DOI:10.5216/cab.v11i3.3104
ESTUDO DA FREQUÊNCIA DE Malassezia pachydermatis EM CÃES COM OTITE EXTERNA NO RIO GRANDE DO SUL


Patrícia da Silva Nascente,1 Rosema Santin,2  Ana Raquel Mano Meinerz,3
Anelise Afonso Martins,4 Mário Carlos Araújo Meireles5 e João Roberto Braga Mello6

1. Pós-doutoranda, Faculdade Veterinária, Universidade Federal de Pelotas,Veterinária Preventiva,
Microbiologia. E-mail: patsn@bol.com.br
2. Mestranda, Faculdade Veterinária, Universidade Federal de Pelotas, Veterinária Preventiva, Microbiologia
3. Faculdade Veterinária, Universidade Federal de Pelotas, Veterinária Preventiva, Microbiologia
4. Doutoranda, Faculdade Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
5. Professor adjunto, doenças infecciosas, Faculdade Veterinária, Universidade Federal de Pelotas,
Veterinária Preventiva
6. Professor adjunto, Farmacologia Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.




RESUMO

A otite externa é uma enfermidade comumente observada em cães e gatos encaminhados à clínica veterinária. A etiologia varia em função de combinações entre os fatores predisponentes, primários e perpetuantes responsáveis pela enfermidade. A Malassezia pachydermatis é considerada um habitante normal da microbiota cutânea e ocasionalmente pode se tornar patógena oportunista do meato acústico externo de cães e gatos. Este trabalho teve como objetivo pesquisar a presença de M. pachydermatis em otite externa canina. Para isso foi pesquisada a presença dessa levedura em otite externa de 168 cães encaminhados aos Hospitais Veterinários das Universidades Federais do Rio Grande do Sul e de Pelotas, assim como em clínicas e canis particulares. A colheita das amostras foi realizada com swab estéril umedecido em solução salina, friccionando-o na porção externa do meato acústico. Logo após realizou-se exame direto a partir de esfregaço do material colhido, corado pelo método de Gram e observado em microscopia óptica (1.000X). Também se realizou a semeadura em meio ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol e incubados a 32°C por até dez dias, quando se procedeu à identificação das leveduras. Dos 168 casos de otite externa, a M. pachydermatis foi isolada em 139 (82,7%). Neste estudo, verificou-se também que não houve diferença em relação ao sexo e idade dos animais. A frequência de isolamento nas amostras que apresentaram escore positivo no exame direto foi significativamente maior (p<0,05) que nas amostras que apresentaram escore negativo, verificando-se uma probabilidade sete vezes maior de isolar M. pachydermatis a partir de amostras com exame direto positivo. Conclui-se que a M. pachydermatis é frequentemente isolada em casos de otite externa canina, não se observando diferença de isolamento em relação ao sexo e idade dos animais. Os animais com orelha pendular (por ex. Cocker Spaniel Inglês) são mais acometidos por otite externa, entretanto, proporcionalmente não existe diferença no número de isolamento da M. pachydermatis entre as raças.

PALAVRAS-CHAVES: Cães e gatos, dermatite, otite externa, malasseziose, prurido, M. pachydermatis.


ABSTRACT

STUDY OF THE FREQUENCY OF Malassezia pachydermatis IN DOGS WITH EXTERNAL OTITIS IN RIO GRANDE DO SUL STATE/BRAZIL

External otitis is a common auditory meatus infirmity diagnosed in dogs and cats sent to veterinarian clinics. The etiology varies according to combinations of predisposing, primary and perpetuating factors, responsible for the disease. Malassezia pachydermatis is considered a normal inhabitant of the skin and can occasionally become an opportunistic pathogen of the external canal of dogs and cats. This study aimed to investigate the presence of M. pachydermatis in canine external otitis. The presence of yeast in external otitis of dogs sent to 168 veterinary hospitals in the Federal Universities of Rio Grande do Sul and Pelotas, as well as to clinics and private kennels was investigated. The sampling was performed with a sterile swab moistened with saline solution, rubbing it in the ear canal. Direct examination was performed from swabs of the collected material, stained by Gram method and examined under optical microscopy (1000X). It was seeded on Sabouraud Dextrose Agar with chloramphenicol and incubated at 32°C for up to ten days when the yeasts were identified. From the 168 cases of external otitis, M. pachydermatis was isolated in 139 (82.7%) cases. In this study, there was no difference regarding gender and age of the animals. The frequency of isolation in samples with positive scores on direct examination was significantly higher (p <0.05) than in samples with negative score. It was verified that there is a seven times-higher probability of isolating M. pachydermatis from samples with positive direct examination. It was concluded that M. pachydermatis is commonly isolated in canine external otitis cases, without significant difference in relation to sex and age. Animals with ear shifts (eg. English Cocker Spaniel) are more affected by external otitis; however, there is no difference in proportion of the number of isolation of M. pachydermatis among the races.

