DOI: 10.5216/cab.v13i4.19468

 

 

COMPARAÇÃO DA FIBRA EM DETERGENTE NEUTRO DE FORRAGENS: DESEMPENHO, DIGESTIBILIDADE E PARÂMETROS RUMINAIS

 

Milton Luiz Moreira Lima1, Flávio Geraldo Ferreira Castro2, Alliny das Graças Amaral3, Eduardo Rodrigues de Carvalho4, Luiz Gustavo Nussio5, Wilson Roberto Soares Mattos5

 

1Professor Doutor da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
2Médico Veterinário Doutor da Agrocria Coméricio e Indústria LTDA, Goiânia, GO, Brasil
3Professora Doutora da Universidade Estadual de Goiás, São Luis de Montes Belos, GO, Brasil.
4Professor Doutor do Instituto Federal Goiano, Iporá, GO, Brasil - eduardo.carvalho@ifgoiano.edu.br
5Professores Doutores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba, SP, Brasil

RESUMO

Objetivou-se determinar os efeitos da substituição parcial da fibra em detergente neutro (FDN) da silagem de milho pela FDN da cana-de-açúcar in natura ou cana-de-açúcar tratada com NaOH ou feno de alfafa, sobre o desempenho, digestibilidade e parâmetros ruminais de vacas Holandesas em lactação, canuladas no rúmen e no duodeno, distribuídas em um delineamento Quadrado Latino 5×5. Utilizaram-se duas dietas controle, uma com baixo (controle negativo; SMB) e outra com alto (controle positivo; SMA) teor de FDN de forragem (SMB com 14% e SMA com 22% de FDN da silagem de milho). Três rações experimentais foram balanceadas para conter 14% de FDN da silagem de milho e 8% de FDN da cana-de-açúcar in natura (CAN) ou cana-de-açúcar tratada com NaOH (CAS) ou feno de alfafa (FA). O consumo de matéria seca (MS), a produção e composição do leite não foram afetados (P>0,05) pelas dietas. Houve resposta (P<0,05) da concentração e fonte da FDN da forragem sobre o pH ruminal, proporções molares de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e relação acetato:propionato. Os resultados indicam a viabilidade da substituição de 8% de FDN da silagem de milho pela FDN da cana-de-açúcar in natura na alimentação de vacas leiteiras com produção de 18,2 kg de leite/dia.
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PALAVRAS-CHAVE: cana-de-açúcar; feno de alfafa; gordura; hidrólise; silagem de milho.

 
COMPARISON OF FORAGE NEUTRAL DETERGENT FIBER: PERFORMANCE, DIGESTIBILITY AND RUMEN PARAMETERS

 

ABSTRACT

The objective of this study was to determine the effects of the partial replacement of corn silage NDF by sugarcane NDF or sugarcane treated with NaOH NDF or alfalfa hay NDF, on performance, digestibility and rumen parameters of lactating Holstein cows, cannulated in the rumen and duodenum, which were assigned in a 5×5 Latin Squared design. Two control diets were utilized, one with low (negative control; SMB) and another one with high (positive control; SMA) forage NDF concentration (SMB containing 14% and SMA containing 22% forage NDF from corn silage). Three experimental rations were balanced to contain 14% corn silage NDF and 8% sugar-cane NDF (CAN) or sugar-cane treated with NaOH NDF (CAS) or alfalfa hay NDF (FA). Feed intake, milk production and milk composition were not affected (P>0.05) by diets. There was response (P<0.05) of the concentration and source of forage NDF on rumen pH, molar proportions of short-chain fatty acids, and acetate:propionate ratio. The data of this experiment indicate the viability of replacing 8% corn silage NDF by sugarcane NDF fed to dairy cows with milk yield of 18.2 kg/day.
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KEYWORDS: alfalfa hay; corn silage; fat; hydrolysis; sugarcane.


INTRODUÇÃO

 A fibra em detergente neutro (FDN) é um componente essencial da dieta de vacas em lactação, sendo necessária para a obtenção do máximo consumo de matéria seca (MS) e energia, o estímulo à atividade de mastigação e secreção de saliva, e ainda para manter a concentração de gordura no leite em níveis adequados. Assim, dietas para vacas em lactação devem conter uma concentração mínima de FDN para manter a função ruminal normal e evitar a ocorrência de distúrbios metabólicos. Por outro lado, a FDN representa a fração de carboidratos dos alimentos de digestão lenta e variável e, quando incluída acima de determinados limites definidos pelo potencial de produção animal, pode limitar tanto o consumo de MS quanto o desempenho (MERTENS, 1997). O NRC (2001) sugere que dietas para vacas em lactação devem conter no mínimo 25% de FDN do total da MS da ração, sendo 75% suprido por forragens.

