TEORES SÉRICOS DE CORTISOL DE FÊMEAS CANINAS (Canis familiaris – LINNAEUS, 1758) SUBMETIDAS À CESARIANA
Valeska Rodrigues,1 Gilson Hélio Toniollo,2 Patrícia Rotta Lopes ,3
Diogo José Cardilli4 e João Ademir Oliveiraeo
1. Doutoranda em Cirurgia Veterinária da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail:
filovet99@yahoo.com.br
2. Professor titular FCAV/UNESP
3. Graduanda em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
4. Doutorando em Medicina Veterinária (Reprodução Animal) pela FCAV-UNESP/Jaboticabal
5. Professor titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
RESUMO
Cadelas
submetidas à cesariana, por estarem em situação
diferente da fisiológica, podem apresentar
alterações séricas para se adaptarem a essa nova
condição de estresse. Dentre as possíveis
alterações, encontram-se as concentrações
de cortisol durante o período periparto. Sendo assim, o objetivo
deste estudo foi quantificar os teores séricos do cortisol de
cadelas submetidas à cesariana na fase de parto e
pós-parto (no dia do ato cirúrgico ou parto, 24 horas, 48
horas e dez dias após). O método de radioimunoensaio foi
utilizado para a realização da dosagem do cortisol
sérico (nos períodos já descritos). Realizou-se a
análise estatística por meio dos testes t e Tukey. O teor
de cortisol sérico apresentou diferença (p< 0,05) no
dia da cesariana (6,83 µg/dL), porém não diferiu
(p> 0,05) nos dias subsequentes (1,82 µg/dL, 24 horas
após; 1,38 µg/dL, 48 horas após; 1,48 µg/dL
dez dias após). Os valores médios do grupo controle foram
3,43, 2,01, 3,59 e 1,72 µg/dL, após o parto, 24, 48 horas
e dez dias após, respectivamente. O estresse devido à
distocia elevou a liberação desse hormônio,
voltando à normalidade nos dias subsequentes, porém o
estresse cirúrgico não promoveu aumento na
liberação de cortisol em cadelas submetidas à
cesariana. Os animais do grupo controle apresentaram teores
séricos de cortisol, nos devidos períodos,
compatíveis com os citados pela literatura.
PALAVRAS-CHAVES: Cadelas, cesariana, cortisol.
ABSTRACT
SERIC LEVELS OF CORTISOL IN BITCHES (Canis familiaris – LINNAEUS, 1758) SUBMITTED TO AESARIAN SECTION
Bitches
submitted to caesarian section, for being in a physiological different
situation, can present alterations to adapt to this new stress
condition. Into possible alterations are cortisol levels during per
partum period. So, the objectives of this study was to quantify seric
cortisol of bitches submitted to caesarian section in partum and
postpartum period (in the day of the partum or surgery , 24, 48 hours
and 10 days later). The reserved serum was used to realization of
cortisol measure by radioimmunoassay (on already described periods).
The statistics analyzes were made by t test and Tukey. The cortisol
levels presented difference (p< 0.05) in the dog of caesarian
section (6.83 µg/dL) but this didn’t differ (p> 0.05) on
subsequent days (1.82 µg/dL, 24 hours later; 1.38 µg/dL, 48
hour later; 1.48 µg/dL, 10 days later). The middle values of
control group were 3.43, 2.01, 3.59 e 1.72 µg/dL, in partum day,
24 hours later, 48 hours later and 10 days later. The stress because
partum dystocic induced to liberation of cortisol, normalizing in
subsequent days, but don’t have variation after cesarian
(surgical stress don’t induced bigger liberation of cortisol) or
partum natural, composed compatible with the one found in the
literature.
KEY WORDS: Bitches, caesarian section, cortisol.
INTRODUÇÃO
As
glândulas adrenais, presentes em todos os animais vertebrados,
são responsáveis pela produção de
hormônios esteroides, sintetizados a partir do colesterol. Dentre
os principais produtos da adrenal está o cortisol, um
glicocorticoide que afeta marcadamente o metabolismo de carboidratos e
proteínas (SPINOSA et al., 1999).