KEYWORDS: dogs, external otitis, malasseziosis, M. pachydermatis.



INTRODUÇÃO

A otite externa é um dos problemas mais comuns apresentados ao clínico de pequenos animais, com incidência aproximada de 20% em cães e 6,6% em gatos. Na espécie felina, está relacionada, na maioria das vezes, com etiologia parasitária. Os casos crônicos muitas vezes levam à otite média, acometendo metade dos pacientes afetados pela otite externa crônica (WOOD & FOX, 1987; HARVEY et al., 2004).
Essa enfermidade pode ser conceituada como inflamação, aguda ou crônica, do meato acústico externo com o envolvimento de diferentes agentes etiológicos e fatores predisponentes e perpetuantes que estão relacionados com a infecção em cães e gatos (WHITE, 1999; MOTTA et al., 2000; LEITE et al., 2003; ROSA et al., 2006). As alterações mais comuns detectadas na otite externa são: eritema, edema, descamação, crostas, alopecia e pelos partidos na face interna do pavilhão auditivo; alterações no posicionamento da cabeça e dor, principalmente, quando a cartilagem auricular é palpada (HARVEY et al., 2004).
Os fatores predisponentes, que incluem a anatomia do pavilhão auricular de algumas raças, pelos em excesso no meato acústico externo, canais estenóticos, orelhas pendulares, doenças subjacentes, como as alergias, umidade, doenças sistêmicas ou imunossupressoras e efeitos de tratamentos anteriores, não causam diretamente a otite, mas aumentam o risco de seu desenvolvimento, pois podem atuar em conjunto com a causa primária no estabelecimento da doença clínica (WHITE, 1999; HARVEY et al., 2004).
Os fatores perpetuantes são aqueles que não permitem a resolução da otite externa, como, por exemplo, infecções por outros microrganismos, entre eles, a Malassezia pachydermatis, respostas patológicas a otite externa, como hiperplasia epidérmica, que tende a causar estenose luminal e hiperplasia de glândulas ceruminosas, resultando em alteração do cerúmen. Em casos crônicos, uma ou mais variáveis poderão estar presentes. O tratamento da causa primária pode ser suficiente para controlar a doença nos casos iniciais, porém, deverá ser direcionado aos fatores perpetuantes quando estes estiverem presentes. Tais fatores podem ser a principal causa de insucesso na terapia, independentemente dos fatores predisponentes ou das causas primárias (HARVEY et al., 2004).
Os fatores primários podem causar otite externa, com ou sem a presença de fatores predisponentes ou perpetuantes. Entre as causas primárias estão as bactérias oportunistas e patogênicas, os ectoparasitas, corpos estranhos, tumores otológicos, desordens de ceratinização, distúrbios imunomediados, erupção medicamentosa e hipersensibilidades (WOOD & FOX, 1987; ETTINGER & FELDMAN, 1997; WHITE, 1999).
Entre as causas de persistência da enfermidade está a presença da levedura M. pachydermatis. O significado da M. pachydermatis na etiologia da otite externa foi durante muito tempo questionado, mas já se demonstrou seu importante papel na patogênese dessa enfermidade (CHENGAPA et al., 1983; MANSFIELD et al., 1990; NOBRE et al., 2001).
A M. pachydermatis é considerada um habitante normal da microbiota cutânea e ocasionalmente patogênica oportunista do meato acústico externo de cães e gatos, também podendo ser encontrada no reto, boca, pele interdigital, tegumento cutâneo, sacos anais e vagina (BOND & ANTHONY, 1995; CARLOTTI, 1997; BOND et al., 2000; NASCENTE et al., 2004; BRAGA et al., 2005). É  considerada, por vários autores, um dos mais frequentes microrganismos associados com otite externa em cães (CHENGAPA, 1983; NOBRE et al., 2001) e, nos últimos anos, os estudos também apontam essa levedura como causadora de dermatite canina (PLANT et al., 1992; NOBRE et al., 1998). Esse fungo produz um exsudado marrom-escuro a negro e os animais demonstram, frequentemente, meneios cefálicos. Entretanto, a apresentação clínica desses sintomas não é específica e o diagnóstico deve ser baseado na identificação da levedura, pela citologia do cerume e cultura do agente (HUANG, 1994).
Vários autores (NOBRE et al., 1998; NOBRE et al., 2001; LEITE et al., 2003; NASCENTE et al., 2004), em diversos países, têm publicado trabalhos com levantamentos etiológicos,  em que isolaram a levedura em amostras de otite externa canina em variações de 20% a 88% das amostras colhidas.
Em vista do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a frequência, no período de seis meses, de M. pachydermatis em cães encaminhados aos serviços de dermatologia dos Hospitais Veterinários das Universidades Federais de Pelotas e do Rio Grande do Sul (HCV – UFRGS/UFPel), assim como em clínicas veterinárias e canis particulares da cidade de Pelotas.

