RESPOSTAS AO EXERCÍCIO DE INTENSIDADE CRESCENTE EM EQUINOS: ALTERAÇÕES NA GLICOSE, INSULINA E LACTATO
Guilherme Camargo Ferraz,1 Antonio Raphael Teixeira-Neto,2 José Correa Lacerda-Neto,1
Marsel Carvalho Pereira1 e Antonio Queiroz-Neto1
1. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho, Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias de Jaboticabal.
E-mail: guilherme.de.ferraz@terra.com.br
2. Professor de Clínica de Equinos na Universidade Federal de Goiás (UFG).
RESUMO
Objetivou-se estudar os
efeitos do exercício intenso sobre a glicose e insulina
plasmáticas e o lactato sanguíneo de equinos da
raça Puro Sangue Árabe (PSA). Utilizaram-se 24 equinos,
treinados, que foram submetidos a exercício-teste de intensidade
crescente em esteira rolante. Para tanto, após aquecimento por
quatro minutos a 4,0 m.s-1, a esteira foi inclinada (10%) e a velocidade gradativamente aumentada, a intervalos de dois minutos, para 6, 8 e 10 m.s-1.
A partir dessa etapa de esforço máximo, procedeu-se
à desaceleração, retomando a velocidade para 3,0
m.s-1,
por vinte minutos, que correspondeu ao período de desaquecimento
ativo. Os resultados mostraram que houve variação
significativa (P≤ 0,05), a partir do repouso. A glicemia manteve-se
constante em todas as etapas na fase de exercício, elevando-se
significativamente na fase de desaquecimento, e a insulinemia foi
reduzida com o exercício. A lactacidemia mostrou evidente
aumento em relação ao incremento da intensidade de
esforço. Concluiu-se que a atividade neural simpática
é a maior responsável pelas alterações em
variáveis fisiológicas durante o exercício intenso.
PALAVRAS-CHAVES: Equinos, exercício, glicose, insulina, lactato.
ABSTRACT
RESPONSES TO INCREMENTAL EXERCISE IN EQUINES: ALTERATIONS IN GLUCOSE,
INSULIN AND LACTATE
It was studied the intense
exercise effects on plasmatic glucose, plasmatic insulin and blood
lactate from Purebred Arabian horses. Twenty four trained horses were
submitted to incremental exercise test on treadmill. Therefore, after
warm up (4 min./4.0 m.s-1) the treadmill was sloped (10%) and the speed gradually increased at intervals of 2 minutes to 6, 8 e 10 m.s-1. After maximum effort, it was performed the deceleration to 3.0 m.s-1,
for 20 minutes, which corresponds to the period of active warm down.
Blood samples were taken from the animals at these different times,
glucose, insulin and lactate were analyzed. Results show that
significant difference (P≤ 0.05) was obtained from the rest. The
glucose was found to be statistically constant at all steps of the
exercise, reaching high levels (p≤ 0.05) at period of warm down and
the a insulin was decreased with the exercise. Blood lactate also
increase levels (p≤ 0.05) in relation to incremental of effort
intensity. It is possible to conclude that sympathic neural activity
plays major role in alterations of the physiological variables analyzed
during intense exercise.
KEY WORDS: Equine, exercise, glucose, insulin, lactate.
INTRODUÇÃO
As exigências
básicas para a realização de testes que avaliam o
desempenho de atletas da espécie humana ou equina são a
padronização e a repetitividade. Para que tais quesitos
sejam obtidos, faz-se necessária a utilização de
uma esteira rolante sob condições laboratoriais como
temperatura e umidade relativa do ar (SLOET VAN
OLDRUITENBORGH-OOSTERBAAN & CLAYTON, 1999).
Amostras de sangue
são frequentemente obtidas durante testes para
avaliação do desempenho atlético, sendo que o
estudo da glicose plasmática pode ser aplicado para
observação da dinâmica desse substrato
energético, que é utilizado tanto pelo sistema nervoso
central (POWERS, 2000) como pela fibra muscular esquelética
durante o exercício (COGGAN et al., 1991), além de outros tecidos. A insulina (MALINOWKSKI et al., 2002; GORDON, et al., 2006), a adrenalina e o glucagon (SIMÕES et al.,
1999) são hormônios envolvidos diretamente na
regulação e no equilíbrio da glicemia durante o
exercício.
