DOI: 10.5216/cab.v14i4.22964


AVANÇOS NA CRIOPRESERVAÇÃO DO SÊMEN OVINO I: DILUIDORES E CRIOPROTETORES

Rodrigo Freitas Bittencourt1, Eunice Oba2, Antônio de Lisboa Ribeiro Filho1, Marcos Chalhoub1, Hymerson Costa Azevedo3, Sony Dimas Bicudo2


1Professores Doutores da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil - rfbvet@yahoo.com.br
2Professores Doutores da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
3Pesquisador Doutor da EMBRAPA Tabuleiros Costeiros, Aracaju, SE, Brasil.


RESUMO
A eficácia da utilização de sêmen ovino congelado em programas de inseminação artificial necessita do desenvolvimento de diluidores e protocolos de congelação que melhorem a taxa de gestação das fêmeas inseminadas. Este trabalho tem como objetivo fazer um levantamento dos principais diluidores, aditivos, crioprotetores penetrantes e não penetrantes que veem sendo empregados, visando incrementar os níveis de manutenção dos parâmetros espermáticos, após o processo de congelação-descongelação. Pode-se considerar que índices superiores de viabilidade do sêmen ovino pós-descongelação podem ser obtidos com alterações na composição do meio de congelação, seja com ajustes dos seus componentes, seja com a introdução de aditivos que inibam a ocorrência de alterações espermáticas durante o processo de criopreservação. Para tanto, as possíveis modificações propostas devem contemplar as características intrínsecas do sêmen da espécie e a variabilidade individual entre animais. É importante ressaltar que um adequado processo de criopreservação do sêmen necessita que todas as etapas sejam conduzidas de forma integrada, para que, dessa forma, sejam maximizados os índices de fertilidade do sêmen ovino congelado.
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PALAVRAS-CHAVE: aditivos; crioagentes; Ovis aries; sêmen congelado.

ADVANCES IN CRYOPRESERVATION OF RAM SEMEN I: EXTENDERS AND CRYOPROTECTANS

ABSTRACT
The effectiveness of using frozen sheep semen in artificial insemination programs requires the development of extenders and freezing protocols that will increase pregnancy rate of inseminated females. This work aimed to survey the main extenders, additives and external and internal cryoprotectants that have been employed to improve the maintenance levels of sperm parameters after the freezing-thawing process. Better rates of post-thawing sheep sperm viability may be obtained with changes in the freezing extender composition, whether by the adjustment of its components or by introducing additives that inhibit the occurrence of sperm changes during the cryopreservation process. Thus, the possible changes proposed must take into consideration the intrinsic characteristics of ram semen and the individual variability among animals. It is important to emphasize that the sperm cryopreservation effectiveness requires that all process steps are conducted in an integrated manner, to maximize the fertility rate of frozen ram semen.
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KEYWORDS: additives; cryoagents; frozen semen; Ovis aries.


INTRODUÇÃO

O advento do sêmen congelado trouxe uma nova dimensão para a inseminação artificial, possibilitando, de forma maximizada, o melhoramento genético dos rebanhos, pela capacidade de aumentar a progênie por macho e em diversos lugares simultaneamente (LEBOEUF et al., 1998), além de criar a possibilidade de manipulação e armazenamento de material genético (LEBOEUF et al., 2000).
O crescimento da inseminação artificial tem ocorrido paralelamente ao desenvolvimento da tecnologia para utilização de sêmen congelado, cujo uso tem sido limitado devido aos baixos índices de fertilidade conseguidos com a inseminação intracervical nos ovinos (MAXWELL & WATSON, 1996).
Nos últimos 50 anos, desde o primeiro relato mundial de congelação do sêmen ovino (ARAÚJO, 1955), os investimentos nessa tecnologia têm sido vultuosos, porém a solução ideal para o uso do sêmen congelado nessa espécie ainda não foi obtida nem se popularizou com resultados reproduzíveis (MORAES, 2003). Os baixos índices de fertilidade das fêmeas inseminadas com sêmen congelado podem ser melhorados com os avanços positivos alcançados na técnica de inseminação artificial e, principalmente, com as melhorias que ainda podem ser implementadas nos protocolos e diluidores de preservação de sêmen (AISEN et al., 2005; CSEH et al., 2012).
Assim, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de revisar os principais diluidores, crioprotetores externos e internos utilizados para a criopreservação do sêmen ovino, apresentando possibilidades e alternativas que podem ser utilizadas para melhorar a eficiência e aplicabilidade da técnica na espécie.

DILUIDORES DE CONGELAÇÃO

Os índices de fertilidade do sêmen ovino congelado ainda podem ser implementados com mudanças, principalmente, nos aspectos que envolvem a técnica de criopreservação, como, por exemplo, o desenvolvimento de diluidores melhorados (AISEN et al., 2005). Em geral, o diluidor de congelação adequado deve ter uma pressão osmótica compatível com a do sêmen; balanço apropriado de elementos minerais; combinação equilibrada de nutrientes para o fornecimento de energia e manutenção da motilidade espermática; neutralização de produtos tóxicos produzidos pelos espermatozoides e equilíbrio do pH do meio; proteção contra mudanças de temperatura, especialmente contra o frio; estabilização dos sistemas enzimáticos e integridade das membranas conferida por macromoléculas que as estabilizarão e minimizarão o extravazamento de íons e enzimas (AMANN & PICKET, 1987).

