DOI: 10.1590/1089-6891v15i426758

CULTIVO DE TAMBAQUI EM GAIOLAS DE BAIXO VOLUME: EFEITO DA DENSIDADE DE ESTOCAGEM NA PRODUÇÃO DE BIOMASSA

Luis Antonio Kioshi Aoki Inoue1, Alcimara Chames Bezerra2, William Sandro Miranda2, Aleksander Westphal Muniz3, Cheila de Lima Boijink3

1Pesquisador Doutor da Embrapa Agropecuária Oeste, Dourados, MS, Brasil – luis.inoue@embrapa.br

2 Bolsistas Programa de Apoio à Iniciação Científica do Amazonas (PAIC/Fapeam), Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus, AM, Brasil

3Pesquisadores Doutores Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus, AM, Brasil.


RESUMO

A criação de peixes em gaiolas flutuantes na Amazônia Ocidental é um assunto de interesse inclusive governamental, pois traz à discussão a possibilidade do uso sustentável de grandes corpos de água da bacia amazônica, podendo, assim, beneficiar populações ribeirinhas com geração de trabalho e renda. O tambaqui é umas das espécies mais indicadas para esse fim por ser um peixe onívoro, bem apreciado no mercado consumidor local, além da demanda crescente, devido à redução dos estoques naturais pela pesca extrativista e desmatamento da mata ciliar nos arredores das grandes cidades nortistas como Manaus. Entretanto, mais informações básicas sobre a criação da espécie em gaiolas de baixo volume ainda são necessárias para o aperfeiçoamento e avanço da atividade. O presente trabalho estudou os efeitos de quatro densidades de estocagem (10, 20, 30 e 40 peixes/m3) no crescimento e na incidência de parasitas, monogêneas, nas brânquias do tambaqui cultivado em gaiolas de baixo volume (1m3). O estudo pode contribuir com mais informações elementares para a exploração racional dos recursos naturais amazônicos, o tambaqui e os grandes corpos de água. Os resultados mostram que é possível aumentar a produção de biomassa de tambaqui em gaiolas de baixo volume de 1m3 aumentando-se a densidade de estocagem até 40 peixes/m3, sem prejuízos no crescimento e aumento de carga parasitária nas brânquias dos peixes.

PALAVRAS-CHAVE: Colossoma macropomum; crescimento; parasitas ; piscicultura.

tambaqui Farming in small volume cages: effects of stocking density on the BIOMASS PRODUCTION

ABSTRACT

Fish farming in small floating cages is the subject of local discussions due to the possible sustainable use of the Amazon basin, alleviating poverty of people who live near lakes and rivers. “Tambaqui” is one of the main species indicated to this end because this is an omnivorous species, well accepted in the local market, whose demand grows fast due to the over-fishing around big western Amazon cities such as Manaus. However, more information about “tambaqui” farming in small volume cages is necessary to increase and advance production in this system. Therefore, we studied the effects of four stocking densities (10, 20, 30 and 40fish/m3) in “tambaqui” farming in small cages (1m3). We evaluated fish growth and number of gills parasites. The results showed clear fish biomass rise by the increase of “tambaqui” stocking density. No effect of stocking density was observed on fish individual growth, survival and number  of gills parasites.

KEYWORDS: Colossoma macropomum; fish-farming; growth; parasites.


INTRODUÇÃO

O cultivo de peixes em gaiolas flutuantes na Amazônia Ocidental tem sido assunto de grande interesse entre técnicos da piscicultura e articuladores de políticas públicas, devido à possibilidade de uso sustentável de grandes corpos de água da bacia amazônica, promovendo a inclusão social de populações ribeirinhas com geração de trabalho e renda1.

