AVALIAÇÃO DAS COMPLICAÇÕES E DA PERFORMANCE REPRODUTIVA SUBSEQÜENTE À OPERAÇÃO CESARIANA REALIZADA A CAMPO EM BOVINOS
LUIZ ANTÔNIO FRANCO DA SILVA(1), MARIA CRISTINA DE MEDEIROS VIEIRA(2), MARIA CLORINDA SOARES FIORAVANTI(3), DUVALDO EURIDES(4) E NAIDA CRISTINA BORGES(5)
1.
Professor Adjunto do Departamento de Medicina Veterinária da Escola de
Veterinária da Universidade Federal de Goiás EV/UFG – Goiânia -GO. –2. Médica
Veterinária. Mestre em Sanidade Animal – Centro de Diagnósticos e Pesquisas
Veterinárias/IGAP Goiânia -GO. – 3. Professora Assistente do Departamento de
Medicina Veterinária da EV/ UFG. – 4. Professor Titular do Curso de Med.
Veterinária do Departamento de Med. Animal da Universidade Federal de
Uberlândia -MG. – 5. Professora Assistente do Departamento de Medicina
Veterinária da EV/ UFG. Departamento de Medicina Veterinária EV/UFG – Caixa
Postal 131 – 74001-970 – Goiânia – Goiás
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi
avaliar as principais complicações decorrentes da cesariana e alguns parâmetros
reprodutivos, em fêmeas bovinas. Após o exame clínico geral e o exame
específico das vias fetais, 50 animais foram submetidos à operação cesariana,
realizada em decúbito lateral direito. Foi utilizado anestésico local e, após a
retirada do feto, cloridrato de xilazina. A incisão foi realizada entre o
úbere, a prega do joelho e a veia superficial abdominal; a sutura do útero foi
feita com categute e a da pele com fio de algodão 000. O péríodo pós-operatório
constou de antibioticoterapia e curativo local. As distocias foram decorrentes
de estática fetal incorreta, partos gemelares, fetos absolutos ou relativamente
grandes, monstros fetais e torção parcial de útero. Quanto aos fetos, 24
nasceram vivos e 26 mortos, dentre esses últimos 14 estavam enfisematosos; duas
vacas morreram e nove foram descartadas. Pode-se concluir que as principais
complicações pós-operatórias observadas nesse estudo foram a retenção dos
envoltórios fetais (44%), metrite clínica (48%), retenção associada à metrite
(26%), deiscência de ferida (6%), peritonite (2%) e edema (6%). A cesariana
acarretou aumento do período de serviço e do número médio de serviços por
concepção das fêmeas operadas.
PALAVRAS-CHAVE: Bovino, cesariana,
fertilidade, complicações.
SUMMARY
CESAREAN SECTION IN CATTLE: COMPLICATIONS AND REPRODUTIVE EVALUATION
The objective of this work was to evaluate the main current
complications of the Cesarean section and some reproductive parameters in
bovine females. After the general clinical examination and specific exam of the
maternal passages, 50 animals were submitted to Cesarean in right lateral
decubitus. Local anesthetic was used and cloridrate of xylazin was used after
taking out the fetus. The incision was accomplished among the udder, the knee’s
pleat and the abdominal superficial vein; the suture was made with categut and
thread of cotton 000. The postoperative consisted of antibiotic therapy and
local healing. Dystocias were currently: anomalous position of the fetus, twin
delivery, absolute and relatively big fetuses, fetal monsters and partial
uterine torsion. Related to the fetuses, 24 were born alive and 26 were dead,
which 14 were emphysematous fetus; two cows died and nine were culled out. It
can be concluded that the main operative complications observed in this
research were retention of fetal membranes (44%), clinical metritis (48%),
associated retention and metritis (26%), wound dehiscence (6%) and edema (6%).
Cesarean section caused an increase of the service period and the medium number
of services for conception of the operated females.
