DOI 10.526/cab.v11i2.3134
ANESTESIA BALANCEADA EM LAGARTO-TEIÚ (Tupinambis merianae): RELATO DE CASO


Erica Cristina Bueno do Prado Guirro,1 Olicies da Cunha,1 Ana Paula Santos,2
Lilian Toffanetto2  e Nei Moreira1

1. Docente do Curso de Medicina Veterinária UFPR, Campus Palotina. E-mail: ericaguirro@ufpr.br
2. Aluna do Curso de Medicina Veterinária UFPR, Campus Palotina.




RESUMO

Um lagarto-teiú (Tupinambis merianae) submetido à osteossíntese de úmero recebeu midazolam (0.073mg/kg, i.m.) e morfina (0.224mg/kg, i.m.) na medicação pré-anestésica, foi induzido com cetamina (30mg/kg, i.m.) e teve manutenção anestésica com isofluorano diluído em O2 (1L/Kg/min) fornecido por máscara facial, além de bloqueio anestésico local circular com 5mg/kg lidocaína 2% sem vasoconstritor. O protocolo anestésico empregado mostrou-se eficiente e seguro ao paciente.

PALAVRAS-CHAVES: Anestesia, lagarto-teiú, Tupinambis merianae.


ABSTRACT

MULTIMODAL ANESTHESIA IN tegu lizard Tupinambis merianae: CASE REPORT

A tegu lizard Tupinambis merianae submitted to osteosynthesis on umero received midazolam (0.073mg/kg, i.m.) and morphine (0.224mg/kg, i.m.) in pre-medication. The animal was induced by ketamine (30mg/kg, i.m.) and anesthesia was maintained with isofluorane diluted in O2 (1L/Kg/min) and supplied by facial mask, besides local anesthesia with lidocaine 2% without adrenaline (5mg/kg). This anesthesia protocol was efficient and safe to patient.

KEYWORDS: Anesthesia, reptile, Tupiambis merianae.



INTRODUÇÃO

Como os répteis são ectotérmicos, alterações na temperatura influenciam a distribuição, o metabolismo e a excreção de fármacos (HERNADEZ-DIVERS, 2002). Ainda há carência de informações quanto aos fármacos, doses e técnicas anestésicas que garantam segurança e analgesia aos répteis. Para contornar essa dificuldade, propõe-se a extrapolação alométrica, que permite o cálculo de doses requeridas por diferentes espécies animais. Para tanto, é necessário conhecer o peso metabólico do animal, que depende da massa corporal (kg) e da constante de energia (K), sendo 10 para répteis e 70 para mamíferos placentários (SEDGWICK, 2001; ABOU-MADI, 2006).
Embora MUIR et al. (2001) tenham relatado como desnecessária a administração de pré-medicação na anestesia de répteis, SEDGWICK (2001) sugere a utilização de agonistas α2, benzodiazepínicos ou anticolinérgicos. Ambos citam a cetamina como agente indutor adequado e apontam o isofluorano como agente inalatório de escolha para répteis, fornecido por tubo orotraqueal ou máscara. A frequência respiratória deve ser monitorada e é preciso mantê-la acima de 3 mpm para evitar riscos no período transoperatório (MUIR et al., 2001; SEDGWICK, 2001).   

