DOI: 10.1590/1089-6891v15i426218

CARACTERÍSTICAS DE CARCAÇA E DA CARNE DE BOVINOS MESTIÇOS NÃO-CASTRADOS OU SUBMETIDOS A DIFERENTES MÉTODOS DE CASTRAÇÃO

Fabiano Nunes Vaz1, João Restle2, João Teodoro Pádua3, Danielle Curado Santana Pires Morales4, Paulo Santana Pacheco1, Greicy Sofia Maysonnave5

1Professores Doutores da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil - fabianonunesvaz@gmail.com

2Professor PhD da Universidade Federal do Tocantins, Araguaína, TO, Brasil.

3Professor Doutor da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

4Mestre em Ciência Animal pela Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

5Pós Graduando da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.

RESUMO

Objetivou-se com este estudo analisar os efeitos de diferentes métodos de castração de machos mestiços de raças de origem leiteira, sobre as características de carcaça e da carne, em comparação com animais não-castrados. Foram utilizados 84 machos, com idade média de dez meses, distribuídos em quatro grupos de 21 animais: castrados com o uso de burdizzo, por meio de incisão lateral na bolsa escrotal, por remoção do tampão (ápice da bolsa escrotal) ou não-castrados. O abate dos animais ocorreu em frigorífico comercial, aos 30 meses de idade. Animais não-castrados apresentaram maior peso de carcaça fria (208,0±6,2 kg) do que os castrados por diferentes métodos (média 192,0±6,4 kg). Não houve diferença para a espessura de gordura entre os grupos experimentais, mas quando a medida foi ajustada ao peso de carcaça, observou-se maior cobertura de gordura nos animais castrados com burdizzo (0,79±0,08 mm/100 kg) ou por incisão lateral (0,86±0,09 mm/100 kg) do que os não-castrados (0,61±0,05 mm/100 kg). A área de olho de lombo foi maior nos machos não-castrados (60,47±1,94 cm2) do que os castrados com burdizzo (50,41±3,18 cm2). Não houve diferença para as relações músculo/osso e músculo+gordura/osso entre os grupos, mas a relação músculo/gordura foi maior nos animais não-castrados em relação aos castrados pela remoção do tampão e estes superiores aos castrados por incisão lateral. Não houve diferença entre as características sensoriais da carne, mas o grau de marmoreio foi maior nos animais castrados com burdizzo (2,33±0,20 pontos) ou castrados pela remoção do tampão (2,39±0,20 pontos) do que os bovinos não-castrados (1,77±0,12 pontos). O método de castração em bovinos mestiços de origem leiteira abatidos com peso reduzido não promove alterações na qualidade da carcaça e da carne dos animais, mas animais não-castrados apresentam maiores peso de abate e peso de carcaça fria, alem de maior porcentagem de músculo na carcaça e melhor relação músculo/gordura do que os castrados.

PALAVRAS-CHAVE: Burdizzo; composição da carcaça; métodos de castração; qualidade da carne.

CARCASS AND MEAT TRAITS OF CROSSBRED BOVINES CASTRATED OR SUBMITTED TO DIFFERENT CASTRATION METHODS

ABSTRACT

The objective of this study was to assess the effects of different castration methods applied to dairy crossbred males on carcass and meat traits, compared with non-castrated animals. Eighty-four males, with average age of ten months, were randomized into four groups of 21 animals: castrated using burdizzo tool, castrated by lateral incision in scrotum, castrated by cap removing (scrotum apex) or kept intact (non-castrated). The slaughter of animals occurred in commercial slaughterhouse, at 30 months of age. Non-castrated animals showed higher cold carcass weight (208.0±6.2 kg) than the males castrated by different methods (mean 192.0±6.4 kg). There was no difference in subcutaneous fat thickness among the groups, but when the measure was adjusted for carcass weight, there was a higher fat cover in animals castrated with burdizzo (.79± .08 mm/100 kg) or lateral incision (.86± .09 mm/100 kg) than non-castrated (.61± .05 mm/100 kg). Longissimus dorsi area was higher in non-castrated males (60.47±1.94 cm2) than males castrated with burdizzo tool (50.41±3.18 cm2). There was not statistical difference for muscle/bone and muscle+fat/bone ratios among the groups, but the muscle/fat ratio was higher in non-castrated animals compared to castrated by cap removing and these were greater than castrated by lateral incision. There was no difference of meat sensorial characteristics, but the marbling score was higher in castrated with burdizzo tool (2.33± .20 points) or castrated by cap removing (2.39± .20 points) than the non castrated (1.77 ± 0.12 points). Castration method in crossbred dairy cattle males slaughtered with low weight does not promote changes in carcass and meat quality, but non-castrated animals have higher slaughter and cold carcass weights, and higher muscle percentage and muscle / fat ratio than castrated males.