KEY WORDS: Cattle, cesarean section, fertility, complications.
INTRODUÇÃO
A modernização das criações de bovinos, decorrente da introdução de novas raças mais especializadas e precoces, tem melhorado os índices de produtividade. Por outro lado, a ocorrência de partos distócicos tem aumentado visivelmente. Um dos procedimentos mais freqüentemente adotados para solucionar essa complicação é a intervenção cirúrgica. A principal indicação são os partos distócicos que colocam em risco a vida da parturiente e do feto. (Cattell & Dobson, 1990). Esse tipo de tratamento tem como fator limitante as condições econômicas do criador e o valor do animal.
A cesariana é um procedimento cirúrgico que pode ser realizado com o animal em posição quadrupedal ou em decúbito, sendo indicado para vacas cujas distocias materno e/ou fetal não podem ser corrigidas com o uso de substâncias lubrificantes, ou quando a extração forçada colocar em risco a sobrevivência do bezerro e da vaca. Uma outra indicação é a presença de bezerro vivo ou a inadequada dilatação cervical, restringindo o uso da fetotomia (Campbell & Fubini, 1990).
Nash (1993) reporta a sobrevivência de 77 bovinos submetidos à cesariana. O sucesso da operação foi atribuído principalmente à indicação e aos procedimentos cirúrgicos corretos. A intervenção precoce, a experiência do cirurgião, a técnica cirúrgica utilizada e o uso intraperitoneal de antibióticos também podem contribuir para a sobrevivência das fêmeas. Para Parish et al. (1995), a laparotomia oblíqua esquerda é um acesso cirúrgico alternativo para a realização da cesariana, permitindo uma rápida exteriorização do corno gravídico, além de poder ser utilizado em animais sob posição quadrupedal.
Vanghan & Mulville (1995) avaliaram, por meio de questionários enviados a cirurgiões, a sobrevivência de bovinos submetidos à cesariana. Estimou-se que, de um total de 60.195 atendimentos anuais, 17% foram referentes à cesariana. A indicação mais freqüente para a operação foi a desproporção fetal (76%), seguida de vacas com pelve reduzida (22%). As peritonites e os choques foram considerados as causas mais significantes de mortalidade pósoperatória. A taxa estimada de prenhez após a cirurgia foi em média de 62,4% (±19,3). A maioria dos cirurgiões entrevistados preferiu a posição quadrupedal, por parecer menos estressante para o animal, por requerer menor assistência para contenção e por ser mais confortável para o cirurgião. Contudo, alguns preferiram conter o animal em decúbito, porque esta posição facilita a exteriorização do útero e reduz o risco de o animal cair durante a operação. Cattell & Dobson (1990) pesquisaram a freqüência de cesarianas e relataram que os animais mais comumente operados foram novilhas da raça Holandesa. Em 38% dos casos, a indicação cirurgica deveu-se à desproporção do bezerro, sendo que 84% das operações foram realizadas nas fazendas de origem. A maioria das fêmeas foi operada em posição quadrupedal, usando incisão no flanco esquerdo, anestesia paravertebral ou anestesia local. A exteriorização do útero não pareceu ser essencial, exceto quando o bezerro estava morto.
