Como os répteis são ectotérmicos,
alterações na temperatura influenciam a distribuição, o metabolismo e a
excreção de fármacos (HERNADEZ-DIVERS, 2002). Ainda há carência de
informações quanto aos fármacos, doses e técnicas anestésicas que
garantam segurança e analgesia aos répteis. Para contornar essa
dificuldade, propõe-se a extrapolação alométrica, que permite o cálculo
de doses requeridas por diferentes espécies animais. Para tanto, é
necessário conhecer o peso metabólico do animal, que depende da massa
corporal (kg) e da constante de energia (K), sendo 10 para répteis e 70
para mamíferos placentários (SEDGWICK, 2001; ABOU-MADI, 2006).
Embora MUIR et al. (2001)
tenham relatado como desnecessária a administração de pré-medicação na
anestesia de répteis, SEDGWICK (2001) sugere a utilização de agonistas
α2, benzodiazepínicos ou anticolinérgicos. Ambos citam a cetamina como
agente indutor adequado e apontam o isofluorano como agente inalatório
de escolha para répteis, fornecido por tubo orotraqueal ou máscara. A
frequência respiratória deve ser monitorada e é preciso mantê-la acima
de 3 mpm para evitar riscos no período transoperatório (MUIR et al., 2001; SEDGWICK, 2001).
Um jovem lagarto-teiú (
Tupinambis merianae)
de 1,4kg foi atendido no Hospital Veterinário da UFPR, Campus Palotina,
com sinais de atropelamento. Verificaram-se trauma e impotência
funcional do membro torácico esquerdo acompanhados por edema e dor na
região de úmero.
Durante o exame radiográfico, utilizou-se cetamina (30mg/kg, i.m.) para
posicionar adequadamente o animal e diagnosticou-se fratura fechada,
completa e transversa na diáfise do úmero esquerdo. Instituiu-se
tratamento clínico baseado em repouso, terapia antinflamatória com
cetoprofeno. Após quatro dias, o animal foi submetido à osteossíntese.
Optou-se por neroleptoanalgesia, com associação de midazolam
(0,073mg/kg, i.m.) e morfina (0,224mg/kg, i.m.), sendo a dose do
opioide calculada por extrapolação alométrica. Após vinte minutos,
administrou-se cetamina (30mg/kg, i.m.), e o paciente foi encaminhado
ao centro cirúrgico. Para redução do metabolismo do lagarto, o
ar-condicionado foi mantido ligado e não se utilizou colchão térmico.
Realizou-se a manutenção anestésica com isofluorano, através de máscara
facial (
Figura 1A) parcialmente vedada com uma luva de procedimento fixada à cabeça do animal com esparadrapo (
Figura 1B). Durante todo o procedimento, manteve-se o fluxo de oxigênio em 1L/kg/minuto e monitorou-se a frequência respiratória.
O lagarto foi posicionado em decúbito lateral direito com auxílio de compressas (
Figura 1C).
Realizou-se bloqueio anestésico local circular na região proximal do
úmero com 5mg/kg lidocaína 2% sem vasoconstritor, diluída em NaCl 0,9%
até completar o volume de 1mL, que foi dividido entre o espaço
subcutâneo e a musculatura. Enquanto aguardavam-se dez minutos para o
início da cirurgia, procedeu-se à antissepsia com NaCl 0,9%,
iodopovidine e álcool iodado.
Durante toda a cirurgia, a frequência respiratória manteve-se acima de
4 mpm. Cerca de 45 minutos após a indução anestésica, foi necessário
reaplicar 50% da dose inicial de cetamina. A duração do procedimento
cirúrgico foi de 95 minutos, com um consumo total de isofluorano de 22
mL.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O emprego de neuroleptoanalgesia na pré-medicação mostrou-se adequado, apesar de MUIR III
et al.
(2001) considerarem desnecessário o uso de pré-medicação em répteis. A
associação entre midazolam e morfina promoveu tranquilização, hipnose,
relaxamento muscular e analgesia, permitindo a manipulação no membro e
relaxamento muscular, pois o lagarto se encontrava menos reativo à
estimulação. Quanto às doses empregadas, utilizou-se 0,073mg/kg do
benzodiazepínico, conforme preconizado por SEDGWICK (2001). Por
extrapolação alométrica, calculou-se a dose de morfina (0,224mg/kg,
i.m.), sem se verificar prejuízo ao paciente. Dado o uso intramuscular
desses fármacos, aguardar vinte minutos entre a aplicação da
pré-medicação e a indução do paciente mostrou-se uma medida importante.
