DOI: 10.5216/cab.v14i4.19210
MICROBIOTA CONJUNTIVAL EM
CÃES CLINICAMENTE SADIOS E CÃES COM CERATOCONJUNTIVITE SECA
Arianne Pontes Oria1, Melissa Hanzen Pinna1, Miucha
Almeida Furtado2, Ana Carla Oliveira Pinheiro3,
Deusdete Conceicao Gomes Junior4, Joao Moreira Costa Neto1
1Professores Doutores da Universidade Federal da
Bahia, Salvador, BA, Brasil. arianneoria@ufba.br
2Médica Veterinária da Universidade Federal da Bahia,
Salvador, BA, Brasil.
3Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal
da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
4Pós-Graduando da Universidade Federal da Bahia, Salvador,
BA, Brasil.
RESUMO
Este trabalho objetivou determinar os
microrganismos bacterianos no saco conjuntival de cães clinicamente
normais e cães com ceratoconjuntivite seca (CCS), atendidos no Hospital de
Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia. Foram incluídos na
pesquisa 30 animais sadios e 28 com CCS. Foi observado crescimento
bacteriano em 60% das amostras oculares dos cães sadios e em 89,29% dos
cães com CCS. Houve predomínio de espécies Gram positivas em ambos os
grupos. Nos animais normais as bactérias mais prevalentes foram Staphylococcus
intermedius (26,83%), seguido por Staphylococcus
aureus (21,95%) e Staphylococcus
epidermidis (19,51%). Houve identificação de leveduras em 38,34%
das amostras. Dos 30 animais sadios estudados, 46,66% apresentaram cultura
positiva bilateral, 26,67% cultura positiva unilateral e 26,67% cultura
negativa. Nos animais com CCS, as bactérias de maior prevalência
foram o Streptococcus
β-hemolítico (16,13%), seguido por Staphylococcus
intermedius (12,90%) e o Staphylococcus
aureus (11,83%). Ocorreu identificação de leveduras em 19,64% das
amostras. Dos 28 animais com CCS, observou-se que 82,14% apresentaram
cultura positiva bilateral e 17,86% cultura positiva unilateral.
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PALAVRAS-CHAVE: Ceratoconjuntivite seca; cão; flora conjuntival.
CONJUNCTIVAL MICROBIOTA IN CLINICALLY
HEALTHY DOGS AND DOGS WITH KERATOCONJUNCTIVITIS SICCA
ABSTRACT
This study aimed to determine the
bacterial microorganisms in the conjunctival sac of clinically normal dogs
and of dogs with keratoconjunctivitis sicca (KCS) attended at the
Veterinary Hospital of the Federal University of Bahia. Thirty health
animals and 28 with KCS were included in the research. Bacterial growth
was observed in 60% of the healthy dogs and in 89.29% of the dogs with
KCS. There was a predominance of Gram-positive species in both groups. In
normal animals, Staphylococcus
intermedius (26.83%), followed by Staphylococcus
aureus (21.95%) and
Staphylococcus epidermidis (19.51%) were the most prevalent
bacteria and the identification of yeasts in the samples of this group was
38.34%. Of the 30 healthy animals studied, 46.66% showed bilateral
positive culture, 26.67% had unilateral positive culture and 26.67% had
negative culture. In animals with KCS, Streptococcus
β-hemolytic (16.13%), followed by Staphylococcus
intermedius (12.90%) and Staphylococcus
aureus (11.83%) were the most prevalent bacteria. Yeast
identification in this group occurred in 19.64% of the samples. Of the 28
animals with KCS, 82.14% showed bilateral positive culture and 17.86%
unilateral positive culture.
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KEYWORDS: Conjunctival flora; dog; keratoconjunctivitis sicca.
INTRODUÇÃO
A microbiota conjuntival normal é
composta por bactérias e fungos que desempenham importante papel na
estimulação da resposta imune local (MOELLER et al., 2005), na secreção de
substâncias com propriedades antimicrobianas e no mecanismo competitivo
entre microrganismos. A microbiota residente age como importante mecanismo
de defesa (WANG, 2008) associada à secreção contínua da lágrima, a qual
contém fatores limitadores do crescimento microbiano. Tais microrganismos
estabelecem relação única com o hospedeiro, que se inicia à medida que o
feto microbiologicamente estéril atravessa o canal do nascimento (UESUGUI
et al., 2002; PRADO et al., 2005).
