DOI: 10.1590/1089-6891v16i426859
MEDICINA VETERINÁRIA
IMUNOMARCAÇÃO DE Leishmania sp. E ASPECTOS HISTOLÓGICOS NA TERCEIRA PÁLPEBRA DE CÃES NATURALMENTE INFECTADOS POR Leishmania (leishmania) chagasi.
HYSTOPATHOLOGY AND Leishmania sp. IMMUNOSTAINING IN THIRD EYELID OF Leishmania (Leishmania) chagasi NATURALLY INFECTED DOGS
Aline Maria Vasconcelos Lima1*
Adriana da Silva Santos2
Mariana B. Rodrigues Faleiro1
Veridiana Maria B. Dignani de Moura1
Fábio Luiz da Cunha Brito3
Luiz Augusto Batista Brito1
1Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
2 Instituto Federal Goiano, Urutaí, GO, Brasil.
3Instituto Qualittas de Pós-Graduação, Goiânia, GO, Brasil
*Autora para correspondência - alinevetufg@hotmail.com
Resumo
A leishmaniose visceral canina (LVC) é uma doença que envolve lesões multissistêmicas e, dentre os vários tecidos acometidos, a terceira pálpebra está frequentemente envolvida. Este anexo ocular tem sido alvo de estudo tanto para a elucidação da patogênese da doença quanto para o avanço diagnóstico. O presente trabalho teve por objetivo avaliar as alterações histológicas presentes na terceira pálpebra de cães naturalmente infectados por Leishmania chagasi e realizar a imunodetecção do parasita. Vinte e seis amostras de terceira pálpebra de cães sintomáticos foram avaliadas quanto à coloração de HE e à imunoistoquímica com soro de cão positivo para Leishmania sp. A principal alteração observada na conjuntiva da terceira pálpebra foi infiltração inflamatória predominantemente linfoplasmocitária, com células de Mott e histiócitos parasitados permeando a área de exsudação. Adicionalmente, perda de estratificação e ulceração epitelial, rarefação ou hiperplasia de células caliciformes foram achados costumazes. Na glândula lacrimal da terceira pálpebra, o mesmo padrão inflamatório foi observado, acompanhado frequentemente de atrofia acinar e dilatação dos ductos secretórios. A imunoistoquímica revelou parasitismo em todas as amostras, em diferentes intensidades.
Palavras-chave: cão; conjuntiva; glândula lacrimal; leishmaniose visceral canina; olho.
Abstract
Canine visceral leishmaniasis (CVL) is a disease with multisystemic injuries, and among the various tissues affected, the third eyelid (TE) is often involved. This ocular adnexa has been studied for the leishmaniasis pathogenesis elucidation and for diagnosis advance. This study aimed to carry out the parasite immunodetection and evaluate histologic lesions in TE of Leishmania (leishmania) chagasi naturally infected dogs. Twenty-six TE samples from infected dogs were submitted to histologic evaluation and to immunohistochemistry for Leishmania sp. The main lesion observed in the third eyelid conjunctiva (TEC) was lymphoplasmacytic inflammation, with Mott cells and parasitized histiocytes. Additionally, loss of epithelial stratification, ulceration, goblet cells thinning or hyperplasia were often found. The same inflammatory pattern was observed in the third eyelid lacrimal gland (TELG), often accompanied by acinar atrophy and secretory ducts dilatation. Immunohistochemistry revealed parasitism in all samples, in different intensities.
Keywords: canine visceral leishmaniasis; conjunctiva; dog; eye; lacrimal gland.
Enviado em: 15 outubro 2013
Aceito em: 14 agosto 2015
O termo Leishmaniose Visceral (LV) é utilizado para denominar uma variedade de manifestações mórbidas causadas por alguns protozoários do gênero Leishmania. Considerada uma zoonose de grande importância para a saúde pública, no Brasil, a LV tem como agente etiológico a Leishmania chagasi, cujos reservatórios são principalmente roedores e canídeos. Na medicina veterinária, a Leishmania chagasi assume grande importância não somente por estar incluída no grupo zoonótico da LV, mas também pela doença crônica e severa que promovem em cães, a Leishmaniose Visceral Canina (LVC)(1).
Embora a LVC seja conhecida como uma doença sistêmica severa, existem poucos estudos descrevendo as características histopatológicas dos distintos tecidos do hospedeiro parasitado(2). De modo geral, na pele, fígado e rins, as alterações histológicas caracterizam-se por infiltrado linfoplasmocitário acentuado associado à presença de macrófagos parasitados(3-6).