Diluidores convencionais

Os diluidores usados para a preservação espermática, de uma forma geral, devem ter pH adequado, capacidade de proteção e manutenção da viabilidade celular, osmolaridade adequada e, ainda, capacidade de proteger o espermatozoide de injúrias criogênicas (SALAMON & MAXWELL, 2000). Diversos diluidores para congelação do sêmen ovino têm sido testados e utilizados. Os mais comuns são aqueles à base de glicina-gema, glicina-gema-leite (GONZALEZ et al., 1999), água de coco (NUNES, 1998), citrato-açúcar-gema, leite ou leite desnatado, lactose, sacarose, rafinose e os formulados com TRIS-gema de ovo (SALAMON & MAXWELL, 2000). O diluidor formulado a partir da gema de ovo é o mais utilizado para a preservação do sêmen ovino e advém de um diluidor formulado para congelação do sêmen bovino (DAVIS et al., 1963).
EL-ALAMY & FOOT (2001), em trabalho com ovinos, ao compararem a eficácia dos meios diluidores TRIS-gema de ovo e leite integral, não encontraram diferenças significativas para os parâmetros espermáticos avaliados pós-descongelação. No entanto, GIL et al. (2000a) demonstraram melhores índices de viabilidade espermática quando o sêmen ovino foi congelado em meio à base de leite de vaca e suplementado com quantidades reduzidas de gema de ovo (5%), comparado ao sêmen congelado com meio TRIS e 20% gema de ovo. De fato, ao suplementarem o meio à base de leite com diferentes concentrações de gema (5, 10, 15 e 20%), GIL et al. (2003b) não encontraram efeito benéfico com a utilização da gema em quantidades superiores a 10%.
Um trabalho recente (NALLEY & ARIFIANTINI, 2011) demonstrou que a utilização de diluidor a base de gema de ovo, proveniente de galinhas suplementadas com ômega-3, proporcionou melhores índices de congelabilidade do sêmen ovino, quando comparado com diluidores formulados com ovo comercial ou de galinha caipira (nativa). Os autores justificam esse achado sugerindo que a gema de ovo das galinhas suplementadas, por apresentarem uma maior concentração de ômega-3, um ácido graxo poli-insaturado, pode ter propiciado maior proteção da membrana plasmática durante a criopreservação.
D’ALESSANDRO et al. (2001) verificaram que a eficácia do diluidor estava relacionada à concentração espermática na dose inseminante, obtendo melhores índices de congelabilidade do sêmen ovino com o diluidor à base de lactose leite-gema em maiores concentrações espermáticas (100-500 x 106 espermatozoides/0,25 mL), enquanto o meio TRIS frutose gema apresentou melhores resultados para as menores concentrações espermáticas (50 x 106 espermatozoides/0,25 mL).
Uma estratégia para melhorar o efeito crioprotetor dos meios à base de gema de ovo é a incorporação de emulsificantes, cuja função é aumentar a disponibilidade dos fosfolipídios da gema de ovo, melhorando, assim, a sua capacidade de proteger a membrana plasmática dos espermatozoides contra o choque térmico pelo frio e as alterações promovidas pelo processo de criopreservação (ROTA et al., 1999). A introdução de substâncias emulsificantes, como o dodecil e lauril sulfato de sódio ao meio de congelação, tem melhorado os índices qualitativos, sobrevivência e longevidade dos espermatozoides pós-descongelação de cães (PEÑA et al., 2002), equinos (FÜRST, 2005), caprinos (BITTENCOURT et al., 2008a) e ovinos (OLIVEIRA & NEVES, 1988; EL-ALAMY & FOOTE, 2001; MAIA et al., 2005).
O OEP (orvus es paste - Equex) foi testado por MAIA et al. (2005) no diluidor de congelação do sêmen ovino. Os autores compararam a congelabilidade do sêmen ovino em um diluidor à base de TRIS-gema de ovo com 0%, 0,5% e 1% de OEP. Esse estudo demonstrou que a adição do OEP aumentou (P<0,05) a motilidade total e progressiva dos espermatozoides em relação ao meio sem detergente. No diluidor TRIS, as motilidades total e progressiva foram de 34% e 24%, respectivamente, enquanto no meio TRIS com 0,5% de Equex foram 65% e 39% e no TRIS com 1% foram 70% e 39%. Esses resultados demonstram o efeito benéfico da utilização do detergente na congelação do sêmen ovino.
Resultados positivos com a utilização de emulsificantes no meio de congelação do sêmen ovino também foram observados por EL-ALAMY & FOOTE (2001) e OLIVEIRA & NEVES (1988), que verificaram maiores índices de células vivas, integridade acrossomal, motilidade progressiva e taxa de parição na comparação com o sêmen congelado com o meio sem o emulsificante. PEÑA & LINDE FORSBERG (2000), em trabalho com cães, e BITTENCOURT et al. (2008 a), trabalhando com caprinos, também demonstraram que o diluidor de congelação do sêmen que continha 0,5% de emulsificante promoveu melhores índices de sobrevivência pós-descongelação e após o teste de termorresistência (P<0,05). Entretanto, FOOTE & ARRIOLA (1987), trabalhando com sêmen de touro, relataram que a adição de detergente ao diluente à base de leite foi extremamente deletéria aos espermatozoides, resultando em redução da motilidade espermática pré-congelação e ausência da mesma após a congelação-descongelação.