Barkema et al. (1992) estudaram a fertilidade, a produção e o descarte em bovinos leiteiros que foram submetidos à cesariana e verificaram que o aumento do número de casos pode ser atribuído ao uso freqüente de raças de corte ou de dupla musculatura nos cruzamentos. A incidência é maior na primeira cria, especialmente quando a idade na época do parto for inferior a 730 dias. Fatores como bezerro do sexo masculino, longo período de gestação, prenhez resultante das raças de dupla musculatura e histórico de partos por cesariana contribuíram para o aumento dessa operação. A mortalidade para bezerros, incluindo os natimortos, dentro de 24 horas após o nascimento, foi de 12,4%, comparada com 5,2% do controle. A porcentagem de vacas descartadas na lactação seguinte foi de 48,4% para vacas com cesariana e 26,5% para vacas controle. Para Moyaert & Vandeplasche (1986), a fertilidade pós-cesariana fica reduzida e a incidência de endometrites, retenção de placenta (Dehghani & Fergusson, 1982; Bailey et al., 1986) e aborto (Bouters & Vandeplassche, 1986) estão aumentadas. A cesariana pode aumentar o intervalo entre partos (Zimmermann, 1976; Dehghani & Fergusson, 1982; Bailey et al. 1986) e a taxa de descarte (Bailey et al. 1986). Rougoor et al.(1994) avaliaram os custos da cesariana em bovinos leiteiros, calculando a média total de perdas de US$ 942,3 por operação.
Segundo Campbell & Fubini (1990) as complicações pós-operatórias mais freqüentes são as aderências uterinas, que podem resultar em aumento dos intervalos entre partos e concepção e em decréscimo na produção de leite. Dentre as complicações, a peritonite é a mais comum nas operações de cesariana. A incidência tende a crescer quando ocorre morte fetal, presença de feto enfisematoso e ruptura uterina. A excessiva manipulação e a tração do útero podem causar hemorragias no ligamento largo. A fadiga miometrial pode causar retenção de envoltórios fetais e promover metrite devido ao decréscimo da contratibilidade.
O objetivo deste trabalho foi detectar as principais complicações decorrentes da cesariana em bovinos de diversas raças e idades e avaliar parâmetros relacionados à fertilidade da fêmea, no período subseqüente à cirurgia.
MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo utilizaram-se 50 fêmeas bovinas, com idade variando entre dois e nove anos, mestiças, das raças Gir, Nelore, Guzerá, Holandesa, Jersey, Santa Gertrudes, Tabapuã, Blondd’Aquitaine,Simental,Limousin,Indubrasil, Pardo Suíça e Charolesa (Tabela 1), provenientes de diversas propriedades rurais. As intervenções cirúrgicas foram realizadas no período de março de 1985 a março de 1997.
Precedendo as cirurgias, realizou-se o exame clínico geral segundo Rosenberger (1993), para avaliar as condições de saúde dos animais e o exame específico, por meio de palpação retal e/ou vaginal, para avaliar a largura e a abertura das vias fetais, bem como a estática fetal. Todas as vacas foram submetidas à operação cesariana, sendo que em 45 delas havia indicação clínica e em cinco a cirurgia foi realizada experimentalmente. A contenção foi realizada em decúbito lateral direito com os membros estendidos. O membro pélvico esquerdo foi tracionado e elevado do solo até atingir uma angulação de aproximadamente 45°.
O campo cirúrgico foi preparado seguindo normas de anti-sepsia, utilizando aproximadamente 60 ml de cloridrato de lidocaína a 2%1 na anestesia local. Após a retirada do feto utilizouse, nas vacas com temperamento mais agressivo, o cloridrato de xilazina2 na dose de 0,05 a 0,1 mg/kg de peso corpóreo. Nas fêmeas que apresentavam sinais clínicos de acidose ou toxemia realizou-se a cirurgia utilizando apenas anestesia local. A incisão foi realizada entre o úbere, a prega do joelho e a veia superficial abdominal, conforme recomendação de Arthur (1979).
O útero foi suturado com categute simples3 (Lazzeri, 1994) e a parede abdominal com fio de algodão 0004 em pontos separados simples, sem envolver o músculo retoabdominal.
No período pós operatório, utilizaram-se antibióticos à base de oxitetraciclina5, penicilina6 ou enrofloxacina7 por via intramuscular, durante sete dias. Nas vacas com fetos enfisematosos optou-se pela aplicação intra-abdominal do cloranfenicol8 e intra-uterina de nitrofurazona9. Na ferida cirúrgica utilizou-se diariamente pomada à base de óxido de zinco e sulfanilamida10 até a completa cicatrização. Os pontos foram removidos entre dez e doze dias do período pósoperatório.