As lesões oftálmicas abrangem tanto o bulbo como os anexos oculares. No âmbito dos anexos oculares, a terceira pálpebra (TP) tem sido apontada como uma estrutura frequentemente acometida na LVC(7). Os aspectos clínicos que envolvem a TP na LVC abrangem principalmente a conjuntivite e a dacrioadenite. A inflamação da conjuntiva tem sido apontada como condição habitual em cães com LV, sendo caracterizada por hiperemia, quemose e exsudação purulenta(8-10). Lesões envolvendo o aparato lacrimal também foram descritas na LVC, bem como a redução na produção de lágrimas em cães infectados por L. chagasi(11,12).
As alterações histopatológicas específicas da TP têm sido pouco estudadas e, na conjuntiva da terceira pálpebra (CTP), apresentam-se como exsudação inflamatória crônica linfoplasmocitária, adelgaçamento epitelial e rarefação ou hiperplasia de células caliciformes. Na glândula da terceira pálpebra (GLTP), os poucos estudos são inconsistentes quanto ao tipo de inflamação e apontam alterações tubuloacinares associadas ao infiltrado inflamatório(1,7).
O exame histopatológico propicia a observação das alterações morfológicas provocadas pela doença e contribui para o diagnóstico parasitológico da LVC. Contudo, como a visibilização do parasita à histopatologia pode ser difícil, a imunoistoquímica (IHQ) apresenta-se como um método sensível, específico e seguro para o diagnóstico parasitológico da LVC, que vem sendo utilizada para a detecção de formas amastigotas de Leishmania sp. em amostras de diversos tecidos(5,13,14).
Este trabalho teve por objetivo identificar as alterações histomorfológicas da terceira pálpebra de cães naturalmente infectados por Leishmania (leishmania) chagasi, bem como identificar o parasita por meio de IHQ nos diferentes tecidos que compõem este anexo ocular.
Foram utilizadas neste estudo 26 amostras de terceiras pálpebras (TP) de quatorze cães naturalmente infectados com L. chagasi. Destas, foram estudadas 26 amostras de conjuntiva da terceira pálpebra (CTP) e 20 amostras de glândula da terceira pálpebra (GLTP), uma vez que em seis amostras de TP não foi possível visibilizar a GLTP.
A confirmação de infecção dos animais foi realizada por imunofluorescência indireta e exame parasitológico por citologia aspirativa da medula óssea, no Laboratório de Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Todos os fragmentos de TP foram fixados em formol tamponado a 10% durante 48 horas e mantidos em álcool a 70% até o processamento e inclusão em parafina. Na sequência, os fragmentos foram cortados a 4µm, distendidos sobre lâminas histológicas e corados pela Hematoxilina-Eosina (HE). Para a avaliação imunoistoquímica foram confeccionados cortes de 4µm, que foram distendidos sobre lâminas histológicas eletricamente carregadas (Star Frost adhesive slides - Sakura Finetek Europe®, Zoeterwoude, Netherlands). As lâminas foram submetidas às etapas de desparafinização, hidratação e lavagem em água destilada. O bloqueio da peroxidase endógena (dual endogenous enzyme block, DAKO®, Carpinteria, USA) foi realizado por 20 minutos. Procedeu-se à incubação em solução de BSA a 3% por uma hora, seguindo-se de incubação com leite em pó a 10% (Molico® - 10g/100 ml H2O destilada), para bloqueio de proteínas inespecíficas. Em seguida, as lâminas foram incubadas com o anticorpo primário (soro de cão positivo para Leishmania chagasi, conforme Tafuri et al.(14), diluído a 1:200 em BSA 1,5%), e mantidas em câmara úmida por duas horas, em temperatura ambiente. Como anticorpo secundário utilizou-se o sistema LSAB (LSAB + System HRP, DAKO®, Carpinteria, USA) e, para a visualização da reação, diaminobenzidina - (Stable DAB-PLUS liquid cromogen- substrate componentes, Diagnostic Biosystems®, Pleasanton, USA). Tampão TRIS pH 7,4 e água destilada foram utilizados entre as etapas para a lavagem das lâminas. Os cortes foram submetidos à contracoloração em Hematoxilina de Harris, lavagem, desidratação, diafanização, montagem com resina sintética e análise em microscópio óptico. Como controle positivo das reações foram utilizadas amostras teciduais de pele de cão, positivas para Leishmania chagasi. Para o controle negativo, foi utilizada uma amostra de TP incubada com tampão TRIS pH 7,4.
