RESUMO
Foram estudadas as artérias da língua de
Sus scrofa
domestica (Linnaeus, 1758) de 20 animais cujos órgãos foram coletados a
fresco e resfriados (4ºC) para transporte. Os vasos, em 15 espécimes,
foram perfundidos com água (37ºC), injetados com látex, fixados em
formaldeído (7%) e dissecados sob lupa. Injetaram-se 5 peças com ar e
acetona PA, depois ar novamente, por fim, solução de acetato de vinil
corado. O material foi colocado em água por 24h e, após, mergulhado em
solução de ácido sulfúrico a 30% por duas semanas para obtenção de
moldes do sistema arterial. As artérias forneceram ramos dorsais,
ventrais e colaterais como se segue: ramos dorsais na raiz da língua,
três ramos (50%), quatro ramos (46,6%), cinco ramos (3,4%); arranjos de
ramos dorsais e ventrais no corpo da língua, um ventral e dois dorsais
(46,6%), um ventral e três dorsais (23,3%), um ventral e um dorsal
(23,3%), um ventral e quatro dorsais (3,4%) e um ventral (3,4%). No
ápice lingual a artéria seguiu paralela, entre os antímeros,
encurvou-se medialmente, e se uniu à artéria contralateral
estabelecendo uma anastomose por inosculação, formando ilhas arteriais,
das quais partiram ramos radiais para o ápice da língua.
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PALAVRAS-CHAVE: artérias linguais; língua; suínos; Sus scrofa domestica.
ABSTRACT
ANATOMY OF THE DEEP LINGUAL ARTERY IN Sus scrofa domestica, Linnaeus, 1758
We studied the arteries of the tongue of
Sus scrofa
doméstica (Linnaeus, 1758) from 20 animals whose tongues were
slaughtered while fresh and kept cooled (4ºC) for transportation. The
blood vessels of 15 animals were flowed with water (37ºC), injected
with stained latex, fixated with phormaldeid and dissected with
magnifying glass. We injected 5 tongues with air and acetone PA; later,
we injected again with air and at last with vinyl stained acetate. The
material was put in water for 24 h and, after this, submerged in
sulfuric acid 30% for two weeks to reveal the arterial system mold. The
arteries provided dorsal, ventral and collateral branches in the
following way: dorsal branches at the tongue root - three branches
(50%), four branches (46.6%), five branches (3.4%); arrangements of the
following dorsal and ventral branches at the tongue body - one ventral
and two dorsal (46.6%), one ventral and three dorsal (23.3%), one
ventral and one dorsal (23.3%), one ventral and four dorsal (3.4%) and
one ventral branch (3.4%). At the lingual apex, the artery was parallel
between antimers, made a medial curve, and reached the
counter-lateral artery, establishing anastomoses by inosculation,
forming arterial islands from which radial branches to the tip of the
tongue were originated.
____________
KEYWORDS: lingual arteries; pigs; Sus scrofa domestica; swine; tongue.
INTRODUÇÃO
A língua é um órgão formado pela junção de cinco elementos derivados da
embriologia e que, em alguns animais, tem uma função importante na
apreensão dos alimentos. SONNTAG (1920) considerava que as estruturas
linguais variavam nos diferentes animais devido às diversidades de
forma e função desse órgão muscular envolto por membrana mucosa e
ricamente vascularizado. Em razão de sua especialização, nas diversas
ordens de vertebrados, contempla músculos que podem prolongar-se até o
exterior da cavidade oral, além de ser revestida por uma membrana
mucosa, com papilas mecânicas e gustativas distribuídas no dorso do
órgão (SONNTAG, 1920; SONNTAG, 1924; WATANABE & KÖNIG, 1976;
SCALZI, 1967; CHAMORRO
et al., 1986). A mucosa lingual pode exibir rica rede capilar em primatas (MACHIDA
et al.,1967)
e nos animais domésticos (FRANDSON, 1979). Na parte ventral do
órgão, a membrana mucosa forma uma prega medial, o frênulo lingual,
assentado no assoalho da boca (WEICHERT, 1966).
A língua dos vertebrados recebe suprimento sanguíneo oriundo das
artérias linguais e sublinguais, sendo que a artéria lingual, em
ungulados, pode originar-se tanto da artéria carótida comum como da
artéria carótida externa (LESBRE, 1923; DULZETTO, 1968; GETTY, 1981;
SCHALLER, 1999; BERNARDINO JÚNIOR
et al., 2003; SILVA et. al., 2003; FERREIRA
et al., 2009).