O emprego de 30mg/kg cetamina promoveu indução cinco minutos após sua
administração e foi considerada segura, corroborando o afirmado por
MUIR III
et al. (2001) e
SEDGWICK (2001). A ausência do reflexo postural prolongou-se por 45
minutos, quando foi necessário reaplicar metade da dose inicialmente
empregada. A utilização da via intramuscular foi satisfatória e, em
répteis, essa forma de administração é considerada a principal e mais
utilizada (SCHUMACKER, 1996).
A colocação de máscara facial e o uso da luva de procedimento fixada
por esparadrapo à cabeça do animal reduziram, parcialmente, o escape do
isofluorano. Conforme já foi relatado previamente (SKOVGAARD
et al., 2005), o isofluorano foi seguro e, mantido o fluxo de oxigênio em 1L/kg/min sugerido por MUIR
et al.
(2001), não houve emergência anestésica e a frequência respiratória
manteve-se acima do nível crítico para a espécie, que é de 3mpm (MUIR
et al.,
2001; SEDGWICK, 2001). Em virtude do posicionamento do paciente, não
foi possível realizar a auscultação cardíaca durante o ato cirúrgico,
apesar de sua aferição ser considerada importante.
Como a pele de répteis é extremamente sensível à estimulação dolorosa
(SEDGWICK, 2001), a realização do bloqueio anestésico com lidocaína 2%
sem vasoconstritor foi benéfica e, possivelmente, reduziu o volume de
isofluorando consumido e diminuiu a necessidade de outras reaplicações
do agente dissociativo. Não se verificaram sinais de intoxicação e,
portanto, a dose de 5mg/kg de lidocaína não deve ser tóxica para a
espécie, como relatado por ANDRADE
et al.
(2004), que utilizaram doses superiores e não constataram problemas. A
diluição do anestésico local em NaCl 0,9% foi eficiente para realização
do bloqueio circular.
A duração da recuperação anestésica foi de cerca de doze horas. Esse
período é significativamente menor que o relatado por MUIR III
et al.
(2001). Esses autores citam que a associação entre anestésicos gerais
intravenosos e isofluorano prolonga para mais de 24 horas a recuperação
anestésica de répteis.
CONCLUSÕES
O protocolo anestésico baseado na pré-medicação com midazolam e
morfina, indução com cetamina e manutenção com isofluorano, além de
anestesia local com lidocaína, foi eficiente e seguro no emprego em
lagarto-teiú submetido à cirurgia ortopédica em membro torácico.
REFERÊNCIAS
ABOU-MADI, N. Anesthesia and analgesia of small
mammals. In: GLEED, R. D.; LUDDERS, J. W. Recent advances in veterinary
anesthesia and analgesia: companion animals. Ithaca: International
Veterinary Information Service, 2006. Disponível em:
<http://www.ivis.org.> Acesso em: 10 jan. 2008.
ANDRADE, D. V.; BRITO, S. P.; TOLEDO, L. F.; ABE, A.
S. Seasonal changes in blood oxygen transport and acid-base status in the tegu
lizard, Tupinambis merianae. Respiratory Physiology &
Neurobiology, v. 140, p. 197-208, 2004.
HERNANDEZ-DIVERS, S. J. Therapeutic techniques of
reptiles. In: World Small Animal Veterinary Association Congress. Granada:
International Veterinary Information Service, 2006. Disponível em: <http://www.ivis.org.>
Acesso em: 11 jan. 2008.
MUIR III, W. W.; HUBBELL, J.
A. E.; SKARDA, R. T.; BEDNARSKI, R. M. Procedimentos anestésicos em animais de
estimação exóticos. In.: ______ Manual
de anestesia veterinária. São Paulo: Artmed, 2001. p. 297-323.
SCHUMACKER, J. Reptiles and amphibians. In.: THURMON,
J. C.; TRANQUILLI, W. J.; BENSON, G. J. Lumb & Jones’ veterinary
anesthesia. 3. ed. Baltimore: Williams and Wikins, 1996. p. 670-685.
SEDGWICK, C. J. Anestesia
para mamíferos exóticos de pequeno a médio porte, pássaro e répteis. In.:
PADDLEFORD, R. R. Manual de anestesia de pequenos animais. São Paulo: Roca, 2001. p. 365-407.
SKOVGAARD, N.; ABE, A. S.;
ANDRADE, D. V.; WANG, T. Hypoxic pulmonary vasoconstriction in reptiles: a
comparative study of four species with different lung structures and pulmonary
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Comparative Physiology, n. 289, p. 1280-1288, 2005.
Protocolado
em: 16 jan. 2008. Aceito em: 14 jan.
2010.