KEYWORDS: Burdizzo; carcass composition; castration methods; meat quality.

INTRODUÇÃO

Há quase cinco décadas, as pesquisas norte-americanas lançaram a discussão a respeito da castração ou não dos bovinos de corte1, mas, no Brasil, ainda se debate a respeito da castração desses animais. Os posicionamentos a favor partem da indústria, que obtém nos animais castrados maior cobertura de gordura sobre a carcaça. Os posicionamentos contra são dos produtores, que observam maior velocidade de crescimento e conversão alimentar nos bovinos não-castrados2.

Os técnicos entendem a castração como um manejo traumático, independente do método e da fase da vida do animal em que o procedimento é realizado3. Por outro lado, a castração pode estar relacionada à maior facilidade de os animais atingirem o peso de abate em idade jovem, resultado da maior facilidade de estes atingirem o acabamento 2, 4-7, fato corroborado por dados de pesquisas conduzidas no Brasil.

O uso dos  bovinos machos de origem leiteira para a produção de carne também gera dúvidas nos produtores e resistência de algumas indústrias frigoríficas, independente do peso e do acabamento dos animais. Esses animais são subprodutos da produção leiteira do Brasil e, por isso, são adquiridos por preços mais baixos pelos terminadores. Ocorre que a seleção para produção de leite reduziu a conformação de carcaça e a precocidade de abate das raças leiteiras8, podendo comprometer a qualidade da carcaça e da carne desses animais.

Baseada nessas questões, a discussão a respeito da castração ou não dos animais passa pela melhor conformação dos animais não-castrados, pois o fato de não castrar pode agravar a falta de acabamento de carcaça em bovinos mestiços de origem leiteira9, o que repercute nas características de qualidade da carne10. Comparando animais das raças Simental, Holandês e seus cruzamentos, Kaufmann et al.11 demonstraram que, quanto maior a contribuição da raça de duplo propósito, melhor foi a qualidade da carcaça. Bezerros originários de propriedades produtoras de leite requerem melhor avaliação do seu potencial de crescimento e das características da carcaça, tendo em vista que a imposição de restrições alimentares na fase de cria pode refletir negativamente no desempenho posterior dos animais12.

Objetivou-se neste estudo avaliar as características da carcaça e da carne de bovinos mestiços de origem leiteira não-castrados ou submetidos a diferentes métodos de castração.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado na Fazenda Tomé Pinto, pertencente à Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás (UFG), localizada no município de São Francisco-GO, 100 km ao Norte de Goiânia – GO, durante o período de agosto de 2001 a abril de 2003. O clima da região tem como característica a ocorrência de duas estações bem definidas, período seco e período chuvoso.

Foram utilizados 84 bovinos, mestiços Gir x Holandês, com idade média de 12 meses e peso médio de 176,13 ±1,45 kg, distribuídos aleatoriamente em quatro grupos formados por 21 animais por parcela, constituindo um delineamento inteiramente casualizado, cujos grupos analisados foram os seguintes: castração pelo método de incisão lateral; castração pelo método da remoção do tampão distal da bolsa escrotal; castração sem incisão, utilizando o equipamento burdizzo; e animais não-castrados.

No início do experimento, os animais foram desverminados e vacinados conforme calendário profilático oficial do Estado de Goiás. Todos os animais foram submetidos à mesma condição de manejo de pastejo com suplementação mineral e protéica na qual foram mantidos em pastagem de Brachiaria brizantha, resultando em lotação média de dois animais por hectare na qual permaneceram até a obtenção do peso médio de abate pretendido de 430 kg. 

O peso médio de abate pretendido foi obtido aos 30 meses de idade. No momento da pesagem para o abate, os animais tiveram sua condição corporal e musculosidade avaliadas em escalas de 1 a 5 pontos, cujos valores maiores indicam animais com maior musculosidade e melhor condição corporal.

