DOI: 10.5216/cab.v11i1.1769
ALTERAÇÕES ENDÓCRINAS EM REPRODUTORES  SUÍNOS DE ALTO DESEMPENHO
– Relato de caso –

Guilherme Oberlender,1 Luis David Solis Murgas,2 Daniele de Lima,3 Thais Schwarz Gaggini4
Márcio Gilberto Zangeronimo,5 Ana Luisa Neves Alvarenga6 e Daiane Moreira Silva3


1. Médico veterinário, doutorando em Produção Animal, Universidade Federal de Lavras, UFLA, Minas Gerais.
E-mail: guilherme_oberlender@yahoo.com.br
2. Professor associado. Universidade Federal de Lavras, DMV/UFLA
3. Mestranda em Ciências Veterinárias, Universidade Federal de Lavras, UFLA
4. Aluna de Graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Lavras, UFLA
5. Professor adjunto I, Universidade Federal de Lavras, DMV/UFLA
6. Médica veterinária, doutoranda em Produção Animal, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG.


RESUMO

Objetivando descrever o comportamento sexual e reprodutivo de machos suínos de alto desempenho, submeteram-se os animais a um protocolo de treinamento para colheita de sêmen, a fim de que fossem incorporados ao plantel de reprodutores do Setor de Suinocultura do Departamento de Zootecnia da UFLA. Submeteram-se os animais a medições de biometria testicular e pesagem para avaliações de desenvolvimento dos testículos e ganho de peso diário (GPD) durante a fase pré-púbere. Após o período de treinamento de colheita de sêmen, foram coletadas amostras de sangue para realização de análises hormonais de testosterona, estradiol, FSH e LH plasmáticos. Observaram-se diferenças nas concentrações de testosterona e estradiol, número médio de saltos diários sobre o manequim e tempo médio de ejaculação. O animal A apresentou um volume de 369,68 mL e 412,67 mL, para o testículo direito e esquerdo, respectivamente, em média oito saltos diários sobre o manequim durante o período de treinamento, e o tempo médio de ejaculação foi de 261 segundos. O animal B não realizou nenhum salto durante o treinamento e apresentou volume testicular direito de 359,76 mL e esquerdo de 315,10 mL. As dosagens hormonais para o animal A foram de 0,0153 ng/mL e 0,7015 ng/mL para testosterona e estradiol, respectivamente. O animal B apresentou concentração plasmática de testosterona de 0,0011 ng/mL e 0,0241 ng/mL de estradiol. As concentrações de FSH e LH foram semelhantes entre os animais, sendo 0,10 mU/mL e 0,10 U/L, respectivamente. Essas diferenças observadas possivelmente determinaram o comportamento sexual diferenciado dos machos durante o período de treinamento e colheita de sêmen.

PALAVRAS-CHAVES: Comportamento sexual, hormônios, libido, varrão.


ABSTRACT

ENDOCRINE ALTERATIONS IN REPRODUCTIVE SWINES OF HIGH PERFORMANCE: CASE REPORT

The aim of this work was to describe the sexual and reproductive behavior of male swines of high performance, submitted to a training protocol for semen collection so that they were incorporated in breeding of reproducers of the Swine Production Sector of the Animal Science Department of the Federal University of Lavras. Animals had been submitted to measurements of testicular biometry and weighing for evaluations of testicular development and of daily gain weight (DGW). After the training period, blood samples  were collected for accomplishment of hormonal analyses of serum testosterone, oestradiol, FSH, and LH. Differences were observed in testosterone and oestradiol levels, average number of daily dummy jumps, and average ejaculation time. Animal A presented a volume of 369.68 mL and 412.67 mL, to the right and left testicle, respectively, on average eight daily dummy jumps during the period of training and the average ejaculation time was of 261 seconds. The Animal B did not carry through jump during the training and presented testicular volume of 359.76 mL right and left of 315.10 mL. Hormonal levels for animal A had been of 0.0153 ng/mL and 0.7015 ng/mL for testosterone and oestradiol, respectively. On the other hand, Animal B presented plasmatic concentration of testosterone of 0.0011 ng/mL and 0.0241 ng/mL of oestradiol. The concentrations of FSH and LH had been similar between the animals being 0.10 mU/mL and 0.10 U/L, respectively. These differences observed possibly explain both males’s sexual behavior during the period of training and semen collected.

KEY WORDS: Boar, libido, hormones, sexual behavior.



