GLUTAMINA NA DIETA DE POEDEIRAS LEVES SUBMETIDAS AO ESTRESSE PELO CALOR E À
TERMONEUTRALIDADE
Kelen Cristiane Zavarize1 , José Roberto
Sartori2, Antonio Celso Pezzato2 , Edvaldo Antonio Garcia2
, Valquíria Cação Cruz³
GLUTAMINE IN DIET OF LAYING HENS SUBMITTED TO
HEAT STRESS AND THERMONEUTRALITY
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
O número de enterócitos, a altura e a densidade das
microvilosidades e a estrutura de membrana determinam a dimensão da superfície
de digestão e absorção intestinal e quanto maiores os vilos, melhor deve ser o
desempenho das aves (FERRER et al., 1995).
O desenvolvimento da mucosa intestinal consiste no aumento da altura e densidade de vilos intestinais, o que corresponde ao aumento em número de suas células epiteliais (enterócitos, células caliciformes e enteroendócrinas) e, portanto, ao aumento da capacidade digestiva e de absorção do intestino. Esse desenvolvimento decorre, primariamente, de dois eventos citológicos associados: renovação celular (UNI et al., 1998; APPLEGATE et al., 1999) e perda de células, que ocorre normalmente no ápice dos vilos. O equilíbrio entre esses dois processos determina o turnover (síntese migração-extrusão) constante, ou seja, a manutenção do tamanho dos vilos e, portanto, a manutenção da capacidade digestiva e de absorção intestinal. Quando há desequilíbrio na taxa de renovação celular no intestino, devido a um estímulo, há modificação na altura e na densidade dos vilos e dos microvilos.
Atualmente, vêm sendo utilizados aminoácidos como a glutamina, que tem importante função como fonte de energia para o desenvolvimento da mucosa (WINDMUELLER & SPAETH, 1974), na tentativa de reduzir a atrofia da mucosa intestinal (PIERZYNOWSKI & SJODIN, 1998). Seu efeito sobre a reconstituição da mucosa intestinal após alguma injúria tem sido investigado, devido ao fato desse aminoácido ser o principal metabólito que nutre os enterócitos (VASCONCELOS & TIRAPEGUI, 1998; PADOVESE, 2000).
Em frangos de corte, MAIORKA et al. (2000) mostraram que a adição de 1,0% de glutamina na dieta foi capaz de aumentar o tamanho dos vilos, no duodeno e íleo, quando avaliados nos primeiros sete dias de vida, e que a glutamina tem ação trófica na mucosa intestinal, aumentando a capacidade funcional da mesma, podendo propiciar melhor desempenho das aves por meio de maior capacidade de digerir e absorver os nutrientes da dieta.
A glutamina estimula a proliferação das células intestinais (KANDIL et al., 1995; FISCHER DA SILVA et al., 2007), o que poderia resultar no aumento da superfície absortiva da mucosa do trato gastrintestinal. Deste modo, a adição de glutamina pode ser uma alternativa no sentido de melhorar o desenvolvimento da mucosa intestinal.
Com este trabalho objetivou-se verificar o efeito da suplementação com glutamina na dieta sobre a morfologia da mucosa intestinal, desempenho e qualidade de ovos de poedeiras comerciais, submetidas a condições de estresse calórico e termoneutralidade.
Na câmara termoneutra, não houve controle de temperatura ambiente, a qual variou de acordo com a temperatura do dia. A câmara quente foi aquecida por resistências elétricas durante o dia e, à noite, as resistências eram desligadas, permitindo que a sala se resfriasse gradativamente, simulando a variação de temperatura diária de uma região quente. Os dados de temperatura, umidade relativa do ar, mortalidade e número total de ovos foram anotados diariamente.
As aves foram distribuídas em um delineamento inteiramente casualizado, no esquema fatorial 2x2, com duas temperaturas ambientes (termoneutra e quente) e dois níveis de glutamina na dieta (0,0 e 1,0% de inclusão), com seis repetições de quatro aves por gaiola.
A ração foi formulada segundo recomendações de ROSTAGNO et al. (2005) para poedeiras leves, sendo incluído 1,0% de glutamina em substituição a 1,0% de milho na ração (Tabela 1).
Os dados de desempenho das aves foram obtidos em dois períodos de 28 dias cada, e expressos em média diária durante o período total de 56 dias. Foram avaliados o consumo de ração por ave, a produção média diária de ovos e a conversão alimentar por quilograma e por dúzia de ovos produzidos.
