ASPECTOS
MACROSCÓPICOS, MORFOLÓGICOS E MORFOMÉTRICOS DO
BAÇO DE RATOS APÓS O CLAMPEAMENTO TOTAL DO
PEDÍCULO HEPÁTICO
Silvio Henrique de Freitas,1 Joaquim Evêncio Neto,2 Renata Gebara Sampaio Dória,1
Fábio de Souza Mendonça,3 Manuel de Jesus Simões,4 Lázaro Manoel de Camargo5
e Abrão Antônio Sébe6
1. Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Cuiabá (UNIC)
2. Professor adjunto do Departamento de Morfologia e Fisiologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
3. Professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Cuiabá (UNIC)
4. Professor livre docente do Departamento de Morfologia da Universidade de Federal de São Paulo (ENIFESP EPM)
5. Professor do Departamento de Clínica da Faculdade de Medicina
Veterinária da Universidade de Cuiabá (UNIC)
6. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Cuiabá (UNIC).
RESUMO
Uma das
complicações do clampeamento total do pedículo
hepático é a congestão esplâncnica e,
consequentemente, a congestão esplênica. Este trabalho
teve como objetivo observar as alterações
macroscópicas, morfológicas e morfométricas que
ocorreram no baço com a isquemia produzida pelo clampeamento do
pedículo hepático. Para tanto, utilizaram-se quarenta
ratos machos, divididos em quatro grupos de dez animais. Não se
submeteu o grupo controle (C) à isquemia. Por sua vez,
submeteram-se os grupos experimentais (E1, E2 e E3) ao clampeamento
total por dez, vinte e trinta minutos, respectivamente. Após
esses períodos, fragmentos do baço foram retirados e
analisados histologicamente pela técnica de Hematoxilina-eosina
e Ferrocianeto-férrico. Os resultados mostraram
alterações microscópicas nos grupos E1, E2 e E3,
que permitem concluir que o clampeamento total do pedículo
hepático promove intensa congestão vascular, aumento de
grânulos de hemossiderina, diminuição da polpa
branca e aumento da polpa vermelha, sendo essas
alterações mais intensas aos trinta minutos.
PALAVRAS-CHAVES: Baço, congestão, hemossiderina, rato.
ABSTRACT
MACROSCOPIC, MORPHOLOGIC AND MORPHOMETRIC ASPECTS OF THE SPLEEN OF RATS AFTER TOTAL CLAMPING OF THE HEPATIC PEDICLE
One of the complications of
hepatic pedicle total clamping is the splanchnic congestion and
consequently a splenic congestion. The aim of this study was to observe
the macro and microscopic alterations that occurred in the spleen
during an ischemia produced by the hepatic pedicle clamping. Fourth
male rats were divided in four groups of ten animals each. The control
group (C) was not submitted to ischemia and the experimental groups
(E1, E2 and E3) were submitted to the total clamping during 10, 20 and
30 minutes, respectively. After these periods, spleen fragments were
collected and histological analyzed by the eosin-hematoxilin and ferric
ferrocyanide staining technique. The results showed microscopic
alterations at the E1, E2 and E3 groups that
permitted to conclude that the total clamping of the hepatic pedicle
promote intense vascular congestion, increase of the hemosiderin
granules, decrease of the white pulp and increase of the red pulp,
being these alterations more pronounced at the 30 minutes.
KEY WORDS: Congestion, hemossiderina, spleen, rats.
INTRODUÇÃO
O baço é um
órgão constituído por uma cápsula
fibroelástica, de onde partem trabéculas que servem para
conduzir vasos e nervos, e por um estroma representado por uma rede de
fibras e células reticulares que sustentam o parênquima ou
polpa esplênica (polpas branca e vermelha) (EICHNER, 1979; BLUE
& WEISS, 1981; DELLMANN & BROWN, 1982; STITES et al.,
1997). A polpa branca é formada por um conjunto de
nódulos linfáticos apresentando um centro germinativo e
inúmeras células linfoides que se localizam ao longo das
arteríolas esplênicas. Já a polpa vermelha
representa a maior parte do baço, onde são observados
inúmeros sinusoides sanguíneos que se entrelaçam e
se anastomosam em várias direções, separados por
cordões celulares esplênicos representados por
fibroblastos, leucócitos, eritrócitos e macrófagos
(DOASSAN et al., 1984; ATRES, 1991; BANKS, 1992; ROITT, 1992; POPE & ROCHAT, 1996).