MATERIAL E MÉTODOS

Os animais foram atendidos nos ambulatórios de clínicas médicas das instituições supracitadas e aqueles que apresentavam otite externa eram encaminhados aos serviços de dermatologia dessas instituições. Os animais então eram submetidos a exame clínico geral e otológico, procurando verificar a presença de cerúmen excessivo, prurido, eritema do meato acústico externo e maneios cefálicos. Todos os animais foram identificados e acompanhados com ficha que continha a data e procedência da coleta, resenha do animal como idade, sexo e raça e o exame otológico. Além do exame clínico do ouvido, nos animais que apresentavam cerúmen excessivo, realizou-se a colheita deste material com swab estéril umedecido em solução salina, friccionando-o na porção externa do meato acústico suspeito.
De acordo com a idade, distribuíram-se os animais em quatro classes. Na primeira classificação, inseriram-se os animais que apresentavam menos de três anos de idade, na segunda, os animais na faixa de três a seis anos de idade e, na terceira, foram incluídos aqueles que apresentaram mais de seis anos de idade. Aqueles animais em que o proprietário desconhecia a idade foram agrupados numa quarta categoria, com idade não identificada (NI).
Para o estudo da presença da M. pachydermatis nas secreções de meato acústico externo foi realizado exame direto a partir de esfregaço do material proveniente do cerúmen, colhido com swab, utilizando-se a coloração pelo método de Gram e observados em microscopia óptica (1000X) em busca de células leveduriformes com morfologia compatível a M. pachydermatis. O exame direto foi avaliado por campo, percorrendo toda a lâmina e contando as células semelhantes a M. pachydermatis, considerando-se amostras negativas (-) a ausência de células/campo; (+) existindo até cinco células/campo; (++) presença de seis a dez células/campo; (+++) quando encontradas mais de dez células/campo (KOVALSKY, 1988).
As mesmas amostras de cerúmen de meato acústico externo foram semeadas em placa de Petri contendo ágar Sabouraud dextrose acrescido de cloranfenicol e cicloheximida, e incubadas em estufa bacteriológica à temperatura de 32ºC por até dez dias. Esse meio de cultivo não permite o crescimento de outras espécies do gênero. Observaram-se diariamente as características macromorfológicas das colônias, visualizando-se a morfologia celular através de esfregaço dos cultivos corado pela técnica de Gram. As características bioquímicas foram avaliadas através de testes de produção de urease e catalase em todas as amostras.
Os resultados foram codificados segundo os parâmetros das características dos animais (sexo, idade e conformação do pavilhão auricular), exame direto e isolamento. Posteriormente, analisaram-se estes dados pelo programa EPIinfo (Epi Info (TM) software)*, através da realização de distribuição de frequências com realização do teste de “qui-quadrado” (STATISTIX, 2000) para comparação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste estudo, verificaram-se 168 casos de otite externa canina, sendo 90 (53,6%) em animais fêmeas e 78 (46,4%) em machos. Já foi relatada maior fre­quência de machos com otite externa. Porém a maioria dos autores confirma não ter observado predisposição relacionada ao sexo (MOTA et al., 2000; MACHADO et al., 2003), estando de acordo com os resultados encontrados neste experimento.
Em relação à faixa etária, 40 (23,8%) animais estavam com menos de três anos de idade, 47 (28%) estavam na faixa de três a seis anos de idade, 38 (22,6%) animais apresentavam mais de seis anos de idade e em 43 (25,6%) não foi possível a identificação da idade. Assim, observou-se que a maior parte dos animais acometidos por otite externa era constituída por fêmeas (53,5%) na faixa de três a seis anos de idade (28%), embora sem diferença significativa. Na literatura, há grande diversidade de citações quanto à faixa etária mais acometida (HARVEY et al., 2004), porém NARDONI et al. (2004) observaram maior isolamento na faixa de 1 a 5 anos de idade e sem diferença entre sexos. A avaliação da faixa etária mais acometida por otite externa é dificultada, dada a subdivisão, a cada autor, em diferentes categorias. No presente estudo, em que se dividiram as faixas etárias em três categorias – animais jovens, adultos e idosos –, observou-se que a categoria de animais adultos foi a mais acometida.
