COMPARAÇÃO DA FIBRA
Milton Luiz
Moreira Lima1, Flávio Geraldo Ferreira Castro2, Alliny
das Graças Amaral3, Eduardo Rodrigues de Carvalho4, Luiz
Gustavo Nussio5, Wilson Roberto Soares Mattos5
RESUMO
Objetivou-se
determinar os efeitos da substituição parcial da fibra em detergente neutro
(FDN) da silagem de milho pela FDN da cana-de-açúcar in natura ou cana-de-açúcar tratada com NaOH ou feno de alfafa,
sobre o desempenho, digestibilidade e parâmetros ruminais de vacas Holandesas
em lactação, canuladas no rúmen e no duodeno, distribuídas em um delineamento
Quadrado Latino 5×5. Utilizaram-se duas dietas controle, uma com baixo
(controle negativo; SMB) e outra com alto (controle positivo; SMA) teor de FDN
de forragem (SMB com 14% e SMA com 22% de FDN da silagem de milho). Três rações
experimentais foram balanceadas para conter 14% de FDN da silagem de milho e 8%
de FDN da cana-de-açúcar in natura
(CAN) ou cana-de-açúcar tratada com NaOH (CAS) ou feno de alfafa (FA). O
consumo de matéria seca (MS), a produção e composição do leite não foram
afetados (P>0,05) pelas dietas. Houve resposta (P<0,05) da concentração e
fonte da FDN da forragem sobre o pH ruminal, proporções molares de ácidos
graxos de cadeia curta (AGCC) e relação acetato:propionato. Os resultados
indicam a viabilidade da substituição de 8% de FDN da silagem de milho pela FDN
da cana-de-açúcar in natura na
alimentação de vacas leiteiras com produção de 18,2 kg de leite/dia.
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COMPARISON
OF FORAGE NEUTRAL DETERGENT FIBER: PERFORMANCE, DIGESTIBILITY AND RUMEN PARAMETERS
ABSTRACT
The objective of this study was to determine the
effects of the partial replacement of corn silage NDF by sugarcane NDF or sugarcane
treated with NaOH NDF or alfalfa hay NDF, on performance, digestibility and
rumen parameters of lactating Holstein cows, cannulated in the rumen and
duodenum, which were assigned in a 5×5 Latin Squared design. Two control diets
were utilized, one with low (negative control; SMB) and another one with high
(positive control; SMA) forage NDF concentration (SMB containing 14% and SMA
containing 22% forage NDF from corn silage). Three experimental rations were
balanced to contain 14% corn silage NDF and 8% sugar-cane NDF (CAN) or
sugar-cane treated with NaOH NDF (CAS) or alfalfa hay NDF (FA). Feed intake,
milk production and milk composition were not affected (P>0.05) by diets.
There was response (P<0.05) of the concentration and source of forage NDF on
rumen pH, molar proportions of short-chain fatty acids, and acetate:propionate
ratio. The data of this experiment indicate the viability of replacing 8% corn
silage NDF by sugarcane NDF fed to dairy cows with milk yield of 18.2 kg/day.
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INTRODUÇÃO
No entanto, os limites de FDN
nas rações de bovinos leiteiros são definidos não apenas por concentrações
mínimas e máximas, mas também por atributos físicos, químicos e biológicos dos
alimentos, que podem alterar o desempenho, digestão e o teor de gordura no
leite. Assim, dois conceitos foram desenvolvidos para o balanceamento de FDN,
considerando-se esses atributos complementares. Define-se por fibra efetiva
(FDNe) a capacidade da FDN de um alimento substituir a FDN da forragem (FDNf)
sem alterar a concentração de gordura no leite, sendo, portanto, um atributo
biológico. Por outro lado, a fibra fisicamente efetiva (FDNfe) consiste na FDN
de um determinado alimento que tem o potencial de estimular a atividade
mastigatória, ou seja, um atributo exclusivamente físico, o qual está
relacionado ao tamanho da partícula do alimento (MERTENS, 1997). Dessa forma,
variações na digestibilidade da FDN e no tamanho da partícula dos alimentos
alteram os valores de FDNe e FDNfe, respectivamente, influenciando o teor de
gordura no leite e/ou a atividade de mastigação.
