DOI:10.5216/cab.v15i1.25777
CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS DA CARNE DE TOURINHOS ZEBUÍNOS E EUROPEUS ALIMENTADOS COM NÍVEIS DE GRÃO DE MILHETO NA DIETA
Rodrigo Medeiros da Silva1, João Restle2, Ubirajara Oliveira Bilego3, Regis Luis Missio4, Paulo Santana Pacheco5, Cristiano Sales Prado6
1Pós-graduando da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
2Professor Visitante, Fundação Universidade Federal do Tocantins, Araguaína, TO, Brasil
3Médico Veterinário, Mestre, Pesquisador do Centro Tecnológico Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano, Rio Verde, GO, Brasil.
4Professor Doutor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco, PR, Brasil - regisluismissio@gmail.com
5Professor Doutor da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Marias, RS, Brasil.
6Professor Doutor da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
RESUMO
Avaliaram-se
as características químico-físicas da carne de tourinhos mestiços com
predominância genotípica europeia ou zebuína alimentados em confinamento
com dietas com alta proporção de concentrado e níveis de grão de milheto
em substituição ao de milho (0, 33, 66 e 100%). Foram abatidos 24
tourinhos de cada predominância genética após 96 dias de confinamento. O
delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com os
tratamentos em arranjo fatorial 4x2, utilizando-se seis repetições. As
variáveis pH inicial (6,7) e final (5,9), a temperatura final (9,72), a
perda de líquidos ao descongelamento (9,7%) e cocção (26,6%), a cor (3,7
pontos), a textura (3,1 pontos), o marmoreio (4,5 pontos), a força ao
cisalhamento das fibras musculares (kgf/cm3) e os teores de
umidade (72,9%), proteína bruta (23,0%) e extrato etéreo (1,5%) da carne
não foram alterados pela substituição do grão de milho pelo de milheto.
As características da carne não foram influenciadas pelas predominâncias
genéticas, exceto o marmoreio, superior (4,99 vs
3,95 pontos) nos animais europeus. O pH final da carcaça foi
correlacionado com a perda de líquidos ao descongelamento (r = -0,36) e
a cor da carne (r = -0,62). A substituição do grão de milho pelo de
milheto na dieta de tourinhos não altera a qualidade da carne.
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PALAVRAS-CHAVE: bovinos; gordura intramuscular; maciez da carne; perda de líquidos
ao cozimento; zebuínos.
MEAT PHYSICOCHEMICAL CHARACTERISTICS OF ZEBU AND EUROPEAN YOUNG BULLS FED GRAIN MILLET LEVELS IN THE DIET
ABSTRACT
We evaluated the
physicochemical characteristics of crossbred bulls with European or zebu
genetic predominance fed in feedlot with diets with high concentrate
(80%) and grain millet levels to replace corn grain (0, 33, 66 and
100%). Twenty-four bulls of each genetic predominance were slaughtered
after 96 days of confinement. The experimental design was completely
randomized with treatments in a 4x2 factorial arrangement using six
replicates. The variables initial (6.68) and final pH (5.9), final
temperature of carcass (9,7), fluid loss during thawing (9.7%) and
cooking (26.6%), color (3.7 points), texture (3.1 points), marbling (4.5
points), shear strength of the muscle fibers (kgf/cm3), and
moisture (72.9%), crude protein (23.0%) and ether extract content (1.5%)
of the meat were not affected by the replacement of corn grain by millet
grain. Meat characteristics were not influenced by genetic predominance,
except marbling, which was higher in European animals (4.99 vs. 3.95
points). Final pH was correlated with thawing loss (r = -0.36) and meat
color (r = -0, 62). The replacement of corn grain by grain of millet in
the diet did not affect meat quality of young bulls.
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KEYWORDS: cattle; fluid loss during
cooking; intramuscular fat; meat tenderness; zebu.
INTRODUÇÃO
O Brasil está inserido no mercado internacional como um dos principais produtores e exportadores de carne bovina do mundo; todavia, os índices produtivos da pecuária brasileira ainda se encontram defasados em relação aos principais países produtores (1), demonstrando o grande potencial para aumento da produção de carne no país.
A estacionalidade na produção de forragem e a falta de planejamento nutricional estratégico permeiam como os principais entraves para o crescimento da produtividade, bem como da qualidade de carne, na medida em que determinam elevada idade de abate e inadequado acabamento de carcaça. Além disso, o fato de a maior parcela do rebanho brasileiro ser constituída por animais zebuínos compromete o atendimento da demanda por carne com melhores padrões de qualidade. Animais zebuínos são reconhecidamente produtores de carne com características físico-químicas (maciez, cor, textura, teor de gordura, etc.) menos desejáveis que animais europeus, fato associado não somente ao sistema de produção, mas também às características intrínsecas da carne (2).