No entanto, os limites de FDN nas rações de bovinos leiteiros são definidos não apenas por concentrações mínimas e máximas, mas também por atributos físicos, químicos e biológicos dos alimentos, que podem alterar o desempenho, digestão e o teor de gordura no leite. Assim, dois conceitos foram desenvolvidos para o balanceamento de FDN, considerando-se esses atributos complementares. Define-se por fibra efetiva (FDNe) a capacidade da FDN de um alimento substituir a FDN da forragem (FDNf) sem alterar a concentração de gordura no leite, sendo, portanto, um atributo biológico. Por outro lado, a fibra fisicamente efetiva (FDNfe) consiste na FDN de um determinado alimento que tem o potencial de estimular a atividade mastigatória, ou seja, um atributo exclusivamente físico, o qual está relacionado ao tamanho da partícula do alimento (MERTENS, 1997). Dessa forma, variações na digestibilidade da FDN e no tamanho da partícula dos alimentos alteram os valores de FDNe e FDNfe, respectivamente, influenciando o teor de gordura no leite e/ou a atividade de mastigação.

A importância da FDNe de plantas forrageiras sobre o teor de gordura no leite vem sendo intensamente avaliada, porém os resultados encontrados na literatura nem sempre são consistentes (MOONEY & ALLEN, 1997; CLARK & ARMENTANO, 1999; BAL et al., 2000; SOITA et al., 2000; SCHWAB et al., 2002), sendo que, na maioria desses estudos, não houve resposta da FDNe sobre o teor de gordura no leite (MOONEY & ALLEN, 1997; BAL et al., 2000; SOITA et al., 2000; SCHWAB et al., 2002).

A silagem de milho e a cana-de-açúcar representam duas das principais fontes de forragens para a alimentação de bovinos leiteiros durante o período de estiagem no Brasil. A elevada produtividade, baixo custo por unidade de MS e manutenção do valor nutritivo por períodos prolongados são argumentos frequentemente utilizados para justificar o emprego da cana-de-açúcar na alimentação de bovinos leiteiros; entretanto, a substituição parcial ou total da silagem de milho pela cana-de-açúcar resulta em decréscimo no consumo de MS e na produção de leite (CORREA et al., 2000; MAGALHÃES et al., 2004; MENDONÇA et al., 2004; COSTA et al., 2005). Ademais, na compilação de dados de seis experimentos com delineamento em Quadrado Latino 4×4, comparando-se a alimentação exclusiva da silagem de milho ou cana-de-açúcar como fonte de forragem, verificou-se redução no consumo de MS e queda na produção de leite (OLIVEIRA et al., 2011). Um dos fatores dessa redução está na maior lignificação da parede celular da cana-de-açúcar, fazendo com que sua digestibilidade da FDN seja menor, comparada à da silagem de milho (PEREIRA et al., 2000; CAMPOS et al., 2001; MAGALHÃES et al., 2006). A avaliação da digestibilidade in vitro e in situ da FDN de 13 forragens demonstrou que o aumento de uma unidade percentual na digestibilidade dos carboidratos fibrosos resultou em aumento de 0,17 kg/dia no consumo de MS e 0,25 kg/dia na produção de leite (OBA & ALLEN, 1999).

A restrição do consumo de MS imposta pela menor digestibilidade da FDN da cana-de-açúcar pode ser mitigada por meio de tratamentos químicos com álcalis (NaOH). Tais tratamentos rompem as ligações entre a lignina e os polissacarídeos da parede celular, disponibilizando esses carboidratos fibrosos para fermentação realizada pelos microrganismos do rúmen (KLOPFENSTEIN & OWEN, 1981). Além disso, a composição da parede celular se altera, pois a maior parte da hemicelulose torna-se solúvel durante o tratamento (BERGER et al., 1979), sendo que parece não existir estudos na literatura que avaliaram a FDN da cana-de-açúcar in natura comparada à cana-de-açúcar tratada com NaOH, tornando o presente trabalho inédito nesse aspecto.