As alterações histomorfológicas foram apresentadas de forma descritiva. Para a intensidade do infiltrado inflamatório foram estabelecidos escores definidos pela análise de campos em objetiva de 40x: escore ausente (ausência de infiltrado inflamatório); escore discreto (10% do campo apresentou infiltrado inflamatório); escore moderado (de 10% a 40% de infiltrado inflamatório); e escore acentuado (mais de 40% do campo apresentou infiltrado). Os escores de parasitismo à histologia e à IHQ foram obtidos à semelhança dos escores estabelecidos para o infiltrado inflamatório.
A análise de correlação de Spearman foi utilizada para identificar associação entre a intensidade de parasitismo e o grau de infiltrado inflamatório na CTP e na GLTP.
O experimento foi aprovado pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal da Universidade Federal de Goiás, sob o número de protocolo 062/13.
A principal alteração observada na CTP e na GLTP foi a inflamação crônica linfoplasmocitária, sendo também constatada a presença de histiócitos parasitados por amastigotas de Leishmania sp., de neutrófilos e células Mott, em diferentes intensidades (Tabela 1).
A conjuntiva da terceira pálpebra apresentou infiltrado linfoplasmocitário em 96,15% das amostras, sendo este observado nas regiões subepitelial, intersticial e perivascular. A região subepitelial foi a que apresentou maior frequência e intensidade de infiltrado inflamatório, seguida pelas regiões perivascular (Figura 1A) e intersticial.
Na maioria dos fragmentos de CTP observou-se disparidade entre a intensidade e a distribuição do infiltrado inflamatório subepitelial na face palpebral e na face bulbar de uma mesma amostra. Na face bulbar, o infiltrado ocorreu, em geral, com maior intensidade que na face palpebral. Na primeira, o infiltrado frequentemente formou aglomerados de células inflamatórias organizadas em ninhos na região subepitelial (Figura 1B). Na segunda, o infiltrado inflamatório se apresentou de forma difusa e linear no subepitélio (Figura 1C). Além disso, pôde-se observar a presença de células de Mott na CTP (Figura 1D), com frequência que variou de discreta (53,85%), moderada (19,23%) a acentuada (15,38%).
Permeando o infiltrado linfoplasmocitário foram observados histiócitos parasitados por formas amastigotas de Leishmania sp. (Figura 1E). À histopatologia, os parasitas foram encontrados em 88,46% das amostras. Destas, 65,38% estavam discretamente parasitadas, 19,23% apresentavam parasitismo moderado e 3,85% acentuado. As amastigotas foram visibilizadas tanto no interior dos histiócitos quanto livres no interstício tecidual.
Neutrófilos intraepiteliais em pequena quantidade foram encontrados na maioria das amostras estudadas e sua presença esteve intimamente associada à necrose e erosão epitelial. Observou-se também relação direta entre a intensidade do infiltrado inflamatório linfoplasmocitário subepitelial e a presença de necrose e erosão epitelial. Não foi possível visibilizar formas amastigotas de Leishmania nos cortes histológicos dos folículos linfoides corados em HE.
Dentre as alterações não inflamatórias (Tabela 2), a hiperplasia de células caliciformes, formando aglomerados de aspecto glandular, foi um achado frequente no epitélio da CTP (Figura 1F). Contudo, também foi observada, em muitas amostras, rarefação de células caliciformes associada à perda de estratificação epitelial ou à metaplasia escamosa. Constatou-se ainda hiperplasia epitelial, que algumas vezes exibia um aspecto acantomatoso.
Em referência à glândula lacrimal, a dacrioadenite, caracterizada pelo infiltrado inflamatório na GLTP, esteve presente em todas as amostras. O infiltrado foi predominantemente linfoplasmocitário e se distribuiu de forma heterogênea, sendo mais frequente no tecido glandular próximo à conjuntiva bulbar (Figura 2A). Em 20% das amostras (4/20) foi identificado infiltrado inflamatório discreto, em 55% (11/20) moderado, e em 25% (5/20) acentuado (Tabela 1). Histiócitos albergando formas amastigotas de Leishmania sp foram observados permeando o infiltrado inflamatório (Figura 2B). O parasita pôde ser visibilizado em 55% (11/20) das amostras. Destas, 45% (9/20) apresentaram parasitismo discreto, 5% (1/20) moderado e 5% (1/20) acentuado. Células de Mott foram visibilizadas em grande parte das amostras de GLTP, todavia em quantidade discreta em relação àquela observada na CTP. Também constataram-se neutrófilos intraluminais, frequentemente associados à necrose tubuloacinar, em 35% das amostras de GLTP (Figura 2C), e à infiltrado inflamatório variando de moderado a acentuado adjacente à lesão.