A utilização estratégica do confinamento é uma alternativa para obtenção de incrementos de produtividade e qualidade de carne (3), notoriamente para sistemas de produção baseados em pastagens tropicais. Essa estratégia de manejo possibilita que as diferenças quanto às características da carne relacionadas ao grupo genético sejam minimizadas (4, 5), reflexo da redução da idade de abate e do melhor acabamento de carcaça.
O nível energético das dietas é um dos principais fatores determinantes do sucesso do período de terminação, influenciando o desempenho animal (6), bem como as características de carcaça e carne (7). No entanto, o aumento do nível energético representa, normalmente, elevação na proporção de concentrado da dieta, resultando em maiores custos com alimentação (6). Somando-se a isso, a elevação dos preços do grão de milho tem direcionado esforços na tentativa de encontrar alimentos alternativos que possam substituir total ou parcialmente o milho, sem comprometer o desempenho animal e as características de carcaça e carne, beneficiando a margem de lucro na terminação de bovinos em confinamento.
O grão de milheto, nesse sentido, tem se destacado na alimentação de ruminantes, tanto pelo menor preço em relação ao grão de milho, como pelo seu valor nutritivo. De forma geral é esperado que bovinos alimentados com grão de milheto e/ou misturas de grão de milho com grão de milheto tenham desempenho similar àqueles alimentados com dietas tradicionais, em que se utilizam grãos de milho ou sorgo (8); no entanto, pesquisas desenvolvidas no intuito de avaliar o efeito desse grão sobre as características da carne ainda são insipientes.
O objetivo deste trabalho foi avaliar as características físico-químicas da carne de bovinos mestiços com predominância genética europeia ou zebuína, alimentados com elevada proporção de concentrado e níveis de grão de milheto em substituição ao de milho.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi desenvolvido entre agosto e novembro de 2010, no Setor de Bovinocultura de Corte do Centro Tecnológico da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano, município de Rio Verde/GO, localizado a 17°46´22´´ de latitude Sul e 51°02´86´´ de longitude Oeste e 815m de altitude. O presente trabalho foi aprovado pelo CEEA/COEP/UFG, processo 111/2011.
Foram utilizados 45 tourinhos com predominância genotípica europeia (predominância de raças continentais) e 44 com predominância genotípica zebuína, com peso médio inicial de 317,8 e 320,7 kg, respectivamente, e idade média inicial avaliada pela dentição de 21 meses. Os animais, oriundos de leilão comercial, foram classificados quanto à predominância genética por profissional treinado, levando em consideração suas características fenotípicas, sendo os animais de cada predominância genética distribuídos aleatoriamente nas dietas experimentais (Tabela 1).
Antecedendo o período experimental, os animais foram submetidos ao controle de endoparasitas e ectoparasitas, vacinados contra pasteurelose e adaptados às instalações e dietas por sete dias. Esses foram confinados em baias coletivas (10 x 7,70 m), equipadas com bebedouros e comedouros e com piso de cascalho com declive de 5%. Cada baia continha apenas animais da mesma predominância genética. O período experimental totalizou 89 dias, com alimentação à vontade (09h00min e 17h00min), sendo as dietas balanceadas para ganho de peso de 1,5 kg/dia, estimando-se o consumo de 2,4% do peso corporal. O consumo de matéria seca foi de, respectivamente, 2,25; 2,17; 2,30 e 2,23% do peso corporal, enquanto que o consumo de nutrientes digestíveis totais foi de, respectivamente, 1,78; 1,71; 1,79 e 1,73% do peso corporal para as dietas com 0, 33, 66 e 100% de grão de milheto. O ganho de peso médio diário foi de, respectivamente, 1,75; 1,58; 1,75 e 1,56 kg para os níveis de 0, 33, 66 e 100% de grão de milheto na dieta, sendo superior nos tourinhos europeus em relação aos zebuínos (2,10 vs. 1,50 kg/dia).
Ao final do experimento, foram selecionados aleatoriamente seis animais de cada predominância genética nas diferentes dietas, os quais foram abatidos em frigorífico comercial com fiscalização do SIF, seguindo o fluxo normal na linha de abate. Antecedendo o abate, os animais foram submetidos a jejum de sólidos e líquidos por 14-16 horas. Após o abate, as carcaças foram identificadas, divididas ao meio, pesadas e levadas ao resfriamento por 24 horas em temperatura variando entre 0 e 2oC. Antes e 24 horas após a refrigeração das carcaças foi registrado o pH do músculo Longissimus dorsi entre a 9a e 11a costelas, utilizando-se um potenciômetro portátil com eletrodo de inserção. Nessa mesma região, foi determinada a temperatura final da carcaça fria, avaliada 24 horas após o abate, utilizando-se um termômetro digital provido de haste metálica de inserção.