Para a avaliação subseqüente, foi preenchida uma ficha contendo informações a respeito da duração e das complicações do período de cicatrização, ocorrência ou não de retenção de envoltórios fetais, surgimento de metrite clínica, período de serviço e número de serviços das fêmeas e a data do próximo diagnóstico positivo de prenhez.
Na maioria dos casos clínicos atendidos, o feto havia sido manipulado, ou seja, já tinha sido tentada a extração forçada, sendo que em algumas propriedades a assistência veterinária foi solicitada somente após a tentativa fracassada de retirada do feto utilizando-se da força de tração animal e/ou automotiva. Apesar de Campbell & Fubini (1990) recomendarem a extração forçada em partos distócicos, desde que essa manobra obstétrica não coloque em risco a vida da parturiente e do feto, o insucesso dessa prática deveu-se possivelmente ao fato da manobra não ter sido realizada por técnico especializado. Essa conduta pode ter contribuído também para aumentar as complicações pós-operatórias.
Durante o exame obstétrico dos bovinos atendidos, a avaliação da estática fetal de 36 animais revelou 1 caso de apresentação transversal e posição dorsoventral (2,8%); 7 desvios laterais da cabeça (19,5%); 5 desvios laterais da cabeça com os dois membros torácicos flexionados (13,9%); 1 apresentação transversal e posição dorsodorsal (2,8%); 2 partos gemelares (5,5%); 3 fetos absolutamente grandes (8,3%); 14 fetos relativamente grandes (38,9%); 2 monstros .fetais (5,5%) e 1 torção parcial de útero (2,8%). Para Cattell & Dobson (1990), 38% das indicações cirúrgicas em novilhas da raça Holandesa devem-se à desproporção do bezerro, com o que concordam Vanghan & Mulville (1995), com relação a 76% dos animais operados. Já Campbell & Fubini (1990) relataram como desordens maternais mais comuns a pelve e o trato genital proporcionalmente pequeno, a deformidade da pelve, a falha na dilatação cervical, a torção uterina, a hidropisia e a paralisia pré-parto. Por outro lado, as complicações de ordem fetal mais freqüentes são: feto de tamanho grande, feto com alterações patológicas, má posição fetal, fetos anormais, anasarca fetal, Shistosomus reflexus, hidrocéfalos, feto mumificado e gestação prolongada (Campbell & Fubini, 1990). Nesse trabalho, a presença de fetos absoluta e relativamente grandes representou 34% das indicações cirúrgicas e foi observada, principalmente, em fêmeas com conformação e tamanho inadequados, utilizadas como receptoras em programas de transferência de embriões. Quanto às complicações de ordem fetal, as observadas com maior freqüência nesse estudo foram resultantes de má posição fetal (28%) e de fetos com anomalias (4%), o que é respaldado pelas citações de Arthur (1979), Grunert & Birgel (1984) e Campbell & Fubini (1990).
Os resultados encontrados, com relação à condição do feto, eliminação de envoltórios fetais, presença de metrite, período de serviço e número de serviços por concepção, estão resumidos na Tabela 1.
Quanto aos fetos, observou-se que 26 nasceram mortos, dentre esses 14 estavam enfisematosos, o que representou 54% dos casos de fetos mortos. Apesar de Alvarenga (1974) contra-indicar a cesariana nos casos de septicemia, ruptura uterina e feto enfisematoso, optou-se pela cesariana porque o estado geral dos animais era bom e a largura do canal cervical era insuficiente para a realização da fetotomia.
