DOI: 10.5216/cab.v13i2.17263

PERFIL HEMATOLÓGICO E BIOQUÍMICO DE OVINOS SUPLEMENTADOS COM SALINOMICINA SUBMETIDOS À ACIDOSE LÁCTICA RUMINAL

 

Aerlem Cynnara Vieira1, Adaucides Câmara Câmara2, Carla Lopes Mendonça3, José Augusto Bastos Afonso3

 

1Doutora em Medicina Veterinária pela Universidae Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil - acynnara@gmail.com
2Mestre em Ciência Animal pela Universidade Federal do Semi-Árido, Mossoró, RN, Brasil
3 Médicos Veterinários Doutores da Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Garanhuns, PE, Brasil Brasil

RESUMO

Utilizaram-se 12 ovinos distribuídos nos grupos controle (GC) e no salinomicina (GS) com objetivo de estudar alterações clínicas, hematológicas e bioquímicas nos ovinos suplementados com o ionóforo e avaliar seu efeito na prevenção da acidose ruminal experimental. Induziu-se acidose ruminal com sacarose e as variáveis foram analisadas 4h, 8h, 12h, 16h, 24h, 32h e 48h pós-indução (PI). Determinaram-se as enzimas AST, GGT, FA, CK, as proteínas totais séricas (PT), albumina, ureia, creatinina, hemograma, proteína plasmática total (PPT), fibrinogênio (FP), glicose e L-lactato. Manifestações clínicas de acidose láctica ruminal e os menores valores de pH foram observadas 8h PI, com (P<0,05) no GS comparado ao momento 0h. Os neutrófilos apresentaram maiores contagens (P<0,05) no GC 4h PI comparado ao GS. O FP alcançou maiores valores (P<0,05) no GC 48h PI comparado ao GS. A uréia diminuiu (P<0,05) em ambos os grupos 12h PI. A glicose aumentou (P<0,05) no GC comparado ao momento 0h. Houve queda (P<0,05) do pH urinário no momento 12h até 48h PI, em relação ao momento 0h no GC, enquanto no GS apenas os momentos 12h e 16h PI apresentaram diminuição (P<0,05). A salinomicina não preveniu a acidose; no entanto, favoreceu o restabelecimento dos animais tratados.
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PALAVRAS-CHAVE: Bioquímica clínica; distúrbio fermentativo; ionóforos; pequenos ruminantes.

HEMATOLOGICAL AND BIOCHEMICAL PROFILE OF SHEEP SUPPLEMENTED WITH SALINOMYCIN SUBMITTED TO EXPERIMENTAL LACTIC RUMINAL ACIDOSIS

ABSTRACT

Twelve sheep were distributed into two groups, control (CG) and salinomycin (SG), to study clinical, hematological and biochemical alterations in sheep supplemented with the ionophore and to evaluate its effect in preventing experimental lactic ruminal acidosis which was induced with sucrose. Variables were analyzed at intervals of 4h, 8h, 12h, 16h, 24h, 32h and 48h post-induction (PI). The enzymes AST, GGT, ALP and CK were determined, and seric total protein (TP), albumin, urea, creatinine, blood count, total plasmatic protein (TPP), fibrinogen (PF), glucose and L-lactate were quantified. Clinical manifestations of lactic acidosis and lower ruminal pH values were observed 8h PI, with (P <0.05) in SG compared to the basal moment. Neutrophils showed higher scores (P <0.05) in CG compared to SG 4h PI. The PF reached significant values (P <0.05) in CG 48h PI compared to SG. Urea decreased (P <0.05) in both groups 12h PI. Glucose increased (P <0.05) when compared to CG at basal moment. There was a decrease (P <0.05) at urinary pH 12h up to 48h PI, compared to 0h time in CG, while the SG decreased (P <0.05) just at moments 12h and 16h PI. Salinomycin did not prevent acidosis, however, favored the reestablishment of the animals that received it.
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KEYWORDS: clinical biochemistry; fermentation disturbance; ionophores; small ruminants.