Na meia carcaça direita, foi retirada uma porção do músculo Longissimus dorsi, entre a 9a e 11a costela, na qual foi determinado o grau de marmorização (1 a 3 = traços; 4 a 6 = leve; 7 a 9 = pequeno; 10 a 12 = médio; 13 a 15 = moderado; 16 a 18 = abundante), a textura das fibras musculares (1 = muito grosseira; 2 = grosseira; 3 = levemente grosseira; 4 = fina; 5 = muito fina) e a coloração após 30 minutos de exposição ao ar (1 = escura; 2 = vermelho escura; 3 = vermelho levemente escuro; 4 = vermelha; 5 = vermelho-viva) (9). Em seguida, esse músculo foi embalado e identificado, sendo congelado a -18oC. Depois de 60 dias foram retirados, de cada porção cranial desse músculo, dois bifes com espessura de 2,5 cm, sendo um desses congelado novamente para posterior análise química. Os bifes restantes foram pesados, identificados, colocados em bandejas de alumínio e descongelados durante 12 horas a 4oC. Depois disso, os bifes foram pesados para obtenção da perda de peso durante o descongelamento. Na sequência, os bifes foram colocados em bandejas individuais, previamente pesadas, assados em forno elétrico até que a temperatura interna atingisse 70oC. Depois, foram pesados, com e sem sua bandeja, para obtenção da perda de líquidos da carne durante o processo de cozimento.
A maciez da carne, avaliada pela resistência ao corte das fibras musculares, foi determinada nos bifes cozidos e resfriados por 24 horas a 4 ºC. Nestes, foram extraídos oito feixes circulares com 1,0 cm2 de área por bife, os quais foram cortados perpendicularmente à fibra, no aparelho Warner-Bratzler Shear, e realizada a leitura da força para o cisalhamento das fibras musculares, desprezando-se o valor máximo e mínimo.
Os bifes destinados à análise química foram descongelados em temperatura ambiente, excluindo-se a gordura de cobertura, secos em estufa com ventilação forçada de ar (55oC) e moídos em moinho tipo Willey (partícula de 1 mm). Nas amostras desses bifes foram determinados os teores de umidade, proteína bruta e extrato etéreo (10).
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com os tratamentos em arranjo fatorial 4x2, utilizando-se seis repetições. Os dados foram submetidos à análise de variância, correlação e regressão, considerando-se α = 5%.
O modelo matemático geral utilizado foi: gijk = µ + ti + bj + (tb)ij + £k + eijk, em que: gijk= variável dependente; µ= média geral; ti = efeito das dietas; bj = efeito do grupo genético j; (tb)ij = interação entre dieta i e grupo genético j; eijk= erro experimental residual. No estudo de regressão, o modelo foi: gij= b0 + b1Xi + b2 Xi2 + b3 Xi3 +aj + εij, em que: gij= variáveis dependentes; b’s = coeficientes de regressão; Xi = variáveis independentes; aj = desvios da regressão; e εij= erro aleatório residual.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não foi verificada interação (P>0,05) entre as dietas e os grupos genéticos para as variáveis avaliadas. Da mesma forma, o pH da carcaça quente (pH inicial) não foi alterado (P>0,05) pelas dietas (Tabela 2), fato possivelmente associado ao similar teor de glicogênio muscular ao abate. Tal pressuposição é suportada pelas características nutricionais das dietas e pelo fato de o consumo de matéria seca não ter sido alterado pela composição das dietas, o que certamente resultou em consumo de substratos neoglicogênicos e acúmulo de glicogênio muscular similares, tal como reportado por Lozano et al. (11).
Quanto às predominâncias genéticas, verificou-se que tourinhos mestiços com predominância genética europeia apresentaram pH inicial superior (P<0,05) aos tourinhos mestiços com predominância genética zebuína (Tabela 2), o que pode estar relacionado à maior susceptibilidade ao estresse calórico de animais europeus em relação aos zebuínos. A variação do pH da carcaça está associada ao gasto de glicogênio muscular, em que o estresse pré-abate resulta na diminuição dos estoques de glicogênio, limitando a redução do pH do músculo (12, 13). Esses resultados foram discordantes dos obtidos por Lopes et al. (14), que verificaram menor pH inicial (6,55) em tourinhos com predominância genética europeia (Red Norte) em relação aos tourinhos Nelore (6,79), não sendo evidenciado os fatores de causa e efeito.