Essas avaliações não possibilitam a confirmação de alguma predisposição de gênero ou de faixa etária em casos de otite externa, uma vez que os fatores predisponentes a otite externa estão relacionados também a outras questões, como erros de manejo, limpeza inadequada do canal auditivo, e ainda fatores anatômicos, como orelha pendular.
As raças acometidas por otite externa, observadas neste trabalho, foram Cocker Spaniel Inglês (37/168), Poodle (25/168), Labrador Retriever (14/168), Teckel (4/168), Pastor Alemão (4/168), Dálmata (3/168), Shar pei (3/168), Chow Chow (2/168), Rottweiler (2/168), American Pit Bull Terrier (2/168), Dogue Alemão (2/168), Simarrom (2/168), Fila Brasileiro (2/168), Chihuahua (1/168), Boxer (1/168), Buldogue Inglês (1/168), Husky Sibriano (1/168), Old English Sheepdog (1/168). Os animais sem raça definida (SRD) responderam por 61 casos. Para facilitar a análise, essas raças foram distribuídas em dois grupos, tendo como variável o formato do pavilhão auricular, uma vez que algumas dessas raças apresentaram apenas um exemplar. De acordo com essa conformação, consideraram-se de orelha ereta os nove animais das seguintes raças: Pastor Alemão, Bulldog Inglês, Husky Siberiano, Chihuahua e American Pit Bull Terrier. Os 98 animais de raças de orelha pendular foram considerados os seguintes: Cocker Spaniel Inglish, Poodle, Teckel, Chow Chow, Retriever do Labrador, Fila Brasileiro, Boxer, Dálmata, Shar pei, Old English Sheepdog, Rottweiler, Simarrom e Dogue Alemão. Os animais sem raça definida (SRD) também foram agrupados conforme o formato do pavilhão auricular, sendo 20 animais com pavilhão auricular ereto e 41 animais com pavilhão auricular pendular. Houve um total de 139 (82,7%) animais com orelha pendular e 29 (17,3%) com orelha ereta, o que demonstrou uma diferença significativa em casos de otite externa em animais com orelhas pendulares.
Esta observação já foi descrita por YOSHIDA et al. (2002), que verificaram também que a otite externa canina é uma enfermidade que ocorre mais fre­quentemente em animais de raça com pavilhão auricular pendular (Cocker Spaniel Inglês, Basset Hound), animais com pelos no interior do meato acústico externo (Poodle, Yorkshire) e raças predispostas à seborreia (Cocker Spaniel Inglês, Basset Hound). Trata-se de características anteriormente observadas por CARLOTTI et al. (1997) e GIORGI et al. (1996). Segundo MANSIFIELD (1990), isso possivelmente  se justifica pela alteração no microclima do meato acústico no caso de orelha pendular, que, consequentemente, favorece o crescimento de fungos. Os cães da raça Pastor Alemão têm a conformação da orelha ereta, porém são considerados predispostos a otite externa em virtude, provavelmente, das glândulas sudoríparas apócrinas em maior número. Além desse fator importante, deve ser considerando que os pastores têm maior facilidade da entrada de água, o que favorece o crescimento de microrganismos, principalmente os fungos.
No exame direto, verificou-se que 32 (19,1%) amostras apresentaram escore negativo (-), em que não se observou a presença de células leveduriformes. De total, 136 (81%) apresentaram escores positivos (Figura 1). Destes, 63 (37,5%) apresentaram escore +; 45 (26,8%) ++ e 28 (16,7%) +++ (Tabela 1). Ao serem consideradas apenas as amostras que apresentaram positividade no exame direto, ou seja, 136 (100%), observaram-se 63 (46,3%) amostras com escore +, 45 (33,1%) com escore ++ e 28 (20,6%) com escore +++. Verificou-se que a levedura apresentava-se com células isoladas ou em grupos sem hifas ou pseudo-hifas. Os blastoconídeos apresentaram forma globosa, ovoide ou cilíndrica, adquirindo o “formato de garrafa” quando em gemulação.