Os
corticosteroides são sintetizados e liberados quando
necessários, não sendo estocados nas células
adrenais. O principal estímulo para a sua secreção
é o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), ou
corticotropina, produzido por células basófilas da
adeno-hipófise. A secreção de ACTH é
regulada parcialmente pelo hormônio liberador de corticotropina
(CRH), de origem hipotalâmica e, parcialmente, pelas
concentrações sanguíneas de glicocorticoides
(feedback), além do efeito da luminosidade, sendo que o
padrão pulsatil de liberação de cortisol acontece
principalmente no período matutino, em diversas espécies
(BERNE & LEVY, 1998).
O teor
sérico de cortisol aumenta em resposta a estímulos
estressantes, como o parto. Tanto o cortisol da mãe quanto o dos
fetos estão aumentados nessa situação, sendo
descritos como um dos fatores desencadeantes do parto (CONCANNON et al.,
1989; FELDMAN & NELSON, 1996; TONIOLLO & VICENTE, 1993). O
cortisol materno aumenta em virtude da maturação do eixo
hipofiseadrenal fetal próximo ao parto, fazendo com que
atravesse a placenta e se apresente elevado no soro materno,
contribuindo para a expulsão fetal. O aumento dos níveis
de cortisol também contribui para a produção de
surfactantes, importantes na maturação pulmonar, que
auxiliam na respiração neonatal e no preparo para a vida
extrauterina (McDONALD & PINEDA, 1989; FELDMAN & NELSON, 1996).
As
concentrações do cortisol materno mantêm-se dentro
dos padrões normais (1,5-2,5 µg/dL) durante a
gestação; na última semana elevam-se para 4,0-8,0
µg/dL, reduzindo para 1,0-2,5 µg/dL durante o parto.
Não se sabe ao certo se o cortisol poderia atuar direta ou
indiretamente na via placentária, alterando a
produção de esteroides e aumentando gradativamente o
estrógeno no período pré-parto para possibilitar a
liberação da prostaglandina F2α pela placenta
(CONCANNON et al., 1977; CONCANNON et al., 1989).
Considerando-se
a distocia como situação estressante, provável
aumento nas concentrações de cortisol sérico pode
ocorrer, diferindo da situação encontrada no parto
fisiológico. Tendo em vista que tais alterações
ocorrem em animais que necessitam ser submetidos à cesariana, o
objetivo deste estudo foi analisar a cinética do cortisol em
cadelas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi colhido
sangue de quinze cadelas atendidas no Setor de Obstetrícia
Veterinária do Hospital Veterinário Governador Laudo
Natel da FCAV/UNESP e Clínica Veterinária Bichos e
Caprichos Ltda., em Jaboticabal, SP, apresentando distocia, no dia do
ato cirúrgico (minutos antes), 24, 48 horas e dez dias
após. Além disso, colheu-se o sangue de quatro cadelas
que apresentaram parto natural como controle, sendo feita a primeira
colheita minutos após o nascimento do último filhote, 24,
48 horas e dez dias depois. A colheita de sangue foi realizada
utilizando-se seringas estéreis e descartáveis de 10 mL
acopladas a agulhas 25x8, contendo ou não o anticoagulante
ácido etileno diaminotetracético (EDTA) a 10%. Os vasos
puncionados para a colheita de sangue foram a veia jugular externa e a
veia cefálica, aproximadamente quinze minutos antes do ato
cirúrgico ou após o nascimento dos filhotes, no caso das
cadelas do grupo controle.
Realizaram-se
hemograma, dosagens bioquímicas, sendo o soro reservado para
posterior dosagem de cortisol. Utilizou-se técnica
cirúrgica para a realização das cesarianas
conforme descrito por TONIOLLO & VICENTE (1993). Em treze cadelas,
a ovariossalpingo-histerectomia foi realizada após a cesariana,
para retirada dos fetos vivos e/ou mortos. Submeteram-se todos os
animais à antibioticoterapia, por dez dias, e procedeu-se a
curativo da ferida cirúrgica com Rifampicina spray até a
retirada dos pontos, além de analgésicos.