O pH da carcaça 24 horas após o abate (pH final) não foi influenciado (P>0,05) pelos níveis de grão de milheto e predominância genética dos animais (Tabela 2), apesar do menor pH inicial nos animais zebuínos. Esses resultados demonstraram que o teor de glicogênio muscular antes do abate não foi limitante para a queda do pH nos animais europeus em relação aos animais zebuínos. Vale lembrar que a redução do pH é resultado da liberação de prótons (H+) durante a glicólise (15), processo que tem o glicogênio como principal combustível para produção de energia anaeróbica durante o metabolismo muscular post mortem (16, 17).
Os resultados apresentados foram similares aos reportados por Rocha Junior et al. (18), os quais, avaliando as características da carcaça e carne de bovinos Nelore ou mestiços (1/2 Holandês 1/4 Gir 1/4 Nelore), não verificaram alteração do pH final da carcaça. Por outro lado, Lopes et al. (14) verificaram que o pH final foi inferior em animais zebuínos, o que os autores associaram aos estoques de glicogênio muscular antes do abate. De certo modo, no que se refere às dietas experimentais, os resultados deste estudo foram similares aos verificados por Aferri et al. (19), que, ao avaliar o efeito de diferentes fontes de lipídios sobre alimentação de novilhos mestiços europeus, não verificaram variação do pH final, refletindo a ingestão de similares quantidades de precursores neoglicogênicos.
Os valores de pH (Tabela 2), avaliados 24 horas após abate, ficaram abaixo do valor limite (6,0) considerado para ocorrência de carne tipo DFD (escura, consistente e não-exsudativa) (2). A avaliação do pH apresenta importância prática, pois está relacionada com variações nas características da carne. A queda do pH reduz a capacidade de retenção de água, bem como favorece a proteólise enzimática (20), o que, por um lado, favorece o amaciamento e, por outro, reduz a suculência da carne. Já a manutenção de pH mais elevado é acompanhada de um menor potencial de oxirredução, diminuindo a formação de oximioglobina (21), responsável pela cor vermelho brilhante da carne. Tais aspectos foram evidenciados a partir das correlações (Tabela 3) do pH final com a força ao cisalhamento das fibras musculares (r = 0,58), textura (r = -0,51) e coloração da carne (r = -0,62).
A temperatura da carcaça, avaliada 24 horas após o abate, não foi influenciada (P>0,05) pelos níveis de grão de milheto nem pelas predominâncias genéticas (Tabela 2). Os valores obtidos foram superiores à temperatura máxima recomendada (5 oC), como garantia de manter a qualidade microbiológica da carne (22). Vale destacar que as condições internas da câmara fria podem variar em função do tempo, podendo inclusive atuar de forma diferente sobre as características da carne em função da quantidade e disposição das carcaças na câmara fria (23). Em outras palavras, é importante ressaltar que a temperatura de resfriamento está diretamente relacionada com o pH da carcaça, em que maiores temperaturas favorecem a glicólise, induzindo, assim, uma elevada taxa de formação de lactato e queda do pH (24).
No presente estudo, no entanto, não foi verificada correlação (P>0,05) entre a temperatura e o pH final da carcaça (Tabela 3). Considerando o exposto, as temperaturas finais semelhantes das carcaças, explicam, em parte, o pH final, indicando, por outro lado, que o glicogênio muscular foi determinante para as variações do pH da carcaça. Além disso, considerando que a temperatura final da carcaça apresentou em média 9,72 oC, é provável que a temperatura durante o resfriamento não tenha reduzido bruscamente (<10 oC) antes das 10 primeiras horas após a sangria, o que pode ter evitado o encurtamento das fibras musculares pelo frio (25).
Os níveis de grão de milheto em substituição ao de milho da dieta e as predominâncias genéticas não influenciaram (P>0,05) a perda de líquidos durante o descongelamento e cocção (Tabela 2). Avaliando as características da carne de diferentes grupos genéticos (Nelore, 1/2 Limousin + 1/2 Nelore ou 1/2 Red Angus + 1/2 Nelore) e acabamentos de carcaça (3 e 5 mm), Moggioni et al. (26) verificaram que, no menor grau de acabamento, o grupo genético Nelore apresentou as menores perdas de água tanto no descongelamento quanto na cocção em comparação aos demais grupos, que apresentaram similaridade para essa característica. No maior acabamento, no entanto, não foi verificada diferença entre os três grupos genéticos. Os autores atribuíram a menor perda de líquidos da carne dos tourinhos Nelore em razão do maior pH da carcaça, que teria sido maior nesse genótipo. A presença de fluídos no músculo é resultado da capacidade de retenção de água a partir das proteínas musculares, particularmente da miofibrila, que pode unir grande quantidade de água por pontes de hidrogênio aos grupos polares das proteínas. A quantidade de água diminui conforme os grupos polares são bloqueados. Assim, quando a glicólise post mortem ocorre de forma mais rápida, se obtém um pH menor a uma temperatura mais elevada, diminuindo a capacidade de retenção de água (20).