Indivíduos sadios suportam uma pequena população bacteriana nos olhos
(GRAHAM et al., 2007), estando presentes, principalmente, as bactérias
Gram positivas, com perfil que varia constantemente no tipo e frequência
devido à localização geográfica, técnica de cultivo, contato com outros
animais, densidade populacional e estações do ano (TUNTIVANICH et
al., 2002; PRADO et al., 2005; SWINGER et al., 2009).
Quando o cão sofre uma injúria externa, a depender do grau e intensidade
do trauma, desencadeiam-se processos inflamatórios superficiais na córnea
e conjuntiva. Diante da perda de integridade do epitélio, bactérias e
fungos podem instalar-se de forma oportunista, colonizando o ambiente
(ARMSTRONG, 2000).
A ceratoconjuntivite seca é uma enfermidade caracterizada por inflamação
crônica das glândulas lacrimais, córnea e conjuntiva, que decorre de
alterações quali-quantitativas do filme lacrimal pré-corneano. Contudo,
dados relativos à composição da microbiota conjuntival em cães com essa
afecção são pouco explorados. Desta forma, objetivou-se analisar a
microbiota conjuntival em cães sadios e com ceratoconjuntivite seca,
atendidos no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Medicina Veterinária
da Universidade Federal da Bahia.
MATERIAL E MÉTODOS
Os protocolos de pesquisa foram aprovados
pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Escola de Medicina Veterinária e
Zootecnia da Universidade Federal da Bahia sob nº. 24.
Foram obtidas amostras oculares de ambos os olhos de 30 cães clinicamente
saudáveis e 28 cães portadores de ceratoconjuntivite seca (CCS) de
diversas raças e de ambos os sexos, oriundos dos casos atendidos no
Hospital Veterinário Professor Renato Rodemburg de Medeiros Neto, da
Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da UFBA. As avaliações e
amostras foram realizadas durante o período de 18 meses (de março de 2009
a março de 2010 nos animais com CCS e de julho de 2010 a março de 2011 nos
animais saudáveis). Os animais foram avaliados objetivando-se utilizar
indivíduos em condições padronizadas. Para tanto, seguiu-se a semiotécnica
clínica e oftálmica rotineira, notadamente os testes convencionais para
mensuração da produção lacrimal e a prova da fluoresceína. Nenhum dos cães
estava recebendo tratamento antimicrobiano sistêmico ou tópico antes da
coleta das amostras.
Os cães clinicamente saudáveis apresentaram produção lacrimal, ao teste de
Schirmer, dentro da normalidade, com média de 20,27 ± 2,23 mm e ausência
de lesões oculares ou em anexos. Os cães diagnosticados com
ceratoconjuntivite seca (CCS) apresentaram produção lacrimal média de 3,51
± 2,97 mm com quadros oftálmicos variados com presença de pelo menos um
dos sinais característicos da CCS (pigmentação, vascularização e ulceração
corneana, hiperemia conjuntival, secreção variando de mucoide a
mucupurulenta, blefarite periocular).
Com o paciente contido fisicamente, foi realizado o teste de Schirmer
(Ophthalmos, Ribeirão Preto, São Paulo 14020-040, Brasil), seguido da
colheita das amostras para cultura, com auxílio de swabs de algodão
hidrófilo estéril. Os swabs foram pressionados direta e levemente no saco
conjuntival inferior de cada olho, através de movimentos rotatórios; em
seguida, foram armazenados em tubos de ensaio com meio de transporte ágar
triptose e mantidos sob refrigeração para posterior processamento no
Laboratório de Bacterioses da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia
da Universidade Federal da Bahia, quando foi dado prosseguimento à
semiotécnica oftálmica.
As amostras foram semeadas em Agar sangue de carneiro a 6%, Agar MacConkey
e Caldo Triptose, incubadas a 37 °C por 24-48 horas. Realizou-se, também,
a confecção de esfregaços corados segundo a técnica de Rosenfeld para
identificação de leveduras. Após o crescimento, as colônias foram
identificadas tendo por base a presença ou não de hemólise em Agar Sangue,
características morfológicas, tintoriais e bioquímicas de acordo com
técnicas rotineiras de laboratório.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os microorganismos isolados e as suas
respectivas frequências encontram-se arrolados nas
Tabelas 1 e
2.