ALTERNATIVAS PARA SUBSTITUIÇÃO DOS MEIOS À BASE DE LEITE E GEMA DE OVO INTEGRAL

Lipoproteína de baixa densidade

Trabalhos anteriores sugeriram que a lipoproteína de baixa densidade (LDL) seria a molécula que conferiria o efeito crioprotetor à gema de ovo (PACE & GRAHAM, 1974; QUINN et al., 1980). A LDL é composta por um centro lipídico (triglicerídeos e colesterol) rodeado por um filme de fosfolipídios e proteínas (90% de lipídios e 10% de proteínas) (COOK & MARTIN, 1969). A partir de então, iniciaram-se os estudos para extração dessa fração da gema de ovo para a congelação do sêmen de diferentes espécies, tendo-se como referência o trabalho de MOUSSA et al. (2002), que padronizaram uma técnica de extração de alta aplicabilidade, elevada eficiência e grau de pureza (97%). Esse mesmo estudo determinou que a concentração de LDL no diluidor ideal é de 8%, superior aos meios à base de lecitina de soja e gema de ovo.
O efeito protetor da LDL é justificado, pois, com o processo de congelação, essas moléculas se rompem fornecendo fosfolipídios e colesterol à membrana plasmática, conferindo estabilidade e inibindo as crioinjúrias derivadas do processo, além de se ligar a algumas proteínas do plasma seminal inibindo sua toxicidade (MOUSSA et al., 2002). Na concentração de 8%, além de melhores índices de motilidade, integridade da membrana plasmática e acrossomal, a LDL ainda favorece maior atividade dos antioxidantes seminais, em comparação com outras concentrações e meios à base de gema de ovo integral (HU et al., 2011).
Trabalhos demonstraram que a LDL extraída da gema pode ser submetida à radiação gama, com o intuito de minimizar a carga microbiana, sem alterar a sua composição (PILLET et al., 2011).
Assim, os índices de viabilidade espermática e fertilidade têm sido superiores ou semelhantes quando a LDL é utilizada em substituição à gema de ovo para congelar o sêmen de diferentes espécies como bovinos (MOUSSA et al., 2002), equinos (PILLET et al., 2011), suínos (HU et al., 2009) e caninos (BENCHARIF et al., 2008) e, assim, potencialmente, poderia ser uma alternativa para a congelação do sêmen de ovinos. Com este objetivo, MOUSTACAS et al. (2011) trabalharam com a LDL nas concentrações de 8, 12, 16 e 20%, em substituição à gema de ovo integral na concentração de 16%, liofilizada ou não. Os autores não verificaram diferenças entre o grupo controle com gema integral e os grupos com LDL natural, embora a liofilização não tenha proporcionado resultados satisfatórios. Assim, torna-se uma alternativa importante para a criopreservação de sêmen ovino, especialmente se a LDL for submetida a técnicas de esterilização, previamente à sua incorporação nos meios diluidores.

Diluidores à base de albumina sérica bovina (BSA)

Apesar do efeito positivo da utilização da gema de ovo nos diluidores para a manutenção da viabilidade espermática pós-descongelação, esse componente tem o inconveniente de apresentar falta de padronização, devido à grande variação na sua composição (GIL et al., 2003a), bem como os riscos de contaminação bacteriana (BOUSSEAU et al.,, 1998). Esses fatos estimularam o desenvolvimento de diluidores quimicamente definidos, ou semi-definidos, formulados à base de lecitina de soja ou albumina sérica bovina, em substituição à gema de ovo nos meios de congelação do sêmen ovino (GIL et al., 2000a; GIL et al., 2003a; MATSUOKA et al. 2006; FUKUI et al, 2007).
MATSUOKA et al. (2006) avaliaram diferentes concentrações de BSA (0; 0,3; 15; 10 e 15%) no meio de congelação do sêmen ovino, sem gema de ovo. O sêmen congelado com 10 e 15% de BSA apresentou os maiores índices de motilidade espermática pós-descongelação, em relação aos demais grupos estudados, inclusive quando comparado ao meio à base de frutose com 20% de gema de ovo.
Estes resultados estão de acordo com os observados em trabalhos recentes de FUKUI et al. (2007) e FUKUI et al. (2008), que, ao congelarem o sêmen de carneiros com os meios TRIS-gema de ovo (15%) ou BSA (10%) sem gema de ovo, obtiveram taxas de fertilidade semelhantes (64 e 66% com TRIS-gema versus 58 e 65% com BSA, respectivamente) das fêmeas inseminadas em tempo fixo, via intra-uterina. Esses achados indicam que a BSA pode substituir integralmente a gema de ovo nos meios de congelação do sêmen ovino, sem comprometer os índices de fertilidade.
Trabalho de GUTIÉRREZ et al. (2006) com sêmen ovino congelado demonstrou que a adição de 10% de BSA em meio contendo 50% de água de coco e 50% de solução de citrato de sódio a 2,9% possibilitou melhores índices de manutenção da viabilidade espermática pós-descongelação, quando comparado com meio sem BSA ou com este em maiores concentrações, entretanto, apesar da utilização de menores percentuais de gema de ovo que o convencional (14%), os autores não testaram a remoção completa da gema de ovo.

Diluidores a base de água de coco

A composição físico-química da água de coco proveniente de frutos de seis meses de maturarção, bem como seus efeitos sobre a fertilidade in vitro e in vivo do semen caprino e ovino foram estudados e avaliados (NUNES & SALGUEIRO, 1999). NUNES & COMBARNOUS (1995) isolaram o ácido 3 indol-acético na água de coco, verificando que a citada citocina apresentava uma ação benéfica sobre a motilidade e percentagem de espermatozoides móveis no sêmen de caprinos e ovinos incubados a 37°C.
Dessa forma, a água de coco vem sendo testada para conservação de sêmen de várias espécies e, nos últimos anos, várias comparações entre diluidores à base de água de coco e os convencionais têm sido conduzidas e os resultados extremamente positivos sugerem que aqueles podem substituir os meios à base de substratos de origem animal (NUNES, 1998). Além dessas vantagens, os meios à base de água de coco têm proporcionado um desvio da proporção entre sexos, sendo que, dos produtos nascidos, a maioria é de fêmeas (UCHOA et al., 2012). Os autores justificam esses achados baseando-se na hipótese de que os componentes da água de coco contribuem para uma redução do tempo de viabilidade dos espermatozoides Y.
Os meios à base de água de coco desidratada tornaram-se uma patente brasileira (ACP Serviços Tecnológicos, Ltda, ACP Biotecnologia, Fortaleza, Ceará, Brazil) e têm sido utilizados para a manutenção da viabilidade e fertilidade espermática em diferentes espécies, inclusive ovinos com resultados satisfatórios (NUNES & SALGUEIRO, 1999), e podem ser uma alternativa mais segura, especialmente quando utilizado sem a presença da gema de ovo. Entretanto, para a criopreservação espermática com os meios à base de água de coco reconstituída, é necessário acrescentar níveis variados de gema de ovo integral (SILVA et al., 2000), sendo então um fator ainda limitante para a sua utilização, quando se quer substituir os componentes de origem animal. Uma possibilidade é a substituição da gema de ovo integral pela LDL exposta à radiação gama, para redução da população de microorganismos, mas que ainda não foi testada.