A importância da FDNe de
plantas forrageiras sobre o teor de gordura no leite vem sendo intensamente
avaliada, porém os resultados encontrados na literatura nem sempre são
consistentes (MOONEY & ALLEN, 1997; CLARK & ARMENTANO, 1999; BAL et
al., 2000; SOITA et al., 2000; SCHWAB et al., 2002), sendo que, na maioria desses
estudos, não houve resposta da FDNe sobre o teor de gordura no leite (MOONEY
& ALLEN, 1997; BAL et al., 2000; SOITA et al., 2000; SCHWAB et al., 2002).
A silagem de milho e a
cana-de-açúcar representam duas das principais fontes de forragens para a
alimentação de bovinos leiteiros durante o período de estiagem no Brasil. A
elevada produtividade, baixo custo por unidade de MS e manutenção do valor
nutritivo por períodos prolongados são argumentos frequentemente utilizados
para justificar o emprego da cana-de-açúcar na alimentação de bovinos leiteiros;
entretanto, a substituição parcial ou total da silagem de milho pela
cana-de-açúcar resulta em decréscimo no consumo de MS e na produção de leite
(CORREA et al., 2000; MAGALHÃES et al., 2004; MENDONÇA et al., 2004; COSTA et
al., 2005). Ademais, na compilação de dados de seis experimentos com
delineamento em Quadrado Latino 4×4, comparando-se a alimentação exclusiva da
silagem de milho ou cana-de-açúcar como fonte de forragem, verificou-se redução
no consumo de MS e queda na produção de leite (OLIVEIRA et al., 2011). Um dos
fatores dessa redução está na maior lignificação da parede celular da
cana-de-açúcar, fazendo com que sua digestibilidade da FDN seja menor,
comparada à da silagem de milho (PEREIRA et al., 2000; CAMPOS et al., 2001;
MAGALHÃES et al., 2006). A avaliação da digestibilidade in vitro e in situ da FDN
de 13 forragens demonstrou que o aumento de uma unidade percentual na
digestibilidade dos carboidratos fibrosos resultou em aumento de 0,17 kg/dia no
consumo de MS e 0,25 kg/dia na produção de leite (OBA & ALLEN, 1999).
A restrição do consumo de MS
imposta pela menor digestibilidade da FDN da cana-de-açúcar pode ser mitigada
por meio de tratamentos químicos com álcalis (NaOH). Tais tratamentos rompem as
ligações entre a lignina e os polissacarídeos da parede celular,
disponibilizando esses carboidratos fibrosos para fermentação realizada pelos
microrganismos do rúmen (KLOPFENSTEIN & OWEN, 1981). Além disso, a
composição da parede celular se altera, pois a maior parte da hemicelulose
torna-se solúvel durante o tratamento (BERGER et al., 1979), sendo que parece
não existir estudos na literatura que avaliaram a FDN da cana-de-açúcar in natura comparada à
cana-de-açúcar tratada com NaOH, tornando o presente trabalho inédito nesse
aspecto.
Nesse contexto, objetivou-se
neste estudo determinar os efeitos da substituição parcial da FDN da silagem de
milho pela FDN da cana-de-açúcar in natura (CAN) ou tratada com NaOH (CAS)
sobre o desempenho, manutenção do teor de gordura do leite, digestibilidade de
nutrientes e parâmetros ruminais de vacas em lactação. Como o feno de alfafa
vem sendo frequentemente utilizado como referência na avaliação da FDN de
forragens, incluiu-se um tratamento adicional com feno de alfafa (FA) para
comparação com a FDN das demais forragens (silagem de milho, cana-de-açúcar in natura e tratada com NaOH).