No presente estudo, a perda de líquidos ao descongelamento e cocção foi significativamente correlacionada (Tabela 3) com o pH final da carcaça (r = -0,36 e r = -0,48, respectivamente) e coloração da carne (r = 0,68 e r = 0,55; respectivamente). Os resultados apresentados foram coerentes ao exposto por Osório et al. (27): o aumento da retenção de água, em função do maior pH, determina menor dispersão da luz pela estrutura da carne, tornando-a mais escura. Da mesma forma, Moggioni et al. (26) relacionaram a pior coloração e o maior pH da carne de tourinhos Nelore à maior retenção de água em relação aos tourinhos mestiços 1/2 Limousin + 1/2 Nelore e 1/2 Red Angus + 1/2 Nelore. Além disso, verificou-se moderada correlação (P<0,05) entre a perda de líquidos ao descongelamento e cocção (r = 0,34), indicando que bifes que perderam mais líquidos ao resfriamento tenderam a perder mais água também ao cozimento. Dentre os aspectos relacionados com a perda de líquidos, tem-se o efeito sobre a palatabilidade da carne, que varia inversamente com a perda de líquidos. O principal aspecto que influencia a perda de líquidos e, consequentemente, a palatabilidade está relacionado com o processo de cocção (28), em que processos de cocção que produzem maior retenção de fluídos originam, de forma geral, carnes mais palatáveis. Dessa forma, o tempo de preparo, a temperatura, a pressão e a umidade do meio são determinantes sobre a perda de líquidos ao cozimento.
A cor da carne não foi alterada (P>0,05) pelos níveis de milheto na dieta, nem pelo grupo genético dos animais (Tabela 4). Essa característica está principalmente associada com o peso corporal e/ou idade dos animais, já que a quantidade de mioglobina circulante aumenta com o avanço da idade (29) e raramente em função da dieta (30).A carne dos animais experimentais (Tabela 4), independente das dietas e grupos genéticos, foi classificada como “vermelha levemente escura”, podendo ser considerada normal para a categoria estudada. Avaliando a carne de novilhos 1/2 Purunã 1/2 Canchim, castrados ou não, abatidos em idade jovem (26 meses) ou superjojvem (16 meses), Kuss et al. (31) verificaram que a cor da carne não foi alterada pela idade de abate, sendo classificada como “vermelha” (4,1 pontos) nos castrados e “vermelha levemente escura” (3,0 pontos) nos inteiros. Avaliando a carne de novilhos mestiços 5/8 Charolês 3/8 Nelore ou 5/8 Nelore 3/8 Charolês, jovens (15,2 meses) ou superjovens (22,8 meses), Pacheco et al. (4) não verificaram efeito da idade de abate e do grupo genético, sendo a carne classificada como “vermelha” (4,4 pontos); entretanto, os animais eram castrados. Já Missio et al. (7), avaliando as características da carcaça e carne de tourinhos superjovens (14-16 meses), mestiços Charolês-Nelore, alimentados com níveis de concentrado (22, 40, 59 e 79%), verificaram melhora da cor da carne com o avanço do teor de concentrado, passando de uma carne classificada como “vermelha levemente escura” (3,5 pontos) para “vermelho vivo” (5,0 pontos), reflexo da redução da idade de abate (16,6 para 14,8 meses). Segundo esses autores, a cor é uma das principais características que influencia o consumidor no momento da compra, pois colorações mais escuras estão associadas à deterioração da carne, e a melhora desta característica beneficia também os vendedores finais, que terão maior saída deste produto e consequentemente maior giro de capital.
Tourinhos mestiços com predominância genética zebuína, alimentados em confinamento com dietas com elevada proporção de concentrado, apresentam carne com similares características físico-químicas que novilhos inteiros com predominância genética europeia, exceto para o grau de marmoreio que é menor.
AGRADECIMENTOS
À FAPEG pela bolsa de doutorado concedida ao primeiro autor.
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Protocolado em: 14 ago. 2013. Aceito em: 04 nov. 2013