A avaliação da qualidade dos ovos foi efetuada
através da proporção do conteúdo interno (porcentagem de albúmen e de gema),
avaliação da coloração da gema (comparação da coloração da gema com leque
colorimétrico Roche®), avaliação da qualidade do albúmen
(unidades Haugh) e avaliação da qualidade da casca (porcentagem de casca e
gravidade específica).
A gravidade específica dos ovos foi determinada por
meio da utilização de soluções salinas com concentrações crescentes. Os valores
das Unidades Haugh foram calculados por meio da fórmula logarítmica a seguir:
HU = 100 log (H + 7,57 - 1,7 W0,37), onde H = altura do albúmen, em
milímetros e W = peso do ovo, em gramas.
Aos 56 dias de experimento, após jejum de 12 horas, uma ave por gaiola foi pesada e sacrificada por deslocamento da articulação crânio-cervical, totalizando quatro aves por tratamento, para colheita dos seguintes órgãos: coração, fígado, proventrículo, moela, pâncreas, intestino delgado e intestino grosso. O fígado e o coração foram pesados imediatamente após serem retirados. O proventrículo e a moela foram abertos e pesados após remoção do conteúdo. Os intestinos delgado e grosso foram separados por secções no local onde o duodeno emerge da moela e no início dos cecos, sendo posteriormente pesados e medidos. O comprimento do intestino grosso foi considerado como o comprimento do cólon e reto somado ao comprimento dos cecos. O pâncreas foi pesado após ser removido do intestino delgado.
Para as análises histológicas foram colhidos dois segmentos de 3,0 cm do duodeno, do jejuno e do íleo, cortados transversal e longitudinalmente, abertos pela sua borda mesentérica, lavados e estendidos pela túnica serosa, os quais foram fixados em solução de formalina 10% por um período de 24 horas. Posteriormente, foram lavados em água corrente e armazenados em álcool 70%, em seguida desidratados em uma série crescente de álcoois, diafanizados em xilol e incluídos em Paraplast Plus®. Foram preparadas lâminas de cada segmento com cortes de sete micrômetros de espessura, os quais foram corados com ácido periódico de Schiff (PAS).
Posteriormente, com auxílio
de microscópio ótico acoplado a sistema analisador de imagens Leica (Image-Pro Plus versão 4.5.0.27) e computador, foram feitas medidas
de altura e perímetro das vilosidades, profundidade das criptas e contagem de
enterócitos e células caliciformes do duodeno, jejuno e íleo, para determinação
da relação células caliciformes/enterócitos. As medidas de altura foram tomadas a partir da região basal das
vilosidades, coincidente com a porção superior das criptas, até ao seu ápice. A
medida do perímetro foi realizada contornando toda a borda da vilosidade na
qual encontram-se as microvilosidades (CARRIJO et al., 2005). As criptas foram
medidas da sua base até a região de transição cripta:vilosidade.
A análise estatística dos dados foi realizada pelo
método análise de variância (ANOVA), utilizando-se o procedimento GLM do
programa SAS (1996) ao nível de significância de 5%.
Não houve interação significativa entre nível de glutamina e temperatura ambiente para nenhuma das características de desempenho avaliadas e nem efeito da suplementação de glutamina para consumo de ração, porcentagem de postura, peso e massa de ovos (Tabela 2). Porém, os resultados de conversão alimentar (CA) por quilograma e por dúzia de ovos foram melhorados (P<0,05) com a suplementação de glutamina, o que provavelmente se deve à melhor digestão e absorção dos alimentos, conforme mostrado por WU et al. (1996), que, trabalhando com suínos, verificaram melhora de 25% na conversão alimentar para animais suplementados com glutamina na dieta.A temperatura ambiente não afetou o peso de ovos, conversão alimentar por quilograma e por dúzia de ovos (Tabela 2). Já o consumo de ração, a porcentagem de postura e a massa de ovos diminuíram com o aumento da temperatura, conforme LEESON et al. (1996) mostraram com poedeiras, ao verificar que o estresse pelo calor prolongado provocou declínio na produção e no peso dos ovos.
Houve interação (P<0,05) entre nível de glutamina e temperatura ambiente para gravidade específica e peso de casca dos ovos (Tabela 3). Seu desdobramento indica que, tanto para temperatura ambiente quente como para termoneutra, a suplementação com glutamina aumentou a porcentagem de casca e a gravidade específica dos ovos. Nas aves que não receberam glutamina, a elevação da temperatura ambiente proporcionou aumento na porcentagem de casca e na gravidade especifica dos ovos, sendo esse efeito contrário ao encontrado por LEESON et al. (1996), que mostraram que o estresse de calor em poedeiras promoveu redução na qualidade da casca dos ovos.