Silagem de milho,
cana-de-açúcar in natura,
cana-de-açúcar tratada com NaOH e feno de alfafa foram usados como forragens no
balanceamento das cinco dietas experimentais (Tabela 1). Formularam-se as
dietas para vacas em lactação, com 570 kg de peso vivo, produzindo 20 kg de
leite/dia com 3,5% de gordura e 3,3% de proteína, conforme recomendações do NRC
(2001). Balancearam-se as dietas visando-se obter níveis equivalentes de
nutrientes, exceto para concentrações e fontes de FDNf, que foram alteradas de
acordo com os tratamentos propostos.
Balanceou-se a dieta com
baixa porcentagem de FDNf (SMB) para conter 14% de FDNf proveniente da silagem
de milho e 22% de FDN total, e a dieta com alta porcentagem de FDNf (SMA) para
conter 22% de FDNf proveniente da silagem de milho e 28% de FDN total. Essas
dietas representaram, respectivamente, os controles negativo (SMB) e positivo
(SMA), sendo comparadas com três dietas que continham 14% de FDNf proveniente
da silagem de milho e 8% de FDNf proveniente da cana-de-açúcar in natura (CAN), 14% de FDNf proveniente
da silagem de milho e 8% de FDNf proveniente da cana-de-açúcar tratada com NaOH
(CAS) e 14% de FDNf proveniente da silagem de milho e 8% de FDNf proveniente do
feno de alfafa (FA), perfazendo 28% de FDN total nessas três rações.
Realizou-se o tratamento da cana-de-açúcar durante a sua trituração,
utilizando-se uma solução comercial de hidróxido de sódio (NaOH 50%
peso/volume) aplicada na proporção de 2% (peso/volume), com auxilio de um
pulverizador acoplado ao equipamento de colheita (Kit hidrocana). Após a
aplicação da solução com NaOH, a cana-de-açúcar triturada permaneceu ao ar
livre por um período de 24 horas para permitir a hidrólise da parede celular.
Conduziu-se o experimento por
65 dias, divididos em cinco períodos de 13 dias, sendo sete dias de adaptação
às dietas experimentais e seis dias de coletas. Misturaram-se as rações
manualmente duas vezes ao dia após pesagens dos alimentos, sendo fornecidas ad libitum em duas refeições diárias
(06h00min e 18h00min). Pesaram-se as sobras diariamente antes da refeição da
manhã e da tarde para o cálculo do consumo de MS e ajuste de sobras para 10% da
quantidade oferecida, a fim de garantir o máximo consumo voluntário de MS pelos
animais. Amostraram-se as dietas do oitavo ao décimo dia de cada período
experimental. Congelaram-se as amostras a -4ºC, sendo posteriormente reunidas
para formar uma amostra composta por animal e tratamento ao final de cada
período de coleta.
Amostras das dietas,
previamente descongeladas e secas em estufa de ventilação forçada a 65ºC
durante 48 horas, foram moídas em moinho tipo Wiley dotado com peneira de 1 mm
(Wiley Mill; Arthur H. Thomas, Philadelphia, PA) e analisadas para determinação
de MS, proteína bruta (PB), matéria mineral (MM), extrato etéreo (EE) e fibra
em detergente ácido (FDA), segundo a AOAC (2000). Determinaram-se as
concentrações de FDN e lignina sequencialmente de acordo com VAN SOEST et al.
(1991). Utilizou-se, na determinação de FDN, sulfito de sódio e amilase
termoestável (Termamyl 120 L) e, na determinação de lignina, solução de H2SO4
72%. Para determinação da FDN indigestível (FDNi) das dietas experimentais,
amostras de 0,25 g, previamente secas em estufa de ventilação forçada a 65ºC durante
48 horas e moídas em moinho tipo Wiley dotado com peneira de 1 mm (Wiley Mill;
Arthur H. Thomas, Philadelphia, PA), foram incubadas in vitro, por 144 horas (BERCHIELLI et al., 2000), e analisadas em
seguida para determinação da FDN (VAN SOEST et al., 1991). Calculou-se a
concentração de FDNpd das dietas experimentais pela seguinte equação: FDNpd =
[(FDN – FDNi)/FDN)] × 100 (Tabela 1).