Alguns autores como BOND et al. (1996) consideram a presença de numerosas células da levedura por campo microscópico como indício de atividade patogênica. Entretanto, RIBEIRO et al. (1997) também isolaram a levedura em meato acústico de animais hígidos, encontrando alto número de células leveduriformes no exame direto do meato acústico externo desses animais. Assim, devem-se associar os resultados do exame direto aos sinais clínicos. Segundo HUANG (1994), esse exame deve ser realizado em qualquer situação de otopatia em caninos, uma vez que esse exame citológico possui grande valor no diagnóstico de otopatias, além de proporcionar base sólida para o acompanhamento do quadro clínico e tratamento (GOTTHELF, 2000).
A M. pachydermatis foi isolada em 139 (82,7%) amostras de cerúmen colhidas dos 168 cães com otite externa. Desse total, observou-se que no exame direto 55 (39,6%) apresentaram amostras com escore +, 41 (29,5%) com escore ++, 26 (18,7%) com escore +++ e 17 (12,2%) amostras com escore -. Nas 29 amostras restantes, em que não se obteve isolamento da M. pachydermatis, observou-se que em oito (27,6%) o exame direto foi positivo (+), em quatro (13,8%) (++), em dois (6,9%) (+++) e nas outras 15 (51,7%) não foram verificadas células compatíveis com a levedura ao exame.
O isolamento da levedura M. pachydermatis em 139 (82,7%) dos 168 casos estudados confirma o envolvimento oportunista da levedura, que por vários anos foi considerada desprovida de poder patogênico (MACHADO et al., 2003) e atualmente é considerada de grande relevância nas otites micóticas e nas dermatites em cães (DUFFAIT, 1983; PLANT et al., 1992; GIORGI et al., 1996; NOBRE et al., 1998; NASCENTE et al., 2005). No presente trabalho, a frequência de M. pachydermatis (82,7%) nos casos de otite externa canina está de acordo com os resultados obtidos anteriormente por outros autores. Segundo a literatura consultada, a frequência de isolamento da levedura em otite externa é variável, atingindo frequências baixas, de 3 a 7% (BONATTO et al., 1999), chegando de 35% a 55% (GRONO & FROST, 1969; STARONIEWICZ et al., 1995) e podendo alcançar valores extremos de 80% a 100% (BERNARDO et al., 1998; NOBRE et al., 1998; LEITE et al., 2003; NASCENTE et al., 2004).
A frequência de isolamentos nas amostras que apresentaram escore positivo no exame direto (+, ++ ou +++) foi significativamente maior (p<0,05) que nas amostras que apresentaram escore negativo. Entre as amostras que apresentaram escores positivos no exame direto, não houve diferença significativa entre os escores (+, ++ ou +++) em relação ao isolamento da levedura.
Foi possível demonstrar neste trabalho a relação entre o exame direto e o isolamento da M. pachydermatis, verificando-se a probabilidade sete vezes maior de isolar M. pachydermatis a partir de amostras com exame direto positivo, em qualquer escore (OR=7, 6891; IC= 3,1649-18,6805).
Observamos que a otite externa ocorreu em maior parte em animais com orelha pendular (82,7%), porém, proporcionalmente não houve diferença entre isolamento da levedura em animais com orelha ereta (77,8%) ou pendular (78,8%). As amostras de cerume de cães da raça Cocker Spaniel Inglês com otite externa foram numerosas (37/168) (Tabela 2). Considera-se essa raça predisposta à enfermidade. Geralmente, ela apresenta a seborreia idiopática pruriginosa, que, consequentemente, favorece a multiplicação desse microrganismo (FEIJÓ et al., 1998). No caso de animais com orelha ereta, o pastor alemão apresenta predisposição, mostrando uma maior secreção proporcionada pelo maior número de células secretoras nessa raça, com consequente multiplicação da M. pachydermatis, dada sua característica lipofílica (MAGALHÃES et al., 1985; FEIJÓ et al., 1998). De acordo com FEIJÓ et al. (1998), a raça mais acometida por malasseziose ótica é Poodle, independentemente do agente etiológico. GIORGI et al. (1996) também consideram essa raça mais predisposta à otite externa.