As artérias linguais são vasos calibrosos que formam grande número de
anastomoses arteriovenosas na mucosa lingual (RUBAY, 1950; PEREZ, 1956;
DELLMANN & BROWN, 1982; SAPPEY, 1894). Essas anastomoses foram
também descritas na língua de ovinos e caprinos ocorrendo entre as
camadas epitelial e muscular (PRICHARD & DANIEL, 1954).
Tais artérias podem surgir como ramos colaterais da artéria maxilar em
alguns ungulados (PEREZ, 1956; SCHWARZE & SCHRÖDER, 1970), enquanto
que em equinos e suínos podem ser originárias da artéria carótida
externa a partir do denominado tronco línguo-facial (MONGIARDINO, 1905;
MONTANÉ
et al., 1949; GETTY, 1981; MUNIZ
et al., 2006; MOTHEO
et al., 2007). Em carnívoros, GETTY (1981) considerou que a artéria lingual pode eventualmente ser ramo da artéria maxilar.
Com relação à topografia dos vasos na língua, após penetrarem na
musculatura extrínseca, as artérias ascendem rostralmente em direção ao
ápice (GETTY, 1981). TAYLOR (1955) esquematizou uma artéria sublingual
na borda ventro-lateral do músculo milohióide e uma artéria lingual na
borda ventro-lateral dos músculos intrínsecos próxima ao septo lingual
em animais domésticos. Na NOMINA ANATÔMICA VETERINÁRIA (2005),
encontram-se as denominações: artéria lingual, sublingual e artéria
profunda da língua.
No que se refere à origem e distribuição dos ramos arteriais para a
musculatura extrínseca e intrínseca da língua, a literatura é pouco
esclarecedora, por isto a decisão de estudarmos os ramos da artéria
lingual que irrigam a língua de
Sus scrofa doméstica (Linnaeus, 1758).
Com este trabalho objetivou-se descrever a distribuição da artéria lingual na musculatura e demais tecidos da língua em suínos.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizamos 20 línguas de suínos adultos
Sus scrofa
domestica (Linnaeus, 1758), de ambos os sexos abatidos em frigorífico
na região metropolitana de Goiânia, GO, com idade de seis a dez meses.
O material foi coletado à fresco, resfriado em caixas isolantes com
gelo e transportado até o laboratório. Após o transporte, os vasos
foram perfundidos com água aquecida (37ºC). Látex corado com pigmento
específico foi injetado em 15 línguas (30 antímeros). O material foi
fixado em solução aquosa de formaldeído 7% e dissecado sob lupa (RANSOR
II-20). A dissecação objetivou à identificação da artéria profunda da
língua e à sistematização de suas subdivisões no parênquima lingual.
Com a finalidade de melhor elucidar a ramificação da artéria profunda
da língua, em cinco peças, pela mesma via citada acima, o sistema de
vasos da cabeça foi injetado com ar e acetona PA, depois ar novamente,
e, por fim, solução de acetato de vinil corado com corante específico.
O material foi então colocado em água por 24 horas sendo em seguida
mergulhado em solução de ácido sulfúrico a 30% por um período de duas
semanas para fins de obtenção dos moldes do sistema arterial.
Neste estudo observaram-se os arranjos arteriais dos vasos dependentes da artéria profunda da língua de
Sus scrofa
domestica (Linnaes, 1758). Para tanto, abordou-se a artéria lingual
entre o osso hióide e a borda ventral do músculo hioglosso em 30
antímeros de línguas de suínos pela técnica da dissecação.
Para fins de denominação dos vasos descritos, utilizaram-se os termos,
segundo a NOMINA ANATÔMICA VETERINÁRIA (2005): artéria lingual e
artéria profunda da língua.
Para fins de quantificação, foram calculadas as frequências absolutas e relativas a partir da tabulação dos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados mostraram que, nos cinco animais que foram preparados
para corrosão, o aporte sanguíneo para a língua foi oriundo da artéria
carótida externa (
Figura 1)
e confirmaram igualmente a existência de um sistema de anastomose entre
os antímeros linguais. Observou-se que os ramos arteriais para a língua
originaram-se da artéria lingual, a qual, na região caudal ao osso
hióide, tem aproximadamente dois milímetros de diâmetro. Na borda
lateral do corno do osso hióide, a artéria lingual encontrava-se
ventralmente ao músculo hioglosso emitindo pequenos ramos ventrais para
a região hióidea, resultado também encontrado por BERNARDINO JÚNIOR
et al. (2003) em suínos da linhagem Resende e por MUNIZ
et al.