Diluidores à base de substratos de origem vegetal

Os aditivos de origem animal (gema de ovo e leite) comumente adicionados aos diluidores de congelação de sêmen, representam um risco potencial para a contaminação do diluidor, caso alguns contaminantes (agentes microbianos) estejam no produto in natura. De fato, BOUSSEAU et al. (1998) ao realizarem análises microbiológicas em dois diluidores comerciais de congelação de sêmen, acrescidos de gema de ovo ou desta associada ao leite, demonstraram que todas as amostras estudadas, mesmo na presença de associações de antibióticos de largo espectro de ação (penicilina, estreptomicina, lincomicina, espectinomicina ou gentamicina, tilosina, lincomicina e espectinomicina) encontravam-se com contaminação moderada (10-60 CFU/mL) de agentes bacterianos ou destes associados à mycoplasma. Esse fator, mais a falta de padronização desses aditivos, que podem apresentar grande variação nas suas composições (GIL et al., 2003b), estimularam o desenvolvimento de diluidores comerciais formulados à base de lecitina de soja, como uma alternativa à utilização da gema de ovo e do leite (Biociphos® e Bioexcell®, IMV, L'Aigle, France) e com índices de fertilidade semelhantes àqueles do sêmen de bovinos e ovinos criopreservados com os meios convencionais (GIL et al., 2000b; GIL et al., 2003a; FUKUI et al., 2008).
Apesar dos resultados positivos obtidos com a utilização dos meios à base de lecitina de soja para a congelação do sêmen ovino e bovino, BITTENCOURT et al. (2008a) encontraram baixos índices de congelabilidade do sêmen de caprinos ao utilizarem o meio Bioexcell®. Os autores relataram taxas de motilidade espermática de 27% com este diluidor, valor inferior (P<0,05) ao observado com TRIS gema (47%) no mesmo trabalho e inferior também aos 56% relatados por GIL et al. (2003a). Contudo, é importante ressaltar as diferenças na metodologia empregada para a congelação do sêmen. Estes últimos autores utilizaram a metodologia rotineiramente empregada na Suécia com a diluição do sêmen em duas etapas, adicionando a fração do diluidor com glicerol somente após o resfriamento do sêmen à temperatura de 5oC, tanto para o diluidor Bioexcell quanto para o leite-gema de ovo. No estudo desenvolvido por BITTENCOURT et al. (2008a), para todos os grupos experimentais, foi utilizado o método de diluição em uma etapa, já com a concentração final de glicerol. Esse fato sugere que melhores resultados com a utilização do Bioexcell® para a congelação do sêmen podem ser obtidos empregando-se a diluição em duas etapas.
No trabalho com ovinos, desenvolvido por GIL et al. (2003a), comparando a eficácia do Bioexcell® em relação a um diluidor convencional à base de leite-gema de ovo, foram observados índices de fertilidade semelhantes entre as ovelhas inseminadas com o sêmen congelado nos diferentes protocolos. Taxas de fertilidade similares (P>0,05) também foram observadas por FUKUI et al. (2008) após inseminação das ovelhas com o sêmen congelado em meio TRIS gema (64%), BSA (58%) e a base de lecitina (56%) (Andromed®, Minitub, Tiefenbach, Alemanha). Em trabalho posterior, a mesma equipe (HIWASA et al., 2009), após induzir a superovulação das ovelhas, obtiver bons índices de estruturas fertilizadas (81%) e taxa de prenhez (72%), por meio de inseminação laparoscópica em tempo fixo com sêmen congelado com o Andromed®.
Ao comparar a fertilidade do sêmen congelado e refrigerado com dois diluidores comerciais à base de lecitina de soja, KHALIFA et al. (2013) obtiveram melhores (P<0,05) resultados de fertilidade com o Bioexcell® (77%), em relação ao Andromed® (66%). Nesse trabalho foram inseminadas mais de 600 ovelhas multíparas não lactantes. Os autores observaram a existência de interação entre o diluidor, idade do reprodutor e sua fertilidade. O sêmen de animais jovens (1,5 a 2,5 anos), congelado com Bioexcell, obteve melhores resultados do que o congelado com Andromed. Esse fato não se repetiu para animais mais velhos (4,5 a 5,5 anos). Já AKAY et al. (2012) não observaram diferenças significativas, quanto aos parâmetros espermáticos in vitro (motilidade, integridade das membranas plasmática e acrossomal), quando o sêmen foi congelado com Andromed ou Bioexcell.
GIL et al. (2003a) ressaltam que o diluidor à base de lecitina de soja, sem aditivos de origem animal, pode ser uma alternativa segura quando o sêmen congelado for utilizado para a introdução de um novo material genético em rebanhos diferentes e, principalmente, em um outro país.
Outro produto de origem vegetal que tem proporcionado resultados satisfatórios é o gel da Aloe vera sp. Que, na concentração de 5%, pode substituir integralmente a gema de ovo em meios de refrigeração do sêmen caprino (MELO et al., 2012). Trabalho de GUTIÉRREZ et al. (2006) com sêmen ovino congelado demonstrou que a adição de 40% de gel de Aloe vera em meio à base de 50% de água de coco e 50% de solução de citrato de sódio a 2,9%, proporcionou melhores níveis de congelabilidade, quando comparado com o meio sem Aloe vera; entretanto, apesar de a utilização de menores percentuais de gema de ovo que o convencional (14%), os autores não testaram sua remoção completa. Esses resultados ratificaram os encontrados por RODRIGUES et al. (1988) que observaram níveis semelhantes de fertilidade e número de embriões produzidos entre as fêmeas ovinas inseminadas com sêmen congelado em meio com 20% de gema de ovo e o meio experimental com 40% de gel de Aloe vera e apenas 6% de gema.
DEL VALLE et al. (2013) realizaram estudo recente, na tentativa de substituir a gema de ovo por substratos de origem vegetal no meio diluidor e testaram dois óleos vegetais como fonte de lipídios para o meio de congelação do sêmen ovino, o óleo de coco e o óleo de palma, em diferentes concentrações; entretanto, o sêmen congelado no diluidor com 20% de gema de ovo proporcionou os melhores resultados nos testes in vitro.