INTRODUÇÃO

O sucesso no plantel de reprodutores suínos depende muito da genética dos reprodutores. Dessa forma, a escolha de animais para formar o plantel de uma granja é uma decisão importante a ser tomada. A utilização de reprodutores suínos de alto desempenho visa ao aumento da qualidade e quantidade dos vários produtos gerados pela suinocultura. O número de leitões/fêmea/ano deve ser aumentado, e isto pode ser atingido melhorando as características genéticas dos reprodutores, mediante excelentes parâmetros seminais, que por sua vez são influenciados pelo comportamento sexual e reprodutivo desses animais (FERREIRA et al., 2005).
A entrada em serviço dos reprodutores jovens é determinada basicamente em função dos aspectos associados aos processos de puberdade, maturidade sexual, desempenho sexual e reprodutivo. Via de regra, a utilização de machos na reprodução ocorre a partir dos 200 a 220 dias de idade, em torno dos sete a oito meses. Portanto, antes desse período caracteriza-se a fase pré-púbere (FERREIRA et al., 2005).
Segundo FERREIRA et al. (2005), a utilização do reprodutor suíno baseia-se em sua habilidade de monta no manequim, libido, características sexuais e reprodutivas desejáveis e principalmente pela produção de um ejaculado capaz de determinar boas taxas de fertilização e prenhez das matrizes. A utilização máxima do reprodutor ocorre quando este apresenta um alto e constante desempenho reprodutivo, após ser previamente selecionado e classificado como sendo satisfatório o seu comportamento sexual e reprodutivo.
A biometria e a determinação do volume testicular auxiliam na caracterização da puberdade e maturidade sexual em suínos, pois mostra o desenvolvimento testicular do reprodutor e a sua capacidade em produzir espermatozoides (MURGAS, 1999). E, por sua vez, os parâmetros antes citados são fortemente influenciados pelos hormônios reprodutivos.
Os principais hormônios responsáveis pelos processos reprodutivos – testosterona, estradiol, FSH e LH – estão envolvidos em eventos como entrada e desenvolvimento da puberdade, espermatogênese e outros processos essenciais à vida reprodutiva do macho suíno (AMANN, 1993). Portanto, qualquer alteração nos níveis desses hormônios pode comprometer a reprodução como um todo (HAFEZ, 1995).
Nos machos, a testosterona é o principal hormônio andrógeno, produzido e secretado pelas células de Leydig nos testículos e com limitada quantidade também produzida pelo córtex da adrenal (SANTOS et al., 2000). Cerca de 95% da testosterona circulante no sangue é de origem testicular e o resto é liberado pela adrenal (DADOUNE & DEMOULIN, 1993). É um hormônio essencial à função reprodutiva dos machos, pois estimula os estágios finais da espermatogênese, por meio da preservação das condições termorreguladoras (CAMERON, 1987).
A testosterona apresenta um papel fundamental na puberdade do reprodutor suíno, sendo que esta prolonga a vida útil dos espermatozoides no epidídimo e estimula o crescimento, o desenvolvimento e a atividade secretora dos órgãos sexuais do macho, como próstata, glândulas vesiculares e bulbouretrais, vasos deferentes e características corporais que, em geral, são associadas ao macho. As características sexuais secundárias como comportamento sexual e a libido do macho também são algumas características periféricas influenciadas pela testosterona (HAFEZ, 1995) e fundamentais ao sucesso reprodutivo do varrão (MURGAS, 1999). Segundo KALTENBACH & DUNN (1982), o impulso sexual em suínos é totalmente dependente de andrógenos.
O FSH, nos machos, atua nas células germinativas dos túbulos seminíferos do testículo e é responsável pelo estímulo à espermatogênese, controla a atividade secretória das células de Sertoli e potencializa o efeito do LH de forma indireta. Também está envolvido na síntese de estradiol a partir da testosterona pelas células de Sertoli. É essencial para uma espermatogênese normal quanto à quantidade e fertilidade (HAFEZ, 1995).
O LH controla a produção e estimula a secreção de testosterona. Também tem efeito sobre as células de Leydig, estimulando-as a hipertrofiar. A sua remoção cessa a produção de testosterona e leva a uma grande redução no tamanho dessas células (STABENFELDT & EDQVIST, 1996).
Objetivou-se a incorporação de suínos de alto desempenho ao plantel de reprodutores do Departamento de Zootecnia – UFLA, submetendo-se os animais a um protocolo de treinamento para colheita de sêmen e avaliação das alterações e diferenças hormonais.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido no Departamento de Medicina Veterinária (DMV) e Zootecnia (DZO) da Universidade Federal de Lavras (UFLA/MG), durante o período de novembro de 2006 a março de 2007.
Utilizaram-se dois reprodutores suínos de alto desempenho, com idade entre 7 e 8 meses e peso inicial médio de 135,7 kg, os quais foram submetidos, durante sessenta dias, a partir dos 220 dias de idade, a um protocolo de treinamento específico para colheita de sêmen.