O baço tem uma
grande importância como reservatório sanguíneo,
podendo, quando solicitado e sob a ação das
catecolaminas, elevar o hematócrito em até 10% do seu
valor normal. Possui função hematopoiética nos
recém-nascidos, podendo, também, desempenhar esta
função nos adultos (LIPOWITZ et al.,
1981). A estrutura do baço, semelhante a uma peneira, torna-o
eficiente no monitoramento de células sanguíneas
viáveis, facilitando, com isso, a fagocitose destas pelos
macrófagos. Estes acumulam pigmentos de hemossiderina, uma massa
rica em ferro, oriunda da degradação da hemoglobina
(SWENSON & REECE, 1996; COUTO & HAMMER, 1997; CARLTON &
McGAVIN, 1998). Este órgão está,
também, envolvido com os mecanismos de defesa do organismo,
através da produção de linfócitos e
anticorpos (LIPOWITZ & BLUE, 1998; RICHARD & SHERIND, 1998;
SLATTER, 1998).
Nas lesões
sangrantes do fígado, o bloqueio dos vasos torna-se
necessário para facilitar as manobras cirúrgicas (SILVA
JR. et al., 2002; ARAÚJO JR. et al.,
2005). PRINGLE (1908) já utilizava o clampeamento total do
hilo hepático para conter hemorragias, manobra que resulta na
congestão esplâncnica e, consequentemente, perfusão
sanguínea deficiente de órgãos como
estômago, intestino delgado e parte anterior do intestino grosso,
pâncreas e baço (SÉBE et al., 1999; FREITAS, 2000; CAMARGO et al., 2003). Da mesma forma, SÉBE et al.
(1999), trabalhando com clampeamento total do pedículo
hepático em ratos, observou que a privação de
sangue neste órgão, por mais de vinte minutos, leva a
lesões nas organelas dos hepatócitos e, também,
à congestão esplâncnica.
Na congestão
esplâncnica decorrente do clampeamento total do pedículo
hepático, ocorre aumento da pressão sanguínea do
baço, elevando a eritrofagocitose, com significativa
destruição de eritrócitos (FRASER, 1991; CARLTON
& McGAVIN, 1998). O clampeamento do hilo hepático pode
reduzir a concentração de energia e intensificar a
acidose láctica esplênica, que poderá causar danos
às membranas dos eritrócitos e alteração de
sua elasticidade, aumentando a fagocitose das hemácias
danificadas pelos macrófagos, o que resulta numa maior
produção de pigmentos férricos de hemossiderina
(POPE & ROCHAT, 1996). Também o aumento da pressão
sanguínea e da temperatura esplênica pode lesionar os
eritrócitos e intensificar a eritrofagocitose pelos
macrófagos (FRASER, 1991; POPE & ROCHAT, 1996; CARLTON &
McGAVIN, 1998).
O objetivo deste trabalho
é avaliar as possíveis alterações
macroscópicas, morfológicas e morfométricas do
baço durante o clampeamento total do pedículo
hepático em diferentes tempos.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se quarenta ratos (Rattus norvegicus albins)
Wistar, machos, com de três meses de idade e pesando, em
média, 295 gramas. Os animais foram fornecidos pelo
Biotério da Universidade de Cuiabá (UNIC) e permaneceram
alojados em gaiolas de poliuretano com grade de aço, de 41 x 34
x 17cm, em número de dois animais por gaiola. Manteve-se a
temperatura ambiente por condicionador de ar a 22°C, a umidade em
65% e a luminosidade controlada artificialmente com doze horas de claro
e doze horas de escuro. Higienizaram-se diariamente as gaiolas.
Dividiram-se os animais em
quatro grupos de dez: grupo-controle (C) e grupos experimentos (E1, E2
e E3). Todos os animais foram submetidos a um mesmo protocolo
anestésico, utilizando-se a associação de
xilazina(Virbaxil 2%, Virbac do Brasil Indústria e
Comércia Ltda., São Paulo, SP) e cetamina (Vetanarcol,
Koning do Brasil Ltda., Florianópolis, SC), na mesma seringa,
nas dosagens de 25 mg/kg e 50 mg/kg, respectivamente, pela via
intramuscular, na região posterior da coxa. Em seguida,
realizou-se tricotomia da região abdominal ventral de cada
animal e procedeu-se a posicionamento em decúbito dorsal na mesa
cirúrgica, quando foi realizada antissepsia com iodo
polivinilpirrolidona (Riodeine tópico, Indústria
Farmacêutica Rioquímca Ltda., São Paulo, SP).
Após cinco minutos
da anestesia, foi efetuada incisão mediana pré-retro
umbilical, partindo da cartilagem xifoide até 4 cm caudal
à cicatriz umbilical. Após, realizou-se abertura da
cavidade abdominal, identificando-se, então, o hilo
hepático (artéria e veia hepática, a veia porta e
o ducto hepático).