CRIOPROTETORES

Agentes crioprotetores são essenciais para a criopreservação de quase todos os sistemas biológicos (FAHY, 1986). Esses agentes devem ser adicionados aos diluidores seminais para possibilitarem a sobrevivência dos espermatozoides durante o processo de congelação e descongelação (AMANN & PICKET, 1987). Esses componentes são classificados como penetrantes, quando exercem sua ação crioprotetora dentro da célula, ou não penetrantes, cuja atividade de crioproteção ocorre fora da célula ou na sua superfície.

Crioprotetores penetrantes

Entre os crioprotetores espermáticos penetrantes, o glicerol (GL) é o mais utilizado, desde a demonstração da sua eficácia (SMITH & POLGE et al., 1950), e tem ação tanto intracelular como extracelular na proteção das estruturas celulares. O seu efeito crioprotetor é atribuído à sua propriedade coligativa ou de ligação com a água (SALOMON & MAXWELL, 1995), reduzindo a temperatura de congelação do meio intracelular (HAMMERSTEDT et al., 1990), prevenindo a formação de cristais de gelo. Também aumenta o volume de canais de solventes descongelados, dilui as altas concentrações de sais (SQUIRES et al., 1999) e diminui a pressão osmótica do meio resfriado (SALAMON & MAXWELL, 1995).
O GL tem sido o crioprotetor mais usado para a congelação de sêmen ovino. Para o sêmen congelado através do método convencional lento e com o uso, principalmente, de diluidores hipertônicos, a maioria dos estudos demonstra que as melhores concentrações de glicerol encontram-se entre 6% a 8% e para a congelação espermática rápida, pelo método de pellets, melhores taxas de sobrevivência espermática são atingidas com 3 a 4% de glicerol no diluidor (SALAMON &  MAXWELL, 2000).
Apesar de o GL ser o crioprotetor mais utilizado nos diluidores de congelação do sêmen ovino, alguns autores afirmam que a sua atividade crioprotetora sobre o espermatozoide é prejudicada pela sua atividade negativa sobre a viabilidade e fertilidade pós-descongelação (FAHY, 1986). Seus efeitos deletérios aos espermatozoides incluem estresse osmótico, mudanças na organização, fluidez e permeabilidade da membrana plasmática, assim como desorganização da sua composição lipídica (WATSON, 1995). Devido a esses efeitos negativos, alguns estudos têm dado preferência à adição do GL somente após o resfriamento do sêmen à temperatura de 5oC (FISER & FAIRFULL, 1989), realizando a diluição em duas etapas. Porém, nos dias atuais, a diluição em uma etapa é preferencialmente utilizada, com bons resultados, e não há nenhuma evidência convincente que suporte a necessidade da utilização do procedimento mais trabalhoso (SALAMON & MAXWELL, 2000).
Esse efeito tóxico do GL tem levado à busca por outros crioprotetores intracelulares a serem usados em diluidores de congelação de sêmen ovino. Esses incluem os do grupo de rápida penetração, como o etilenoglicol, o propanodiol e o dimetil sulfóxido (DMSO), que têm menores pesos moleculares que o GL, e agem protegendo o espermatozoide, provavelmente, através do mesmo mecanismo que o GL. MOLINIA et al. (1994a) estudaram a eficácia desses crioprotetores, isoladamente ou em diversas associações, na criopreservação do espermatozoide ovino. Inicialmente, verificaram a ineficácia do DMSO, como crioprotetor do espermatozoide ovino. Também foi verificado que, apesar de o etilenoglicol e do propanodiol exercerem atividade crioprotetora sobre os espermatozoides, o GL sozinho, na concentração de 6%, obteve os melhores resultados tanto na motilidade pós-descongelação, quanto na percentagem de acrossomas intactos.
O etilenoglicol foi testado por BITTENCOURT et al. (2004) na preservação do sêmen caprino. Os autores observaram um maior número de defeitos maiores e totais (p<0,01) para o grupo com sêmen congelado em diluidor contendo o glicerol (7%) em relação ao grupo com etilenoglicol (7%), apesar da menor motilidade encontrada para o segundo grupo (p<0,0001). Trabalho realizado com ovinos demonstrou que os meios de congelação contendo etilenoglicol propiciam motilidade e vigor semelhantes aos meios com GL, porém com uma melhor preservação da integridade das membranas espermáticas (BRISOLA et al., 1999). Apesar de os resultados reportados por SILVA et al. (2012) confirmarem que o etilenoglicol a 3 e 5% é semelhante ao glicerol a 5% para manutenção dos diversos parâmetros espermáticos avaliados, ele proporcionou índices inferiores (P<0,05) de integridade da membrana plasmática.
Evidências sugerem que o melhor desempenho do GL está ligado à existência de uma interação entre ele e a membrana plasmática do espermatozoide ovino, o que não acontece com os outros crioprotetores penetrantes. Verifica-se também que a afinidade dos crioprotetores pela água é a principal característica dos solutos que protegem as células vivas das temperaturas abaixo do ponto de congelação e que essa estreita afinidade é mais significativa para o GL do que para os outros crioprotetores (MOLINIA et al., 1994a). Esses autores também observaram o efeito tóxico quando os crioprotetores foram associados. Esse fenômeno já havia sido reportado por FAHY (1986), que o denominou como sendo injúrias da congelação pela associação de crioprotetores.
