DOI: 10.1590/1089-6891v15i425173
MORFOLOGIA DA CÉRVICE DE OVELHAS SANTA INÊS ADULTAS NAS FASES LUTEÍNICA E FOLICULAR
Matheus Castro Franco1, Jomel Francisco dos Santos2, Thiago Arcoverde Maciel2, Paulo José Duarte Neto3, Daniela Oliveira3
1
Graduando
da Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, ES, Brasil
2Pós Graduandos da Universidade
Federal Rural de Pernambuco, Garanhuns, PE, Brasil.
3Professores Doutores da
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Garanhuns, PE, Brasil -
danisjc6@yahoo.com.br
RESUMO
A cérvice ovina tem formato irregular, tornando um desafio transpassá-la durante a inseminação artificial. Logo, este trabalho teve por objetivo descrever as características morfológicas da cérvice de ovelhas da raça Santa Inês, comparando-se as fases do ciclo estral. Foram coletados 112 úteros de ovelhas adultas não gestantes e silicone foi injetado no lúmen da cérvice obtendo-se um molde do canal cervical. O comprimento médio foi de 41,33± 16,38 mm e o tipo de óstio cervical mais frequente foi o bico-de-pato (46%). O número mínimo de anéis encontrados nas cérvices foi de dois e o máximo de sete, com média de 4,70 ± 1,05 anéis. A morfometria de cada anel cervical indica que a circunferência interna se afunila na porção média e em seguida torna a aumentar. Não houve diferença significativa (p>0,05) quando se compararam as fases luteínica e folicular e entre os tipos de cérvice quanto ao diâmetro das dobras, altura das dobras, circunferência interna, ponto médio entre as dobras e distância do orifício para as dobras. Nas condições estudadas, concluiu-se que o desenvolvimento de um aplicador de sêmen deve levar em consideração os limites morfométricos encontrados, embora a morfologia e morfometria da cérvice da espécie ovina seja bastante variada, não havendo uma forma padrão para a espécie, inclusive quando são comparadas as fases luteínica e folicular.
PALAVRAS-CHAVE: ciclo estral; morfometria; ovinos; reprodução.
MORPHOLOGY OF THE CERVIX OF SANTA INES ADULT SHEEP IN LUTEAL AND FOLICULAR PHASES
ABSTRACT
The ovine cervix is irregularly shaped, making it a challenge to pass through it during artificial insemination. Thus, the aim of this study was to describe the morphological characteristics of the cervix of Santa Ines breed, comparing the phases of the estrous cycle. A total of 112 uteri were collected from non-pregnant ewes and silicone was injected into the lumen of the cervix in order to obtain a cast of the cervical canal. Mean length of the cervix was 41.33 ± 16.38 mm and the most frequent cervical ostium type found was the duck-beak (46%). Two rings were the minimum and seven were the maximum found in the cervix, with means of 4.70 ± 1.05 rings. Morphometric data from each cervical ring indicates that the inner circumference tapers in the middle portion and then becomes to enlarge again. No significant difference (p> 0.05) was found when comparing the luteal and follicular phases, or the types of cervix regarding to the values of the diameter of the folds, height, inside circumference, midpoint between the folds and distance from the opening to the folds. Under the studied conditions, we concluded that the development of semen applicator should take into account the morphometric limits found, although the morphology and morphometry of the ovine cervix is quite varied, with no standard patterns for the species, even when comparing the luteal and follicular phases.
KEYWORDS: : Estrous cycle; morphometry; ovine; reproduction.
INTRODUÇÃO
A inseminação artificial (IA) com sêmen congelado é utilizada para aumentar a eficiência genética em rebanhos, porém baixas taxas de fecundação têm sido observadas em ovelhas1. Essa redução da fecundidade é atribuída em parte aos danos sofridos durante o processo de congelamento e descongelamento dos espermatozóides2 e à complexa anatomia da cérvice3.