A suplementação com glutamina não afetou a porcentagem de gema, mas promoveu diminuição na porcentagem de albúmen. Não houve efeito da temperatura ambiente sobre a porcentagem de gema e de albúmen. Não houve interação entre suplementação de glutamina e temperatura ambiente para porcentagem de casca, altura de gema e altura do albúmen, cor e unidade Haugh (Tabela 4).
A suplementação com glutamina não afetou a unidade Haugh, mas alterou (P <0,05) a cor da gema no leque colorimétrico, causando o escurecimento da gema. Esse fato deve-se provavelmente à melhora na absorção dos nutrientes no intestino das aves, consequentemente, à melhor absorção de carotenóides, que são responsáveis pela coloração mais escura da gema. Segundo BISCARO & CANNIATTI-BRAZACA (2006), os consumidores dão preferência aos ovos com gema amarelo-alaranjado em países da América do Sul.
A temperatura ambiente quente diminuiu (P<0,05) a unidade Haugh e ocasionou cor da gema mais clara, mostrando declínio na qualidade dos ovos.
Conforme mostrado na Tabela 5, não houve interação entre suplementação com glutamina e temperatura
ambiente para perímetro das vilosidades, profundidade de cripta e relação
caliciformes/enterócitos no duodeno. O perímetro das vilosidades, profundidade
de criptas e relação caliciforme/enterócitos não sofreram influência
(P>0,05) da inclusão de glutamina nem da temperatura ambiente, com exceção
do aumento (P<0,05) ocorrido na relação caliciformes/enterócitos com a
elevação da temperatura.
Não houve efeito da
suplementação com glutamina e da temperatura ambiente e nem interação entre
esses dois fatores para perímetro das vilosidades, profundidade de cripta e
relação caliciformes/enterócitos no jejuno (Tabela 5).
A suplementação com glutamina proporcionou aumento na relação caliciformes/enterócitos das vilosidades do íleo. Não houve efeito da temperatura ambiente e nem interação entre suplementação com glutamina e temperatura ambiente para as características morfométricas do íleo (Tabela 5).
A maturação intestinal das aves ocorre nas primeiras semanas de vida, o que pode explicar porque não se observou efeito da glutamina na morfologia intestinal no período estudado, pois as aves já apresentavam maturação intestinal (UNI et al., 1995). Alguns autores (MAIORKA et al., 2000; MURAKAMI et al., 2007 em aves; ABREU et al., 2010 em suínos), trabalhando com a suplementação de glutamina na dieta, observaram melhora no desenvolvimento da mucosa intestinal nas primeiras semanas de vida, mostrando o efeito benéfico da glutamina nas primeiras fases de vida.
Sob as condições desse experimento, o desenvolvimento intestinal não foi afetado. Isso se deve provavelmente ao fato de a intensidade do estresse utilizado não ter sido tão severa (temperaturas entre 27 a 32º). Apesar da redução do consumo de ração, a mucosa intestinal das aves e o peso dos órgãos não foram afetados (Tabela 6), indicando a necessidade do aumento do estresse pelo calor nos animais para que essas características sejam afetadas, principalpamente em relação à morfologia dos órgãos, conforme demonstrado por OLIVEIRA NETO et al. (2000).
Na Tabela 6 pode se verificar que não houve interação entre suplementação com glutamina e temperatura ambiente para nenhuma das variáveis analisadas. Não houve efeito da suplementação para peso vivo e pesos relativos do coração, moela, proventrículo, fígado e pâncreas. A temperatura ambiente não influenciou o peso vivo e os pesos relativos de coração, moela, proventrículos e pâncreas, o que difere do observado por OLIVEIRA NETO et al. (2000), que verificaram redução no tamanho desses órgãos em razão do estresse por calor em frangos de corte. Já com o aumento da temperatura, apenas o peso relativo do fígado foi reduzido (P<0,05). Diferentes autores (OLIVEIRA et al., 1997, em suínos e ZANUSSO et al., 1999, em aves) também observaram redução dos pesos relativos de órgãos, em razão da alta temperatura ambiente.
Não houve diferença significativa nem interação para a suplementação com glutamina e temperatura ambiente para peso e comprimento dos intestinos delgado e grosso (Tabela 6).
CONCLUSÕES
APPLEGATE,
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