ANÁLISE HISTOMORFOLÓGICA E HISTOMORFOMÉTRICA DO
TECIDO ÓSSEO MADURO DE Glossophaga soricina (PHYLLOSTOMIDAE:CHIROPTERA)
Cibele Leandro
da Costa1, José Alex Alves dos Santos2, Katharine Raquel
Pereira dos Santos3, Francisco Carlos Amanajás de Aguiar Júnior4
RESUMO
O
tecido ósseo apresenta diferentes modelos de vascularização, distribuição
celular, mineralização e remodelação entre as espécies de mamíferos. A
variedade de hábito alimentar associado ao modo de locomoção e ao habitat
exigiu dos morcegos o estabelecimento de diferentes estilos de voo e algumas
adaptações esqueléticas. Este trabalho objetivou analisar as características
microscópicas do tecido ósseo maduro de Glossophaga soricina (Phyllostomidae:
Chiroptera). Foram utilizados 12 animais entre machos e fêmeas, dos quais os
úmeros direitos foram dissecados, pesados, descalcificados e submetidos ao
processamento histológico de rotina. Cortes semi-seriados de 5 micrômetros de
espessura foram corados pela técnica de hematoxilina e eosina (H.E.), picrosírius
red e nitrato de prata a 50%. Os preparados histológicos foram submetidos à
análise histológica e histomorfométrica. A média da densidade lacunar foi
significantemente maior nas amostras de úmero de fêmeas quando comparada com a
de machos (33,96 x 27,80, p=0,02). A análise microscópica indicou a presença de
fibras colágenas distribuídas paralelamente na matriz óssea. As lacunas
apresentavam formatos variados e canalículos bem distribuídos e
individualizados. Poucos sistemas e canais de havers foram observados. O tecido
ósseo maduro do úmero de Glossophaga soricina compartilha de
características microscópicas com outros mamíferos, embora, diferenças na
organização estrutural deste sejam peculiares à espécie.
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HISTOMORPHOLOGIC AND HISTOMORPHOMETRIC ANALYSIS OF MATURE BONE TISSUE OF Glossophaga
soricina (PHYLLOSTOMIDAE: CHIROPTERA)
ABSTRACT
Bone tissue has different
models of vascularization, cellular distribution, mineralization and remodeling
among mammals species. A variety of dietary habits associated with the mode of
locomotion and habitat required from bats the establishment of different flying
styles and some skeletal adaptations. This study aimed at examining the
microscopic characteristics of mature bone tissue of Glossophaga soricina (Phyllostomidae, Chiroptera). Twelve animals
of both genders were used, in which the right humerus were dissected, weighed,
decalcified and submitted to routine histological processing. Semi-serial cuts
of 5 micrometers were stained with hematoxylin and eosin (H.E.), picrosirius
red and silver nitrate 50%. The histological preparations were subjected to histological
and histomorphometric analysis. Lacunae density was significantly higher in
humerus of females when compared to males (33.96 x 27.80, p = 0.02).
Microscopic analysis indicated the presence of parallel collagen fibers
distributed in the bone matrix. Lacunes presented various shapes and canaliculi
are well distributed and individualized. Few Havers systems and canals were
observed. The mature bone tissue of the humerus Glossophaga soricina share microscopic features with other mammals,
however, differences in the structural organization are peculiar to this
species.
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Glossophaga soricina
está incluída na subfamília Glossophaginae, a qual apresenta hábitos
nectarívora/polinívoro e, ocasionalmente, faz uso de partes de flores, frutos, além
de insetos (GARDNER, 1977). Essa espécie possui ampla distribuição por toda
região neotropical. No Brasil, já foi registrada em diversos estados e possui
tamanho intermediário, com comprimento do corpo variando entre 45 e 61 mm,
cauda entre 5 e 10 mm, antebraço entre 31,8 e 39,8 mm e peso entre 7 e 17g
(NOGUEIRA et al., 2007).
Alguns autores observaram que, em quirópteros, existe uma correlação da
forma da asa sobre o estilo do voo e o hábito alimentar. SWARTZ & NORBERG
(1998) ressaltam a importância da morfologia externa da asa na determinação do
tipo de vôo em morcegos da família Phyllostomidae, afirmando, ainda, que esses
fatores podem determinar preferências de guildas alimentares.