O metabolismo
anaeróbio de glicose representa um imprescindível e
rápido mecanismo de geração de energia, embora
seja de baixa produção de adenosina trifosfato (ATP).
Vários fatores regulam a atividade da via glicolítica,
como a disponibilidade de oxigênio e a relação das
concentrações de ATP/ADP. Diminuições na
relação ATP/ADP estimulam a glicólise
anaeróbica, aumentando em até cem vezes a
produção de moléculas de piruvato. Em
exercícios de intensidade baixa ou moderada, a grande maioria do
piruvato produzido penetra na mitocôndria e participa do ciclo de
Krebs. Entretanto, conforme se aumenta a intensidade do
exercício, atinge-se um ponto em que uma quantidade insuficiente
de oxigênio está disponível para a
fosforilação oxidativa, e uma proporção de
NADH2
é reoxidada, via piruvato, sendo metabolizada a lactato.
À medida que a intensidade do exercício aumenta, maior
quantidade de lactato é produzida e uma maior
proporção de energia é suprida pelas vias
anaeróbias (EATON et al., 1992).
A acidose nas fibras
musculares no exercício anaeróbico virá, por fim,
a exceder a capacidade de tamponamento físico-químico e
de transporte dos íons H+
pelas células. O pH intracelular diminui, afetando tanto o
processo de contração como os mecanismos que regulam a
remoção de ADP nos sítios das pontes cruzadas
entre a actina e a miosina (GOLLNIK et al., 1986).
Neste contexto, SEEHERMAN
& MORRIS (1990) afirmaram que testes de desempenho de equinos devem
fornecer parâmetros clínicos e metabólicos capazes
de fornecer informações relativas à capacidade
adaptativa dos equinos com o exercício. Dessa maneira, o
propósito deste estudo foi verificar as alterações
na glicemia, insulinemia e lactacidemia de equinos da raça Puro
Sangue Árabe, relacionadas ao exercício físico
intenso em esteira rolante.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se 24 equinos treinados (FERRAZ et al.,
2006), machos ou fêmeas, Puro Sangue Árabe (PSA), com peso
corpóreo médio (± E.P.M.) de 390 ± 25,4 kg
e idade média de 8,6 ± 3,3 anos. Os animais foram
submetidos a exame clínico completo e, estando aparentemente
hígidos, foram selecionados para os testes. Forneceu-se,
diariamente, ração comercial (Nutriage Mix Guabi®),
cujas quantidades diárias levaram em conta o peso e o escore
corpóreo dos animais, avaliados por meio do protocolo
preconizado por HENNEKE et al. (1981).
Os equinos foram adaptados
ao exercício em esteira rolante de alto desempenho (Esteira
Galloper®, Sahinco Ltda.) e submetidos ao exercício-teste
(ET) com duração de trinta minutos. Para tanto,
empregou-se exercício de aquecimento durante quatro minutos
à velocidade de 4,0 m.s-1, a qual foi incrementada a intervalos de dois minutos, para 6, 8 e 10 m.s-1.
A partir dessa etapa de esforço máximo, procedeu-se
à desaceleração, retomando a velocidade para 3,0
m.s-1,
por vinte minutos, que correspondeu ao período de desaquecimento
ativo. Toda a fase de esforço físico, com incremento da
velocidade, foi realizada com a esteira a 10% de
inclinação.
Para
determinação das variáveis fisiológicas
estudadas, utilizaram-se os momentos 0; 4; 6; 8; e 10 minutos, na fase
de exercício. Na fase de desaquecimento ativo, empregaram-se os
momentos 15; 20 e 30 minutos.
Para obtenção
das amostras de sangue, foi criado um procedimento operacional
padrão (POP), para colheita, processamento e armazenamento. As
colheitas de sangue foram realizadas quinze segundos antes do
término de cada etapa de velocidade do exercício-teste.