Vários métodos de IA já foram estudados para permitir a inseminação intrauterina em ovinos4. Um deles é o método laparoscópico que, devido à excelente taxa de fecundidade obtida, é a técnica mais eficaz de IA para ovinos com sêmen congelado1. No entanto, a aplicação de IA laparoscópica é limitada a animais de alto valor, porque requer equipamentos caros e um médico veterinário qualificado por ser um procedimento invasivo5. Outra técnica é a inseminação artificial transcervical intrauterina (IATC), que oferece uma alternativa de baixo custo além de ser um método não invasivo. Nesta, o sêmen é depositado no fundo da cérvice ou no interior do corpo do útero através do canal cervical. Quanto maior a profundidade do aplicador de sêmen, maior a taxa de fecundação6.
A cérvice ovina é uma estrutura cujo lúmen é tubular, parcialmente obstruída por saliências e depressões na membrana mucosa que formam de 3 a 7 pregas anulares5. Em estudo realizado por Kaabi et al.7 em ovelhas das raças Churra, Assaf, Merino e Castellana, foi observado que o segundo anel é o mais excêntrico (75%), contudo o terceiro (14%) e o primeiro (11%) também podem ser desalinhados. Geralmente, a segunda dobra é a mais desalinhada em relação à primeira e à terceira dobra, o que causa um estreitamento do lúmen cervical7, 8. Esta complexidade anatômica da cérvice da ovelha limita o sucesso da IATC por funcionar como uma barreira física à passagem do aplicador de sêmen3.
A morfologia da cérvice ovina deve ser detalhadamente compreendida para que sejam desenvolvidas novas técnicas e aparelhos eficazes que viabilizem a aplicação da IATC em larga escala8, 9. Diante disso, objetivou-se descrever as características morfológicas da cérvice de ovelhas da raça Santa Inês, comparando as fases luteínica e folicular do ciclo estral.
MATERIAL E MÉTODOS
Projeto aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade Federal Rural de Pernambuco sob protocolo número 013745/2012-13.
Avaliaram-se cérvices de ovelhas Santa Inês adultas, com idade média de um ano, oriundas da região de Petrolina, no sertão do estado de Pernambuco, abatidas no Matadouro Municipal de Petrolina, PE. Foram utilizados 112 tratos genitais, inspecionados imediatamente após o abate, eliminando-se os que apresentavam gestação ou anormalidades. Os ovários foram avaliados macroscopicamente com a finalidade de verificar sua integridade, presença de folículos e corpo lúteo, determinando, dessa maneira, se a ovelha encontrava-se na fase luteínica ou folicular. O óstio cervical externo foi classificado em um dos cinco tipos, bico-de-pato, roseta, flap, lisa e papila, conforme descrito por Halbert et al.10, modificado por Kershaw et al.5: bico de pato, lisa, roseta, papila e flap.
Para a produção dos moldes das cérvices, foi utilizado silicone em pasta, segundo técnica realizada por Cruz Júnior9. Uma incisão foi feita no corpo do útero, por meio da qual o silicone foi depositado diretamente no canal cervical, com auxílio de uma seringa de 20 ml. O silicone foi injetado lentamente por meio da aplicação de uma pressão suave para evitar distorções ou danos no canal cervical. Após o preenchimento, as amostras foram colocadas em uma superfície plana na temperatura de 5º C por 48h e envolvidas por sacolas plásticas para evitar que o resfriamento as ressecasse. Após este procedimento, com uso de lâmina de bisturi, pinça anatômica e tesoura, realizou-se uma incisão em toda extensão longitudinal da cérvice para expor o molde, o qual foi retirado cuidadosamente. Foram obtidos 98 moldes íntegros, sendo 58 (58,18%) de ovelhas em fase luteínica e 40 (40,82%) em fase folicular.