Outros crioprotetores penetrantes têm sido estudados para congelar o sêmen de mamíferos domésticos, como os da função química amida: acetamida, metilacetamida, dimetilacetamida, formamida, metilformamida, dimetilformamida, lactamida e butiramida. Alguns desses têm desempenhado efeito crioprotetor satisfatório durante a preservação de sêmen de coelho, uma espécie considerada de difícil congelabilidade. A acetamida, metilacetamida e dimetilformamida demonstraram importante efeito protetor aos espermatozoides congelados de equinos, sendo alternativas interessantes para a congelação de sêmen de garanhões considerados maus congeladores e com alguns resultados de fertilidade superiores quando comparados com o GL (ALVARENGA et al., 2002; ALAVARENGA et al., 2005). Dessa forma, as amidas podem representar alternativas promissoras para a congelação de sêmen ovino, com possibilidade de minimizar a variabilidade entre ejaculados de um mesmo carneiro e com isso melhorar os resultados de fertilidade após a descongelação.
Entretanto, são escassos os trabalhos que citam a utilização das amidas para a criopreservação do sêmen ovino. SKEFF et al. (2008) testaram a eficácia da metilformamida em diferentes concentrações para a criopreservação do sêmen ovino. Ao compararem com o glicerol (5,3%), a metilformamida a 3% proporcionou índices semelhantes de motilidade espermática e integridade de membrana pós-descongelação e após o teste de termoresistência lento (3 h). Os autores sugeriram que, para a espécie ovina, as amidas também podem representar uma alternativa importante para a preservação espermática, sendo necessários, no entanto, estudos para analisar sua fertilidade in vivo. Nossa equipe (BITTENCOURT et al., 2009) testou a eficácia da dimetilacetamida (DMA) em duas concentrações (3 e 6%) para a congelação do sêmen ovino, comparada ao glicerol a 6%. Nesse trabalho, verificou-se importante efeito deletério da DMA na concentração de 6%, sobre os parâmetros espermáticos. Apesar de o GL ter sido o mais eficaz para a manutenção pós-descongelação de quase todos os parâmetros espermáticos estudados, a DMA na concentração de 3% promoveu índices satisfatórios de congelabilidade, merecendo o desenvolvimento de mais estudos, com novas concentrações e associações. Em trabalho posterior (BITTENCOURT, 2009), ao se testar a dimetilacetamida a 3% versus glicerol a 6%, apesar de os resultados de motilidade espermática computadorizada, níveis de integridade das membranas plasmática e acrossomal e atividade mitocondrial inferiores nos grupos com DMA, os resultados de fertilidade foram semelhantes (P>0,05) após inseminação de 170 fêmeas da raça Santa Inês. O índice de fragmentação do DNA pelo teste do COMETA também não diferiu entre os grupos.
Em trabalho mais recente, (BITTENCOURT et al., 2011) foi testada a dimetilformamida (DMF) isolada ou associada ao GL em diferentes concentrações (GL-5% / DMF-1%, GL-4% / DMF-2%, GL-3% / DMF-3%, GL-2% / DMF-4% e GL-1% / DMF-5%). Nesse estudo, verificou-se que a DMF não poderia substituir o GL integralmente, mas, quando associada a ele nas relações de GL-5% / DMF-1%, GL-4% / DMF-2%, GL-3% / DMF-3%, os resultados foram semelhantes aos do grupo com glicerol a 6%. Estudo semelhante foi desenvolvido com a DMA nas mesmas concentrações (dados ainda não publicados) e os resultados foram semelhantes aos verificados com a DMF. Pode-se concluir ainda que níveis de DMA e DMF acima de 4% apresentaram efeito deletério sobre o espermatozoide ovino pós-descongelação.
SILVA et al. (2012) avaliaram a acetamida a 3 e 5% e os resultados foram negativos. Diferente do observado nos trabalhos anteriores com a DMF e DMA, a acetamida produziu efeitos deletérios importantes sobre a atividade mitocondrial e deprimiu a motilidade espermática.
Com o conhecimento físico-químico e biológico dos efeitos dos crioprotetores, sugere-se que a toxicidade desses agentes é um fator limitante, fundamental dentro da criobiologia. Esse fato impossibilita o uso de níveis necessários desses aditivos, para que se consiga uma ação crioprotetora completa, já que essa toxicidade se manifesta na forma de lesões espermáticass que se somam àquelas derivadas dos processos clássicos de crioinjúria celular. Isso não deixa claro quais alterações celulares foram causadas pelos efeitos tóxicos do crioprotetor ou pelos inúmeros processos da criopreservação celular que podem ocasionar danos celulares.
LEIBO (2003) discorda desse conceito de toxicidade celular provocada pelo crioprotetor e sugere que as lesões espermáticas são consequência do choque osmótico provocado pela introdução do crioprotetor, já que este promove as altas osmolaridades ao meio, incompatíveis com a osmolaridade seminal, de 300 mOsmol/L, podendo chegar a mais de 1000 mOsmol/L (SNOECK et al., 2007). Após a introdução do crioprotetor, este diferencial de osmolaridade entre sêmen fresco e os meios de congelação podem induzir estresse osmótico e consequentemente lesões espermáticas.
Essas afirmações discordam dos achados de FISER & FAIRFULL (1989), que demonstraram que a motilidade pós-descongelação e a integridade acrossomal de espermatozoides de carneiros não foram afetadas pelas mudanças osmóticas glicerol-dependentes, associadas com a diluição do sêmen. De acordo com CURRY & WATSON (1994), a viabilidade dos espermatozoides ovinos foi menos afetada pela desidratação em soluções hipertônicas que pela expansão celular após diluição em meio hipotônico. Da mesma forma, PERIS et al. (2000) relataram que o espermatozoide ovino mostrou resistência intermediária às variações osmóticas, não havendo danos à membrana em solução hiperosmótica de citrato de sódio a 910mOsmol/L.