Dentre as alterações microscópicas não inflamatórias, a dilatação cística dos ductos e a atrofia acinar (Figura 2D) foram alterações habituais, ocorrendo em 95% dos fragmentos estudados. Constatou-se que a dilatação dos ductos e a atrofia acinar foram mais evidentes nas regiões adjacentes ao infiltrado inflamatório. Adicionalmente, foram observadas hipertrofia e metaplasia acinar em 35% das amostras e degeneração acinar em 25% dos fragmentos. Também foram constatadas hiperplasia acinar e fibrose intersticial em 10% dos fragmentos avaliados.
Em referência à IHQ, todas as amostras de CTP e GLTP apresentaram imunomarcação positiva para Leishmania sp. (Figuras 3A, 3B e 3C) em diferentes graus. Em 11,54% das amostras de CTP havia parasitismo discreto (3/26), em 46,15% parasitismo moderado (12/26), e em 42,31% das amostras parasitismo acentuado (11/26). Em algumas amostras foi possível identificar macrófagos parasitados no interior dos folículos linfoides (Figura 3D).
As frequências de intensidade de parasitismo encontradas na GLTP pela IHQ foram 15% (3/20), 30% (6/20) e 55% (11/20), para os graus discreto, moderado e acentuado, respectivamente. Houve correlação positiva entre o grau de parasitismo na CTP e o grau de parasitismo na GLTP (r= 0,4732). Também foi constatada correlação positiva entre o grau de infiltrado inflamatório e o grau de parasitismo na CTP (r=0,5195). A mesma associação não foi encontrada para a GLTP (r= 0,1776). Quando comparadas as técnicas de HE e IHQ, ficou evidente a maior sensibilidade da IHQ para o diagnóstico parasitológico da LVC na TP (Figura 4). Embora tenha sido demonstrada correlação positiva entre a intensidade de parasitismo obtida pela coloração em HE e pela imunoistoquímica na CTP (r = 0,4267), o mesmo não foi observado para a GLTP (r = 0,3323).
As alterações microscópicas presentes na terceira pálpebra de cães infectados por L. chagasi vêm demonstrando ser uma ferramenta importante para o entendimento da patogênese e também como um auxiliar para o diagnóstico da doença. A infiltração linfoplasmocitária descrita em outros órgãos de animais acometidos pela LVC, e que constitui um dos achados mais importantes da doença, também é descrita nos tecidos oculares, particularmente na TP(1,15). Neste estudo, foi possível reafirmar este achado, quando se constatou a presença de infiltrado linfoplasmocitário em 96,15% das amostras de CTP e em todos os fragmentos de GLTP avaliados. Naranjo et al.(7) descreveram a presença de infiltrado granulomatoso na GLTP; entretanto, neste experimento, apesar da presença habitual de histiócitos parasitados, não foram visibilizadas células epitelióides em nenhuma amostra avaliada.
Um estudo sobre as alterações na CTP em cães com LVC verificou alta frequência de infiltração linfoplasmocitária nas regiões subepitelial e perivascular e raramente na região estromal(1), dados estes que reafirmam os achados descritos no presente trabalho. A presença de infiltrado inflamatório mais intenso na conjuntiva da face bulbar da TP encontrada neste trabalho também foi descrita por Brito et al.(1). A presença de tecido linfoide folicular abundante na conjuntiva da face bulbar da terceira pálpebra provavelmente é responsável pela reação inflamatória mais intensa neste sítio.
Embora não tenha sido encontrado nenhum relato sobre a ocorrência de células de Mott na terceira pálpebra de cães com LV, este foi um achado frequente nas amostras estudadas no presente trabalho. De maneira similar, em estudos anteriores, células de Mott foram visibilizadas em exames citológicos de medula óssea e linfonodos de cães com LV(16-20). As células de Mott são plasmócitos com inclusões intracitoplasmátcas de imunoglobulinas, denominadas corpúsculos de Russel, que resultam de distensões das cisternas do retículo endoplasmático rugoso devido a um bloqueio na via secretória das imunoglobulinas(21). Segundo Ikkeda-Garcia et al.(22), estas células podem ocorrer no curso da LVC, indicando estimulação antigênica constante. As células de Mott na TP, portanto, constituem um achado que implica em estímulo antigênico constante, culminando numa resposta imune humoral desregulada, com alteração nas vias de secreção de imunoglobulinas pelos plasmócitos infiltrados na TP.
Naranjo et al.(7) e Brito et al.(1) apontaram a presença de raros neutrófilos no infiltrado inflamatório na TP de cães com LVC. No presente trabalho, estas células também foram visibilizadas, na região intraepitelial da CTP e no lúmen de ductos da GLTP, associadas à necrose destas estruturas e à presença de infiltrado inflamatório linfoplasmocitário nas áreas adjacentes. Acredita-se que a presença dos neutrófilos não esteja diretamente associada à resposta imune contra a Leishmania sp., mas relacionada à lesão epitelial decorrente da ação dos mediadores inflamatórios.