RELATO DO CASO

Um jovem lagarto-teiú (Tupinambis merianae) de 1,4kg foi atendido no Hospital Veterinário da UFPR, Campus Palotina, com sinais de atropelamento. Verificaram-se trauma e impotência funcional do membro torácico esquerdo acompanhados por edema e dor na região de úmero.
Durante o exame radiográfico, utilizou-se cetamina (30mg/kg, i.m.) para posicionar adequadamente o animal e diagnosticou-se fratura fechada, completa e transversa na diáfise do úmero esquerdo. Instituiu-se tratamento clínico baseado em repouso, terapia antinflamatória com cetoprofeno. Após quatro dias, o animal foi submetido à osteossíntese.
Optou-se por neroleptoanalgesia, com associação de midazolam (0,073mg/kg, i.m.) e morfina (0,224mg/kg, i.m.), sendo a dose do opioide calculada por extrapolação alométrica. Após vinte minutos, administrou-se cetamina (30mg/kg, i.m.), e o paciente foi encaminhado ao centro cirúrgico. Para redução do metabolismo do lagarto, o ar-condicionado foi mantido ligado e não se utilizou colchão térmico. Realizou-se a manutenção anestésica com isofluorano, através de máscara facial (Figura 1A) parcialmente vedada com uma luva de procedimento fixada à cabeça do animal com esparadrapo (Figura 1B). Durante todo o procedimento, manteve-se o fluxo de oxigênio em 1L/kg/minuto e monitorou-se a frequência respiratória.
O lagarto foi posicionado em decúbito lateral direito com auxílio de compressas (Figura 1C). Realizou-se bloqueio anestésico local circular na região proximal do úmero com 5mg/kg lidocaína 2% sem vasoconstritor, diluída em NaCl 0,9% até completar o volume de 1mL, que foi dividido entre o espaço subcutâneo e a musculatura. Enquanto aguardavam-se dez minutos para o início da cirurgia, procedeu-se à antissepsia com NaCl 0,9%, iodopovidine e álcool iodado.
Durante toda a cirurgia, a frequência respiratória manteve-se acima de 4 mpm. Cerca de 45 minutos após a indução anestésica, foi necessário reaplicar 50% da dose inicial de cetamina. A duração do procedimento cirúrgico foi de 95 minutos, com um consumo total de isofluorano de 22 mL.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O emprego de neuroleptoanalgesia na pré-medicação mostrou-se adequado, apesar de MUIR III et al. (2001) considerarem desnecessário o uso de pré-medicação em répteis. A associação entre midazolam e morfina promoveu tranquilização, hipnose, relaxamento muscular e analgesia, permitindo a manipulação no membro e relaxamento muscular, pois o lagarto se encontrava menos reativo à estimulação. Quanto às doses empregadas, utilizou-se 0,073mg/kg do benzodiazepínico, conforme preconizado por SEDGWICK (2001). Por extrapolação alométrica, calculou-se a dose de morfina (0,224mg/kg, i.m.), sem se verificar prejuízo ao paciente. Dado o uso intramuscular desses fármacos, aguardar vinte minutos entre a aplicação da pré-medicação e a indução do paciente mostrou-se uma medida importante.
O emprego de 30mg/kg cetamina promoveu indução cinco minutos após sua administração e foi considerada segura, corroborando o afirmado por MUIR III et al. (2001) e SEDGWICK (2001). A ausência do reflexo postural prolongou-se por 45 minutos, quando foi necessário reaplicar metade da dose inicialmente empregada. A utilização da via intramuscular foi satisfatória e, em répteis, essa forma de administração é considerada a principal e mais utilizada (SCHUMACKER, 1996).
A colocação de máscara facial e o uso da luva de procedimento fixada por esparadrapo à cabeça do animal reduziram, parcialmente, o escape do isofluorano. Conforme já foi relatado previamente (SKOVGAARD et al., 2005), o isofluorano foi seguro e, mantido o fluxo de oxigênio em 1L/kg/min sugerido por MUIR et al. (2001), não houve emergência anestésica e a frequência respiratória manteve-se acima do nível crítico para a espécie, que é de 3mpm (MUIR et al., 2001; SEDGWICK, 2001). Em virtude do posicionamento do paciente, não foi possível realizar a auscultação cardíaca durante o ato cirúrgico, apesar de sua aferição ser considerada importante.
Como a pele de répteis é extremamente sensível à estimulação dolorosa (SEDGWICK, 2001), a realização do bloqueio anestésico com lidocaína 2% sem vasoconstritor foi benéfica e, possivelmente, reduziu o volume de isofluorando consumido e diminuiu a necessidade de outras reaplicações do agente dissociativo. Não se verificaram sinais de intoxicação e, portanto, a dose de 5mg/kg de lidocaína não deve ser tóxica para a espécie, como relatado por ANDRADE et al. (2004), que utilizaram doses superiores e não constataram problemas. A diluição do anestésico local em NaCl 0,9% foi eficiente para realização do bloqueio circular.
A duração da recuperação anestésica foi de cerca de doze horas. Esse período é significativamente menor que o relatado por MUIR III et al. (2001). Esses autores citam que a associação entre anestésicos gerais intravenosos e isofluorano prolonga para mais de 24 horas a recuperação anestésica de répteis.

CONCLUSÕES

O protocolo anestésico baseado na pré-medicação com midazolam e morfina, indução com cetamina e manutenção com isofluorano, além de anestesia local com lidocaína, foi eficiente e seguro no emprego em lagarto-teiú submetido à cirurgia ortopédica em membro torácico.

REFERÊNCIAS

ABOU-MADI, N. Anesthesia and analgesia of small mammals. In: GLEED, R. D.; LUDDERS, J. W. Recent advances in veterinary anesthesia and analgesia: companion animals. Ithaca: International Veterinary Information Service, 2006. Disponível em: <http://www.ivis.org.> Acesso em: 10 jan. 2008.

ANDRADE, D. V.; BRITO, S. P.; TOLEDO, L. F.; ABE, A. S. Seasonal changes in blood oxygen transport and acid-base status in the tegu lizard, Tupinambis merianae. Respiratory Physiology & Neurobiology, v. 140, p. 197-208, 2004.

HERNANDEZ-DIVERS, S. J. Therapeutic techniques of reptiles. In: World Small Animal Veterinary Association Congress. Granada: International Veterinary Information Service, 2006. Disponível em: <http://www.ivis.org.> Acesso em: 11 jan. 2008.

MUIR III, W. W.; HUBBELL, J. A. E.; SKARDA, R. T.; BEDNARSKI, R. M. Procedimentos anestésicos em animais de estimação exóticos. In.: ______ Manual de anestesia veterinária. São Paulo: Artmed, 2001. p. 297-323.

SCHUMACKER, J. Reptiles and amphibians. In.: THURMON, J. C.; TRANQUILLI, W. J.; BENSON, G. J. Lumb & Jones’ veterinary anesthesia. 3. ed. Baltimore: Williams and Wikins, 1996. p. 670-685.

SEDGWICK, C. J. Anestesia para mamíferos exóticos de pequeno a médio porte, pássaro e répteis. In.: PADDLEFORD, R. R. Manual de anestesia de pequenos animais. São Paulo: Roca, 2001. p. 365-407.

SKOVGAARD, N.; ABE, A. S.; ANDRADE, D. V.; WANG, T. Hypoxic pulmonary vasoconstriction in reptiles: a comparative study of four species with different lung structures and pulmonary blood pressures. American Journal of Physiology and Regulatory Integrative Comparative Physiology, n. 289, p. 1280-1288, 2005.

 


Protocolado em: 16 jan. 2008.  Aceito em: 14 jan. 2010.