Com o auxílio de um paquímetro digital foram mensurados o comprimento das cérvices, número de anéis e presença de fundo de saco. Nos moldes de silicone, as variáveis analisadas foram: comprimento, número de anéis, altura das dobras (formadas pela presença de fundo de saco), diâmetro das dobras, circunferência interna (convertida em diâmetro), ponto médio entre dobras e distância do orifício para as dobras, segundo técnica descrita por Eppleston & Maxwell11.
Os dados foram analisados comparando-se a fase do ciclo estral, os anéis, o tipo de abertura da cérvice e suas variáveis morfométricas, por meio de análise de variância (ANOVA), com nível de significância de 95% (p < 5%). Em caso de diferenças significativas, as médias foram comparadas pelo teste de Tukey.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A morfologia da cérvice ovina é um fator limitante na reprodução da espécie quando se trata de IA, devido a uma grande variabilidade entre animais e raças, tornando-se um trabalho oneroso e pouco eficaz. Essa complexidade anatômica diminui a taxa de penetração em 50%, em função da variabilidade individual e habilidade do inseminador12.
Dos 112 úteros coletados, houve uma perda de 14 peças devido à impossibilidade de se injetar o silicone no lúmen das mesmas (12,50%), restando assim 98 cérvices, sendo que deste total 58 (59,19%) estavam em fase luteínica e 40 (40,82%) em fase folicular. A perda de material ocorreu devido à tortuosidade das cérvices, que impediu a passagem completa do silicone pelo canal cervical, não sendo possível a formação completa dos moldes.
O tamanho da cérvice apresentou grande variabilidade. Obteve-se um comprimento médio de 41,33 ± 16,38 mm, tendo o menor comprimento de 24,95 mm e o maior 57,71 mm, resultado semelhante ao relatado por Cruz Júnior9, que observou comprimento médio de 46,8 mm, variando de 30-70 mm, ao estudar cérvices de ovelhas Santa Inês. Souza13, estudando as raças Ideal e Corriedale, encontrou comprimento médio para essas raças de 5,91 ± 0,91 cm e 5,65 ± 0,81 cm, respectivamente. Já Naqvi et al.8 relatou média de 5,3 ± 0,15 cm para as raças Malpura e Kheri. Moura et al.14 observaram comprimento médio de cérvice de 4,4 cm em ovelhas (raça não declarada pelos autores), semelhante às médias encontradas neste trabalho. O tamanho do canal cervical das ovelhas Santa Inês avaliadas neste trabalho são semelhantes aos relatados por outros autores estudando a mesma raça.
O óstio externo das cérvices pode ser classificado em cinco tipos, sendo eles: bico-de-pato, flap, roseta, papila e lisa. O tipo de cérvice encontrado com maior frequência neste trabalho foi o bico-de-pato (46%), o que corrobora os achados de Cruz Júnior9, que encontrou 51% do tipo bico-de-pato na mesma raça. O tipo roseta foi o segundo mais frequente com 23% do total encontrado nas amostras, seguido pelo tipo flap (17%), diferentemente dos achados de Halbert et al.15, que estudou as raças Sufollk, Cheviot, Dorset, dentre outras, e de Souza13, que estudou a raça Corriedale: em ambos os estudos a cérvice do tipo flap foi a mais frequente. A cérvice do tipo lisa foi observada em 12%, ficando como o 4º tipo mais frequente, resultado diferente do relatado por Moura et. al.14, que apresentou o tipo de cérvice lisa (38,3%) como mais frequente, seguido do tipo bico-de-pato com 14,8%, porém os animais estudados por esse autor foram escolhidos aleatoriamente, não sendo definida uma raça especifica. O tipo de óstio cervical com menor apresentação foi o tipo papila, com 2%.
O óstio cervical externo é a primeira barreira a ser vencida pelo aplicador de sêmen, podendo facilitar ou dificultar a passagem do mesmo. Segundo Moura et al.14, o tipo de cérvice lisa foi o mais difícil de transpassar.
Na análise estatística não houve diferença significativa entre os tipos de cérvice para as variáveis diâmetro e altura das dobras, circunferência interna, ponto médio entre dobras e distância dos orifícios. A média e desvio-padrão desses dados encontram-se na Tabela 1.