Determinou-se a
digestibilidade das dietas no rúmen e no trato total utilizando-se a fibra em
detergente ácido indigestível (FDAi)
como marcador interno (BERCHIELLI et al., 2000). Coletaram-se amostras do conteúdo duodenal (± 250
mL) e fezes (±
200 g) a cada três horas, do décimo ao décimo segundo dias de cada período. Congelaram-se
as amostras a -4ºC e, ao final de cada período, foram descongeladas, e
submetidas à secagem em estufa de ventilação forçada a 65ºC, durante 48 horas,
posteriormente moídas em moinho tipo Wiley dotado com peneira de 1 mm (Wiley
Mill; Arthur H. Thomas, Philadelphia, PA), e armazenadas para análises
posteriores. Para determinação das concentrações de FDAi, amostras de 0,25 g das dietas, conteúdo duodenal e fezes foram
incubadas por 144 horas in vitro
(BERCHIELLI et al., 2000) e analisadas em seguida para determinação de FDA
(AOAC, 2000). Utilizou-se a equação de
SCHNEIDER & FLATT (1975) para determinação da digestilidade da MS e matéria
orgânica (MO) no trato total, FDN (rúmen e trato total) e FDN potencialmente digestível
(FDNpd) no rúmen e trato total:
Ordenharam-se as vacas mecânica
e diariamente às 05h30min e 17h30min, e registrou-se a produção de leite a cada
ordenha. Coletaram-se amostras de leite das ordenhas da manhã e da tarde do dia
oito ao dia doze de cada período, sendo conservadas em frascos contendo
2-bromo-2-nitropropane-1,3-diol, armazenadas em refrigerador, e posteriormente
analisadas no Laboratório de Fisiologia da Lactação do Departamento de
Zootecnia (ESALQ/USP), para determinação das concentrações de gordura e
proteína, utilizando-se equipamento de espectroscopia infravermelha (Milkoscan
4000 Basic®) com princípio analítico infravermelho próximo.
Calcularam-se as concentrações e produções de gordura e proteína para cada vaca
e período considerando-se a média ponderada das amostras e ordenhas realizadas.
Corrigiu-se a produção de leite para 3,5% de gordura (LCG 3,5%), segundo
TYRRELL & REID (1965), em que LCG 3,5% = (0,4324 × kg de leite/dia) +
(16,216 × kg de gordura/dia).