Para tal atividade, uma das espécies com características positivas é o tambaqui, pois é um dos peixes mais comercializados nos mercados dos centros urbanos da região norte, a preços desejáveis com demanda ainda crescente, devido ao aumento das populações consumidoras e diminuição dos estoques naturais da espécie nos arredores de grandes cidades amazônicas como Manaus1. Entretanto, o cultivo do tambaqui em gaiolas é uma atividade relativamente recente na região e mais estudos são necessários sobre, por exemplo, as máximas produções possíveis nos diversos ambientes aquáticos e tipos de instalações, densidades econômicas e gerenciamento ambientalmente amigável1. Alguns autores já testaram o cultivo do tambaqui em gaiolas de 6m3 com resultados promissores em um lago formado pelas águas da cheia do rio Amazonas no município de Iranduba, AM1, 2.

De maneira a contribuir com as informações existentes, o presente trabalho avaliou os efeitos da densidade de estocagem no crescimento e carga parasitária nas brânquias do tambaqui, cultivado em gaiolas flutuantes de baixo volume (1m3). Adotou-se o termo densidade de estocagem como a quantidade de peixes colocada em uma determinada gaiola no início de um período de alimentação artificial e completa, com avaliação regular do crescimento dos animais, em condições similares de um cultivo comercial ou de subsistência, que são usualmente estimulados pelas agências locais de fomento.

MATERIAL E MÉTODOS

Trezentos tambaquis jovens com peso médio de 150,2 ± 32,7g e comprimento médio de 20,5 ± 5,2cm foram estocados em 12 gaiolas de 1m3, em densidades de 10, 20, 30 e 40 peixes/m3, montadas em um açude de 8 ha (2°51’34,66’’S; 59°56’43,41’’O), de uma propriedade particular nas imediações de Manaus, AM. Dessa forma, foram estabelecidos quatro tratamentos com três repetições cada, em delineamento inteiramente casualizado. Variáveis da qualidade da água foram monitoradas duas vezes por semana sempre no início do período da manhã: temperatura (°C) e oxigênio (mg/L) em medidor de concentração de oxigênio marca YSI modelo 55, pH em medidor YSI de campo; amostra de água era tomada próximo à superfície para determinação, em laboratório, da alcalinidade (CaCO3/L mg/L) e dureza total (CaCO3/L mg/L) por titulação com ácido sulfúrico e EDTA diluídos, respectivamente, e determinação da amônia total (mg/L) pelo método fenol com leitura em espectrofotômetro.

Os peixes foram alimentados duas vezes ao dia com ração extrusada comercial, contendo 32% de proteína bruta, durante 120 dias, entre os meses de agosto a novembro, até a saciedade aparente.

No início do trabalho e a cada mês todos os peixes de todas as gaiolas foram levemente anestesiados com eugenol3, pesados (g) e medidos (cm). A partir desses valores foram calculados para cada gaiola:

1. Biomassa inicial (kg/m3) = somatório do peso individual no início do experimento (g)/1000

2. Biomassa final (kg/m3) = somatório peso individual no final do experimento (g)/1000

3. Ganho de biomassa (kg/m3) = Biomassa final (kg/m3) – Biomassa inicial (kg/m3)

4. Ganho diário de biomassa (kg/m3 dia ) = [Ganho biomassa (kg/m3)/120dias]*1000

5. Ganho de peso (g) = Peso médio final (g) – Peso médio inicial (g)

6. Ganho de peso diário (g/dia) = Ganho peso (g)/120 dias

7. Taxa de crescimento específico = [(ln Peso médio final – ln Peso médio inicial)/120dias]*100

8. Sobrevivência = (número de peixes no final do experimento/número de peixes inicial) *100

9. Conversão alimentar aparente = Quantidade de ração fornecida (kg)/Ganho de biomassa (kg/m-3)

Dessa forma, os índices calculados acima permitiram avaliar os efeitos da densidade de estocagem no crescimento e incremento de biomassa do tambaqui em gaiolas de baixo volume.

Ao final de 120 dias, três animais de cada gaiola, totalizando nove peixes por tratamento, foram coletados, anestesiados e sacrificados por perfuração da fontanela craniana. O projeto foi aprovado pela comissão de ética no uso de animais - CEUA/UFGD (Protocolo n°. 003/2014). Os peixes foram examinados macroscopicamente para verificação de eventuais alterações na superfície do corpo. Logo em seguida, as brânquias foram removidas, cada arco destacado e o conjunto de arcos branquiais fixado em formol (5%) em frascos individuais, para posterior contagem de monogenóides em cada arco branquial com auxílio de microscópio estereoscópico.  