O número de anéis cervicais verificados nas ovelhas Santa Inês variou de 2 a 7 (4,70± 1,05 anéis). Relatos anteriores encontraram um número mínimo de 4 anéis9, 16. Os resultados referentes ao diâmetro e altura das dobras, circunferência interna, ponto médio entre as dobras e distância do orifício são apresentados na Tabela 2. Os resultados indicam que a cérvice da ovelha Santa Inês possui anéis cervicais maiores no início (a partir do anel 1), mantendo um padrão de tamanho até a porção média (anel 3-4). A partir da porção média da cérvice os anéis apresentam tamanhos menores, mantendo-se assim até o último anel na parte final da cérvice, seguindo um padrão diferente dos anéis cervicais iniciais. Essa variação de tamanho confere à cérvice um aspecto semelhante ao de um cone cuja base é voltada para a vagina da ovelha. A altura das dobras dos anéis cervicais apresenta variações significativas e caracteriza a formação de fundo de saco, encontrado na maioria dos animais estudados, apresentando uma frequência menor nos últimos anéis cervicais. Esses resultados foram similares aos de Cruz Júnior9, que constatou que, em 100% dos animais, os anéis cervicais apresentaram fundo de saco até o terceiro anel cervical, com redução gradativa a partir do quarto anel. Para a variável circunferência interna, nota-se que a cérvice é maior no início (óstio cervical externo) e se afunila na porção média da cérvice. Na porção média, a circunferência interna começa a aumentar novamente, tendo a formação de dois cones com seus ápices voltados um para o outro, semelhante ao observado por Cruz Júnior9. Moura et al.14 avaliaram somente a abertura cervical externa de ovelhas e relataram o diâmetro médio de 0,68 cm, valor próximo aos diâmetros do quinto e sexto anéis cervicais avaliados no experimento aqui descrito.
O ponto médio entre as dobras na raça Santa Inês não apresentou diferença significativa entre anéis (p>0,05). Já a distância do orifício para as dobras foram diferentes em todos os anéis.
Sabe-se que o ciclo estral das fêmeas influencia na abertura da cérvice; dessa forma o estado do corpo lúteo sugere uma mudança no diâmetro da mesma, como foi observado por Kershaw et. al.5 e Moura et al.14, que identificaram maior penetrabilidade da cérvice em ovelhas na fase folicular. Já no presente trabalho não houve diferença significativa (p>0,05) quando se compararam as fases luteínica e folicular com os valores de diâmetro e altura das dobras, circunferência interna, ponto médio e distância do orifício para as dobras, mostrados na Tabela 3. Portanto, não houve diferença de acordo com a fase do ciclo estral quanto à morfologia da cérvice, o que não interferiria no modo de IATC ao longo do período.
Os dados apresentados neste trabalho comparados aos citados pelos demais autores8,9,13,14, que estudaram a mesma espécie, mostra que a morfologia e morfometria da cérvice da espécie ovina é bastante variada, não havendo uma forma padrão para a espécie.
CONCLUSÃO
Nas condições estudadas, conclui-se que o desenvolvimento de um aplicador de sêmen deve levar em consideração os limites morfométricos encontrados, embora a morfologia e morfometria da cérvice da espécie ovina seja bastante variada, não havendo uma forma padrão para a espécie, inclusive quando são comparadas as fases luteínica e folicular. A disposição dos anéis cervicais e o diâmetro da cérvice tornam-se as principais barreiras a serem vencidas pela IATC, já que os anéis deixam o canal tortuoso e o diâmetro varia ao longo da cérvice.
AGRADECIMENTOS
Ao
Abatedouro Municipal da cidade de Petrolina – PE e ao CNPq pela bolsa do
Programa de Iniciação Cientifica (PIBIC).
REFERÊNCIAS
Protocolado em: 28 jun. 2013. Aceito em: 05 nov. 2014.