Nos animais do grupo C,
não foi realizado clampeamento do hilo hepático, sendo o
baço coletado após trinta minutos. Nos animais dos grupos
E1, E2 e E3, efetuou-se o clampeamento mediante o emprego de uma
pinça de clampeamento vascular de 3 cm. Após a coleta do
baço dos animais de todos os grupos, eutanasiaram-se os animais
por aprofundamento do plano anestésico e cloreto de
potássio a 10% (Cloreto de potásio 10%, Aster Produtos
Médicos Ltda,, Sorocaba, SP).
Os baços de todos os
animais foram avaliados macroscopicamente quanto à
coloração e, em seguida, cortados fragmentos de
0,5x0,5cm, imediatamente fixados em solução de
formaldeído a 10%, por um período de 24 horas.
Após a fixação, submeteu-se o material ao
processamento de rotina, para inclusão em parafina,
realizando-se cortes de 5mm de espessura em micrótomo rotativo,
os quais foram corados pela hematoxilina-eosina (HE) e pelo
ferrocianeto-férrico (reação de Perls), analisados
em microscopia de luz e fotografados com fotomicroscópio Olympus.
A avaliação
microscópica da congestão esplênica foi feita
utilizando-se as lâminas coradas pela técnica de HE. Para
a avaliação da concentração de pigmentos
férricos de hemossiderina e para a análise
morfométrica do baço, utilizou-se a técnica de
ferrocianeto-férrico.
A análise
morfométrica foi realizada para a avaliação do
percentual de ferro contido em cada amostra esplênica, por meio
de um sistema captador de imagens, que consiste em câmara digital
de alta resolução (Axio Vision – Carl Zeiss)
acoplada em microscópio de luz (Axiolab 2.0 - Carl Zeiss) sob
objetiva de 40x. Transferiram-se as images obtidas para computador
Pentium 4.0 em ambiente Windows, contendo programa de captura de
imagens (Rel 4.0 da Carl Zeiss), realizando-se a análise
mediante o sistema computacional de softwares IMAGELAB 2000. No total,
capturaram-se dez campos de cada amostra obtidos da região da
polpa vermelha. A partir da média dos dez campos obteve-se o
percentual médio de concentração de ferro no
baço de cada animal. Fez-se o cálculo estatístico
da avaliação morfométrica pela análise de
variância, complementada pelos testes de Kolmogorov-Smirnov,
Levene e Welch e Brown-Forsythe (sofware - SPSS 15.0). O nível
de significância máximo adotado foi P< 0,05.
RESULTADOS
Macroscópicos
Após o
período de clampeamento total do hilo hepático,
observou-se que os baços de todos os animais estudados mostraram
coloração vermelho-escuro a azulada.
Microscopia de luz
No grupo-controle foi
observado baço circundado por uma cápsula de tecido
fibromuscular que emitia septos para o seu interior
(trabéculas). No interior do órgão notou-se, no
parênquima, a presença de acúmulos de
linfócitos (polpa branca) que formam cordões ao redor de
vasos sanguíneos ou nódulos com arteríola central.
Ao redor dos nódulos linfáticos, notaram-se
inúmeros capilares contendo hemácias no seu interior
(polpa vermelha), sendo os capilares rodeados por inúmeros
macrófagos (cordões de Billrrot). Alguns
macrófagos apresentaram pequena quantidade de grânulos
alaranjados (hemossiderina) no seu interior e, após a
reação ao ferrocianeto férrico
(Reação de Perls), se observou pequena quantidade
pigmentos férricos de coloração azulada (Figuras 1C e 2C, Tabela 1 e Figura 3).
O Grupo E1 (dez minutos de
clampeamento) apresentou uma arquitetura do baço muito
semelhante ao grupo-controle. Entretanto, observaram-se ligeira
vasodilatação nos capilares presentes na polpa vermelha e
maior quantidade de grânulos azulados de hemossiderina que no
Grupo C (Figuras 1E1 e 2E1, Tabela 1 e Figura 3 ).
No Grupo E2 (vinte minutos
de clampeamento), notou-se que o baço também apresentava
a mesma arquitetura histológica daquela observada no
grupo-controle. No entanto, percebeu-se nítida
diminuição da polpa branca, tanto da porção
cordonal quanto da nodular. A polpa vermelha mostrou-se bem evidente,
com intensa dilatação dos capilares sinusoides e
concentração acentuada de grânulos de hemossiderina
(Figuras 1E2 e 2E2, Tabela 1 e Figura 3).