Nesse contexto, objetivou-se neste estudo determinar os efeitos da substituição parcial da FDN da silagem de milho pela FDN da cana-de-açúcar in natura (CAN) ou tratada com NaOH (CAS) sobre o desempenho, manutenção do teor de gordura do leite, digestibilidade de nutrientes e parâmetros ruminais de vacas em lactação. Como o feno de alfafa vem sendo frequentemente utilizado como referência na avaliação da FDN de forragens, incluiu-se um tratamento adicional com feno de alfafa (FA) para comparação com a FDN das demais forragens (silagem de milho, cana-de-açúcar in natura e tratada com NaOH).

 MATERIAL E MÉTODOS

 Utilizaram-se neste estudo cinco vacas Holandesas canuladas no rúmen e no duodeno, que, ao início desta pesquisa, encontravam-se no terço médio da lactação, distribuídas em um delineamento Quadrado Latino 5×5. As vacas foram alojadas em baias individuais, equipadas com comedouro e bebedouro, localizadas no galpão para ensaios metabólicos do Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP, Piracicaba – SP).

Silagem de milho, cana-de-açúcar in natura, cana-de-açúcar tratada com NaOH e feno de alfafa foram usados como forragens no balanceamento das cinco dietas experimentais (Tabela 1). Formularam-se as dietas para vacas em lactação, com 570 kg de peso vivo, produzindo 20 kg de leite/dia com 3,5% de gordura e 3,3% de proteína, conforme recomendações do NRC (2001). Balancearam-se as dietas visando-se obter níveis equivalentes de nutrientes, exceto para concentrações e fontes de FDNf, que foram alteradas de acordo com os tratamentos propostos.

Balanceou-se a dieta com baixa porcentagem de FDNf (SMB) para conter 14% de FDNf proveniente da silagem de milho e 22% de FDN total, e a dieta com alta porcentagem de FDNf (SMA) para conter 22% de FDNf proveniente da silagem de milho e 28% de FDN total. Essas dietas representaram, respectivamente, os controles negativo (SMB) e positivo (SMA), sendo comparadas com três dietas que continham 14% de FDNf proveniente da silagem de milho e 8% de FDNf proveniente da cana-de-açúcar in natura (CAN), 14% de FDNf proveniente da silagem de milho e 8% de FDNf proveniente da cana-de-açúcar tratada com NaOH (CAS) e 14% de FDNf proveniente da silagem de milho e 8% de FDNf proveniente do feno de alfafa (FA), perfazendo 28% de FDN total nessas três rações. Realizou-se o tratamento da cana-de-açúcar durante a sua trituração, utilizando-se uma solução comercial de hidróxido de sódio (NaOH 50% peso/volume) aplicada na proporção de 2% (peso/volume), com auxilio de um pulverizador acoplado ao equipamento de colheita (Kit hidrocana). Após a aplicação da solução com NaOH, a cana-de-açúcar triturada permaneceu ao ar livre por um período de 24 horas para permitir a hidrólise da parede celular.

Conduziu-se o experimento por 65 dias, divididos em cinco períodos de 13 dias, sendo sete dias de adaptação às dietas experimentais e seis dias de coletas. Misturaram-se as rações manualmente duas vezes ao dia após pesagens dos alimentos, sendo fornecidas ad libitum em duas refeições diárias (06h00min e 18h00min). Pesaram-se as sobras diariamente antes da refeição da manhã e da tarde para o cálculo do consumo de MS e ajuste de sobras para 10% da quantidade oferecida, a fim de garantir o máximo consumo voluntário de MS pelos animais. Amostraram-se as dietas do oitavo ao décimo dia de cada período experimental. Congelaram-se as amostras a -4ºC, sendo posteriormente reunidas para formar uma amostra composta por animal e tratamento ao final de cada período de coleta.