Os animais foram abatidos, após jejum de 24 horas, em frigorífico credenciado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) situado no município de Senador Canêdo – GO. A anotação do sequencial dos animais foi feita na linha de abate antes da remoção do brinco de identificação individual. As carcaças foram divididas ao meio e lavadas e depois receberam identificação com etiquetas de plástico numeradas, amarradas no braço de cada meia carcaça.

Após 18 horas de resfriamento com temperatura oscilando entre 0 a -2 ºC, a espessura de gordura subcutânea foi medida sobre o músculo longissimus dorsi, à altura da 12ª costela, usando-se para isso um paquímetro. O comprimento de carcaça foi medido desde o bordo cranial da primeira costela em sua porção média até o bordo cranial do osso púbis. Logo após, foram tomados os pesos da carcaça fria, pesos do traseiro especial, do dianteiro e da ponta de agulha. Os cortes para as análises qualitativas textura, marmoreio e cor, e análises quantitativas comprimento de carcaça, área do olho de lombo e espessura da gordura foram avaliados nas meias carcaças direitas.

Depois de medidas e avaliadas, retirarou-se das meias carcaças direitas uma secção entre 10ª e 12a costelas, denominada “secção HH”, conforme metodologia proposta por Hankins e Howe13. A dissecação da “seção HH” serviu de base para determinar a proporção de cada tecido na seção, os quais foram posteriormente ajustados por equações descritas por Hankins e Howe13 para estimar a proporção destes tecidos na carcaça.

A medida da  área de olho de lombo foi obtida realizando-se um corte transversal entre a 10ª e 12a costelas, traçando o contorno desse músculo em papel vegetal para posterior determinação da área por meio de planímetro. As análises de cor, de textura e de marmoreio da carne foram feitas após período de 30 minutos de exposição do corte ao ar, com luminosidade contínua, atribuindo-se pontuações com escala de 1 a 5 para cor e textura da carne, sendo os maiores valores correspondentes à coloração e textura mais desejadas e uma escala de marmoreio variando entre 1 a 18, sendo os maiores valores atribuídos paras maiores graus de marmoreio.

Depois de obtidas as porções de músculo longissimus dorsi resultantes da dissecação das “seções HH”, as amostras foram embaladas e congeladas a -18oC para posterior análise de painel sensorial em laboratório da UFG. Das amostras ainda congeladas do músculo longissimus dorsi, foram extraídas de cada amostra duas fatias (fatias A e B) de 2,5 cm e uma de 0,5 cm de espessura (fatia C), todas obtidas perpendicularmente ao comprimento do músculo. Para cálculo das perdas por cocção, foi realizada a pesagem da fatia B, ainda congelada, depois de descongelada (antes de ser levada ao forno) e após o cozimento, que aconteceu até que a temperatura interna da fatia atingisse 70 ºC. A pesagem após o cozimento foi realizada após a fatia voltar à temperatura ambiente. A fatia A foi descongelada e cozida juntamente com a fatia B, sendo que, após a cocção, amostras da fatia A foram distribuídas aos avaliadore, banca composta de cinco pesquisadores treinados, que atribuíram notas de 1 a 9 para palatabilidade, suculência e maciez da carne. Nessa escala, maiores valores indicam carnes mais saborosas, suculentas e macias.

Os dados foram analisados pelo método dos quadrados mínimos e técnicas estatísticas, para avaliar os efeitos dos procedimentos utilizados nos grupos de animais sobre as variáveis dependentes características de carcaça e da carne. As análises foram processadas e as médias comparadas pelo teste de Student considerando 5% como nível de significância, conforme o procedimento GLM do programa computacional SAS (1996). Foi adotado o seguinte modelo matemático: Yij= µ + Ci + eij, em que Yij: conjunto das variáveis dependentes; µ: média geral; Ci: efeito do i-ésimo método de castração ou condição sexual (1, 2, 3, 4); eij: erro experimental, contendo os efeitos não controlados. A maturidade fisiológica foi considerada no modelo como co-variável.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme pode ser observado na Tabela 1, houve efeito significativo do tratamento sobre o peso de abate, peso de carcaça fria e área do olho de lombo. O peso de abate foi maior nos animais não-castrados (425,5 kg) em relação aos castrados pela técnica da remoção do ápice da bolsa escrotal (374,4 kg), observando-se valores intermediários para os demais grupos de castração, que não diferiram dos não-castrados (burdizzo = 397,5 kg e incisão lateral = 404,5 kg).