A predisposição etária não foi observada nos casos de malasseziose, uma vez que foi ampla a variação entre as idades de todos os animais estudados. Ressalve-se porém, que FEIJÓ et al. (1998) encontraram maior porcentagem de animais na faixa etária entre dois meses e três anos de idade, considerando que animais jovens são mais acometidos que adultos. CHENGAPA et al. (1983) descreveram a malasseziose em todas as faixas etárias, porém, com maior porcentagem até nove meses. E outros estudos relatam uma frequência em animais com até dois anos de idade (MACHADO et al., 2003). CHOI et al. (2001) relatam a ocorrência de malasseziose em animais com faixa etária entre um e três anos de idade e DUFFAIT (1983) considera que os casos ocorrem na maioria em cães com mais de dois anos. Portanto, dada essa variedade de resultados,  até o momento não se pode apontar a faixa etária mais predisposta aos casos de malasseziose. Provavelmente, essa falta de predisposição etária para o seu desenvolvimento ocorra em virtude de seu caráter oportunista, pois são vários fatores que podem levar essa levedura comensal a tornar-se patogênica, o que não se relaciona à faixa etária. 
O isolamento da levedura ocorreu em porcentagens iguais entre os dois sexos. FEIJÓ et al. (1998) observaram maior número de isolados da levedura em machos, todavia, de acordo com vários autores, não existe predisposição relacionada ao gênero (DUFFAIT 1983; LARSON et al., 1988; MACHADO et al., 2003). Supõe-se que fêmeas sejam mais predispostas ao desenvolvimento de otite externa e de malasseziose por causa da imunossupressão durante o período de cio. Entretanto, essa hipótese ainda não foi confirmada.
O total de cães com otite externa positivos para a M. pachydermatis foi de 34 (24,5%) com menos de três anos de idade; 38 (27,3%) na faixa de três a seis anos de idade; 31 (22,3%) com mais de seis anos de idade  e 36 (25,9%) sem idade identificada (Tabela 3).
Dos cães com otite externa, dos quais se isolou a M. pachydermatis, 75 (54%) eram fêmeas e 64 (46%) eram machos (Tabela 4).
Não houve diferença significativa na frequência de isolamentos da M. pachydermatis quando considerados a idade (p=0,6657) e o sexo (p=0,7807) dos animais. Entretanto, ao se relacionar a idade ao exame direto, constatou-se maior frequência de animais com faixa etária maior que seis anos de idade com escore positivo ao exame direto (p=0,179).
Após o período de incubação, observou-se o crescimento das colônias opacas de coloração amarelo-creme (Figura 1) com superfície redonda ou em forma de cúpula com textura seca, friável e granulosa e algumas vezes gordurosa. Todos os isolados de M. pachydermatis foram positivos para o teste da catalase e todas as amostras foram positivas no teste da urease (Figura 2). Trata-se de resultados que corroboram conclusões anteriormente citadas por BAPTISTA (1986), BOND & ANTHONY (1995), GUILLOT et al. (1996), NOBRE (1998), DWORECKA & TOKA (1999). Isto ocorreu, possivelmente, pela capacidade da M. pachydermatis em hidrolizar e utilizar a ureia como fonte de nitrogênio através da enzima urease. Testada até 96 horas após o crescimento da levedura, foi possível verificar positividade em todos os isolados em até 48 horas, concordando com outros autores (BAPTISTA, 1986; BOND & ANTHONY, 1995; NOBRE, 1998).

CONCLUSÃO

Em vista do exposto, pode-se concluir que a otite externa foi mais frequentemente observada em cães machos com idade entre três e seis anos com orelha pendular. Entretanto, em relação ao isolamento de M. pachydermatis, nestes casos de otite externa não se observou diferença significativa do isolamento em relação ao sexo e idade dos animais. E quanto ao pavilhão auricular, os cães com orelha pendular, destacando-se a raça Cocker Spaniel Inglês, são mais frequentemente acometidos por otite externa.

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Protocolado em: 18 fev. 2008.  Aceito em: 16 abr. 2010.