LAWLOR (1973) afirma que características da estrutura das asas como:
comprimento, largura, peso e posição da inserção muscular, por exemplo,
influenciam no estilo de voo e refletem o tipo de forrageio.
Para execução do voo pairado e as manobras em áreas de florestas densas,
os morcegos nectarívoros necessitam de modificações das estruturas esqueléticas
da asa (SIMMONS, 2005). De uma forma geral, essas adaptações proporcionam
superfícies para fixação adequada à musculatura, a qual também sofre grandes
modificações para aperfeiçoar a locomoção aérea.
Estudos se concentram nas modificações esqueléticas da asa em morcegos.
No úmero, por exemplo, a crista peitoral é bastante desenvolvida e atua como
local de inserção dos músculos deltóide e peitoral, ambos envolvidos no voo
(VAUGHAN, 1970; BAKER et al.,
1991). No entanto, poucos estudos caracterizam as estruturas microanatômicas do
osso do braço e antebraço de morcegos.
O tecido ósseo é considerado como a mais importante aquisição na evolução
dos tecidos de suporte em vertebrados. Permite locomoção, estoque de cálcio e
outros íons, serve como reservatório de fatores de crescimento e citocinas e
aloja células-tronco hematopoéticas (CLARKE, 2008). Embora esse tecido pareça
metabolicamente inerte, é extremamente dinâmico e sofre controle ativo de
diversos tipos celulares e de hormônios (NAKASHIMA & TAKAYANAGI, 2009). É
constituído de células – osteoblastos, osteócitos e osteoclastos – e de matriz
extracelular calcificada (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2008).
A estrutura interna do osso está adaptada para suportar esforços
mecânicos e modifica-se continuamente durante o crescimento e alteração dos
esforços mecânicos funcionais. Histologicamente, o tecido ósseo pode ser
classificado em primário (imaturo) e secundário (maduro). O imaturo é
substituído gradativamente pelo secundário e suas fibras colágenas são
organizadas irregularmente. O secundário possui lamelas que se dispõem em
camadas concêntricas em torno de canais, longitudinais ou de Havers, e com a
superfície externa do osso por meio de canais transversais, os canais de
Volkmann, com vasos formando os sistemas de Havers (ósteons) (STEVENS &
LOWE, 2002).
Os mamíferos apresentam características ósseas histológicas diferentes.
No entanto, apresentam em comum tecido lamelar com ósteons longitudinais,
substituídos por uma intensa reconstrução haversiana (RAMALHO & DARUGE,
2000). O objetivo deste trabalho foi caracterizar a estrutura histomorfológica
e realizar análise histomorfométrica do tecido ósseo maduro de Glossophaga
soricina (Phyllostomidae: Chiroptera).
Dentre os 12 espécimes de Glossophaga soricina utilizados,
cinco (41,66%) eram machos e sete (58,33%) eram fêmeas e todos os animais
selecionados eram adultos. Os úmeros foram retirados, lavados em água corrente
e imersos em solução de hipoclorito de sódio 0,5% por 24 h e em seguida,
novamente lavados em água corrente. O tecido ósseo obtido foi fixado em
formalina neutra a 10% tamponada por 24 horas, descalcificado com ácido fórmico
a 10% tamponado com citrato de sódio pH 4,5 por 14 dias, clivado, desidratado
em soluções crescentes de etanol, diafanizados em xilol e incluído em parafina
para posterior microtomia.
Cortes semi-seriados de 5 μm de espessura foram corados pela técnica de
Hematoxilina e Eosina (H.E.), Picrosírius Red e Nitrato de Prata a 50%. Estes
foram montados com bálsamo do Canadá e lamínula e, em seguida, ficaram em
estufa à 37º por 24h, totalizando 126 preparados histológicos.
Para análise histológica descritiva e morfométrica, foi utilizado um
microscópio óptico (Nikon E-200) acoplado a um sistema digital de captura
(Moticam 2300) e o software ImageJ (NHI Program) foi usado na análise de 140
fotomicrografias obtidas no aumento total de 400x. As estruturas histológicas
foram avaliadas e descritas levando-se em consideração o sentido do corte
(longitudinal, que incluía diáfise e epífise, e transversal na diáfise) para
cada fragmento ósseo.
Na análise histomorfométrica, foram quantificados o número e área de
lacunas e o número de sistemas de Havers. Após a obtenção das mensurações, os
valores obtidos foram analisados pelo teste t de student através do programa
SPSS 15.0 considerando estatisticamente significativos os valores de p <0,05.