Os dados de crescimento, incremento de biomassa e carga parasitária do tambaqui em gaiolas de baixo volume foram submetidos à análise de variância e, quando F significativo, foi feito ajuste de regressão. O nível de significância adotado foi de 5%. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As variáveis da qualidade da água permaneceram dentro das condições normais4 para a criação de peixes tropicais (temperatura 29,0°C, pH 7,14, oxigênio 6,6mg/L, dureza 8,3mg/L, alcalinidade 12,7mg/L, amônia total 0,03mg/L). Os efeitos da densidade de estocagem no crescimento do tambaqui em gaiolas flutuantes de baixo volume estão expressos na Tabela 1 e Figura 1 em média e desvio padrão da média. Não foram observadas diferenças significativas entre tratamentos para os valores de peso, comprimento, ganho de peso, ganho de peso diário, taxa de crescimento específico, sobrevivência, alimento fornecido e conversão alimentar aparente.

No entanto o ajuste de regressão mostra que a biomassa final foi mais alta no tratamento de 40 peixes/m3, ainda com melhores índices de ganho de biomassa e ganho diário de biomassa (Figura 2). Assim, este estudo demonstrou que, aumentando-se a densidade de estocagem do tambaqui em gaiolas de baixo volume (1m3), é possível  alcançar maior biomassa final de peixes, sem alterações significativas dos parâmetros zootécnicos como peso, comprimento, ganho de peso, ganho de peso diário, taxa de crescimento específico, sobrevivência e conversão alimentar aparente.

Dessa forma, o aumento da densidade de estocagem no tipo de gaiola em estudo (1m3) possibilitou maior produção de biomassa, sem limitações zootécnicas para a espécie, tal como observado por Gomes et al.1 em cultivo de tambaqui em gaiolas de 6m3. Esses autores submeteram juvenis de tambaqui a densidades de estocagem de até 50 peixes/m3 por 240 dias e não encontraram limitações de crescimento e conversão alimentar aparente do tambaqui em gaiolas maiores. Ainda de acordo com os autores, o tambaqui não atingiu a capacidade de suporte do sistema. No entanto, o que limitaria o cultivo de tambaqui em gaiolas de 6m3 seriam os fatores como o preço da ração versus o preço de venda dos peixes, e máximo input permitido de nutrientes no sistema, que determinam os índices de biomassa crítica, biomassa ambientalmente sustentável e biomassa econômica4.

O aumento da densidade de estocagem a níveis limítrofes conhecidamente diminui o crescimento, devido ao aumento da competição entre os animais na alimentação e diminuição do consumo individual de alimento5, estresse social6 e maior contato entre os animais favorecendo a disseminação de parasitos6. Todos os peixes analisados estavam parasitados nas brânquias com monogenóides com prevalência de 100%. A densidade de estocagem de 30 peixes/m3 apresentou os maiores números de parasitos nas brânquias, porém as diferenças não foram significativas (Tabela 1), ou seja, não foi observado maior carga de parasitos nas brânquias do tambaqui por efeito da maior densidade de estocagem.No presente trabalho a densidade de 40 peixes/m3 proporcionou maior biomassa final, ganho de biomassa e ganho diário de biomassa sem alterações no crescimento, conversão alimentar aparente e demais índices zootécnicos avaliados. Chagas et al.2 obtiveram valores semelhantes aos observados neste trabalho para ganho de peso e conversão alimentar aparente em tambaqui estocado a 15 peixes/m3 em gaiolas de 6m3.