Amostras das dietas, previamente descongeladas e secas em estufa de ventilação forçada a 65ºC durante 48 horas, foram moídas em moinho tipo Wiley dotado com peneira de 1 mm (Wiley Mill; Arthur H. Thomas, Philadelphia, PA) e analisadas para determinação de MS, proteína bruta (PB), matéria mineral (MM), extrato etéreo (EE) e fibra em detergente ácido (FDA), segundo a AOAC (2000). Determinaram-se as concentrações de FDN e lignina sequencialmente de acordo com VAN SOEST et al. (1991). Utilizou-se, na determinação de FDN, sulfito de sódio e amilase termoestável (Termamyl 120 L) e, na determinação de lignina, solução de H2SO4 72%. Para determinação da FDN indigestível (FDNi) das dietas experimentais, amostras de 0,25 g, previamente secas em estufa de ventilação forçada a 65ºC durante 48 horas e moídas em moinho tipo Wiley dotado com peneira de 1 mm (Wiley Mill; Arthur H. Thomas, Philadelphia, PA), foram incubadas in vitro, por 144 horas (BERCHIELLI et al., 2000), e analisadas em seguida para determinação da FDN (VAN SOEST et al., 1991). Calculou-se a concentração de FDNpd das dietas experimentais pela seguinte equação: FDNpd = [(FDN – FDNi)/FDN)] × 100 (Tabela 1).

Determinou-se a digestibilidade das dietas no rúmen e no trato total utilizando-se a fibra em detergente ácido indigestível (FDAi) como marcador interno (BERCHIELLI et al., 2000).  Coletaram-se amostras do conteúdo duodenal (± 250 mL) e fezes (± 200 g) a cada três horas, do décimo ao décimo segundo dias de cada período. Congelaram-se as amostras a -4ºC e, ao final de cada período, foram descongeladas, e submetidas à secagem em estufa de ventilação forçada a 65ºC, durante 48 horas, posteriormente moídas em moinho tipo Wiley dotado com peneira de 1 mm (Wiley Mill; Arthur H. Thomas, Philadelphia, PA), e armazenadas para análises posteriores. Para determinação das concentrações de FDAi, amostras de 0,25 g das dietas, conteúdo duodenal e fezes foram incubadas por 144 horas in vitro (BERCHIELLI et al., 2000) e analisadas em seguida para determinação de FDA (AOAC, 2000).  Utilizou-se a equação de SCHNEIDER & FLATT (1975) para determinação da digestilidade da MS e matéria orgânica (MO) no trato total, FDN (rúmen e trato total) e FDN potencialmente digestível (FDNpd) no rúmen e trato total:

 

 

Ordenharam-se as vacas mecânica e diariamente às 05h30min e 17h30min, e registrou-se a produção de leite a cada ordenha. Coletaram-se amostras de leite das ordenhas da manhã e da tarde do dia oito ao dia doze de cada período, sendo conservadas em frascos contendo 2-bromo-2-nitropropane-1,3-diol, armazenadas em refrigerador, e posteriormente analisadas no Laboratório de Fisiologia da Lactação do Departamento de Zootecnia (ESALQ/USP), para determinação das concentrações de gordura e proteína, utilizando-se equipamento de espectroscopia infravermelha (Milkoscan 4000 Basic®) com princípio analítico infravermelho próximo. Calcularam-se as concentrações e produções de gordura e proteína para cada vaca e período considerando-se a média ponderada das amostras e ordenhas realizadas. Corrigiu-se a produção de leite para 3,5% de gordura (LCG 3,5%), segundo TYRRELL & REID (1965), em que LCG 3,5% = (0,4324 × kg de leite/dia) + (16,216 × kg de gordura/dia).

Coletaram-se amostras de aproximadamente 200 mL de fluido ruminal de cinco pontos diferentes do rúmen com auxílio de um tubo rígido de metal de parede perfurada inserido no rúmen, através da cânula, acoplado a um dispositivo gerador de pressão negativa, do décimo ao décimo segundo dia de cada período de coleta. Coletaram-se as amostras imediatamente antes da alimentação da manhã e posteriormente em intervalos de três horas durante o décimo dia. A partir do décimo primeiro dia, os horários de amostragem foram adiantados em uma hora e meia, totalizando 16 horários de coleta, escalonados no tempo durante os três dias. Determinou-se o pH do fluido ruminal por meio de um potenciômetro digital modelo Licit®, imediatamente após as coletas, e em seguida alíquotas em duplicata de quatro mL do fluido ruminal foram adicionadas com um mL de ácido metafosfórico 25%, congeladas e armazenadas em freezer a -20ºC. Após o descongelamento, centrifugaram-se as amostras a 12.500 × g, a 4ºC por 15 minutos, e o sobrenadante foi analisado para determinação de ácidos graxos de cadeira curta (AGCC), conforme ERWIN et al. (1961), utilizando-se cromatógrafo a gás (modelo 5890 Série II, Hewlett Packard).