Quando totalmente circundados por osteóide, os osteoblastos são referidos
como osteócitos. Estas são as células responsáveis por manter a matriz óssea e
pela mecanotransdução, na qual o osteócito responde às forças mecânicas aplicadas
ao osso. Os osteócitos estão situados em lacunas, espaços que se adaptam ao
formato da célula, no interior da matriz, e exibem prolongamentos unindo-se
entre si, permitindo a comunicação entre as células vizinhas do tecido ósseo e
são evidentes quando a célula é envolvida pela matriz, pois são responsáveis
pela formação dos canalículos que se irradiam das lacunas. Há um amplo e
característico sistema lacunocanalicular que permite a comunicação e contato
desta célula com os outros elementos celulares presentes no tecido ósseo (QING
& BONEWALD, 2009). Esses canalículos são estreitos quando comparados com o
espaço lacunar que circunda o corpo celular dos osteócitos. A presença de um
fluido que circula entre o sistema lacunocanalicular é considerada a principal
forma de estimulação mecânica experimentada por estas células (BURRA et al., 2011).
Morfologicamente, caracterizam-se por serem células achatadas, exibindo
pouca quantidade de retículo endoplasmático granular, menos basofilia
citoplasmática que os osteoblastos, aparelho de Golgi pequeno e núcleo com
cromatina condensada. A morte dos osteócitos resulta em absorção da matriz
óssea por atividade dos osteoclastos, células móveis, gigantes, extensamente
ramificadas e multinucleadas e que não foram observadas nas lâminas analisadas.
(GARTNER & HIATT, 2008; ROSS & WOJCIECH, 2008).
Os osteoclastos são as únicas células capazes de promover a reabsorção
óssea. São células multinucleadas derivadas de precursores da linhagem
mononuclear fagocitária (BOYLE et al.,
2003).
A matriz óssea é constituída
por 65% de material inorgânico, formado por cálcio e ortofosfato inorgânico na
forma de hidroxiapatita, e por 35% de material orgânico (GARTNER & HIATT,
2008). A matriz orgânica é formada de cerca de 90% de colágeno, sendo
majoritariamente de colágeno do tipo I, havendo ainda pequenas quantidades de
colágeno do tipo III e V. Proteínas diversas como albumina sérica, glicoproteínas,
proteoglicanas e fatores de crescimento perfazem cerca de 10% do total da
matriz orgânica (BRODSKY & PERSIKOV, 2005; CLARKE, 2008).
Evidenciaram-se fibras
colágenas ricamente distribuídas no osteóide. Na matriz mineralizada, essas
fibras mostraram-se dispostas paralelamente entre si nos cortes transversais e
longitudinais (Figuras 3). Esse arranjo organizado das fibras permite um
incremento na força de resistência óssea e é característico no tecido ósseo
lamelar em mamíferos (GARTNER & HIATT, 2008). Houve uma maior concentração
de fibrilas em torno das lacunas, particularmente naquelas que se situavam
muito próximas entre si (Figuras 4).
A técnica histoquímica com
nitrato de prata para tecido ósseo descalcificado, descrita por OCARINO et al. (2006),
permitiu melhor visualização e delimitação das lacunas cujas bordas foram
fortemente impregnadas, assim como dos canalículos que visualmente
apresentaram-se escurecidos. Os preparados histológicos a partir desta técnica
foram os utilizados neste estudo para a mensuração das estruturas microscópicas
da matriz óssea mineralizada.
As lacunas apresentaram-se
com formatos variados, tendo predominância o elíptico, com irradiação de
diversos canalículos (Figura 5). Tanto nos cortes transversais como nos cortes
longitudinais, os canalículos mostraram-se longos, numerosos e altamente
conectados, apresentando trajetos distintos pela matriz óssea (Figura 6).
Escassos sistemas e canais de
Havers foram visualizados nos tecidos analisados. Isso pode ser justificado
pela disposição organizada das fibras colágenas que confere uma maior
resistência óssea. Quando os sistemas e canais de Havers foram identificados, observou-se
que as lacunas organizavam-se concentricamente em torno de um canal central que
variava de elíptico a arredondado que, por sua vez, estava organizado entre
lamelas irregulares que variavam de espessura, de delgada a espessa (Figuras 7
e 8).