Coletaram-se amostras de
aproximadamente 200 mL de fluido ruminal de cinco pontos diferentes do rúmen
com auxílio de um tubo rígido de metal de parede perfurada inserido no rúmen,
através da cânula, acoplado a um dispositivo gerador de pressão negativa, do
décimo ao décimo segundo dia de cada período de coleta. Coletaram-se as
amostras imediatamente antes da alimentação da manhã e posteriormente em
intervalos de três horas durante o décimo dia. A partir do décimo primeiro dia,
os horários de amostragem foram adiantados em uma hora e meia, totalizando 16
horários de coleta, escalonados no tempo durante os três dias. Determinou-se o
pH do fluido ruminal por meio de um potenciômetro digital modelo Licit®,
imediatamente após as coletas, e em seguida alíquotas em duplicata de quatro mL
do fluido ruminal foram adicionadas com um mL de ácido metafosfórico 25%,
congeladas e armazenadas em freezer a -20ºC. Após o descongelamento,
centrifugaram-se as amostras a 12.500 × g, a 4ºC por 15 minutos, e o
sobrenadante foi analisado para determinação de ácidos graxos de cadeira curta
(AGCC), conforme ERWIN et al. (1961), utilizando-se cromatógrafo a gás (modelo
5890 Série II, Hewlett Packard).
Procedeu-se a análise
estatística por meio do procedimento de modelos mistos (PROC MIXED) do pacote
estatístico do SAS (1999), adotando-se o seguinte modelo: Yijk = m + Vi + Pj + Tk + eijk, em que:
Yijk corresponde ao dado referente à i-ésima vaca, ao j-ésimo período e ao
k-ésimo tratamento; m
corresponde à média geral observada; Vi corresponde ao efeito aleatório da
i-ésima vaca; Pj corresponde ao efeito fixo do j-ésimo período; Tk corresponde
ao efeito fixo do k-ésimo tratamento; e eijk corresponde ao erro aleatório
associado a i-ésima vaca, j-ésimo período e k-ésimo tratamento. Compararam-se
os efeitos de tratamentos por meio dos seguintes contrastes ortogonais:
SMB vs. CAN, CAS e FA:
comparação da dieta SMB (controle negativo) contendo 14% de FDNf da silagem de
milho versus a inclusão de 8% de FDN de três forragens (CAN, CAS e FA) em uma
dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho.
SMA vs. CAN, CAS e FA:
comparação da dieta SMA (controle positivo) contendo 22% de FDNf da silagem de
milho versus a inclusão de 8% de FDN de três forragens (CAN, CAS e FA) em uma
dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho.
CAN e CAS vs. FA: comparação da
inclusão de 8% de FDNf da cana-de-açúcar (in
natura e tratada com NaOH) em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de
milho versus a inclusão de 8% de FDNf do feno de alfafa em uma dieta basal com
14% de FDNf da silagem de milho.
CAN vs. CAS: comparação da
inclusão de 8% de FDNf da cana-de-açúcar in
natura em uma dieta basal com 14% de FDNf da silagem de milho versus a
inclusão de 8% de FDNf da cana-de-açúcar tratada com NaOH em uma dieta basal
com 14% de FDNf da silagem de milho.
Analisaram-se os dados de pH
do fluido ruminal, produção total e proporção molar dos AGCC nos diferentes
horários de coleta, utilizando-se o procedimento de medidas repetidas no tempo
(REPEATED), com estrutura de covariância auto-regressiva de primeira ordem
[AR(1)], por meio do procedimento de modelos mistos (PROC MIXED) do pacote
estatístico do SAS (1999). Adotou-se nível de significância de 5% (P<0,05) e
tendências de 10% (P<0,10) entre os tratamentos. Os valores reportados nas
tabelas de resultados representam as médias dos quadrados mínimos e
correspondentes erros-padrão da média (EPM).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não houve efeito de
tratamento sobre o consumo de MS e MO (P>0,05), porém o consumo de FDN e
FDNpd foram reduzidos (P<0,01) na dieta SMB em relação às demais dietas
(Tabela 2), resultado já esperado em função da menor concentração numérica de
FDN na dieta SMB (Tabela 1). O efeito da fonte da FDN sobre o consumo de MS foi
avaliado em alguns experimentos, sendo que, de forma geral, não houve efeito
dessa variável sobre o consumo de MS quando as dietas foram balanceadas para
concentrações equivalentes de FDN total (BEAUCHEMIN, 1991; POORE et al., 1991;
POORE et al., 1993). Apesar desses resultados, é preciso considerar que a
importância da concentração e fonte da FDN da ração sobre o consumo de MS
depende também da exigência de energia do animal (ALLEN, 2000) e da
digestibilidade da FDN do alimento (OBA & ALLEN, 1999).