Para o treinamento do reprodutor, um manequim móvel impregnado com urina de fêmeas suínas em cio era levado à baia uma vez por semana, e permanecia por, no máximo, quinze minutos, até que o macho saltasse sobre o manequim e fosse feita a coleta do sêmen. Após a primeira coleta de sêmen, as subsequentes foram feitas com intervalo de sete dias, não sendo utilizado para inseminação artificial o sêmen proveniente das primeiras quatro coletas. Após a quarta coleta de sêmen realizada na baia do animal com o auxílio do manequim móvel, as coletas seguintes passaram a ser realizadas na sala de coleta específica já utilizando um manequim fixo.
Os animais foram alojados em baias individuais localizadas em galpão com piso de concreto e cobertura de telhas de cimento amianto, sendo a temperatura média observada durante o período experimental de 19,5ºC. Durante o período de treinamento, submeteram-se os machos à pesagem e medições de biometria testicular para avaliações posteriores de ganho de peso diário (GPD) e desenvolvimento testicular, respectivamente. Para o estudo da morfologia dos testículos, precedeu-se a quatro medidas externas durante o período de treinamento, seguindo o modelo de SCHINCKEL et al. (1984). As medidas de comprimento e largura dos testículos direito (CTD e LTD) e do esquerdo (CTE e LTE) foram tomadas in vivo com auxílio de paquímetro. Para o cálculo do volume testicular, utilizou-se a fórmula V = 4/3 πab², segundo OWSIANNY et al. (1998), em que: V = volume testicular (mL); a =1/2 comprimento testicular (cm) e b = 1/2 largura testicular (cm).
Para a avaliação da libido dos machos, era observada a quantidade de saltos que realizavam na presença do manequim móvel por um período máximo de quinze minutos. Caso não ocorresse nenhum salto, o animal era então classificado como sem libido. Caso contrário, se o animal saltasse sobre o manequim e fosse realizada a colheita do sêmen, este era classificado como apresentando libido. Porém, no início do treinamento, mesmo o animal que saltava sobre o manequim e não ejaculava era considerado como tendo libido, sendo este considerado um comportamento normal do reprodutor jovem perante o manequim. A libido dos reprodutores foi, então, mensurada, por meio do tempo entre a introdução do manequim na baia do animal até o momento do primeiro salto e subsequente colheita do sêmen, caso houvesse. Consideraram-se como primeiro tempo de libido (prelúdio) aquele iniciado no momento em que o manequim era colocado na baia do animal até o início da ejaculação, e o segundo tempo de libido, do início ao término da ejaculação. Esses tempos foram avaliados em segundos, de acordo com MURGAS (1999).
Após o período de treinamento, foram coletadas, de ambos os machos, amostras de sangue de 10 mL para realização de análises hormonais de testosterona, estradiol, FSH e LH plasmáticos.
Para avaliação hormonal, colheram-se duas amostras de sangue de cada animal na mesma época da realização da biometria testicular, entre sete e nove horas da manhã, após o treinamento dos animais e da retirada do manequim da baia. O sangue foi obtido por punção do plexo sinus venoso subocular, com os animais em posição quadrupedal, utilizando-se, para tanto, de agulhas hipodérmicas de metal, sendo o sangue colhido em um tubo de vidro de 10 mL, devidamente esterilizado. Após a retração do coágulo sanguíneo, centrifugou-se o soro a 1.500 G, durante cinco minutos. O total de sobrenadante foi transferido para dois frascos de vidro esterilizados, devidamente identificados com volumes similares e estocados a -20º C para posterior análise.
Para a concentração sérica de testosterona, utilizou-se o método de radioimunoensaio (RIE) com kits comerciais (COAT-A-COUNT®). A concentração de estradiol e FSH foi determinada por quimioluminescência e a de LH pelo método CMIA (Chemiluminescent Microparticle Immunoassay). Os procedimentos para as análises seguiram as recomendações do fabricante. A quantidade desses hormônios na amostra foi determinada por comparação da curva-padrão, obtida utilizando-se quantidades desses hormônios de soro humano, em concentrações crescentes. Os resultados das análises hormonais obtidos foram numericamente comparados entre si.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período de treinamento, apenas o animal A apresentou libido e saltou sobre o manequim com posterior ejaculação, tendo uma média de oito saltos sobre o manequim e tempo médio de ejaculação de 261 segundos. O animal B não demonstrou nenhum interesse pelo manequim, não realizando nenhum salto durante todo o período de treinamento.
Os valores para biometria testicular e volume dos testículos estão apresentados na Tabela 1.