Para Alvarenga (1974), a cirurgia pode ser realizada no flanco e na região ventrolateral esquerda. Na primeira, a posição quadrupedal é a preferida, devendo a fêmea apresentar condições de manter-se em pé; todavia, nas vacas debilitadas em que o decúbito durante a cirurgia é previsível, é conveniente realizar a operação por abordagem ventrolateral esquerda. No presente estudo os motivos que contribuíram pela opção da abordagem ventrolateral esquerda foram principalmente o precário estado geral do animal, a possibilidade de decúbito durante a cirurgia e o temperamento mais agressivo das raças azebuadas, bem como a dificuldade para exteriorização do útero quando a abordagem é feita pelo flanco, sobretudo na presença de fetos enfisematosos. Geralmente a demora na solicitação do atendimento veterinário e a intervenção nos partos distócicos realizadas por leigos podem resultar em contaminação intra-uterina dos fetos e em conseqüente morte.
No estudo realizado ocorreram somente dois óbitos (4%), decorrentes de peritonite. São vários os fatores envolvidos no estabelecimento da taxa de mortalidade materna, decorrente da cesariana. Para Campbell & Fubini (1990), as posições quadrupedal, decúbito dorsal, decúbito lateral, bem como a experiência e a confiança do cirurgião, são fatores considerados importantes no sucesso da operação cesariana. Segundo Bavera (1971), em condições normais a mortalidade não atinge níveis superiores a 2%. Cattell & Dobson (1990) encontraram taxa de mortalidade pós-cesariana de 9%. Para Fraser & Perkins (1995), a taxa esperada de mortes de 10% é considerada baixa, considerando que a condição da vaca antes da cirurgia é o maior determinante; animais que têm trabalho de parto por mais de 18 horas, que possuem feto em decomposição, atonia uterina e apresentam sinais de endotoxemia podem ter taxa de mortalidade de aproximadamente 40%. Diante desses dados, pode-se considerar que a taxa de mortalidade encontrada nesse trabalho foi baixa e deveu-se não somente às distocias de ordem fetal, mas, principalmente, à demora na intervenção, ao estado de saúde regular das parturientes, à má condução do período pós-operátorio, à presença de feto enfisematoso e, sobretudo, à peritonite.
Quando a operação cesariana foi realizada na presença de fetos grandes e enfisematosos, houve necessidade de ampliar a incisão e, no caso de o abdômen apresentar-se muito distendido, fixava-se um ponto no peritônio antes de completar a incisão, para facilitar a sua identificação no momento da reconstituição da parede abdominal, uma vez que a retração nessa situação é inevitável. Alves et al. (1983), em um trabalho com cesariana em bovinos, também recomendam esse procedimento como rotina. Outros fatores como irrigação sanguínea, obesidade e tamanho do úbere também devem ser levados em consideração na operação cesariana, pois podem interferir no ato cirúrgico, limitando a incisão e influenciando na cicatrização (Campbell & Fubini, 1990).
Para facilitar o exame obstétrico ou a tentativa de correção da estática fetal utilizou-se em todos os casos clínicos a anestesia peridural, conforme recomenda Arthur (1979). Menárd & Diaz (1987) utilizaram o clembuterol para facilitar o manejo corretivo nos casos de distocia que requeriam a indicação de cirurgia obstétrica, considerando a droga segura e eficaz. Já Calkett et al. (1993) recomendaram nesses casos o cloridrato de xilazina, por ser analgésico, sedativo e relaxante muscular e por possuir ação central sobre o sistema nervoso autônomo. No estudo realizado preteriu-se o cloridrato de xilazina antes da retirada do feto devido à possibilidade de a droga provocar depressão do sistema cárdio-respiratório e resultar na morte do recém-nascido. Já a utilização somente de anestesia local nas fêmeas em que o estado geral estava mais comprometido, devido à presença de sinais clínicos de acidose ou toxemia, contribuiu para a não-ocorrência de óbitos durante o período transoperatório.
