesar de não ter ocorrido diferença significativa entre as três,
pode-se obter um resultado mais fidedigno da contaminação desses
locais, com a associação delas, elevando para sete o número de
instituições contaminadas.
Segundo GUIMARÃES
et al.
(2005), a frequência de larvas de helmintos observada em ambientes de
recreação sugere que, provavelmente, não são adotadas medidas
restritivas rígidas para controle da circulação de animais nesses
locais. A simples troca da areia de áreas de recreação de praças
públicas não é suficiente para controlar a contaminação por ovos de
helmintos de cães e gatos, o que foi conseguido cobrindo as caixas de
areia com lonas durante a noite (ARAÚJO
et al., 2000; SANTARÉM
et al.,
2004). Essa precaução não foi observada em nenhuma das creches e
escolas visitadas, e a difícil execução de tais medidas nas praças
públicas pode incrementar ainda mais o risco de contaminação.
Segundo RODRIGUES
et al.
(2004), a pesquisa de ovos/larvas de helmintos cada vez que a areia da
área de recreação for trocada é fortemente recomendada, dada a
possibilidade de contaminação dessa área com fezes de cães e gatos nos
depósitos das lojas de material de construção. Esse é um dado que não
foi relatado em nenhum local visitado. Além disso, as trocas dessas
areias eram realizadas em apenas cinco (14,7%) instituições.
Não foi possível verificar o fator de risco deste estudo, dada a
indisponibilização de diagnóstico definitivo dos alunos relatados com
larva migrans cutânea nas creches e escolas. Essa informação de casos
positivos anteriores e/ou atuais da infecção em dezesseis (47,1%)
instituições pesquisadas foi obtida por parte da diretoria das
instituições públicas, que não soube precisar o local de aquisição da
enfermidade, se no ambiente domiciliar ou escolar.
A realização de programas integrados de educação sanitária, visando
ampliar os conhecimentos dos professores de educação infantil sobre os
aspectos relacionados à aquisição de zoonoses (TOME
et al.,
2005), poderia fornecer dados mais fidedignos da doença, bem como
medidas adequadas de controle e tratamento de diversas enfermidades.
Outro fator relevante no controle das referidas zoonoses refere-se à
educação dos proprietários de cães e gatos, evitando o acúmulo de seus
dejetos em ambientes públicos e o acesso a centros educacionais, além
da administração periódica de anti-helmínticos sob a orientação de
médicos veterinários.
CONCLUSÃO
O risco de transmissão de larva migrans visceral nas creches estudadas
pode ser considerado pequeno, uma vez que não se observou a presença de
ovos de
Toxocara spp. nas
amostras de areia analisadas. Entretanto, há risco de infecção das
crianças por larva migrans cutânea, seja nas creches, escolas ou em
praças públicas. Dessa forma, novos estudos devem ser desenvolvidos
para determinar as principais fontes de infecção dessa zoonose para as
crianças matriculadas nas creches e escolas municipais de Cuiabá.
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