Nos animais sadios foi identificado crescimento bacteriano em 60% das
amostras oculares (36/60), sendo evidenciado crescimento de espécies Gram
positivas em 85,37% das amostras analisadas e de bactérias Gram negativas
em 14,63%. Dentre os microrganismos Gram positivos isolados, houve
predomínio de
Staphylococcus
intermedius (31,43%),
Staphylococcus
aureus (25,71%) e
Staphylococcus
epidermidis (22,86%). Em relação ao isolamento de bactérias Gram
negativas, identificaram-se Difteróides em 50% das amostras,
Pseudomonas spp. em 33,33% e
Enterobacter
harfinia em 16,67%. As bactérias mais prevalentes foram
Staphylococcus
intermedius com 26,83% (11/60), seguido por
Staphylococcus
aureus, encontrado em 21,95% (9/60) das amostras de conjuntiva, e
Staphylococcus epidermidis isolado em 19,51% (8/60). Bacillus spp.,
Difteróides,
Pseudomonas spp.,
Streptococcus spp. e E
nterobacter
harfinia estavam presentes em 14,63% (6/60), 7,32% (3/60), 4,88%
(2/60), 2,44% (1/60) e 2,44% (1/60) dos isolamentos, respectivamente. A
identificação de leveduras nas amostras foi em 38,34% (23/60). Em 86,11%
(31/36) das amostras foi isolado apenas um único tipo de bactéria,
enquanto 13,89% (5/36) apresentaram dois tipos bacterianos nas culturas.
Dos 30 animais sadios estudados, 46,66% apresentaram cultura positiva
bilateral, 26,67% cultura positiva unilateral e 26,67% culturas negativas.
Nos animais com CCS, foi identificado crescimento bacteriano em 89,29% das
amostras oculares (50/56), sendo evidenciado crescimento de espécies Gram
positivas em 64,51% das amostras analisadas e bactérias Gram negativas em
35,48% (
Tabela 2). Dentre os
microrganismos Gram positivos isolados, houve predomínio de
Streptococcus
β-hemolítico (25%),
Staphylococcus
intermedius (20%) e
Staphylococcus
aureus (18,33%). Em relação ao isolamento de bactérias Gram
negativas, identificaram-se
Escherichia
coli (27,27%),
Pseudomonas
aeruginosa (24,24%) e
Enterobacter
spp. (18,18%). As bactérias de maior prevalência foram o
Streptococcus
β-hemolítico com 16,13%, seguido por
Staphylococcus
intermedius em 12,90% e o
Staphylococcus
aureus em 11,83% dos isolados. Ocorreu identificação de leveduras
em 19,64% (11/56) das amostras. Em 50% (14/28) das amostras houve
crescimento bacteriano misto (Gram negativas e Gram positivas). Em 42,86%
(12/28) das amostras analisadas foi evidenciado crescimento apenas de
espécies Gram positivas e em 7,14% (2/28) apenas Gram negativas. Dos 28
animais com CCS, 50% apresentaram exclusivamente ceratoconjuntivite seca
bilateral, nove (32,14%) apresentaram doença sistêmica associada como
cinomose e/ou erliquiose e cinco (17,86%) tinham outra oftalmopatia
associada, como úlcera de córnea e/ou uveíte. Nas amostras analisadas,
observou-se que 82,14% (23/28) apresentaram cultura positiva bilateral,
17,86% (5/28) cultura positiva unilateral e nenhuma apresentou cultura
negativa.
Os resultados obtidos com as amostras dos animais sadios confirmam os
achados de HAGHKHAH et al. (2005), que identificaram 65% de positividade
nas culturas, e os de KUDIRKIENE et al. (2006), que encontraram 69% de
crescimento bacteriano, sendo ambos os achados provenientes de espécimes
clínicos de conjuntiva ocular de cães sadios. Entretanto, PRADO et al.
(2005) obtiveram crescimento microbiano em 39% das amostras provenientes
de conjuntiva ocular de cães sadios e WANG et al. (2008), 45% de isolados
positivos. Cabe ressaltar que alguns fatores podem contribuir para a
modificação dos percentuais, tais como o método de colheita, de cultivo e
o tipo de swab utilizado (ANDRADE et al., 2002; PRADO et al., 2005).
Os resultados obtidos com as amostras dos animais com CCS são semelhantes
aos encontrados por JONES (1955), que obteve 89,65% de crescimento
positivo quando estudou a microbiota conjuntival de 29 cães acometidos por
alterações oftálmicas. Resultados similares foram verificados por SANTOS
et al. (2009), que obtiveram isolamento positivo em 100% das amostras
cultivadas.