Hiperplasia de células caliciformes formando aglomerados de aspecto glandular e a metaplasia escamosa no epitélio da CTP observadas neste experimento também foram descritas(1). Um vasto número de mediadores inflamatórios pode causar, nos estágios iniciais da conjuntivite crônica, hiperplasia de células caliciformes com aspecto glandular e, mais tardiamente, a redução ou ausência de células caliciformes associadas à metaplasia escamosa(23).
A atrofia acinar foi a lesão não inflamatória predominante na GLTP no estudo realizado por Brito et al.(1), sendo também a alteração mais frequentemente observada nos fragmentos de GLTP avaliados na presente pesquisa. Naranjo et al.(7) e Brito et al.(1) apontaram como um achado costumaz a dilatação cística de ductos da GLTP, o que também foi constatado neste trabalho. Tanto a atrofia acinar como a dilatação cística dos ductos glandulares no presente experimento mostraram uma estreita relação com a exsudação inflamatória adjacente, o que confirma as observações descritas pelos autores supracitados. Sob a ótica da clínica médica, estas duas alterações glandulares podem estar diretamente relacionadas à ceratoconjuntivite seca, uma doença ocular frequentemente observada em cães com LVC(11).
O presente trabalho demonstrou, também, por meio das técnicas de HE e de IHQ, a presença de formas amastigotas no interior de histiócitos que permeavam o infiltrado inflamatório linfoplasmocitário tanto na CTP quanto na GLTP, confirmando os achados de pesquisas anteriores(1,7,15). Diante da intensidade da inflamação e parasitismo, e da facilidade de acesso, pode-se sugerir a biópsia da conjuntiva da face bulbar da terceira pálpebra como método complementar de pesquisa parasitológica durante a investigação diagnóstica da LVC.
A presente pesquisa evidenciou 100% de imunomarcação nas amostras de TP pela técnica de IHQ para o grupo de animais infectados por L. chagasi, o que não foi observado por Naranjo et al.(7) e Brito et al.(1). A maior sensibilidade da IHQ em relação à técnica de HE para o diagnóstico parasitológico da LVC demonstrada neste trabalho, corrobora a afirmativa feita por Tafuri et al.(14).
Embora não tenha sido encontrado na literatura consultada nenhum relato de formas amastigostas de Leishmania sp. no interior dos folículos linfoides da CTP, o presente trabalho identificou o parasita nestas estruturas, pela técnica de IHQ. Este achado torna-se de real importância quando se questiona o papel do folículo linfoide da conjuntiva ocular na infecção por L. chagasi. De acordo com Phillips et al.(24), os folículos linfoides são encontrados na mucosa conjuntivalcanina, a qual alberga em seu epitélio as células M, que se ligam seletivamente a antígenos oriundos da superfície ocular, translocando-os e repassando-os às células apresentadoras de antígenos (APCs) presentes nos folículos linfoides. As APCs apresentam o antígeno aos linfócitos foliculares, os quais proliferam, se ativam e participam da resposta imune eferente. Diante disso, pode-se questionar se as células foliculares parasitadas pela Leishmania observadas neste trabalho constituem-se em APCs e se estas células poderiam promover a apresentação de antígenos da Leishmania aos linfócitos foliculares, possibilitando a indução de resposta imune por um mecanismo diferente do clássico via células M. Também pode ser questionado se a resposta imune resultante nesta situação seria semelhante à induzida por antígenos provenientes da superfície ocular.
As informações obtidas nesta pesquisa, embora não respondam aos questionamentos acima formulados, apresentam um avanço para o entendimento da patogênese da LVC e para a melhora da qualidade diagnóstica desta enfermidade. Os tecidos da superfície ocular, como a terceira pálpebra, são estruturas imunologicamente ativas e, provavelmente por estas características, eles estejam frequentemente envolvidos na LVC. De fato, a TP tem demonstrado ser sítio de lesões e agentes etiológicos relacionados a diversas doenças infecciosas e de acometimento sistêmico, sendo ainda útil para o diagnóstico de muitas delas(25,26).
A inflamação crônica compreende a principal alteração histomorfológica na TP de cães naturalmente infectados pela L. chagasi. As células de Mott compõem o infiltrado inflamatório observado na TP dos cães infectados. Amastigotas de Leishmania chagasi estão presentes na conjuntiva e glândula lacrimal da terceira pálpebra, podendo também ser encontradas nos folículos linfoides associados à conjuntiva da TP.
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