No Grupo E3 (trinta minutos
de clampeamento), foi observado acentuado aumento da polpa vermelha. A
polpa branca encontra-se praticamente tomada pela polpa vermelha, em
virtude da acentuada dilatação dos vasos
sanguíneos presentes nessa região e da elevada
concentração de grânulos de hemossiderina (Figuras 1E3 e 1E3, Tabela 1 e Figura 3)
Estudo morfométrico
Observou-se após
análise morfométrica das amostras de baço que
houve aumento progressivo do percentual de concentração
de ferro (grânulos de hemossiderina) nos diferentes grupos
estudados, conforme demonstrado na Tabela 1 e Figura 3.
DISCUSSÃO
A isquemia total
hepática, por diferentes períodos de tempo, acarreta
congestão esplâncnica (SÉBE et al.,
1999) e, consequentemente, congestão esplênica. Para
produzir congestão esplâncnica que resultasse em
congestão do baço, neste estudo foi utilizada a manobra
sugerida por PRINGLE (1908), que consiste no clampeamento do hilo
hepático (artéria e veia hepática, veia porta e
ducto biliar). O acesso à cavidade abdominal, baço e hilo
hepático foi realizado pela linha mediana, utilizando-se os
mesmos procedimentos sugeridos por FREDERIKS et al. (1982), ASAKAVA et al. (1989), GONCE et al. (1995) e ISOZAKI et al. (1995).
A congestão
esplênica é caracterizada pela diminuição da
polpa branca (nódulos linfáticos) e pelo aumento da polpa
vermelha, sendo essa progressiva e mais intensa aos trinta minutos,
conforme relatado por FREITAS et al.
(1999) e demonstrado neste trabalho, através da microscopia de
luz, que confirmou acentuada dilatação dos vasos
sanguíneos e elevada concentração de
grânulos de hemossiderina no parênquima esplênico.
Embora a
reação de Perls ou azul da Prússia seja muito
antiga, esta técnica ainda é muito utilizada nos dias
atuais para identificação do ferro celular na forma de
ferritina ou hemossiderina em várias patologias. A
reação se processa na interação de
íons ferrocianeto com íons férricos no interior da
célula, resultando em um produto de cor azul-esverdeado
denominado ferrocianeto férrico. Trata-se de técnica que
é utilizada para detectar ferro no interior do eritroblasto
(sideroblasto), de macrófagos e nas hemácias (ASANO et al., 2006; FREITAS et al., 2006; MEGURO et al.,
2007). Por ser o baço um órgão que possui uma
população muito grande de macrófagos que atuam na
destruição das hemácias, principalmente as velhas
ou danificadas, optou-se, neste experimento, por utilizar essa
técnica para detectar pigmentos férrricos orindos de
eritrócitos no interior dos macrófagos.
A mensuração
e a quantificação dos tecidos podem ser realizadas pela
morfometria manual ou digital (HALASZ et al., 1993; VEIGA et al.,
2007). A quantificação morfométrica digital
(Softwares IMAGELAB 2000), por ser um método prático e
confiável, foi utilizada neste experimento, permitindo mensurar,
em porcentagem, os pigmentos férricos de hemossiderina presentes
nos macrófagos esplênicos em diferentes tempos.
Conforme descrito por FREITAS et al.
(2000), através da técnica do
ferrocioneto-férrico, este trabalho demonstrou acúmulo de
pigmentos férricos (hemossiderina) no parênquima
esplênico de maneira progressiva em relação ao
tempo de clampeamento do pedículo hepático, o que pode
também ser confirmado pela análise morfométrica.
Sabe-se que a
reação da hemossiderina com o peróxido de
hidrogênio (reação de Fenton) produz hidroxil,
substância altamente lesiva para as células (FLAHERTY
& WEISFELDT, 1988; CHUA-ANUSORN, 1999; MARX & HIDER, 2002;
VACARENGHI, 2006). Da mesma forma, durante o clampeamento total do
pedículo hepático, haverá uma perfusão
deficiente de órgãos como estômago, intestino
delgado e parte anterior do intestino grosso, pâncreas,
fígado e baço. Esta baixa concentração de
oxigênio celular (isquemia) pode promover aumento do metabolismo
anaeróbico e formação de substâncias
lesivas, como as prostaglandinas e radicais livres (superóxidos
– O2-, peróxido de hidrogênio – H2O2
e hidroxil – OH-) (FORYTH & GUILFORD, 1995), sugerindo a
necessidade de novos trabalhos que estudem as lesões promovidas
pela reperfusão deste órgão.
CONCLUSÕES
Este estudo demonstra que o
clampeamento total do pedículo hepático promove, de
maneira progressiva, congestão esplênica com
redução da polpa branca e aumento da polpa vermelha,
caracterizado por acentuada dilatação dos vasos
sanguíneos e da concentração de grânulos de
hemossiderina.
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