Cães com CCS apresentam deficiência de filme lacrimal, seja na produção ou
na maior evaporação, consequentemente, há diminuição nas enzimas
antibacterianas (lactoferrina, lisozima e peroxidase), situação que
favorece o crescimento de bactérias no saco conjuntival, contribuindo para
maior frequência de culturas positivas em relação a trabalhos realizados
com cães sadios (PRADO et al., 2006), o que pode justificar os resultados
encontrados.
A predominância de bactérias Gram positivas em relação às bactérias Gram
negativas, encontrada nas amostras, já havia sido descrita na espécie
canina por diversos autores, dentre os quais PRADO et al., (2005) e WANG
et al. (2008), que encontraram, respectivamente, 86,5% e 66,7% de isolados
Gram positivos. De acordo com COSTA et al. (1989), HAGHKHAH et al. (2005)
e KUDIRKIENE et al. (2006), houve predomínio de isolados Gram positivos em
seus respectivos estudos envolvendo microbiota normal de cães saudáveis.
Esse predomínio deve-se ao achado de grande quantidade de Staphylococcus
nas amostras, bactérias Gram positivas que fazem parte da microflora
normal de mucosa e pele (HOEKSTRA & PAULTON, 2002). No que se refere à
espécie bacteriana predominante nos cães normais,
Staphylococcus
intermedius foi a bactéria mais comumente isolada, enquanto que
nos cães com CCS o
Streptococcus
β-hemolítico foi o mais encontrado. PRADO et al. (2005) e WANG et al.
(2008) encontraram
Staphylococcus
epidermidis e COSTA et al. (1989), HAGHKHAH et al. (2005) e
KUDIRKIENE et al. (2006) identificaram
Staphylococcus
aureus nas amostras de conjuntiva de seus respectivos trabalhos.
Staphylococcus aureus, Staphylococcus
intermedius, Staphylococcus epidermidis são agentes saprófitas da
microbiota da pele de cães e foram identificados tanto nos pacientes
sadios quanto nos com CCS, fato observado também por ANDRADE et al.
(2002).
As espécies bacterianas isoladas em ambos os grupos estão de acordo com os
achados de COSTA et al. (1989), ANDRADE et al. (2002), PRADO et al. (2005)
e KUDIRKIENE et al. (2006), que isolaram, como parte da microbiota
residente,
Enterobacter agglomerans
(4,70%) e
Enterobacter aerogenes
(2,36%);
Enterobacter cloacae
(5,26%);
Enterobacter cloacae
(5,1%) e
Enterobacter spp.
(5,3%), respectivamente. Apenas a
Enterobacter
harfinia (14,63%) não havia sido citada na literatura consultada.
Microrganismos do gênero
Pseudomonas são
encontrados como saprófitas no meio ambiente, especialmente no solo e na
água, e representam importante causa de ceratite em pequenos animais;
contudo, também podem ser encontrados na microbiota normal (KUDIRKIENE et
al., 2006). Quando ocorrem alterações nos mecanismos de defesa da
superfície ocular, tais bactérias podem expandir-se e desenvolver
infecções com produção de doença (WANG et al., 2008).
De acordo com ANDRADE et al. (2002) a presença de leveduras encontrada nas
amostras pode estar relacionada com as altas temperaturas que são
registradas na região da realização do estudo.
As bactérias do gênero
Klebsiella são
enterobactérias patogênicas e importantes em humanos e animais, habitantes
da flora intestinal de diversas espécies, sendo o agente causal de
enterites e infecções do trato respiratório superior e/ou inferior,
meningites e infecções do trato urinário em jovens e adultos (GALERA et
al., 2002). Elas estavam presentes em 12,12% das amostras dos cães
com CCS mais debilitados, que não se locomoviam mais e ficavam em
ambientes sujos, sem sinais de cuidados higiênicos.
Em 50% dos animais avaliados com afecções oculares foram observadas
doenças sistêmicas, sendo cinomose e erliquiose as mais comuns. De acordo
com BRITO et al. (1998), essas doenças são responsáveis pelo
comprometimento da imunidade do animal e, consequentemente, pela
instalação de várias doenças oportunistas, incluindo as complicações
oculares.
CONCLUSÃO
O crescimento bacteriano proveniente de
saco conjuntival de cães clinicamente sadios foi evidente, sendo que as
bactérias Gram positivas apresentaram maior ocorrência dentre os isolados.
Em relação às bactérias, Staphylococcus intermedius e Difiteróides foram
as identificadas com maior frequência nos animais saudáveis, enquanto que
Streptococcus β-hemolítico e Escherichia coli foram as identificadas com
maior frequência nos animais com CCS, respectivamente, Gram positivas e
Gram negativas.
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