Nos
últimos anos,
surgiram/recrudesceram algumas patologias nas criações industriais de
suínos (EMERGING...,
2011). Entre elas, destacam-se várias manifestações clínicas da
síndrome
circovirose suína causada pelo circovírus suíno tipo 2 (PCV2), sendo a
Síndrome
Multissistêmica do Definhamento (SMD) a mais importante (SEGALÉS,
2011). A SMD
afeta, predominantemente, leitões entre oito a 12 semanas de idade e
caracteriza-se clinicamente por apatia, dispnéia, emagrecimento rápido,
anemia/icterícia, manchas avermelhadas na pele e aumento do tamanho dos
linfonodos (ZANELLA et al., 2003). Atualmente, as síndromes associadas
ao PCV2
são responsáveis por grandes perdas econômicas na suinocultura, devido
à
refugagem e mortalidade dos leitões e também pelo aumento no uso de
antimicrobianos e desinfetantes (HARDING et al., 1998). O PCV2 persiste
no
organismo do suíno durante muito tempo após a infecção, mesmo sem
sinais
clínicos, e isso é importante no mecanismo da transmissão, mantendo a
doença no
rebanho (KIM et al., 2003). O controle da SMD é difícil e baseia-se na
identificação e correção de fatores de risco que favoreçam a ocorrência
da
doença (MADEC et al., 1999)
O
plasma suíno ultrafiltrado (AP920®)
seco por spray dry tem sido
adicionado às dietas para melhorar o desempenho (COFFEY &
CROWELL, 2001;
ARAÚJO, 2002) e a saúde de leitões infectados por Escherichia
coli e rotavirus
(HARREL et al., 2000). Tal efeito pode ser devido a anticorpos
presentes no produto
(VAN
DIJK, 2002).
O objetivo deste trabalho foi testar o efeito do plasma suíno spray-dried ultrafiltrado (AP920®),
diluído em água de bebida acidificada, para recuperação de leitões
com sinais clínicos da SMD no início do crescimento e terminação.
MATERIAL E MÉTODOS
O
experimento foi conduzido
em oito unidades de terminação (UT) da parceria de uma agroindústria de
Santa
Catarina (SC), no período de novembro/2004 a janeiro/2005, com
capacidade de
alojar 400 a 600 animais por terminador e com histórico de ocorrência
de
circovirose no 1º mês de alojamento nos lotes anteriores. Cada UT
alojou os
leitões no mesmo dia, com 60 a 70 dias de idade, peso médio aproximado
de 22,0
kg e manejava as instalações em lotes com vazio sanitário entre eles de
no mínimo
7 dias. De cada UT que apresentava leitões com sinais clínicos da SMD
na
primeira semana de alojamento, foram sacrificados e necropsiados dois
leitões
com sinais da doença para confirmação do diagnóstico pela
histopatologia,
imunoistoquímica (IHQ) e reação da cadeia da polimerase (PCR) para o
PCV2.
Somente as UTs com confirmação da SMD e que tinham mais leitões com
sinais da
doença no lote foram incluídas no estudo.
O
estudo foi iniciado aos 14
dias após o alojamento dos leitões e finalizado 42 dias depois. O
experimento
foi delineado aleatoriamente por peso e sexo dos suínos e em dois
tratamentos
(T
1 e T
2). Os tratamentos
foram distribuídos em duas
baias na mesma instalação, com nove ou dez leitões em cada baia,
dependendo do
número de animais que apresentavam sinais clínicos da doença na UT. Os
tratamentos foram T
1 (controle) com água à
vontade e T
2
(tratado) com 250g de plasma suíno (AP920
®
- composição:
proteína bruta 78%, gordura 0,3%, fibra bruta 0,5%, cinza 8,5%, energia
digestiva 4108 kcal/kg, energia metabolizada 3906 kcal/kg, lysina 6,8%
e
metionina 0,7%) em 10L de água acidificada com 12mL de ácido Selko
®-pH
(composição: ácido fórmico 63% e ácido acético 12%) para atingir o pH
final
mais próximo de 4,5. As respectivas soluções foram preparadas duas
vezes ao dia
pelo produtor, mantidas em recipiente plástico graduado com capacidade
para 10L
e fornecidas à vontade aos leitões durante 14 dias, em bebedouro de PVC
de 0,8m
de comprimento e 0,15m de diâmetro. Nesse período foi suspenso o
fornecimento de
água dos bebedouros durante o dia e liberado à noite.
Os
animais em teste não foram
medicados por via injetável e receberam a ração padrão da empresa à
vontade. As
variáveis avaliadas foram: pH da água de cada UT no início do
experimento; pH
das soluções no inicio do experimento, utilizando-se um potenciômetro;
peso
individual e condição clínica dos leitões nos dias 0, 14, 28 e 42 do
experimento; consumo das soluções nos períodos de 0-14 dias, consumo de
ração e
conversão alimentar nos períodos de 0-14, 15-28 e 29-42 dias de
experimento;
causa da morte baseada na necropsia, exame histopatológico e IHQ dos
animais e
taxa de mortalidade. Para cada leitão do T
2 foram
calculados a
quantidade e o custo do AP920
â
fornecido (na época do estudo o custo médio ao produtor
do AP920
â
foi de R$ 10,00/kg e do Ácido Selko
â
R$ 7,20/L).
A análise dos dados de desempenho foi realizada
utilizando-se a teoria de
modelos mistos, considerando-se os efeitos de granja, tratamento e
período
experimental, e 16 estruturas de matriz de variâncias e covariâncias,
por meio
do procedimento MIXED do SAS Instituto Inc. (2001), utilizando-se a
macro
proposta XAVIER (2000). A matriz de covariâncias foi escolhida com base
no
critério de informação de Akaike (AIC). Para as avaliações clínicas foi
usado o
teste de
χ2.