(2006) em suínos da raça Piau. Após penetrar na musculatura
intrínseca, na maioria dos casos, a artéria alcançou o tecido
conjuntivo entre os músculos hioglosso e genioglosso. Os ramos
arteriais para os músculos estiloglosso e genioglosso e tecido
conjuntivo adjacente são vasos colaterais em números variáveis.
Embora a artéria lingual seja responsável por regiões subjacentes à língua em suínos (BERNARDINO JÚNIOR
et al., 2003; MUNIZ
et al.,
2006), há também estudos que indicam contribuição desse vaso para
irrigar os lobos cervicais do timo em fetos da linhagem Camborough 25
(LIMA
et al., 2009) e em adultos (SILVA
et al., 1993; MACHIDA
et al., 1999; RESENDE
et al., 1999).
Ao penetrar na profundidade do órgão, a artéria lingual é reconhecida
na literatura como artéria profunda da língua em macaco Rhesus (Dyrud,
1944), em bovinos (GETTY, 1981), em suínos, em equinos, em carnívoros e
em ovinos (SCHALLER, 1999), em suínos (BERNARDINO JÚNIOR
et al., 2003; MUNIZ
et al., 2006; FORTES
et al., 2009), em bubalinos (MOTHEO
et al., 2007) e em bovinos da raça Nelore (FERREIRA
et al.,
2009). Essa denominação é a mesma empregada pela NOMINA ANATÔMICA
VETERINÁRIA (2005), tendo sido utilizada nesta pesquisa. Adotou-se a
denominação artéria profunda da língua a partir da porção mais rostral
do terço posterior do órgão. Nesse local, a artéria correu paralela às
fibras dos nervos hipoglosso e lingual, aprofundando-se no parênquima
lingual e ocupando posição medial, em relação às fibras do músculo
genioglosso. Essa topografia é coincidente com a artéria profunda da
língua descrita pelos autores supracitados.
No terço caudal da língua, a artéria profunda da língua ascendeu
rostralmente emitindo em 50% dos casos 3 ramos dorsais primários, o
primeiro desses ramos apresentou-se como um tronco de curto trajeto do
qual partiu um vaso recorrente que se distribuiu no tecido conjuntivo e
região do osso hióide, anastomosando-se com o ramo arterial do antímero
oposto; a região suprida pelo outro vaso não foi observada por
limitação da técnica. Em 46,6% das observações foram encontrados quatro
ramos primários dorsais e em 3,4%, cinco ramos primários dorsais para a
musculatura intrínseca e demais tecidos componentes da língua. Esses
vasos apresentaram topografia relativamente perpendicular em relação ao
vaso de origem fazendo exceção o ramo mais rostral, que apresentou
emergência oblíqua em sentido dorso-rostral (
Tabela 1).
Em 100% dos antímeros analisados, a artéria profunda da língua, na zona
limite, rostral à parte fixa do órgão, forneceu seu ramo ventral mais
calibroso: a artéria sublingual, de trajeto rostral, que passa sobre a
região lateral do músculo genioglosso próximo ao músculo geniohioídeo,
e emitiu ramos ventrais para as estruturas componentes do assoalho da
boca. RUBAY (1950) acusou a presença de vaso similar no cavalo, EVANS
(1993) no cão, DYRUD (1944) no macaco
Rhesus,
GETTY (1981) em ruminantes e equinos, SCHALLER (1999) em suínos e
ruminantes, e DULZETTO (1968) em vertebrados genericamente. Nesta
amostra pôde-se inferir que a artéria sublingual representou um ramo
colateral constante responsável pelo aporte sanguíneo das estruturas
miofasciais da região ventral do ápice lingual, com hierarquia de
calibre significativa em relação ao vaso de origem. Pode-se afirmar que
esse é o ramo colateral mais significativo da artéria profunda da
língua de
Sus scrofa
doméstica (Linnaeus, 1758). Em suínos da linhagem Resende e da raça
Piau, essa artéria foi observada como ramo único e ventral (BERNARDINO
JÚNIOR
et al., 2003) com trajeto ao longo da borda medial do músculo geniohióide (MOTHEO
et al.,
2006), do genioglosso, geniohióide e milohióide, além da glândula
sublingual (BERNARDINO JÚNIOR, 2003). Em bubalinos a artéria sublingual
foi interpretada como vaso de trajeto dorsal ao músculo geniohióide e
em
Bos indicus foi reconhecida como o ramo ventral de maior calibre do torus lingual (MOTHEO
et al., 2007; FERREIRA
et al., 2009).