Crioprotetores não penetrantes

Os crioprotetores não penetrantes como os açúcares e as lipoproteínas encontradas na gema do ovo e no leite agem somente no compartimento extracelular. Os açúcares favorecem a desidratação dos espermatozoides, reduzindo a probabilidade de formação de grandes cristais de gelo dentro das células (SQUIRES et al. 1999). A gema de ovo tem sido largamente usada como crioprotetor da membrana plasmática do espermatozoide em diversas espécies. Os lipídios presentes na gema de ovo são os principais responsáveis pela ação protetora sobre a membrana espermática. O componente essencial de sua ação é a interação desses lipídios da gema do ovo com a membrana espermática, tornando-a mais resistente durante o resfriamento (WATSON, 1995).
QUINN et al. (1980) observaram que, ao se adicionar fosfolipídios ao sêmen centrifugado de carneiros, foi promovida uma imediata proteção contra o choque térmico, verificada pela avaliação da motilidade. Ao centrifugarem o sêmen novamente, este tornou-se novamente susceptível ao choque térmico. Esses autores notaram que os fosfolipídios adicionados ao sêmen e incubados por 3 h a 37oC não tinham se incorporado às membranas celulares e que a relação fosfolipídios:colesterol no espermatozoide não foi mudada. Assim, concluíram que o efeito protetor dos fosfolipídios contra choque térmico dos espermatozoides de carneiros é devido a uma delicada interação dessas estruturas lipídicas com a membrana plasmática das células.
DASKIN & TEKIN (1996) verificaram uma maior taxa de motilidade e uma menor percentagem de lesão de acrossoma (47% e 25%, respectivamente) pós-descongelação para o sêmen congelado em meio contendo gema de ovo que para as amostras congeladas em meio sem gema (19% e 33%, respectivamente). Como discutido no tópico sobre a LDL, essa parece ser a molécula que confere o efeito crioprotetor da gema de ovo, já que a sua utilização isolada tem promovido resultados satisfatórios de viabilidade e fertilidade espermática pós-descongelação em diferentes espécies (MOUSSA et al., 2002; BENCHARIF et al., 2008; HU et al., 2009; PILLET et al., 2011).
Além das lipoproteínas do leite e da gema de ovo, outras substâncias atuam como crioprotetores não penetrantes e o dissacarídeo trealose é o que tem sido mais estudado, por influência dos resultados satisfatórios obtidos nos primeiros trabalhos realizados com sêmen equino (JASKO, 1994; McKINNON, 1996).

