ASPECTOS MORFOLÓGICOS DO
PROVENTRÍCULO E VENTRÍCULO GÁSTRICO DE Crypturellus
parvirostris
(WAGLER, 1827)
Vinícius
Bentivóglio Costa Silva1, Fagner Luiz da Costa Freitas2,
Claudia Momo3
RESUMO
O
presente estudo teve como objetivo avaliar os aspectos morfológicos do
proventrículo e ventrículo gástrico de Crypturellus
parvirostris (inhambú-chororó). Foram utilizados dois animais
machos,
adultos, com uma média de peso de 939 g ± 12,7 procedentes da região de
Araguaína-TO. Após a captura, os animais foram eutanasiados por meio da
aplicação de tiopental sódico a 2,5%, por via intravenosa, até que o
coma
barbitúrico fosse atingido. Posteriormente foram necropsiados, tendo
seus
órgãos avaliados morfologicamente. Os aspectos anátomo-histológicos do
proventrículo e ventrículo gástrico de C. parvirostris
assemelham-se aos
dos demais tinamídeos, porém há carência em dados morfológicos
relacionados à
família Tinamidae.
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PALAVRAS-CHAVE: Crypturellus
parvirostris;
morfologia; Tinamidae.
MORPHOLOGICAL ASPECTS OF
THE PROVENTRICULUS AND
GASTRIC VENTRICLE OF Crypturellus parvirostris (WAGLER,
1827)
ABSTRACT
The aim of the present study was
to evaluate the morphological characteristics
of the proventriculus and gastric ventricle of Crypturellus
parvirostris. Two adult males were used, with a mean
weight of 939 ± 12.7 g, from the region of Araguaína, State of
Tocantins. After
capture, the birds were euthanized through intravenous application of
2.5%
sodium thiopental until barbiturate coma was attained. Then, they were
necropsied and their organs and viscera were evaluated morphologically.
The
anatomical and histological characteristics of the proventriculus and
gastric
ventricle of C. parvirostris were similar to those of other
tinamid
species, but there is a lack of morphological data related to the
family
Tinamidae.
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KEYWORDS: Crypturellus
parvirostris; morphology; Tinamidae.
INTRODUÇÃO
O inhambú-chororó é uma ave que possui em média 21 cm,
destacada como a menor representante do gênero. Caracteriza-se por ser
uma
espécie campestre de vasta distribuição no interior do Brasil, com um
colorido
vermelho pálido, habitando campos sujos primários e secundários,
cerrado e
campos de cultivo. Seu hábito alimentar inclui bagas, frutas caídas,
folhas,
sementes duras e insetos (SICK, 2001).
O estômago das aves possui duas partes distintas separadas
por uma constrição, que consiste de um pequeno estômago glandular
(proventrículo), cranial, e um grande estômago muscular (ventrículo
gástrico ou
moela), caudal (GETTY, 2008). O estômago de espécies de aves que
dependem de
uma dieta vegetal é adaptado à redução mecânica de material mais rijo,
por meio
de poderoso desenvolvimento muscular (DYCE et al., 2004). O
proventrículo da
galinha é pequeno, fusiforme e pouco dilatável, direcionando-se
craniocaudalmente na parte ventral esquerda da cavidade corporal
(SCHWARZE
& SCHRÖDER, 1985).
O ventrículo gástrico é um grande órgão, situado
essencialmente no plano vertical, possuindo uma parede extremamente
grossa na
maioria das espécies de aves (BENEZ, 2004; GETTY, 2008). Na superfície
interna,
existe uma membrana com fixação moderadamente firme, periodicamente
substituída,
com função de proteção da parede contra pressão dos grãos e alimentos e
efeitos
corrosivos das secreções gástricas (BENEZ, 2004). As constantes
contrações e
dilatações levam à trituração dos alimentos, auxiliada por diminutas
pedras
ingeridas pela ave (MUEDRA, 1964). O ventrículo gástrico pode ter sua
função de
trituração comparada à função mastigatória realizada pelos dentes, uma
vez que
os mesmos são ausentes nas aves (DYCE et al., 2004).