Procedeu-se a análise estatística por meio do procedimento de modelos mistos (PROC MIXED) do pacote estatístico do SAS (1999), adotando-se o seguinte modelo: Yijk = m + Vi + Pj + Tk + eijk, em que: Yijk corresponde ao dado referente à i-ésima vaca, ao j-ésimo período e ao k-ésimo tratamento; m corresponde à média geral observada; Vi corresponde ao efeito aleatório da i-ésima vaca; Pj corresponde ao efeito fixo do j-ésimo período; Tk corresponde ao efeito fixo do k-ésimo tratamento; e eijk corresponde ao erro aleatório associado a i-ésima vaca, j-ésimo período e k-ésimo tratamento. Compararam-se os efeitos de tratamentos por meio dos seguintes contrastes ortogonais:

SMB vs. CAN, CAS e FA: comparação da dieta SMB (controle negativo) contendo 14% de FDNf da silagem de milho versus a inclusão de 8% de FDN de três forragens (CAN, CAS e FA) em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho.

SMA vs. CAN, CAS e FA: comparação da dieta SMA (controle positivo) contendo 22% de FDNf da silagem de milho versus a inclusão de 8% de FDN de três forragens (CAN, CAS e FA) em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho.

CAN e CAS vs. FA: comparação da inclusão de 8% de FDNf da cana-de-açúcar (in natura e tratada com NaOH) em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho versus a inclusão de 8% de FDNf do feno de alfafa em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho.

CAN vs. CAS: comparação da inclusão de 8% de FDNf da cana-de-açúcar in natura em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho versus a inclusão de 8% de FDNf da cana-de-açúcar tratada com NaOH em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho.

Analisaram-se os dados de pH do fluido ruminal, produção total e proporção molar dos AGCC nos diferentes horários de coleta, utilizando-se o procedimento de medidas repetidas no tempo (REPEATED), com estrutura de covariância auto-regressiva de primeira ordem [AR(1)], por meio do procedimento de modelos mistos (PROC MIXED) do pacote estatístico do SAS (1999). Adotou-se nível de significância de 5% (P<0,05) e tendências de 10% (P<0,10) entre os tratamentos. Os valores reportados nas tabelas de resultados representam as médias dos quadrados mínimos e correspondentes erros-padrão da média (EPM).

 
RESULTADOS E DISCUSSÃO

 Devido às flutuações ocorridas nos valores da FDNf no decorrer deste experimento, as concentrações de FDNf e FDN total foram, em termos numéricos, ligeiramente inferiores às concentrações inicialmente estabelecidas de 14% de FDNf para a silagem de milho e 22% de FDN total na dieta SMB, 14% de FDNf para a silagem de milho e 28% de FDN total nas dietas CAN, CAS e FA, e 22% de FDNf para a silagem de milho e 28% de FDN total na dieta SMA. Contrariamente, as concentrações de FDNf da cana-de-açúcar in natura, cana-de-açúcar + NaOH, e feno de alfafa foram, também em termos numéricos, ligeiramente superiores ao objetivo inicial de incluir 8% de FDNf nas dietas CAN, CAS e FA, respectivamente (Tabela 1).

Não houve efeito de tratamento sobre o consumo de MS e MO (P>0,05), porém o consumo de FDN e FDNpd foram reduzidos (P<0,01) na dieta SMB em relação às demais dietas (Tabela 2), resultado já esperado em função da menor concentração numérica de FDN na dieta SMB (Tabela 1). O efeito da fonte da FDN sobre o consumo de MS foi avaliado em alguns experimentos, sendo que, de forma geral, não houve efeito dessa variável sobre o consumo de MS quando as dietas foram balanceadas para concentrações equivalentes de FDN total (BEAUCHEMIN, 1991; POORE et al., 1991; POORE et al., 1993). Apesar desses resultados, é preciso considerar que a importância da concentração e fonte da FDN da ração sobre o consumo de MS depende também da exigência de energia do animal (ALLEN, 2000) e da digestibilidade da FDN do alimento (OBA & ALLEN, 1999).