A amplitude de variação da
fonte e digestibilidade da FDNf no presente experimento foi, até certo ponto,
limitada pela substituição parcial da FDN da silagem de milho pela FDN das
outras forragens. Além disso, as dietas foram balanceadas para concentração de
FDN total próxima ao limite mínimo estabelecido pelo NRC (2001) e com proporção
relativamente elevada de CNF (44,8 a 52,1% da MS, Tabela 1), levando-se em
consideração o potencial médio de produção das vacas utilizadas neste
experimento (18,2 kg/dia). Em outras oportunidades, a substituição parcial ou
total da silagem de milho pela cana-de-açúcar em maiores níveis resultou na
redução do consumo de MS (CORREA et al., 2000; MAGALHÃES et al., 2004; MENDONÇA
et al., 2004; COSTA et al., 2005). Além disso, a compilação dos resultados de
seis experimentos comparando a alimentação exclusiva de silagem de milho ou
cana-de-açúcar como fonte de forragem também revelou redução no consumo de MS
(OLIVEIRA et al., 2011). A redução no consumo de MS observada em dietas com
maior proporção de cana-de-açúcar é explicada pelo efeito de repleção da FDN,
que tem origem na baixa taxa de digestão da FDNpd e concentração elevada da FDNi (PEREIRA et al., 2000; OLIVEIRA et
al., 2011).
Houve aumento (P<0,01) na
digestibilidade da MS e MO na dieta SMB, comparada às dietas CAN, CAS e FA, o
que pode ser explicado pela menor proporção de FDNf e FDN total e maior
proporção de concentrado e CNF, possivelmente resultando em maior sincronismo
entre carboidratos fermentescíveis e aporte de nitrogênio.
Em se tratando da dieta SMA,
houve redução (P<0,01) na digestibilidade da MS e MO, ausência de resposta
(P>0,05) de tratamento sobre a digestibilidade da FDN (rúmen e trato total)
e tendência (P=0,06) de redução na digestibilidade da FDNpd (rúmen e trato
total), em comparação com as dietas CAN, CAS e FA. Em função do balanceamento
das dietas SMA, CAN, CAS e FA, as quais contêm níveis bastante próximos de
FDNf, FDN total e FDNpd (Tabela 1), esses resultados são de difícil explicação
e contrários aos frequentemente encontrados na literatura, uma vez que existem
relatos consistentes evidenciando que a digestibilidade da FDN da silagem de
milho é maior que a da cana-de-açúcar, em função da menor lignificação da
parede celular da planta do milho (PEREIRA et al., 2000; CAMPOS et al., 2001;
MENDONÇA et al., 2004; COSTA et al., 2005; MAGALHÃES et al., 2006).
As dietas com cana-de-açúcar
apresentaram tendência (P=0,09) para maior digestibilidade da MS e MO comparada
à dieta FA, mas o tratamento com NaOH na dieta CAS não alterou (P>0,05) a
digestibilidade da MS e MO, em comparação à dieta CAN.
Houve resposta do tratamento
com NaOH na dieta CAS sobre a digestibilidade da FDN (P<0,05) e FDNpd
(P<0,01), ambas no trato total, em relação à dieta CAN, demonstrando um
possível benefício do rompimento das ligações entre a lignina e os demais
componentes da parede celular, e provavelmente aumentando a quantidade de
carboidratos fibrosos para degradação realizada pelos microrganismos do rúmen
(KLOPFENSTEIN & OWEN, 1981). Entretanto, esse efeito do tratamento com NaOH
sobre a digestibilidade da fração fibrosa da dieta CAS no trato total não se
traduziu em aumento no consumo de MS (Tabela 2) e tampouco na produção de leite
das vacas alimentadas com essa dieta (Tabela 3).
A produção de leite, produção
de leite corrigida para 3,5% de gordura e composição do leite não foram
afetadas (P>0,05) pela concentração ou fonte de FDNf das rações
experimentais (Tabela 3). A ausência de resposta para concentração ou fonte de
FDNf sobre a composição do leite sugere que as dietas CAN, CAS e FA apresentaram
FDNe equivalente à da silagem de milho, tanto na dieta SMB (controle negativo)
quanto na dieta SMA (controle positivo). Entretanto, a substituição parcial ou
total da silagem de milho pela cana-de-açúcar resultou em queda na produção de
leite, porém, assim como nessa pesquisa, sem efeitos significativos sobre o
teor de gordura (CORREA et al., 2000; MAGALHÃES et al., 2004; MENDONÇA et al.,
2004; COSTA et al., 2005). Em sua meta-análise, OLIVEIRA et al. (2011)
reportaram diminuição da produção de leite de vacas alimentadas com
cana-de-açúcar comparada à silagem de milho como fontes únicas de forragem.