O estudo morfológico do sistema digestório é fundamental
para que aspectos relacionados à alimentação e digestão sejam
compreendidos,
principalmente nas aves silvestres, devido às suas particularidades
anatômicas.
Algumas pesquisas já foram realizadas em perdizes (ROSSI et al., 2005a;
ROSSI
et al,. 2005b), porém diversas espécies de tinamídeos ainda não foram
estudadas
dada a elevada quantidade de aves pertencentes à fauna brasileira,
destacando-se o tinamídeo Crypturellus parvirostris, conhecido
popularmente como inhambú-chororó, tendo até o presente momento
descrição morfológica
apenas da glândula pineal (REDINS & NOVAES, 1990). Devido à
carência de
dados morfológicos, objetivou-se avaliar os aspectos
anátomo-histológicos do
proventrículo e ventrículo gástrico de Crypturellus
parvirostris.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização desta pesquisa, foram utilizados dois
animais da espécie Crypturellus parvirostris, machos, adultos,
com uma
média de peso de 939 g ± 12,7, procedentes da região de Araguaína-TO,
capturados por meio de armadilhas do tipo “arapuca”, conforme
autorização do
IBAMA (processo n° 23899).
Após a captura, os animais foram eutanasiados por meio da
aplicação de tiopental sódico a 2,5%, por via intravenosa, até que o
coma
barbitúrico fosse atingido. Em seguida, administrou-se cloreto de
potássio a 19,1%
até a parada cardíaca, obedecendo à RESOLUÇÃO Nº 1000 DO CFMV (2012).
Posteriormente, os animais foram necropsiados, tendo seus órgãos
expostos e
abertos, pesados em balança digital e aferidos por meio de régua e/ou
paquímetro conforme a morfologia. Os órgãos do aparelho digestório
foram
fixados em formol a 10%, depositados em frascos individuais e rotulados
(especificando o nome científico da espécie, local e data da necropsia)
e,
posteriormente, enviados ao Laboratório de Microscopia da Escola de
Medicina
Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal do Tocantins.
Os órgãos permaneceram fixados em formol 10% por um período
mínimo de 24 horas, desidratados em série crescente de alcoóis,
diafanizados em
xilol e incluídos em parafina, segundo rotina laboratorial (TOLOSA et
al.,
2003). Cortes semisseriados de 4 μm de espessura foram obtidos
e
posteriormente corados com hematoxilina-eosina e Tricrômico de Masson.
As
imagens microscópicas foram registradas por meio de uma ocular digital
Dino
Eyer Capture 2.0, version 1.2.7, acoplada ao microscópio binocular
marca Bioval
e armazenadas em computador.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Macroscopicamente, o proventrículo de C. parvirostris
apresenta uma forma de meia-lua, de coloração rosa pálido e com uma
ligeira
cobertura de gordura, situando-se à esquerda do corpo, ventral ao lobo
esquerdo
do fígado e ao lado direito do baço, sendo um órgão alongado e em
formato de
fuso (GETTY, 2008). A junção esôfago-proventricular ocorre à esquerda
no plano
mediano e, caudalmente, na junção com o estômago muscular, há uma
distinta
constrição (Figura 2), de coloração mais clara: o istmo (BAUMEL, 1993).
Projetando-se para o lúmen, há várias papilas, baixas e largas,
visíveis
macroscopicamente, tendo cada uma um ducto de excreção responsável pela
liberação de suco gástrico ácido e proteolítico (ácido clorídrico e
pepsina)
para a digestão química (DYCE et al., 2004). Retirando-se a serosa e a
camada
muscular do proventrículo, é possível observar as extremidades cegas
das
volumosas glândulas que, em conjunto, têm aspecto de mosaico, o mesmo
observado
em Coragyps atratus brasiliensis
por MENIN et al. (1990)..