A amplitude de variação da fonte e digestibilidade da FDNf no presente experimento foi, até certo ponto, limitada pela substituição parcial da FDN da silagem de milho pela FDN das outras forragens. Além disso, as dietas foram balanceadas para concentração de FDN total próxima ao limite mínimo estabelecido pelo NRC (2001) e com proporção relativamente elevada de CNF (44,8 a 52,1% da MS, Tabela 1), levando-se em consideração o potencial médio de produção das vacas utilizadas neste experimento (18,2 kg/dia). Em outras oportunidades, a substituição parcial ou total da silagem de milho pela cana-de-açúcar em maiores níveis resultou na redução do consumo de MS (CORREA et al., 2000; MAGALHÃES et al., 2004; MENDONÇA et al., 2004; COSTA et al., 2005). Além disso, a compilação dos resultados de seis experimentos comparando a alimentação exclusiva de silagem de milho ou cana-de-açúcar como fonte de forragem também revelou redução no consumo de MS (OLIVEIRA et al., 2011). A redução no consumo de MS observada em dietas com maior proporção de cana-de-açúcar é explicada pelo efeito de repleção da FDN, que tem origem na baixa taxa de digestão da FDNpd e concentração elevada da FDNi (PEREIRA et al., 2000; OLIVEIRA et al., 2011).

Houve aumento (P<0,01) na digestibilidade da MS e MO na dieta SMB, comparada às dietas CAN, CAS e FA, o que pode ser explicado pela menor proporção de FDNf e FDN total e maior proporção de concentrado e CNF, possivelmente resultando em maior sincronismo entre carboidratos fermentescíveis e aporte de nitrogênio. 

Em se tratando da dieta SMA, houve redução (P<0,01) na digestibilidade da MS e MO, ausência de resposta (P>0,05) de tratamento sobre a digestibilidade da FDN (rúmen e trato total) e tendência (P=0,06) de redução na digestibilidade da FDNpd (rúmen e trato total), em comparação com as dietas CAN, CAS e FA. Em função do balanceamento das dietas SMA, CAN, CAS e FA, as quais contêm níveis bastante próximos de FDNf, FDN total e FDNpd (Tabela 1), esses resultados são de difícil explicação e contrários aos frequentemente encontrados na literatura, uma vez que existem relatos consistentes evidenciando que a digestibilidade da FDN da silagem de milho é maior que a da cana-de-açúcar, em função da menor lignificação da parede celular da planta do milho (PEREIRA et al., 2000; CAMPOS et al., 2001; MENDONÇA et al., 2004; COSTA et al., 2005; MAGALHÃES et al., 2006).

As dietas com cana-de-açúcar apresentaram tendência (P=0,09) para maior digestibilidade da MS e MO comparada à dieta FA, mas o tratamento com NaOH na dieta CAS não alterou (P>0,05) a digestibilidade da MS e MO, em comparação à dieta CAN.

Houve resposta do tratamento com NaOH na dieta CAS sobre a digestibilidade da FDN (P<0,05) e FDNpd (P<0,01), ambas no trato total, em relação à dieta CAN, demonstrando um possível benefício do rompimento das ligações entre a lignina e os demais componentes da parede celular, e provavelmente aumentando a quantidade de carboidratos fibrosos para degradação realizada pelos microrganismos do rúmen (KLOPFENSTEIN & OWEN, 1981). Entretanto, esse efeito do tratamento com NaOH sobre a digestibilidade da fração fibrosa da dieta CAS no trato total não se traduziu em aumento no consumo de MS (Tabela 2) e tampouco na produção de leite das vacas alimentadas com essa dieta (Tabela 3).

A produção de leite, produção de leite corrigida para 3,5% de gordura e composição do leite não foram afetadas (P>0,05) pela concentração ou fonte de FDNf das rações experimentais (Tabela 3). A ausência de resposta para concentração ou fonte de FDNf sobre a composição do leite sugere que as dietas CAN, CAS e FA apresentaram FDNe equivalente à da silagem de milho, tanto na dieta SMB (controle negativo) quanto na dieta SMA (controle positivo). Entretanto, a substituição parcial ou total da silagem de milho pela cana-de-açúcar resultou em queda na produção de leite, porém, assim como nessa pesquisa, sem efeitos significativos sobre o teor de gordura (CORREA et al., 2000; MAGALHÃES et al., 2004; MENDONÇA et al., 2004; COSTA et al., 2005). Em sua meta-análise, OLIVEIRA et al. (2011) reportaram diminuição da produção de leite de vacas alimentadas com cana-de-açúcar comparada à silagem de milho como fontes únicas de forragem.