Previamente à realização do exercício, os
animais foram tricotomizados e assepticamente preparados para
venocateterização, utilizando-se a veia jugular esquerda
como ponto de colheita. Acoplou-se ao cateter intravenoso um tubo
extensor (Becton Dickinson Indústrias Cirúrgicas, Brasil)
para facilitar as colheitas com o animal em movimento. Após cada
colheita, levou-se todo o conjunto com solução de
heparina a 2,5%. Pelo procedimento, desprezavam-se 2,0 mL de sangue
advindos do início de cada colheita. A amostra sanguínea
(3ml) destinada à dosagem de glicose foi processada com
anticoagulante (Glistab - Labtest®), contendo inibidor da
glicólise, fluoreto de potássio, sendo, posteriormente,
analisadas por espectofotometria (Analisador bioquímica
Labquest, Bio 2000). Concomitantemente, obtiveram-se 10,0 mL de sangue
nas mesmas etapas anteriormente descritas, acondicionados em tubos com
pressão negativa, contendo heparina sódica, sendo
imediatamente centrifugadas sob refrigeração (ALC –
Multispeed refrigerated centrifug PK121R, New Jersey, EUA), para
posterior congelamento do plasma a -20°C, e dosagem da insulina
plasmática. Para tanto, empregou-se kit comercial de
radioimunoensaio em fase sólida (DPC (Coat-a-count) –
Diagnostic Products Corp., EUA).
Para dosagem da
concentração de lactato, 0,5 mL de sangue foi separado e
processado em tubos Eppendorf com 1,0 mL de solução
fluoreto de sódio a 1%, que é hipotônica em
relação às hemácias, provocando
hemólise e inibição da glicólise,
prevenindo, assim, a coagulação sanguínea e a
produção de lactato pelas hemácias (SIMÕES et al.,
1998). A lactacidemia foi determinada eletroenzimaticamente
utilizando-se o lactímetro (YSL 1500 Sport - Yellow Springs,
EUA)
A análise
estatística foi realizada utilizando-se o programa computacional
SAS e os resultados estão apresentados como média
± erro padrão da média. Para a
comparação das variáveis fisiológicas
obtidas no exercício-teste, com o objetivo de avaliar as
diferenças dentro de cada etapa de esforço, foi realizada
análise de variância. Para as diferenças
estatísticas detectadas no teste F realizou-se a
comparação dos valores médios obtidos em cada
etapa de esforço físico, tanto na fase de
exercício como no desaquecimento ativo, através do teste
de Tukey. Para todas análises realizadas, estabeleceu-se como
nível de significância P≤0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Buscou-se estudar os
efeitos do exercício intenso em esteira rolante sobre a
glicemia, a insulinemia e a lactacidemia de equinos treinados. Como
observado na Figura 1A,
a concentração de glicose plasmática manteve-se
constante em todas as etapas na fase de exercício. Entretanto,
na fase de desaquecimento ativo, houve evidente aumento com
diferença estatística (p≤ 0,05). Com
relação à glicemia, nos equinos em repouso, os
valores variam entre 4,5 e 6,0 mmol/L HYYPPA et al.
(1997). Similarmente, neste estudo o valor médio dessa
variável no repouso foi de 4,45 ± 0,23 mmol/L. Nas
primeiras etapas do exercício-teste, a
concentração de glicose plasmática (Figura 1A)
diminuiu, em virtude da mobilização desse substrato
energético pela musculatura esquelética (TRILK et al.,
2002). Geralmente, tanto em indivíduos da espécie humana
quanto da equina, durante esforço intenso de curta
duração, verifica-se aumento da biodisponibilidade de
glicose (SIMÕES et al., 1999; GORDON et al., 2006). Os resultados verificados na Figura 1A
confirmam este achado. Tal fato está relacionado ao aumento da
atividade de hormônios que regulam o metabolismo
energético, como as catecolaminas e glucagon, que ao serem
liberados provocam glicogenólise e neoglicogênese
hepática, elevando a concentração de glicose
plasmática. Este é importante para a
manutenção da glicemia, durante o exercício
(McKEEVER, 2002).
Com relação
à insulinemia, houve diminuição (p≤ 0,05)
quando comparada com o início do exercício, o que pode
ser observado na Figura 1B.
Na etapa de repouso, a concentração plasmática de
insulina foi de 76 ± 16 pmol/L, sofrendo redução
para 28 ± 6 pmol/L na etapa de esforço máximo, de
dez minutos. Subsequentemente, no período de desaquecimento
ativo, ocorre clara tendência de recuperação na
insulinemia que, durante todo o desaquecimento, se equivale
estatisticamente à concentração de repouso, sendo
que o coeficiente de variação intraensaio para insulina
foi de 9,9%. Além da hiperglicemia ocorrida, principalmente na
fase de desaquecimento, o efeito simpático neuronal suprime a
produção pancreática de insulina (Figura 1B). No exercício intenso, ocorre aumento das concentrações de adrenalina e noradrenalina (GEOR et al.,
2002), que interagem com receptores α2 pancreáticos,
responsáveis pela diminuição da
produção de insulina.