Trealose

Os açúcares têm diversas funções no diluidor de sêmen, incluindo o fornecimento de substrato energético para os espermatozoides, a manutenção da pressão osmótica do meio e a atuação como um crioprotetor (BERLINGUER et al., 2007), pois promovem a desidratação celular pré-congelação, minimizando as injúrias celulares induzidas pela formação de gelo intracelular. Além disso, esses açúcares interagem com os fosfolipídios da membrana plasmática, reorganizando a membrana espermática e aumentando a sua fluidez (MOLINIA et al., 1994b).
Um açúcar que tem se destacado é a trealose (JAFAROGHILI et al., 2011), um dissacarídeo que exerce ação crioprotetora sobre o espermatozoide pela sua atividade desidratante e interação com as membranas celulares. Essa interação entre a membrana e a trealose está relacionada à sua capacidade de estabelecer pontes de hidrogênio com as cabeças polares dos fosfolipídios da membrana, substituindo, assim, as moléculas de água durante o processo de desidratação prevenindo a ocorrência dos eventos de fusão das membranas espermáticas (BAKÁS & DISALVO, 1991). Além de promoverem a estabilidade da membrana plasmática, os dissacarídeos, como a sacarose e a trealose, também têm a capacidade de preservar as proteínas da membrana, por meio da substituição da água presente entre as cadeias de aminoácidos, mantendo a proteína estável e evitando sua desnaturação (LESLIE et al., 1995). Dessa forma, a utilização da trealose tem promovido melhorias nas taxas de motilidade e preservação da morfologia espermática ovina pós-descongelação (AISEN et al., 2000; AISEN et al., 2005).
AISEN et al. (2005) demonstraram que a utilização de um diluidor hipertônico à base de trealose aumentou a viabilidade e fertilidade do sêmen pós-descongelação. Nesse estudo, a adição de 100 mM de trealose ao diluidor resultou em uma motilidade espermática pós-descongelação 35% superior em relação ao sêmen congelado no diluidor sem o dissacarídeo. A taxa de nascimento foi duas vezes e meia maior que a obtida pelo grupo controle, sem trealose. Relatos semelhantes foram feitos por JAFAROGHILI et al. (2011), cujos índices de fertilidade foram superiores nos meios enriquecidos com 100 mM de trealose (46,8%) e rafinose (44,1%), quando comparados ao grupo controle sem os açucares (16,7%).
Em trabalho com caprinos, avaliando o efeito do meio sem trealose e desta em diferentes concentrações (12,5, 25, 50, 75, 100 e 150 mM), TUNCER et al. (2013) verificaram melhores índices de viabilidade espermática nos testes in vitro, com o sêmen congelado com trealose, e as concentrações de 50 e 75 mM foram as que proporcionaram os melhores resultados, embora nenhum efeito sobre a manutenção dos níveis das enzimas antioxidantes tenha sido observado com as diferentes concentrações testadas, em relação ao grupo controle.
Apesar de os inúmeros relatos positivos com a utilização da trealose, existem trabalhos descrevendo resultados negativos com a sua utilização em diluidores de congelação do sêmen ovino (BITTENCOURT et al., 2008b), pois a análise computadorizada dos parâmetros pós-descongelação demonstrou taxas inferiores (P<0,05) de motilidade espermática para o sêmen congelado com adição de 100 mM de trealose comparado com o grupo controle sem trealose.
Esses resultados estão de acordo com estudo posterior, também desenvolvido com ovinos pela nossa equipe (BITTENCOURT et al., 2008c), que mostrou valores de motilidade total (MT), velocidade curvilínea (VCL) e deslocamento lateral de cabeça (ALH) inferiores (P<0,05) para o sêmen congelado em meio hiperosmótico à base de trealose, em relação ao meio isotônico (sem trealose). Achados semelhantes foram descritos por CIRIT et al. (2013), que verificaram que a velocidade espermática (μm/s) após a descongelação e os teste de termoresistência foram inferiores no meio com trealose. Esse fato, provavelmente, está relacionado à densidade do meio diluidor hipertônico que, ao exercer maior resistência ao deslocamento espermático, reduz a amplitude dos seus movimentos (ALH) e das velocidades destes (VAP, VSL, VCL). Dessa forma, os resultados das avaliações da cinética espermática ficam comprometidos no meio hipertônico, em relação aos meios isotônicos, usados mais comumente. Verificou-se, porém, que essas diferenças não representaram alterações espermáticas importantes, como as relacionadas à membrana plasmática ou às organelas, especialmente às mitocôndrias, responsáveis pelo metabolismo energético e que é uma das causas da redução verificada nos parâmetros da cinética espermática. Isso foi demonstrado pelos índices semelhantes de integridade da membrana plasmática, acrossomal e potencial de membrana mitocondrial entre os grupos controle e com adição de 100 mM de trealose.
Com o objetivo de reduzir o percentual de glicerol no meio de congelação, minimizando, consequentenmente, os prováveis efeitos tóxicos desse crioagente, BITTENCOURT et al. (2008b) testaram a eficácia de um meio enriquecido com trealose (100 mM), associado a um nível inferior de glicerol (3%). No entanto, não tiveram sucesso, pois o grupo controle contendo 6% de glicerol obteve as melhores taxas de viabilidade espermática pós-descongelação, apesar de, nos testes posteriores de fertilidade (BITTENCOURT, 2009), os índices de concepção não diferirem (P>0,05) entre as fêmeas inseminadas nos diferentes grupos (n=170).
Os resultados conflitantes existentes na literatura científica sobre o efeito da adição da trealose aos meios isotônicos à base de gema de ovo-glicerol sobre os índices de viabilidade espermática pós-descongelação (AISEN et al., 2000; ABGOALA & TERADA, 2004; AISEN et al., 2005; BITTENCOURT et al. 2008c) podem ser justificados pelas variações nos protocolos de diluição, descongelação e rediluição, composição do meio diluidor e concentração de trealose. Os trabalhos que apresentam resultados positivos com a adição da trealose, geralmente, utilizam percentuais de gema de ovo inferiores ao recomendado para congelação do sêmen de ruminantes (5%, JAFAROGHILI et al., 2011) ou ainda baixos percentuais de crioprotetores internos (3%; AISEN et al., 2005), o que favorece o efeito benéfico da trealose.
Alguns trabalhos têm demonstrado que a atividade crioprotetora da trealose pode ser potencializada quando a mesma é utilizada em conjunto com o EDTA, e autores afirmam que há uma atividade sinérgica importante entre essas substâncias (BAKÁS & DISALVO, 1991; AISEN et al., 2000). Esses achados discordam dos observados por BITTENCOURT et al. (2008c), que encontraram índices inferiores de motilidade, velocidades espermáticas, deslocamento lateral de cabeça e de espermatozoides rápidos, tanto para o sêmen congelado apenas com a adição da trealose como para a associação trealose mais EDTA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Índices satisfatórios de viabilidade do sêmen ovino pós-descongelação podem ser obtidos, desde que a formulação do diluidor de congelação leve em consideração as características fisiológicas do sêmen da espécie (pH, tolerância osmótica, composição da membrana plasmática), como também a variabilidade individual.
Diluidores alternativos à base de substratos de origem vegetal possibilitam um maior controle sanitário do produto, especialmente quando se pretende introduzir o material biológico em diferentes rebanhos dentro do país ou exportá-lo.
Outro fator importante é o estabelecimento de meios quimicamente definidos, minimizando os riscos da falta de padronização da composição química obtida quando se utiliza a gema de ovo integral e o leite desnatado para a confecção dos meios de congelação, já que esses podem sofrer variações importantes de acordo com a origem.
É importante ressaltar que a criopreservação do sêmen não se baseia apenas no meio diluidor, crioprotetor e seus componentes, mas em todo um sistema que deve trabalhar em sinergismo para que sejam maximizados os índices de fertilidade do sêmen congelado, como o processo de diluição, tempo de equilíbrio e as taxas de resfriamento, congelação e descongelação, além do efeito da fêmea que, especialmente na espécie ovina, pelas características anatômicas, é um importante limitador da utilização massiva da técnica.

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Protocolado em: 07 mar. 2013. Aceito em: 26 nov. 2013.