Pode-se considerar, igualmente ao relato de WEISSMAN
et al.
(2004), que a artéria profunda da língua é o principal vaso da porção
contrátil e gustatória deste órgão. O corpo e o ápice lingual são
totalmente dependentes desde o vaso que é terminal a partir da
emergência da artéria sublingual. Isso significa dizer que a isquemia
desse vaso compromete a fisiologia da língua, órgão responsável pela
apreensão de alimento, gustação e deglutição. As lesões desse vaso
seguida de comprometimento fisiológico podem comprometer a
estereognosia e a capacidade motora lingual (WEISSMAN
et al., 2004), o que implicaria problemas na nutrição animal, muito importante em animais de alta performance genética.
Tomando como ponto de referência a emergência da artéria sublingual,
são descritos a seguir os vasos dorsais do terço médio do órgão: em
46,6% das peças foram encontrados dois ramos, em 23,3% três ramos, em
23,3% quatro ramos, em 3,4% quatro ramos e em 3,4% um tronco arterial,
os quatro primeiros arranjos emergindo obliquamente em direção ao dorso
do órgão. Os ramos ventrais nessa região são todos de calibre fino (
Tabela 2).
Em relação aos ramos dependentes da artéria profunda da língua é certo
afirmar que depois que o vaso atinge o interior do órgão, ele transita
preferencialmente entre o tecido conjuntivo das junções
intermusculares; o mesmo fenômeno acontece em relação à artéria
sublingual.
Os ramos dorsais e ventrais de menor calibre, representados nas
Tabelas 1 e
2, tiveram suas trajetórias entre as estruturas mioconjuntivas do órgão.
Embora SCHALLER (1999) tenha esquematizado a artéria lingual em suínos
como um ramo colateral da artéria carótida externa, o texto não
esclarece quando esse vaso assume a condição de artéria profunda da
língua, vaso igualmente ilustrado pelo autor. Considerou-se que, após
cruzar o osso hióide, a artéria lingual iniciou a sua penetração
intravisceral no sentido rostro-medial. Ao cruzar as fibras do músculo
hioglosso, ela se encontra na intimidade do órgão podendo, a partir
desse ponto, ser considerada como artéria profunda da língua.
Com relação aos ramos terminais derivados dos ramos dorsais dependentes
da artéria profunda da língua, tendo como base os moldes arteriais
obtidos por corrosão (10 antímeros), pode-se afirmar que esses
terminaram subdividindo-se, originando capilares em formação
arboriforme proximamente à mucosa lingual (
Figura 2).
O limite do terço médio para o terço cranial da língua representou a
zona de continuidade do ramo arterial principal, presente em 100% das
peças, de direção rostral que se distribuiu na musculatura intrínseca
do ápice do órgão. A artéria profunda continuou e, próximo ao ápice do
órgão, anastomosou-se, por inosculação, com a artéria do antímero
oposto em um, dois ou três pontos, formando uma ou duas ilhas arteriais
(
Tabela 3).
Logo após, capilarizou-se em rede no ápice lingual. No que tange a
esses aspectos, não foram encontrados dados similares passíveis de
comparação, embora alguns autores se refiram a anastomoses entre os
antímeros em Bos indicus (FERREIRA
et al., 2009).
CONCLUSÕES
A artéria profunda da língua representou o ramo de continuação rostral
mais calibroso da artéria lingual. Constatou-se a presença de ramos
colaterais primários dorsais linguais na região do terço lingual
posterior; a artéria sublingual representa o ramo colateral mais
calibroso da artéria profunda da língua; os ramos colaterais dorsais da
artéria profunda da língua, em qualquer dos seus segmentos, dirigiam-se
entre a massa muscular e a mucosa lingual, onde se capilarizaram; as
subdivisões dos ramos dorsais da artéria sublingual e da região
anterior da língua são representadas por finos vasos que irrigam os
tecidos subjacentes e a mucosa do dorso ou da região ventral; a artéria
profunda da língua anastomosou-se por inosculação com a artéria do
antímero correspondente e, a partir dessa junção, originou-se plexo na
região apical; no ápice lingual, após anastomoses entre os antímeros,
ocorreu a formação de ilha arterial única ou dupla.
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Protocolado em: 14 dez. 2007. Aceito em: 04 maio 2010.