INTRODUÇÃO

A acidose láctica ruminal aguda é uma doença metabólica, caracterizada por distúrbio fermentativo que acontece após a ingestão súbita e/ou não adaptada de carboidratos facilmente digeríveis, desencadeando modificações na flora microbiana que comprometem a dinâmica ruminal, frequentemente com reflexo sistêmico de acidose e vários processos secundários que são potencialmente prejudiciais à produção animal (HUNGATE et al., 1952; DUNLOP, 1972; BRAUN et al., 1992; ORTOLANI, 1995; OWENS et al., 1998).
Os sinais clínicos variam conforme a severidade da doença. O apetite e os movimentos ruminais estão reduzidos ou ausentes, observa-se diarréia, desidratação e distensão do abdômen além de taquicardia e taquipneia, um quadro de laminite também pode ser observado, ressaltando que nos casos superagudos, os animais permanecem em decúbito, podendo ir a óbito devido à severa insuficiência circulatória (HUBER, 1971; CAKALA et al., 1974; DOUGHERTY et al., 1975; MARUTA & ORTOLANI, 2002; MIRANDA NETO et al., 2005).
A observação dos sinais clínicos, análise do fluído ruminal e urina, quando associados ao conhecimento das alterações sanguíneas permitem melhor avaliação do quadro clínico e direcionamento apropriado da terapêutica (PATRA et al., 1993; NIKOLOV, 2003; CÂMARA, 2008). No entanto, devido aos prejuízos que acarreta, o mais racional é evitar que a enfermidade aconteça (VIEIRA et al., 2006).
Algumas medidas preventivas da acidose láctica são empregadas em ruminantes como o fornecimento gradativo de carboidratos na alimentação, a utilização de tamponantes e de alguns grupos de antibióticos na dieta. Dentre as práticas que vêm demonstrando resultados satisfatórios, destaca-se a utilização de ionóforos como a monensina e a lasalocida, gerando boas perspectivas para o controle desse distúrbio fermentativo, por inibirem o crescimento das bactérias Gram-positivas, Streptococcus bovis e Lactobacillus sp, as maiores produtoras de ácido láctico no rúmen (BEEDE & FARLIN, 1977; KEZAR & CHURCH, 1979b; MUIR et al., 1980b; BERGEN & BATES, 1984; AFONSO et al., 2000).
Vale salientar que outro composto dessa categoria, a salinomicina, está sendo investigado com propriedade no controle de alguns transtornos digestivos em ruminantes (NAGARAJA et al., 1985; USAGAWA, 1992); contudo, são escassas as informações referentes ao seu uso na espécie ovina como preventivo da acidose láctica ruminal.
Diante do exposto, objetivou-se descrever o perfil hematológico e bioquímico de ovinos suplementados com salinomicina submetidos à acidose láctica ruminal.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado no aprisco de experimentação animal da Clínica de Bovinos da Universidade Federal Rural de Pernambuco com 12 ovinos adultos, entre machos e fêmeas, mestiços da raça Santa Inês, pesando em média 30 Kg e clinicamente sadios. Foi implantada cânula ruminal permanente em cada animal, conforme DEHGHANI & GHADRDANI (1995). O período de recuperação cirúrgica e adaptação ao manejo alimentar foi de quatro semanas, anteriores à indução da acidose ruminal. Nesse intervalo e durante a fase de indução da acidose, os animais receberam farelo de soja (150g) duas vezes ao dia, às 8:00h e 16:00h, além dos capins elefante (Pennisetum purpureum) e tifton (Cynodon dactylon), sal mineral e água ad libitum.
Os ovinos foram subdivididos em dois grupos de seis animais, sendo um grupo controle (GC) e o outro que recebeu a Salinomicina (Salocin 120 – Intervet.) (GS), administrada diretamente no rúmen, através da fístula, na dose diária de 30 mg/kg da dieta, por animal, no decorrer de 42 dias e durante a fase de indução (MERCHEN e BERGER, 1985).
Os valores fisiológicos (0h) para as variáveis estudadas foram estabelecidos durante os dois dias anteriores à indução por avaliação clínica por meio do exame físico e laboratorial, hemograma, da bioquímica sérica e pH ruminal e urinário, conforme recomendações de JAIN (1993) e RADOSTITS et al. (2007). No exame clínico dos animais, observaram-se as características de atitude, comportamento, apetite, coloração das mucosas, frequência cardíaca e respiratória, motilidade retículoruminal (frequência e amplitude), temperatura retal e o aspecto das fezes.
Após o período inicial de adaptação, a aplicação do antibiótico foi mantida e a acidose induzida nos ovinos fornecendo como substrato 10g de sacarose/kg de peso corpóreo, através da fístula ruminal, às oito horas da manhã, antes da alimentação matinal (DELAK & ADAMIC, 1959).
As observações clínicas no decorrer do experimento e a colheita das amostras de fluído ruminal, sangue e urina foram realizadas em intervalos de 4h, 8h, 12h, 16h, 24h, 32h e 48h pós-indução (PI), a fim de observar o surgimento de prováveis alterações clínicas e laboratoriais indicativas de acidose láctica, conforme recomendações de KEZAR & CHURCH (1979a).
O fluído ruminal foi obtido por sonda, acoplada à bomba de sucção, introduzida através da cânula e a determinação do pH foi realizada em medidor de pH digital (pHmetro: Corning 30) (DIRKSEN, 1993). Para as análises hematológicas, obtiveram-se três amostras de sangue em tubos com vácuo mediante punção da veia jugular, sendo um tubo com EDTA à 10% para o hemograma, um tubo com fluoreto de sódio para determinação da glicose e lactato plasmáticos, e um tubo siliconizado para obtenção do soro para determinação da proteína total sérica (PT), albumina, ureia, creatinina, aspartato aminotransferase (AST), gama glutamiltransferase (GGT), fosfatase alcalina (FA) e creatina quinase (CK). O pH urinário foi analisado conforme recomendações de ORTOLANI (2002).
Os valores obtidos foram analisados estatisticamente ao longo de oito momentos experimentais, comparando cada momento experimental com o momento inicial (0h) dentro do grupo, e entre os grupos controle e salinomicina. As variáveis foram submetidas à análise de variância, empregando-se as estatísticas F, sendo consideradas significativas quando p<0,05, realizando-se o contraste entre as médias pelo método Turkey e calculando-se a diferença mínima significativa (dms) para alfa igual a 0,05. Para as variáveis pH ruminal, eosinófilos, basófilos, fibrinogênio plasmático (FP), aspartato aminotransferase (AST) e gama glutamiltransferase (GGT), obteve-se a mediana como medida de tendência central, com a prova de Friedman para amostras dependentes e método de Mann Whitney na comparação entre os grupos, usando o χ2 e calculando a dms para alfa igual a 0,05 (CURI, 1997).

RESULTADOS

A indução da acidose nos ovinos provocou um quadro clínico brando de acidose ruminal, caracterizado por taquicardia discreta, inapetência, apatia e consequente anorexia. Na maioria dos animais, em ambos os grupos, houve redução da motilidade do rúmen (frequência e amplitude), durante o período de acidose ruminal (8h à 16h PI), e excreção fezes pastosas. Foi observada variação na hidratação de alguns animais, com exsicose mais intensa no GC quando comparado ao GS, não havendo importância clínica frente às demais alterações. