FATORES DE RISCO E CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA ASSOCIADOS À SOROPOSITIVIDADE PARA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA
Márcia Janete de Fátima Mesquita de Figueiredo1, Nazaré Fonseca de Souza2, Heriberto Ferreira de Figueiredo3, Andre Marcelo Conceição Meneses4, Ednaldo da Silva Filho5, Gláucia Graziele Nascimento6
1Médica Veterinária, Mestre da Universidade Federal Rural da
Amazônia, Belém, PA, Brasil. marcia.figueiredo@ufra.edu.br
2Professora Doutora da Universidade Federal Rural da
Amazônia, Belém, PA, Brasil.
3Médico Veterinário, Mestre da Universidade Federal Rural da
Amazônia, Belém, PA, Brasil.
4Professor Doutor da Universidade Federal Rural da Amazônia,
Belém, PA, Brasil.
5Professor Doutor da Universidade Federal Rural da Amazônia,
Belém, PA, Brasil.
6Médica Veterinária, Pós-graduanda, Universidade Federal
Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
RESUMO
Com o objetivo
de avaliar os fatores de risco e a classificação clínica associados à
soropositividade para Leishmaniose Visceral Canina (LVC) no município
de Colares, estado do Pará, foram coletadas e analisadas 435 amostras
de soro sanguíneo de cães de ambos os sexos, idade a partir de 4
meses, com ou sem de raça definida e com ou sem sintomatologia clínica
sugestiva da doença, dos bairros e das localidades da zona rural. A
sorologia foi realizada empregando-se os métodos Ensaio
Imunoenzimático (ELISA/S7) e Reação de Imunofluorescência Indireta
(RIFI), em lâminas fixadas com antígenos de Leishmania
infantum. O sexo não apresentou significância estatística (P
> 0,05). Observou-se prevalência significativa de LVC com relação à
faixa etária e classificação clínica (P < 0,05). A prevalência foi
maior para cães na faixa etária menor de 2 anos e para os
classificados clinicamente como sintomáticos, sendo que onicogrifose e
alterações cutâneas foram as alterações clínicas mais frequentes.
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PALAVRAS-CHAVE: cães; Estado do Pará; fatores de risco; leishmaniose visceral;
soropositividade.
RISK FACTORS AND CLINICAL CLASSIFICATION ASSOCIATED WITH SEROPOSITIVITY FOR CANINE VISCERAL LEISHMANIASIS
ABSTRACT
In order to
evaluate the risk factors and clinical classification associated with
seropositivity for Canine Visceral Leishmaniasis (CVL) in the city of
Colares, Pará State, 435 serum samples were collected from dogs of
both sexes, aged from 4 months, with or without standard breed and
with or without clinical symptoms suggestive of disease, from the
neighborhoods and the rural areas, and analyzed. Serology was
performed using immunoenzymatic assay (ELISA/S7) and
Immunofluorescence Assay (IFA) methods in fixed slides with antigens
from Leishmania infantum. Sex did not present statistic significance
(P>0.05). There was significant prevalence of LVC regarding age and
clinical classification (P < 0.05). The prevalence was higher for
dogs aged less than 2 years and for those classified as clinically
symptomatic, and onychogryphosis and skin changes were the most common
clinical changes.
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KEYWORDS: dogs; Pará State; risk factors; seropositivity; visceral
leishmaniasis.
INTRODUÇÃO
Em Medicina Veterinária, a Leishmaniose Visceral Canina (LVC) é a zoonose mais importante, pois além da doença ser, na maioria dos casos, severa e fatal para o cão, este é ainda o reservatório da doença para os humanos (1). Os cães têm sido incriminados como o principal reservatório da doença, pois preenchem as condições necessárias para isso, por serem altamente susceptíveis à infecção, por possuírem elevado parasitismo cutâneo e, principalmente, devido à sua estreita relação com o homem, tanto em áreas rurais, como urbanas (2).
A LVC é uma doença complexa, sistêmica, crônica e até mesmo fatal, caracterizada por alterações clínicas muito variáveis, envolvendo quase todos os órgãos, em consequência da multiplicidade de mecanismos patogênicos do protozoário, da diversidade de respostas imunológicas desenvolvidas nos hospedeiros e do longo período de incubação, que pode variar de alguns meses até vários anos. A complexidade da doença faz com que, ainda hoje, mais de cem anos após sua descoberta, não haja completo consenso científico sobre o seu manejo (3, 4).
Os resultados das pesquisas variam de acordo com as características da população, a metodologia empregada na avaliação, além dos fatores de riscos associados à infecção como sexo, faixa etária, raça, tamanho e tipo do pelame, estado geral, sintomatologia clínica e condições do peridomicílio, em que a maior incidência parece estar associada às moradias próximas de matas e a convivência com outros animais domésticos e selvagens (5).
O objetivo deste estudo foi avaliar os fatores de risco e a classificação clínica associados à soropositividade para LVC, no município de Colares, região Nordeste do estado do Pará.
O município de Colares, no estado do Pará, tem o seu litoral banhado pela Baía de Marajó, pertence à Mesorregião do Nordeste Paraense e Microrregião do Salgado, distante 90 km da capital Belém. Faz limite ao Norte com Baía de Marajó e município de Vigia, a Leste com município de Vigia, ao Sul com município de Santo Antônio do Tauá e a Oeste com a Baía de Marajó (6).
Foram selecionados aleatoriamente, para a
coleta de sangue, 435 (quatrocentos e trinta e cinco) cães (Canis familiaris) domiciliados nos bairros e nas localidades da
zona rural do município de Colares, de ambos os sexos, idade acima de
quatro meses, com ou sem raça definida. Todos os cães foram examinados
para verificar a presença de sinais clínicos sugestivos de LVC e foram
classificados como sintomáticos quando apresentaram uma alteração
clínica sugestiva da doença, tais como perda de peso, alterações
cutâneas, alterações oculares, linfoadenomegalia e onicogrifose. Por
outro lado, cães sem qualquer sinal foram avaliados como
assintomáticos, considerando, como foi mencionado por Reis et al. (7),
que os sinais clínicos iniciais associados à LVC são
linfoadenomegalia, dermatite periorbital e nasal ou disseminada,
onicogrifose e perda de peso. A perda de peso foi assim identificada
pelas informações dos proprietários e observada pelo escore corporal.
Para alterações cutâneas
foram consideradas, principalmente, as condições de pelo sem brilho,
com alopecia e dermatites e, pra alterações oculares, considerou-se a
presença de secreção. Linfoadenomegalia foi determinada quando na
inspeção era observado um aumento dos linfonodos, confirmado pela
palpação, e a onicogrifose foi avaliada por meio do crescimento
anormal das unhas.
As análises das amostras de soro dos animais
investigados foram realizadas no período de abril a maio de 2012, no
Laboratório de Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos (LDP), da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), localizado na cidade
de Recife - PE. Os anticorpos anti-Leishmania foram detectados por meio dos métodos sorológicos ELISA e RIFI.
Para o ELISA, utilizou-se o Kit para Diagnóstico do Calazar Canino -
ELISA/S7®, produzido por Biogene Indústria e Comércio Ltda.
A reação foi realizada de acordo com o protocolo do fabricante, sendo
considerados reagentes os soros que apresentaram o valor de densidade
óptica igual ou superior a três desvios padrão do ponto de corte. Para
a RIFI, foram utilizadas lâminas de vidro contendo 12 poços, fixadas
com antígenos de Leishmania
infantum, procedentes do Instituto de Tecnologia em
Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz. A técnica foi realizada de acordo com Camargo (8), considerando
reagente o soro que apresentou fluorescência na titulação de 1:40,
como preconiza o Ministério da Saúde, tomando-se como referência para
as amostras reagentes e não reagentes os soros controle positivo e
negativo, provenientes do LDP - UFRPE, que foram incluídos em cada
lâmina. Todas as amostras de soro sanguíneo dos cães foram analisadas
pelos dois métodos sorológicos ELISA/S7 e RIFI.
As análises estatísticas foram realizadas de
forma descritiva e foram aplicados o Teste de Qui-Quadrado e Odds
ratio (OR) com nível de significância de 5%. Todas as análises
estatísticas foram realizadas pelo programa computacional BioEstat 5.0
(9)
Esse estudo foi apreciado e aprovado pelo
Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade do Estado do
Pará (UEPA), registrado no protocolo Nº 48/11.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As variáveis sexo, faixa etária e classificação clínica associadas à soropositividade nas reações ELISA+RIFI para Leishmaniose Visceral Canina estão apresentadas na Tabela 1.
Observa-se que para a variável sexo não houve
prevalência significativa (P > 0,05); contudo, na análise dos dados
das variáveis faixa etária e classificação clínica foi comprovada
prevalência significativa (P < 0,05), evidenciando-se que, na faixa
etária menor que dois anos, os cães tem uma chance sete vezes maior de
serem soropositivos que os da faixa etária maior que 2 anos.
Na classificação clínica, foi demonstrado que os cães
sintomáticos têm cerca de três vezes mais chance de serem
soropositivos em relação aos assintomáticos.
A variável raça não foi analisada
estatisticamente, pois todos os cães soropositivos nas reações
ELISA+RIFI para LVC apresentavam-se sem padrão de raça definida.
Vários estudos tentam avaliar os fatores de risco associados à infecção
em cães no Brasil, principalmente aqueles inerentes ao cão, como sexo,
faixa etária, raça, tamanho e tipo do pelame, estado geral e
sintomatologia clínica e, mais ainda que as discordâncias aparentes
entre os estudos possam refletir na natureza local da LVC (5).