O ventrículo gástrico possui o formato de lente biconvexa,
sendo o seu diâmetro craniocaudal maior que o dorsoventral. Situa-se no
plano
mediano e seu eixo crânio-caudal, desvia-se mais ventralmente e para a
direita,
tendo como limite caudal a junção gastroduodenal, que o une com o
duodeno
(Figura 2). Relaciona-se cranialmente com o lobo esquerdo do fígado e
região
dorsal do ceco, ventralmente, com o pâncreas e alças ascendente e
descendente
do duodeno. A parede do ventrículo gástrico é espessa (Figura 3), sendo
revestida por uma resistente membrana, a coilina, com composição
semelhante à
queratina, e coloração amarelo escura. A camada muscular é desenvolvida
e de
coloração escura.
Em relação aos aspectos microscópicos, o proventrículo de C.
parvirostris apresenta camada mucosa mais clara, contendo numerosos
pregueamentos, com depressões chamadas sulcos, sendo a muscular da
mucosa
ausente nessa espécie. O epitélio de revestimento é cilíndrico simples,
exceto
na base dos sulcos, onde é cubóide (Figura 4), em concordância com o
observado
em Fullica armillata (ESPÍNOLA & GALLIUSSI, 1990). A lâmina
própria-submucosa é constituída por glândulas que ocupam quase sua
totalidade
(Figura 5). As glândulas esvaziam na extremidade de cada papila, onde
são
encontrados poros secretores em continuidade com o lúmen. Possuem
formatos
pentagonal e hexagonal, delimitadas por tecido conjuntivo denso
modelado;
observou-se ainda que há grande quantidade de células parietais,
recobrindo as
glândulas submucosas. As células principais estão presentes, porém em
quantidade ínfima quando comparadas às anteriores. A camada muscular,
quando
avaliada em corte longitudinal, é fina e composta por duas camadas de
músculo
liso: camada interna com orientação circular e camada externa de
disposição
longitudinal (Figura 6), conforme o encontrado por ROCHA & de LIMA
(1998)
em estudo realizado com Speotyto cunicularia. A musculatura é
revestida
externamente por uma camada serosa típica (Figura 6).
O ventrículo gástrico de C. parvirostris apresenta
mucosa formada por epitélio variando de cilíndrico simples a cúbico
(Figura 7)
e, logo abaixo, lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo, contendo
inúmeras
glândulas do tipo tubular simples (Figura 8), com luz bem evidente,
revestidas
por epitélio simples cúbico e separadas por tecido conjuntivo
abundante,
conforme os aspectos trabalhados por GLEREAN & de CASTRO (1965),
ESPÍNOLA
& GALLIUSSI (1990), e MONTEIRO et al. (2009), ao estudarem Fullica
armillata, Struthio camelus var. domesticus e Thryothorus
longirostris
longirostris, respectivamente. Assim como em Rhynchotus
rufescens (ROSSI
et al., 2005a; ROSSI et al., 2005b), a mucosa do animal em estudo é
constituída
por pregas revestidas por células cilíndricas e pelo muco formador da
cutícula,
com criptas na base das pregas. A camada muscular (Figura 8) é
constituída por
uma camada longitudinal e por uma camada externa desenvolvida circular
de
músculo liso, tendo interceptações de tecido conjuntivo entre os feixes
musculares, semelhante ao encontrado por CATROXO et al.
(1997), em pesquisa realizada com Paroaria gularis gularis.
A camada serosa é típica, formada por tecido conjuntivo frouxo e
mesotélio.
No proventrículo de um dos animais
em estudo, verificou-se a presença de infiltrado inflamatório
mononuclear
multifocal acentuado, presente na camada mucosa na lâmina própria das
glândulas. Já no ventrículo gástrico do mesmo animal, observou-se
infiltrado
inflamatório mononuclear focal discreto na camada serosa. Tais
processos
inflamatórios são decorrentes da presença de parasito nematódeo, como
pôde ser
observado na camada submucosa do ventrículo gástrico (Figura 9).
CONCLUSÕES
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS
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