Maiores pesos de abate em animais não-castrados são reflexos do maior desenvolvimento desses animais em relação aos castrados14, 15. Trabalhando com mestiços leiteiros (3/4 Gir x 1/4 Holandês) confinados, Morais et al.16 citam diferenças mais pronunciadas (35,5%) no ganho de peso diário dos bovinos não-castrados em relação aos castrados. A castração reduz o crescimento dos animais, em função do efeito adverso desse manejo sobre os hormônios anabólicos endogênicos, além do prejuízo causado com estresse da castração5, 17, que pode se prolongar por 35 dias15, o que poderia explicar em parte os resultados obtidos no presente estudo referentes às variáveis de peso.

O maior peso de abate dos não-castrados se refletiu no peso de carcaça fria (P<0,05), já que os rendimentos de carcaça foram similares entre os quatro grupos de animais (P>0,05). Maior peso de carcaça de animais não-castrados em relação aos castrados foi também observada por Morgan et al.18, Morais et al.16 e Pádua et al.4.

A similaridade no rendimento de carcaça dos animais se deve ao fato de os animais possuírem acabamento e musculosidade semelhantes, e serem oriundos do mesmo sistema alimentar de terminação, o que poderia inferir diferenças no enchimento do trato digestório caso houvesse diferença entre os alimentos usados nos grupos de animais pesquisados19.

O peso de carcaça fria não diferiu entre os animais não-castrados comparados aos castrados com burdizzo e incisão lateral, porém estes diferiram dos animais castrados com remoção do tampão. Medindo os níveis de cortisol no plasma sanguíneo, Fisher et al.5 relatam que a castração cirúrgica causa maior estresse pós-castração do que o uso de burdizzo, porém os autores acreditam que esses reflexos não se estendem até o abate dos animais.

No entanto, mesmo usando novilhos Holandês mestiços com Gir ou Guzerá, Alves et al.20 relataram rendimentos de carcaça quente superiores, 53,69% para os mestiços Holandês x Gir e 51,98% para os Holandês x Guzerá. Também trabalhando com novilhos mestiços Holandês, Rezende et al.19 citam valores de rendimento de carcaça quente 50,16 e 48,62%, respectivamente, para animais terminados com 80 e 50% de concentrado durante a terminação em confinamento.

A musculosidade dos animais foi similar entre os grupos pesquisados, com média 1,89 pontos, porém o olho de lombo foi maior nos animais não-castrados do que nos animais castrados com burdizzo (Tabela 1). A maior área de lombo dos não-castrados pode estar relacionada às carcaças mais pesadas desses animais, pois, ao se ajustar a medida para o peso de carcaça fria, a diferença entre esses grupos deixou de existir. Comportamento similar foi relatado por Vittori et al.21, que verificaram superioridade dos animais não-castrados em relação aos castrados na variável área de olho de lombo, mas a referida diferença também deixou de existir quando a variável foi ajustada para peso de carcaça fria.

Estudos indicam que as carcaças de animais não-castrados são superiores em peso e apresentam maior proporção de músculos do que os castrados22. No entanto, existem controvérsias sobre o efeito da nutrição na musculosidade e na composição da carcaça, pois o nível de alimentação está positivamente relacionado com maior conteúdo de gordura na carcaça em detrimento à percentagem de músculos, mas este fato pode ser confundido se os animais apresentarem maior peso à mesma idade2. Se observados os dados do escore de condição corporal dos animais antes do abate, verifica-se similaridade entre os quatro grupos pesquisados, o que se refletiu também na espessura de gordura sobre a carcaça, que também foi similar entre tratamentos (P>0,05), bem como observado para a variável comprimento de carcaça (Tabela 1).

Assim como foi feito com a área de olho de lombo, a espessura de gordura foi ajustada para o peso de carcaça, constatando-se, dessa forma, maior espessura de gordura ajustada nos machos castrados com burdizzo ou por incisão lateral da bolsa escrotal do que nos não-castrados. A série de resultados observados nessas características deixou claro que os machos não-castrados apresentaram acabamento similar, observado pela condição corporal e espessura de gordura, frame similar, notado pelo comprimento de carcaça, mas maior desenvolvimento da musculatura na carcaça, observada pela área de olho de lombo e pela gordura de cobertura ajustada ao peso de carcaça. Dessa forma, pode-se afirmar que o maior peso de carcaça dos não-castrados foi reflexo de maior hipertrofia muscular desses animais.