O aumento da densidade de estocagem do tambaqui até 40 peixes/m3 permitiu aumento do ganho de biomassa, sem alterações estatisticamente significativas da conversão alimentar aparente. Nesse contexto, o aumento da densidade de estocagem pode ser feito pelo produtor rural, dependendo dos retornos em relação ao custo da ração, o preço de venda dos peixes e as exigências dos órgãos ambientais, quanto à carga máxima de nutrientes permitida a ser liberada pelo cultivo em determinado corpo de água4, 10

No que concerne ao manejo alimentar e nutrição do tambaqui, entretanto, rações mais eficientes para o cultivo da espécie estritamente em gaiolas devem ser desenvolvidas. Os valores de conversão alimentar observados (1,8 a 3,5:1) foram superiores aos observados em cultivos comerciais de tambaqui em viveiros escavados, que geralmente estão em torno de 1,6 a 2,2:111.

O tratamento de 40 peixes/m3 apresentou os maiores valores de biomassa, 18,6kg/m3, em 120 dias de cultivo, sem diferenças estatísticas para peso e comprimento médio final, ganho de peso e sobrevivência. A ausência de diferenças significativas entre todos os tratamentos para peso e comprimento foi provavelmente devido à grande variação de tamanho observada entre os indivíduos, que pode ser reflexo de hierarquia acentuada entre os peixes, o que pode prejudicar o acesso à comida e descanso aos animais mais fracos do cardume. Por isso que em cultivos comerciais em gaiolas geralmente são feitas classificações periódicas por tamanho e separação dos peixes para melhorar as condições gerais de uso das instalações e alimentação artificial, proporcionando crescimento mais adequado e menor impacto ambiental12

Gomes et al.1 observaram a possibilidade de aumento da densidade de estocagem do tambaqui em gaiolas de 6m3 até 50 peixes/m3 com produção de aproximadamente 46 kg/m3 em oito meses, sem alterações no crescimento dos animais, porém também com heterogeneidade de tamanho entre os peixes. Como consequência dessa hierarquia pode haver maior susceptibilidade de alguns peixes a injúrias por ataques oriundos dos peixes dominantes, que podem ainda ser portas para a maior carga de organismos ectoparasitos6. No presente estudo, no entanto, foi observado que todos os peixes analisados tinham parasitos nas brânquias sendo que o tratamento de 30 peixes/m3 apresentou os números mais elevados, mas sem diferenças significativas. Onaka et al.13 observaram níveis parecidos de parasitas nas brânquias de peixes redondos estocados em aquários, em comparação ao que foi observado no presente trabalho, com exceção para a densidade de 30 peixes/m3.

É divulgado na literatura que o aumento da densidade de estocagem favorece a disseminação de parasitas em piscicultura6, mas isso somente foi verdadeiro até a densidade de 30 peixes/m3 e as variações do número de parasitas nas brânquias do tambaqui foram grandes. Além disso, a incidência de monogenóides não comprometeu o crescimento, ganho de peso e sobrevivência dos animais em todos os tratamentos. No entanto, qualquer alteração na qualidade da água ou outro fator estressor podem comprometer o sistema imune destes animais, favorecendo uma maior proliferação dos parasitas ou até mesmo de lesões ocasionadas por eles que podem servir de porta de entrada para fungos e bactérias oportunistas, comprometendo dessa forma o desenvolvimento destes animais ou até sua sobrevivência7.

CONCLUSÃO

O cultivo do tambaqui em gaiolas de baixo volume apresentou melhor resultado na densidade de 40 peixes/m3, com maior ganho de biomassa em quatro meses de cultivo. Densidade de estocagem superior proporcionou valores mais elevados de biomassa final, mas novos estudos são necessários com densidades de estocagem ainda maiores que 40 peixes/m3 em gaiolas de baixo volume (1m3) por tempo maior que 120 dias. Novos estudos também deverão ser conduzidos para o aperfeiçoamento das técnicas de cultivo do tambaqui em gaiolas de baixo volume, principalmente em respeito ao manejo da sanidade, qualidade genética, crescimento e classificação por tamanhos. 

  AGRADECIMENTOS

CNPQ (Processo 471655/10-4), FINEP (Projeto DARPA/SEPA/SEPROR), FAPEAM (PAIC) e EMBRAPA (Projetos MP 03.12.03.014.00.02.002; 02.12.01.020.00.00; 02.13.09.002.00.00).

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Protocolado em: 07out. 2013  Aceito em: 25 set. 2014