Encontrou-se um padrão
característico dessas lamelas dispostas subjacentes ao endósteo e periósteo. O
periósteo apresentou-se caracteristicamente composto de duas camadas; camada
fibrilar ou externa, composta de tecido conjuntivo denso não modelado, e camada
celular ou interna, formada por células osteoprogenitoras (Figura 9). As tábuas
ósseas compactas apresentaram uma diminuta espessura microscópica, embora proporcional
ao tamanho do úmero, pois G. soricina tem hábito alimentar nectarívoro e
estilo de vôo pairado com alto gasto energético, exigindo uma simplificação da
musculatura da asa (FINDLEY, 1972). Neste contexto, os ossos desses animais
estão expostos a diferentes forças mecânicas e aquisições minerais,
constituindo importantes fatores na organização, tamanho, peso e metabolismo
ósseo.
Os sistemas de Havers,
comumente encontrados na diáfise dos ossos longos, são construídos ao redor de
vasos e sua formação depende dos avanços da organização vascular intracortical
(PAZZAGLIA et al., 2010). A
nutrição dos ossos avaliados deve depender mais do complexo vascular contido no
periósteo e endósteo do que da presença direta de vasos intracorticais. Além
disso, dada as características adaptativas funcionais de voo peculiares à
espécie, a formação de ósteons na diáfise dos úmeros de Glossophaga soricina
pode não constituir uma característica microscópica estrutural importante.
Diferenças entre os gêneros
nas diversas variáveis histomorfométricas analisadas foram observadas (Tabela
1). No entanto, essas diferenças foram somente estatisticamente significativas
na quantificação de lacunas nos cortes histológicos realizados
longitudinalmente ao longo do eixo do osso. A incidência do corte na contagem
de lacunas é um fator que deve ser considerado em análises histomorfométricas
bidimensionais. Lacunas grandes ou orientadas no eixo do corte têm sido
relatadas com maior probabilidade de serem incluídas na secção (QUIU et al., 2005; TONAR et al., 2011).
A densidade lacunar constitui
indicador útil do metabolismo ósseo, visto que reflete o índice de proliferação
dos osteoblastos, transformação e incorporação destes na matriz como osteócitos
durante o crescimento. Desse modo, uma maior densidade lacunar é encontrada em
animais com alto metabolismo e que apresentam menor massa corporal (BROMAGE et al., 2009). De forma geral, uma
maior densidade lacunar foi observada nos cortes histológicos dos úmeros de Glossophaga
soricina fêmeas. Além disso, estas apresentavam, em média, massa corporal
superior aos dos machos (Tabela 2). O peso e comprimento corporal, assim como o
comprimento do antebraço dos animais avaliados encontraram-se dentro dos
parâmetros descritos previamente para esta espécie (NOGUEIRA et al., 2007).
Esse fato pode indicar uma
maior atividade metabólica óssea das fêmeas avaliadas (RALLS, 1976). O maior
peso corpóreo pode indicar uma maior carga funcional do tecido, justificando, assim,
um maior número de lacunas, pois, em morcegos, as fêmeas costumam carregar os
filhotes logo após o nascimento, em voos de atividade noturna, enquanto os
machos usualmente não participam do cuidado parental (ALTRINGHAM, 1998;
NEUWEILER, 2000).
Além disso, em humanos, o
número de osteócitos aferido pela contagem de suas lacunas é aumentado em
mulheres quando comparado com homens de mesma faixa etária. No entanto, a
deposição de matriz extracelular é inversamente proporcional ao aumento das
lacunas (MULLENDER, 2005). Uma maior densidade lacunar reduz o volume de matriz
extraterritorial associada a cada osteócito (VASHISHTH et al., 2005). Observou-se, também, que há variabilidade entre
machos e fêmeas na área lacunar, pois a dos machos mostrou-se
significativamente maior que a das fêmeas. Receptores de membrana para
estrógeno foram identificados em osteócitos e em osteoblastos, e diferenças na
expressão desses receptores foram encontradas entre os gêneros (BATRA et al., 2003). Em morcegos, assim
como em humanos, a diferença observada na densidade lacunar pode indicar uma
regulação gênero-dependente do metabolismo, nutrição e manutenção da matriz
extracelular.
Estudos futuros na
organização e principalmente na organização do tecido ósseo nas diversas
espécies de morcegos irão contribuir no entendimento das diferenças
morfológicas e funcionais adaptativas destes mamíferos.
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