A utilização de animais tardios implica na necessidade da castração para que se atinja o acabamento ideal de carcaças23. No presente trabalho, nenhum grupo castrado apresentou acabamento condizente com as demandas de mercado para agregação de valor nos programas de incentivo às carnes de qualidade. Marti et al.2 explicaram que o efeito nutricional pode ser confundido com os fatores peso e idade, uma vez que animais com nível nutricional mais baixo levam mais tempo para chegar ao abate, podendo, assim, influenciar a deposição de gordura dos animais.

Estudando uma raça de aptidão para corte, Freitas et al.3 pesquisaram a castração aos 13 e aos 18 meses, verificando maior espessura de gordura em animais castrados em relação aos não-castrados, tanto expressa em valores absolutos, quanto ajustada para 100 kg de peso de carcaça fria.

Existem diferentes formas de deposição de gordura: intramuscular ou de marmoreio, intermuscular e subcutânea. A análise da deposição total de gordura e dos demais tecidos na carcaça engloba não somente a gordura de cobertura, mas também a intermuscular, bastante representativa na carcaça de bovinos24. Na Tabela 2, observa-se maior percentagem de músculo dos animais não-castrados em relação aos castrados e maior percentagem de gordura nos últimos, resultando em animais não-castrados também com maior relação músculo/gordura (P<0,05) que os animais castrados (Tabela 2), o que corrobora com os resultados apresentados na Tabela 1.

Pode-se inferir, a partir dos resultados obtidos, que mesmo com menor teor de músculo na carcaça, os animais castrados compensaram a relação com o total de tecidos comestíveis (músculo+gordura) em relação ao percentual de ossos, que foi similar entre os grupos. O maior teor de gordura, que compensou a menor percentagem de músculo, pode ser analisado sob dois aspectos: por um lado, o consumo de gordura de origem animal tem sido cada vez menos recomendado por nutricionistas e outros profissionais da saúde humana24; por outro, pode-se inferir melhor qualidade na carne, pois no tecido gordo estão localizadas as substancias que aferem o sabor ao produto cárneo24.

Entre os castrados, a percentagem de gordura foi maior nos animais castrados por meio de incisão lateral em relação àqueles castrados com a remoção do tampão da bolsa escrotal (P>0,05), refletindo o mesmo resultado na relação músculo/ gordura (Tabela 2). No entanto, a Tabela 2 mostra que também não foram observadas diferenças (P>0,05) entre os animais dos diferentes grupos para as características relação músculo/osso ou músculo+gordura/osso. Fisher et al.5 afirmaram que a castração cirúrgica causa maior estresse nos animais e deve ser acompanhada da administração de fármacos para reduzir os níveis de cortisol sanguíneo, porém, mesmo assim, é mais traumática que a castração com burdizzo.

Todos os métodos físicos de castração causam dor aguda e elevam os níveis de cortisol25, indicativo de estresse, porém Bretschneider15 relatou que a castração cirúrgica resultou em maior estresse dos animais do que a castração não cirúrgica realizada por meio de bandas de borracha. No entanto, o autor afirmou que a redução de desempenho esteve restrita a 30 dias após os manejos de castração, o que acabou se diluindo ao longo do crescimento total dos animais, resultando em similaridade no ganho de peso da castração até o abate. Analisando-se as características de qualidade da carne (Tabela 3), observou-se que realmente os efeitos dos métodos de castração podem ficar restritos a 3015 ou 355 dias pós-castração, pois não se constatou diferença (P>0,05) entre os métodos de castração pesquisados neste trabalho.

Na comparação entre os grupos pesquisados, observou-se (Tabela 3) que o marmoreio medido no músculo longissimus dorsi, indicativo da quantidade de gordura intramuscular, foi maior em animais castrados pelo método da remoção do tampão (2,39 pontos) ou com burdizzo (2,33 pontos) em relação aos não-castrados (1,77 pontos). Resultados similares são descritos por Ribeiro et al.26, nos quais o marmoreio foi maior em animais castrados (3,5 pontos) quando comparados aos animais não-castrados (2,1 pontos). Marti et al.2 também citaram efeito da castração na melhoria da qualidade da carne de animais da raça Holandês.

O baixo grau de marmoreio observado na carne dos animais (média 2,17 pontos = traços típico) pode estar relacionado a dois fatores principais. O primeiro seria o fator racial, por se tratarem de bovinos mestiços leiteiros e o segundo fator seria a reduzida idade dos animais. Albrecht et al.27 compararam quatro genótipos bovinos e observaram menor marmoreio nos mestiços leiteiros em relação aos Aberdeen Angus e Galloway, mas afirmam que os depósitos intramusculares de gordura estão presentes nos mestiços leiteiros desde jovens, porém a hiperplasia desses adipócitos irá acontecer em idades mais avançadas.