Para a
formação de um grupo controle, selecionaram-se quatro
cadelas gestantes, acompanhadas até o dia do parto, para
confirmação de parto fisiológico. O sangue dessas
cadelas foi colhido nos mesmos momentos das cadelas submetidas à
cesariana, ou seja, no dia do parto (após nascimento dos
conceptos), 24, 48 horas e dez dias após, para as mesmas
análises, sendo as colheitas, após 24 horas do parto ou
cirurgia, realizadas no período da manhã, nos dois grupos
de animais.
O cortisol foi
mensurado no Laboratório de Dosagens Hormonais (LDH), do
Departamento de Reprodução Animal da FMVZ-USP,
utilizando-se o método de radioimunoensaio (RIA) e conjuntos de
reagentes comerciais, de acordo com ENGLAND & VERSTENGEN (1996). A
unidade expressa foi µg de cortisol/dL de soro sanguíneo.
Procedeu-se à análise estatística dos valores
encontrados pelos testes t de Student e de Tukey.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores
médios dos teores séricos do cortisol das cadelas do
grupo que tiveram parto fisiológico e a comparação
entre tais valores desse grupo, com os das cadelas submetidas à
cesariana, estão apresentados na Tabela 1, assim como na Figura 1. O coeficiente de variação foi intraensaio baixo = 10% e intraensaio alto = 5,08%.
O valor
médio do teor sérico de cortisol, momentos antes da
cesariana, apresentou-se maior e diferiu significativamente das
médias de 24, 48 horas e dez dias após o ato
cirúrgico. Os teores séricos de cortisol, no
período pós-cirúrgico, diminuíram, como
descrevem vários autores para o período pós-parto
(CONCANNON et al., 1978; ETTINGER & FELDMAN, 1997; OLSSON et al.,
2003). Além da diminuição do estímulo
fetoplacentário, o cortisol circulante em altas
concentrações pode provocar feedback negativo em
hipotálamo e hipófise, diminuindo a
liberação de ACTH e corticotropina, refletindo em menor
produção de cortisol pela adrenal (SPINOSA et al.,
1999).Os valores médios encontrados 24, 48 horas e dez dias
após foram compatíveis com parâmetros de
normalidade descritos.
Comparando-se
os valores de cortisol sérico entre animais submetidos à
cesariana e animais com parto fisiológico, apenas o teor de
cortisol momentos antes do ato cirúrgico diferiu
significativamente, tanto do período pós-cirúrgico
quanto de todos os valores médios do período periparto
fisiológico. Alguns autores referem que cães são
menos estressados ao serem manipulados (OLSSON et al.,
2003), porém, embora não mostrem sinais de estresse
após manipulação ou colheita de sangue, é
possível que elevações esporádicas nos
níveis de cortisol possam ser induzidas (CONCANNON et al.,
1978). Após a retirada do estresse devido à distocia, com
a realização da cesariana, os valores de cortisol
voltaram à normalidade, ou seja, a cirurgia não causou
estresse suficiente para manter os níveis de cortisol elevados
no pós-operatório. Dois animais que apresentaram parto
fisiológico foram retirados do ambiente onde viviam 48 horas
após o parto, para a coleta do sangue no Hospital
Veterinário. Assim, o teor sérico de cortisol dessas
cadelas apresentou-se acima do normal e pode ter sido causado por
estresse de transporte, como citado por vários autores (ETTINGER
& FELDMAN, 1997; BIRCHARD & SHERDING, 1998).
CONCLUSÃO
Pode-se sugerir
que o estresse devido à distocia elevou os teores séricos
de cortisol, acima dos descritos na literatura para o período
periparto. Além disso, o estresse pós-cirúrgico
não causou aumento na liberação de cortisol em
cadelas submetidas à cesariana, já que, momentos antes da
cirurgia, os valores do cortisol apresentavam-se maiores e
decaíram nos dias subsequentes. Os valores encontrados no grupo
de animais com parto fisiológico foram compatíveis com os
citados na literatura.
AGRADECIMENTOS
À Fapesp
(processo 04/11079-8), ao Setor de Obstetrícia
Veterinária do Hospital Veterinário da FCAV
UNESP/Jaboticabal e à Clínica Veterinária Bichos e
Caprichos ME Ltda.
BERNE, R. B.; LEVY, M. N. Physiology. 4. ed.
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Protocolado em: 14 out. 2007. Aceito em: 25 mar. 2009.