Observando a Figura 1B,
nota-se redução da insulinemia em relação
ao aumento da intensidade do esforço, que é concordante
com os resultados obtidos por GEOR et al. (2002) e GORDON et al.
(2006). Nos equinos, bem como na espécie humana, essa
diminuição das concentrações de insulina
parece ter um limiar, representado como um gatilho que dispara quando
ocorre a prática de esforço físico acima de 50% da
capacidade aeróbica máxima (McKEEVER, 2002).
Funcionalmente, ocorre gliconeogênese, permitindo que a glicemia
permaneça constante durante todo o exercício, prevenindo
o início da fadiga do sistema nervoso central (SNC) (WILMORE,
1994).
Adicionalmente, na Figura 2
é possível verificar que a lactacidemia elevou-se
(p≤0,05) conforme intensificou-se o esforço físico,
fato que ocorreu a partir da etapa oito minutos, sendo que o valor
médio obtido igual a 4,3669 ± 0,4795 mmol/L. Na etapa de
esforço máximo, dez minutos, o valor médio obtido
foi de 9,23 ± 0,78 mmol/L, sendo maior (p≤0,05), quando
comparado com as etapas anteriores da fase de exercício.
Contudo, atingiu-se a máxima concentração de
lactato sanguínea na fase de desaquecimento ativo, na etapa
quinze minutos, sendo que a concentração média foi
de 12,21 ± 1,14 mmol/L. Conforme mostrado na Figura 2,
com o aumento da intensidade de exercício houve evidente
elevação da lactacidemia. Esses resultados estão
de acordo com os obtidos por SIMÕES et al. (2003), FERRAZ et al. (2006) e GOMIDE et al. (2006).
Em resposta ao
exercício intenso, a produção de lactato excede
sua utilização e eliminação, ocorrendo
difusão do excesso para o sangue (SIMÕES et al., 2003; LELEU et al.,
2005). Especula-se que o aumento da concentração de
lactato no músculo e, secundariamente, no sangue, durante o
exercício, deve-se principalmente à insuficiência
da taxa de oxigênio na mitocôndria, impedindo a
combustão aeróbica de carboidratos (EVANS, 2000). Isso
apesar de, ter sido encontradas evidências de que as
células musculares normais e mitocôndrias sempre
apresentam mais oxigênio do que o necessário, para o seu
adequado funcionamento, independentemente da velocidade e
duração do exercício (JOHNSON et al.,
1996). Durante o exercício, o acúmulo de lactato no
sangue depende do estado de estacionário dinâmico entre a
sua produção muscular, capacidade de
remoção hepática e por outros
órgãos. A elevação nas
concentrações de lactato no músculo e no sangue
relacionadas ao aumento na demanda de energia deve-se, provavelmente,
à curta ação de enzimas específicas do
ciclo aeróbio como a isocitrato desidrogenase e a citocromo
desidrogenase (WEICKER, 1994).
Outro aspecto que pode ser
abordado sobre a dinâmica da lactacidemia, durante o
exercício, é o seu comportamento após o
esforço intenso. Neste estudo houve clara tendência de
recuperação das concentrações de lactato
sanguíneo na fase de desaquecimento ativo (Figura 2).
Este fato é explicado pela gliconeogênese que ocorre em
virtude do aumento da remoção de lactato muscular e
sanguíneo, pois o metabolismo hepático e a
utilização do lactato, como substrato energético,
se mantêm elevados (WASSERMAN et al., 1991).
CONCLUSÃO
As respostas observadas em
equinos, a partir do exercício de intensidade crescente, mostram
que a necessidade, para um rápido fornecimento, de substratos
energéticos, para o esforço físico e a
prevenção da fadiga do sistema nervoso central, é
facilitada, possivelmente, pela ação neural
autonômica simpática, resultando em elevação
da glicemia e da lactacidemia e redução da insulinemia.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
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