Hill23 descreve maior desenvolvimento do marmoreio quando o animal encontra-se ganhando peso a elevadas taxas, o que não foi o caso dos animais do presente estudo, constatado pelo peso de abate (Tabela 1). Hill23 também cita que a gordura intramuscular é a primeira a ser mobilizada em condições de deficiência nutricional28, o que poderia ter ocorrido nos animais deste trabalho, principalmente nos castrados.

Na Tabela 3 estão descritas as perdas por descongelamento e cocção, que não diferiram entre os grupos pesquisados. Amatayakul-Chantler et al.7, ao compararem as características da carne de animais cirurgicamente castrados e animais imunocastrados, também não verificaram diferenças na perda por cocção das amostras de carne (23,23% vs 23,88%). Diferenças nessas características poderiam estar relacionadas a diferenças nos teores de marmoreio24 ou variações no estresse pré-abate29, 30.

Com relação à coloração da carne entre os diferentes tratamentos, verificou-se que esta se apresentou entre vermelha levemente escura (3 pontos) e vermelha (4 pontos), não havendo diferença entre os tratamentos. Alterações na coloração da carne seriam reflexos de maior conteúdo de mioglobina em músculos com maior atividade ou alimentados com diferenças nos teores de vitamina E da dieta24. Kuss et al.31 alertaram para possíveis problemas decorrentes do maior estresse pré-abate dos animais não-castrados, mas não verificaram diferenças na coloração da carne destes em relação aos castrados, abatidos em duas idades.

A textura da carne (Tabela 3) esteve classificada entre textura levemente grosseira (3 pontos) e fina (4 pontos) e também não diferiu entre os métodos de castração e animais não-castrados. Esse resultado diverge de Fernandes et al.32, que verificaram melhor textura para animais Canchim castrados e terminados em confinamento quando comparados aos não-castrados. Os autores atribuem a isso à maior cobertura de gordura dos animais castrados, o que não se verificou no presente estudo (Tabela 1). Embora sejam comuns resultados de diferença entre o acabamento de animais castrados ou não, estudos têm demonstrado similaridade na textura da carne22,26. Alterações na textura também poderiam indicar resposta fisiológica induzindo avanço da maturidade em resposta aos manejos diferenciados dos animais24.

A condição sexual e o método de castração não afetaram a maciez, palatabilidade e suculência. A maciez é um fator decisório importante, podendo afetar a escolha por carne bovina, se esta não for macia. Essa variável é afetada pelo marmoreio33 e, apesar de os animais castrados com burdizzo ou remoção do tampão terem apresentado marmoreio superior aos não-castrados, isso não afetou a maciez da carne. Climaco et al.22 verificaram maior força de cisalhamento em animais Nelore não-castrados (7,50 kg) quando comparados aos animais castrados (6,57 kg).

Trabalhando com animais Nelore Amatayakul-Chantler et al.7 não verificaram diferença para animais castrados e imunocastrados, 9,07 e 9,02 kg, nesta mesma ordem. Diferentemente de Amatayakul-Chantler et al.7, que relataram menor força de cisalhamento em animais imunocastrados em comparação a animais não-castrados de 7,4 e 8,2 kg, respectivamente. A similaridade entre os grupos do presente estudo pode ser reflexo do fato de os animais ainda serem jovens, pois Seideman et al.34 citam alta relação entre condição sexual e maturidade fisiológica na maciez da carne, comentando que até certo grau de maturidade a maciez de não-castrados é semelhante à dos castrados.

CONCLUSÕES

O método de castração em bovinos mestiços de origem leiteira abatidos com peso reduzido não promove alterações na qualidade da carcaça e da carne dos animais.

Animais mestiços de origem leiteira não-castrados apresentam maiores peso de abate e peso de carcaça fria quando comparados aos animais castrados pelo método de remoção da ápice da bolsa escrotal, além de apresentarem maior porcentagem de músculo na carcaça e melhor relação músculo/gordura.

Animais castrados com burdizzo ou remoção do ápice da bolsa escrotal apresentam maior marmoreio da carne em relação aos animais não-castrados.

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Protocolado em: 26 ago. 2013. Aceito em: 24 set. 2014