Na Tabela 4 estão apresentados os resultados dos parâmetros ruminais. O pH ruminal não foi alterado (P>0,05) pelo nível de FDNf na dieta, corroborando os dados relatados por MAGALHÃES et al. (2006), os quais não encontraram diferença no pH do fluido ruminal com níveis crescentes de cana-de-açúcar em substituição à silagem de milho na ração (0; 33,3; 66,6 e 100% da MS). Porém, a substituição parcial da FDN da silagem de milho pela FDN do feno de alfafa na dieta FA reduziu (P=0,03) o pH ruminal em relação às dietas CAN e CAS. Para as dietas com 22% de FDNf, o pH ruminal se manteve sempre acima de 6,0; mas na dieta SMB o pH ruminal esteve inferior a 6,0 por até duas horas durante o dia.

O pH ruminal inferior a seis (6) tem sido associado à redução na digestão da FDN (MERTENS, 1979). O decréscimo do pH ruminal na dieta SMB pode estar associado à maior proporção de concentrados e carboidratos fermentescíveis, comparado às dietas com 22% de FDNf. Além disso, alterações no padrão de consumo de MS e atividade de ruminação podem ter determinado a queda do pH ruminal por um curto intervalo de tempo. Entretanto, a queda do pH ruminal observada na dieta SMB não foi de magnitude suficiente para alterar a digestão da FDN.

Embora a concentração total dos AGCC não tenha sido afetada pelos tratamentos, as proporções molares dos AGCC e a relação acetato:propionato foram alteradas pelo nível e fonte de FDNf na ração (Tabela 4). Na dieta SMB houve tendência (P=0,07) de redução da relação acetato:propionato em decorrência da menor (P=0,01) proporção molar de acetato, comparada às dietas CAN, CAS e FA. Na dieta SMA, tanto a redução (P<0,01) na proporção molar de acetato, quanto o aumento (P<0,01) na proporção molar de propionato ocasionaram redução (P<0,01) na relação acetato:propionato, comparada às dietas CAN, CAS e FA. Houve tendência (P=0,08) de aumento na proporção molar de acetato nas dietas CAN e CAS em relação à dieta FA, e aumento (P=0,01) na proporção molar de propionato na dieta FA, comparada às dietas CAN e CAS, resultando no aumento (P=0,02) da relação acetato:propionato nas dietas CAN e CAS, em comparação à dieta FA. O tratamento da cana-de-açúcar com NaOH resultou em tendência (P=0,07) de redução na proporção molar de propionato e aumento  (P=0,05) na relação acetato:propionato na dieta CAS, comparada à dieta CAN.

As proporções molares de butirato também foram alteradas pelos tratamentos. Nesse caso, as dietas com silagem de milho como única fonte de FDNf aumentaram (P<0,01) a proporção molar de butirato, comparadas às dietas CAN, CAS e FA.

Variações na produção e proporções molares de AGCC são determinadas principalmente pelo substrato fermentado e pH do fluido ruminal (RUSSELL, 1998). Assim, variações na concentração e composição dos CNF e diferenças na capacidade de troca de cátions (CTC) entre forragens podem ter sido responsáveis pelas alterações observadas nos padrões de fermentação ruminal. Não se avaliou o papel da CTC das forragens nesse experimento por não ser o objetivo deste trabalho. Apesar dos efeitos significativos de tratamento sobre as relações acetato:propionato, os valores médios dessa relação sempre estiveram acima de dois (2) em todas as dietas e horários de coleta, considerado como limite mínimo para que não ocorram alterações no teor de gordura no leite (ERDMAN, 1988).

 CONCLUSÕES

 Apesar das variações observadas no padrão de fermentação ruminal e na digestibilidade das dietas, o desempenho e o teor de gordura no leite não foram alterados pela substituição parcial da FDN da silagem de milho pela FDN de outras forragens. O tratamento da cana-de-açúcar com NaOH não trouxe benefícios em relação à ração com cana-de-açúcar in natura. Assim, recomenda-se a substituição de 8% da FDN da silagem de milho pela FDN da cana-de-açúcar in natura na alimentação de vacas leiteiras com produção média de 18,2 kg de leite/dia.

 REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 25 jul. 2012.  Aceito em: 01 out. 2012