Com relação à variável sexo, os resultados aqui encontrados estão de
acordo com Almeida et al. (10) e Santos et al. (11),
que não observaram predisposição sexual. Todavia, Julião et al. (12)
e Medeiros et al. (13) observaram predisposição nos
cães machos, enquanto que Amóra et al. (14)
encontraram percentual maior
entre as cadelas do meio
rural.
Quanto à variável faixa etária, os dados aqui referidos estão em
concordância com os de Dantas-Torres et al. (15) e
Medeiros et al. (13), que observaram uma positividade
sorológica estatisticamente significativa nos cães jovens, o que pode
estar associado à
imaturidade imunológica, tornando-os bastante vulneráveis para contrair
a infecção e evoluir para
doença sintomática, com a positividade sendo mais facilmente observada
nas reações sorológicas. Porém, esse resultado discorda dos encontrados
por Almeida et al. (10), que descreveram ser mais
frequente em cães adultos, como também aos de Santos et al. (11)
e Silva et al. (16) de que não há predisposição quanto
à idade.
A variável raça não foi analisada estatisticamente, pois todos os cães
sororeagentes apresentavam-se sem de raça definida, pois, como afirma
Dantas-Torres (5), a maioria dos cães que vivem em
áreas rurais e suburbanas são cães sem raça definida. Contudo, em alguns
estudos como os realizados por Medeiros et al. (13) e
Silva et al. (16), esta variável foi analisada, mas
não se observou significância estatística quanto à soropositividade. Por
outro lado, França-Silva et al. (17) encontraram uma
maior prevalência para os cães de raça Cocker Spaniel e Boxer.
No que se refere à variável categorização clínica, os cães foram
classificados como assintomáticos e sintomáticos, quando apresentaram
pelo menos uma alteração clínica sugestiva da doença e tiveram como
parâmetros analisados perda de peso, alterações cutâneas, alterações
oculares, linfoadenomegalia e onicogrifose. Os cães sororeagentes
demonstraram expressiva significância estatística para a forma
sintomática da LVC, concordando com os estudos realizados por Sousa e
Almeida (18) e Almeida et al. (10),
nos quais os cães infectados encontravam-se sintomáticos.
A frequência dos sororeagentes nas reações ELISA e RIFI, baseando-se nas
alterações clínicas observadas nos cães, estão apresentadas na Tabela
2. Os cães que apresentaram pelo menos uma alteração
clínica sugestiva de LVC, como perda de peso, alterações cutâneas,
alterações oculares, linfoadenomegalia e onicogrifose, foram
considerados animais sintomáticos. Onicogrifose e alterações cutâneas
foram as que apresentaram maiores porcentagens, 23,3 e 14,4 %,
respectivamente.
Todavia Baneth e Aroch (19) afirmam que estudos
populacionais em áreas endêmicas têm demonstrado que uma proporção da
população canina desenvolve a doença sintomática, outra tem infecção
assintomática persistente, enquanto outra é resistente à infecção ou
intermitentemente resolve sem desenvolver sinais clínicos. Já para
Moshfe et al. (20), estudos soroepidemiológicos da LVC
têm revelado um grande número de animais soropositivos assintomáticos,
dessa forma, os cães assintomáticos infectados por Leishmania,
bem como os sintomáticos, podem ter um papel importante na manutenção da
infecção e, provavelmente, no estabelecimento do ciclo doméstico de
transmissão do parasita nas áreas endêmicas de LV.
As alterações clínicas mais frequentes entre os cães sororeagentes foram
onicogrifose e alterações cutâneas à semelhança do que Azevedo et al. (4)
e Dias et al. (22) relataram em seus estudos.
CONCLUSÃO
A sorologia positiva para LVC não foi relacionada com as variáveis sexo e raça, porém, está associada à faixa etária e à classificação clínica, na qual os cães classificados como sintomáticos que apresentaram onicogrifose e alterações cutâneas foram os mais frequentes.
AGRADECIMENTOS
À Prefeitura Municipal de Colares, pelo apoio e compromisso na realização dos trabalhos de campo, ao Laboratório de Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos da Universidade Federal Rural de Pernambuco, pelo processamento das amostras sorológicas e ao Programa de Cooperação Acadêmica - Novas Fronteiras (PROCAD-NF UFRA-UFRPE-UNESP Botucatu), com apoio da CAPES/MEC, pelo suporte financeiro.
REFERÊNCIAS
5. Dantas-Torres F. Canine leishmaniosis in South America. Parasites & Vectors. 2009;2(1):1-8.
6. IDESP Instituto do Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará. Secretaria de Estado de Planejamento. Estatística Municipal - Colares, 2012. Disponível em: < http://www.idesp.pa.gov.br/paginas/produtos/EstatisticaMunicipal/pdf/Colares.pdf >.
Protocolado em: 26 jun. 2013. Aceito em 14 nov. 2013