Além da avaliação clínica favorável, o critério para a indicação da cesariana nos animais do presente estudo foi o de que deveriam encontrar-se naturalmente em posição quadrupedal. Bavera (1971) relata que como regra geral deve-se efetuar a operação cesariana unicamente em vacas que se encontrem de pé e que o êxito das intervenções parece aumentar quando o animal consegue se levantar imediatamente após concluída a operação. O autor é contrário ao uso de anestesia epidural e tranqüilizantes, recomendando somente o uso de anestesia local na área de incisão, pois tais procedimentos podem impedir que o animal fique de pé após a cirurgia. Nesse trabalho, a anestesia peridural utilizada e a tranqüilização com o cloridrato de xilazina na dose de 0,05 a 0,1mg/kg de peso corporal não impediram as vacas de se levantarem logo após a operação.
A antibioticoterapia à base de oxitetraciclina, penicilina ou enrofloxacina, por via intramuscular, foi utilizada no pós-operatório por um período de sete dias, uma vez que não se deve limitar a administração de antibióticos ao período durante o qual ainda persistem os sinais e sintomas que justificaram sua indicação; como regra, os antibióticos não devem ser usados por períodos mais curtos que uma semana (Amato Netto et al., 1985). Essa conduta foi fundamental para a recuperação dos animais, uma vez que todas as cirurgias foram realizadas a campo. A opção pelo uso do cloranfenicol intra-abdominal nas vacas com fetos enfisematosos baseou-se no aspecto econômico e na sua ação sobre os microrganismos Gram-negativos, especialmente os clostrídios (Paiva Netto, 1989), que geralmente contaminam a cavidade abdominal por ocasião da realização dessas cesarianas. Por outro lado, a infusão uterina da nitrofurazona objetivou a redução da incidência de infecções uterinas, não alcançando o resultado esperado, já que 24 bovinos (48%) apresentaram metrite clínica. Considerou-se importante a aplicação de ungüentos na ferida cirúrgica com a finalidade de promover a cicatrização clínica, pois foi observado apenas um caso de miíase e três de deiscência de ferida.
As principais complicações pós-operatórias observadas nesse estudo foram: retenção dos envoltórios fetais em 22 fêmeas (44%), metrite clínica em 24 (48%), retenção associada à metrite em 13 (26%), deiscência de ferida em 3 (6%), peritonite em 3 (6%) e edema em 3 (6%). Bavera (1971) relata que normalmente não existem problemas com retenção de envoltórios fetais após a operação cesariana e cita como complicações as miíases e os abcessos. Para Houding (1987), o tétano é uma complicação freqüente no pós-operatório e para Heuweiser et al. (1993) e Stocker & Waecchli (1993), a mais importante é a retenção de envoltórios fetais. A demora no atendimento veterinário, a manipulação da parturiente por pessoas inabilitadas, a presença de fetos mortos e enfisematosos e de atonia uterina foram os fatores que mais provavelmente contribuíram para que ocorressem as retenções de envoltórios fetais e as metrites. Possivelmente, a redução gradativa dos níveis séricos de ocitocina nesse tipo de parturiente também contribuiu para a retenção dos envoltórios fetais. Uma observação adicional, não considerada como complicação subseqüente à cesariana, foi a rejeição de 6 (12%) dos 24 bezerros nascidos vivos, nos primeiros dias após a cirurgia.
Após a cesariana, 30 fêmeas (60%) ficaram prenhes com período de serviço médio de 152 dias e número médio de serviços de 4 (±1,0). Cattell & Dobson (1990) observaram que os índices de fertilidade não foram marcadamente afetados, mas a produção de leite ficou reduzida a níveis de 12% do potencial de produção estimado. Já para Moyaert & Vanderplasche (1986) a fertilidade fica reduzida e para Fraser & Perkins (1995) a futura fertilidade de animais submetidos à cesariana depende das complicações pós-operatórias envolvendo o trato reprodutivo, incluindo metrites, endometrites crônicas, salpingites, bursites, peritonites e aderências. Todavia, esses autores não quantificaram os índices de comprometimento da fertilidade como foi registrado no presente estudo. As fêmeas avaliadas neste estudo apresentaram desempenho reprodutivo insatisfatório após a cesariana, pois segundo Roberts (1979), 70% das fêmeas devem conceber no primeiro serviço, com média de 1,3 a 1,7 serviços por concepção, e o intervalo entre partos deve ser de 12 a 13 meses, sendo que a cada dia que a vaca permanece vazia há um prejuízo de 0,5 a 0,75 dólares.