RESULTADOS
E
DISCUSSÃO
O
pH da água fornecida aos animais nas UTs variou de 5,1-7,0. Mesmo
tratando-se de água pura, foi registrada variação acentuada entre as
granjas, o
que não era esperado; entretanto, o pH da solução fornecida aos leitões
do T2
(plasma + ácido) variou entre 4,40-4,94, mostrando que a adição do
ácido
manteve a solução estável (Figura
1). A quantidade média de solução ou
de água
consumida pelos animais em cada UT foi maior no grupo que consumiu a
solução
com plasma (T2) em comparação com o controle (T1),
mas
houve uma variação acentuada entre as UTs, especialmente no T2
(Figura 2).
Cada leitão do T2 consumiu em média
56,34L da solução
com plasma mais ácido, totalizando 1,41kg de plasma e 67,6 mL de ácido.
Isso
implicou um custo adicional no tratado de R$ 14,1 de plasma e R$ 0,49
de ácido
por leitão.
A
análise inicial por meio da
macro proposta de XAVIER (2000) levou à escolha da matriz de variâncias
e
covariâncias do tipo simetria composta heterogênea para avaliação de
todas as
variáveis de desempenho, com base no menor valor de AIC. Não houve
diferença
estatística entre os tratamentos, exceto para conversão alimentar, pois
o grupo
que recebeu plasma + ácido foi melhor que o testemunha, com
probabilidade de
0,0372 para o efeito principal (Tabela
1). Contudo, houve interação
significativa entre tratamentos e período experimental (p=0,0594) para
conversão alimentar. O teste F para o desdobramento da análise de
tratamento
dentro de período experimental indicou diferença significativa entre
tratamentos apenas na conversão alimentar nos períodos de 14 (p=0,0286)
e 28
(p=0,0323) dias do experimento (Tabela
2). A inclusão de plasma spray
dry na dieta de leitões desmamados
estimula o consumo de alimento, aumenta a taxa de ganho de peso e
melhora a
conversão alimentar (COFFEY & CROMWELL, 2001).
Os
resultados dos exames clínicos estão apresentados na Tabela 3.
No
início do experimento, não houve diferença entre os tratamentos nas
avaliações
clínicas realizadas. Na avaliação realizada aos 14 dias de experimento
houve
diferença significativa para as variáveis estado corporal (p=0,0103),
anemia e
icterícia (p=0,0231), constatando-se maior número de leitões com
definhamento e
palidez/icterícia no grupo controle (T1). Isso,
provavelmente foi
devido ao consumo do plasma pelos leitões no período, pois, nas demais
avaliações em que eles não receberam plasma, o efeito não foi
observado. No
exame realizado aos 28 dias de experimento foi constatada diferença no
aspecto
das fezes (p=0,0116) e lesão de pele (p=0,0045), com maior ocorrência
de
leitões com diarréia e lesões de pele no T2. Uma
explicação possível
para a maior ocorrência de diarréia nos leitões que receberam plasma
pode ser o
aumento na ingestão de proteínas (MORÉS et al., 1990). Aos 42 dias de
experimento não houve diferença entre os tratamentos em todas as
avaliações
clínicas realizadas.
Dos
148 leitões utilizados no experimento, 12,12% e
10,81%, respectivamente no T1 e T2,
morreram com
diagnóstico da SMD baseado na necropsia, histopatológico e IHQ, não
havendo
diferença entre os tratamentos. Essa taxa de mortalidade é baixa,
considerando
que eram leitões com sinais clínicos de SMD. SEGALÉS et al., 2004
verificaram a
campo que 70 a 80% dos leitões com sinais clínicos da SMD chegam a
óbito.
ZANELLA & MORÉS (2003) citam que cerca de 50% dos suínos
afetados morrem em
menos de oito dias. No exame de necropsia, a ocorrência de úlcera
gástrica e
dermatite difusa foram observadas apenas nos leitões do T1.
Na
observação dos autores, o fato de retirar os leitões das baias
originais e
alojá-los em baias separadas, na mesma instalação, aumentou a taxa de
sobrevivência nos dois tratamentos, superando as expectativas.
Provavelmente,
isso ocorreu devido ao alojamento em ambiente melhor, com menor pressão
de
infecção, lotação adequada, diminuição da competição, fornecimento de
ração à
vontade e, consequentemente, diminuindo o estresse e os fatores de
risco
(MADEC, 1999). Como a maioria dos leitões se contaminaram com PCV2 na
fase de
creche (PUJOLS
et al., 2008), é possível que o uso preventivo do plasma suíno spray dry para todos os leitões na fase
de creche, por inclusão na ração, seja eficiente na prevenção da SMD.
Está é
uma hipótese a ser testada, pois a
inclusão de plasma
spray dry na dieta de leitões
desmamados estimula o consumo de alimento, aumenta a taxa de ganho de
peso e
melhora a conversão alimentar (COFFEY & CROMWELL, 2001).
Ademais, SHEN
et al., 2011 verificam que o plasma
spray dry é seguro para ser
utilizado em
suínos, pois apresenta o DNA do circovirose tipo 2 em sua composição,
porém não é transmissível quando fornecido para leitões sadio.
CONCLUSÕES
Os
leitões com sinais da SMD que receberam plasma em
água acidificada apresentaram melhora clínica em relação aos controles
apenas
no período em que receberam o
produto e melhor
conversão alimentar nos primeiros 28 dias de experimento. A taxa de
mortalidade
não foi afetada.
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em: 01 nov. 2011.