Com relação ao ganho de peso diário (GPD), os animais apresentaram semelhanças à análise desses parâmetros, sendo obtidos, para o animal A, 532 gramas e, para o animal B, 540 gramas de GPD, respectivamente, não sendo, portanto, observadas diferenças numéricas.
Nesse estudo, foi observado que o reprodutor que apresentou libido e satisfatório comportamento sexual (animal A) teve média de volumes testiculares direito e esquerdo superior à observada no animal que não teve libido (animal B).
O desenvolvimento testicular é um parâmetro muito utilizado nos programas de melhoramento genético e está altamente correlacionado com o volume seminal e as características espermáticas dos reprodutores. A avaliação da biometria testicular e volume testicular em reprodutores suínos de linhagens de alto desempenho auxiliam no processo de escolha dos machos a serem utilizados no processo produtivo da suinocultura.
OWSIANNY et al. (1998), estudando reprodutores suínos jovens híbridos Polish linhagem 990, observaram que o volume dos testículos nos animais jovens aumentou em função do peso corporal, sendo o testículo esquerdo ligeiramente maior que do que o direito.
As dimensões dos testículos e epidídimos têm grande correlação com a idade, desenvolvimento e peso corporal (VALENZUELA, 1982). Segundo ALLRICH et al. (1983), um aumento no tamanho dos testículos deve-se ao aumento no diâmetro e largura dos túbulos seminíferos e aumento no número de células de Leydig.
Em reprodutores suínos jovens, as medidas dos testículos e seu volume são correlacionadas positivamente com o peso testicular e a atividade espermatogênica (SCHINCKEL et al., 1983) e inclusive com as concentrações séricas de testosterona (SCHINKEL et al., 1984). TOELLE et al. (1984) e YOUNG et al. (1986) sugerem que o tamanho dos testículos pode ser determinado geneticamente. RATHJE et al. (1995) observaram em uma seleção de nove gerações, relacionada com o peso testicular e baseada nas medições lineares, aumento da produção de sêmen.
SCHINCKEL et al. (1984) sugerem que suínos com grandes testículos tendem a ter uma elevada concentração sérica de esteroides durante o desenvolvimento. Essa relação tem pelo menos duas interpretações possíveis: a primeira é a de que suínos com grandes testículos têm elevado número de células produtoras de esteroides durante o desenvolvimento; a segunda é que suínos com alta concentração de esteroides são menos sensíveis ao efeito feedback negativo da testosterona e estradiol sobre o eixo hipotálamo-hipófise. Consequentemente, seu crescimento testicular acontece mais rapidamente.
As dosagens hormonais de FSH e LH apresentaram valores semelhantes entre os animais, o que indica que as concentrações desses hormônios não refletiram no comportamento sexual dos reprodutores. Já os valores encontrados para testosterona e estradiol foram diferentes nos reprodutores, sendo que o animal A apresentou valores desses hormônios superiores aos obtidos no animal B (Tabela 2). Isso pode sugerir um subdesenvolvimento das células de Sertoli e de Leydig produtoras de estradiol e testosterona, respectivamente, no reprodutor que apresentou baixos níveis desses hormônios.
Há uma correlação positiva entre libido e concentração sérica de estradiol (LOUIS et al., 1994). Essa informação está de acordo com os achados de KEMP et al. (1991), que observaram níveis de estradiol cerca de cinco vezes maiores no plasma dos cachaços que não recusaram à monta.
Deve-se ressaltar, porém, que as concentrações dos hormônios envolvidos nos processos produtivos variam nas diferentes linhagens de suínos. Além disso, o horário da colheita do sêmen pode ter grande influência nos níveis plasmáticos desses hormônios (ZAMARATSKAIA et al., 2004).
O animal que apresentou comportamento de monta inferior apresentou níveis de testosterona e estradiol menores em relação ao animal que apresentou comportamento reprodutivo satisfatório, o que pode explicar o fato de não ter saltado no manequim e nem demonstrado interesse por este.

CONCLUSÕES

As variações hormonais plasmáticas de testosterona e estradiol podem influenciar o comportamento sexual dos reprodutores suínos, determinando, assim, alterações no seu comportamento reprodutivo.
As dosagens hormonais em reprodutores suínos que apresentam uma baixa libido e um mau desempenho reprodutivo são extremamente importantes e constituem ferramentas essenciais para se determinar a real causa do problema e da infertilidade do reprodutor, desde que as demais hipóteses possíveis já tenham sido esclarecidas e não correlacionadas com o problema reprodutivo do varrão.

AGRADECIMENTOS
   
Ao funcionário do Setor de Fisiologia e Farmacologia do Departamento de Medicina Veterinária, Willian Cesar Cortez, pela grande colaboração durante a execução de todos os processos e testes laboratoriais realizados. 

REFERÊNCIAS
 

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Protocolado em: 27 set. 2007.  Aceito em: 22 ago. 2008.