Dentre as vacas que sofreram intervenção cirúrgica 20% foram vendidas, destas quatro estavam prenhes e seis vazias. A comercialização desses animais foi resultado, principalmente, do alto número de serviços, da prenhez negativa e da rejeição do bezerro após o nascimento. Alguns proprietários constataram que mesmo nas fêmeas que aceitaram as crias houve uma aparente redução na produção de leite durante todo o período de lactação. Barkema et al. (1992) investigaram os efeitos da cesariana na mortalidade de bezerros, fertilidade, produção de leite e descarte de animais em 35 propriedades leiteiras na Alemanha e relataram acréscimo na taxa de mortalidade de bezerros de vacas submetidas à operação cesariana, aumento no intervalo do primeiro serviço para concepção e redução no risco de retenção de envoltórios fetais quando comparado com vacas-controle. A produção de leite acumulada para 100 dias foi menor e o risco de descarte maior para vacas submetidas à cesariana que para as do grupo-controle.
O maior número de intervenções cirúrgicas ocorreu entre os meses de abril a setembro. Nesse período, independente do ano, 32 vacas (64%) foram operadas. Os fatores que provavelmente contribuíram para que ocorresse um maior número de cesarianas nessa época foram o direcionamento do parto pelo criador devido à redução nos índices de mortalidade de bezerros, a política de comercialização do leite e a escassez de alimentos na Região Centro-Oeste, durante o período de estiagem. Segundo Barkema et al. (1992) os problemas reprodutivos após a cesariana manifestam-se aumentando o intervalo para o primeiro serviço para concepção e em alto percentual de vacas descartadas devido a problemas de fertilidade. Os achados sugerem que, nas condições de manejo das propriedades leiteiras da Alemanha, a cesariana pode não ser desejável. Perdas na produção de leite, fertilidade prejudicada, aumento na taxa de descarte e mortalidade perinatal são os efeitos negativos mais observados. Os meios mais efetivos para minimizar o número de cesarianas são: 1) evitar um longo período seco; 2) impedir a cobertura das vacas que já foram submetidas à cesariana; 3) selecionar touros de tamanho compatível com as fêmeas utilizadas.
CONCLUSÕES
Ao final do trabalho foi possível concluir que as principais complicações pós-operatórias observadas foram: retenção dos envoltórios, metrite clínica, retenção associada à metrite, deiscência de ferida, peritonite e edema. Duas vacas morreram e dez foram descartadas. O desempenho reprodutivo das fêmeas avaliadas foi considerado insatisfatório, pois o período médio de serviço foi de 152 dias e o número médio de serviços foi de quatro.
NOTAS
1. Anestésico Pearson-Pearson-Rio de Janeiro-RJ
2. Rompun-Bayer Saúde Animal-São Paulo –SP
3. Categute – Brasmédica –São Paulo –SP
4. Fio Urso 000 – JP & Coats
5. Terramicina LA – Lab. Pfizer Ltda – Guarulhos – SP
6. Pencivet –Hoeschst Roussel Vet. -Fortaleza -CE
7. Flotril 10% -Schering Plough Vet. – Rio de Janeiro -RJ
8. Quemicetina injetável -Schering Plough Vet. – Rio de Janeiro -RJ
9. Furacin pomada -Schering Plough Vet. – Rio de Janeiro -RJ
10. Ungüento Vallée – Vallée Nordeste S.A.-São Paulo –SP
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