Na Tabela 4 estão
apresentados os resultados dos parâmetros ruminais. O pH ruminal não foi
alterado (P>0,05) pelo nível de FDNf na dieta, corroborando os dados
relatados por MAGALHÃES et al. (2006), os quais não encontraram diferença no pH
do fluido ruminal com níveis crescentes de cana-de-açúcar em substituição à
silagem de milho na ração (0; 33,3; 66,6 e 100% da MS). Porém, a substituição
parcial da FDN da silagem de milho pela FDN do feno de alfafa na dieta FA
reduziu (P=0,03) o pH ruminal em relação às dietas CAN e CAS. Para as dietas
com 22% de FDNf, o pH ruminal se manteve sempre acima de 6,0; mas na dieta SMB
o pH ruminal esteve inferior a 6,0 por até duas horas durante o dia.
O pH ruminal inferior a seis
(6) tem sido associado à redução na digestão da FDN (MERTENS, 1979). O
decréscimo do pH ruminal na dieta SMB pode estar associado à maior proporção de
concentrados e carboidratos fermentescíveis, comparado às dietas com 22% de
FDNf. Além disso, alterações no padrão de consumo de MS e atividade de
ruminação podem ter determinado a queda do pH ruminal por um curto intervalo de
tempo. Entretanto, a queda do pH ruminal observada na dieta SMB não foi de
magnitude suficiente para alterar a digestão da FDN.
Embora a concentração total
dos AGCC não tenha sido afetada pelos tratamentos, as proporções molares dos
AGCC e a relação acetato:propionato foram alteradas pelo nível e fonte de FDNf
na ração (Tabela 4). Na dieta SMB houve tendência (P=0,07) de redução da
relação acetato:propionato em decorrência da menor (P=0,01) proporção molar de
acetato, comparada às dietas CAN, CAS e FA. Na dieta SMA, tanto a redução
(P<0,01) na proporção molar de acetato, quanto o aumento (P<0,01) na
proporção molar de propionato ocasionaram redução (P<0,01) na relação
acetato:propionato, comparada às dietas CAN, CAS e FA. Houve tendência (P=0,08)
de aumento na proporção molar de acetato nas dietas CAN e CAS em relação à dieta
FA, e aumento (P=0,01) na proporção molar de propionato na dieta FA, comparada
às dietas CAN e CAS, resultando no aumento (P=0,02) da relação
acetato:propionato nas dietas CAN e CAS, em comparação à dieta FA. O tratamento
da cana-de-açúcar com NaOH resultou em tendência (P=0,07) de redução na
proporção molar de propionato e aumento
(P=0,05) na relação acetato:propionato na dieta CAS, comparada à dieta
CAN.
As proporções molares de
butirato também foram alteradas pelos tratamentos. Nesse caso, as dietas com
silagem de milho como única fonte de FDNf aumentaram (P<0,01) a proporção
molar de butirato, comparadas às dietas CAN, CAS e FA.
Variações na produção e
proporções molares de AGCC são determinadas principalmente pelo substrato
fermentado e pH do fluido ruminal (RUSSELL, 1998). Assim, variações na
concentração e composição dos CNF e diferenças na capacidade de troca de
cátions (CTC) entre forragens podem ter sido responsáveis pelas alterações
observadas nos padrões de fermentação ruminal. Não se avaliou o papel da CTC
das forragens nesse experimento por não ser o objetivo deste trabalho. Apesar
dos efeitos significativos de tratamento sobre as relações acetato:propionato,
os valores médios dessa relação sempre estiveram acima de dois (2) em todas as
dietas e horários de coleta, considerado como limite mínimo para que não
ocorram alterações no teor de gordura no leite (ERDMAN, 1988).
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Protocolado em: 25 jul. 2012. Aceito em: 01 out. 2012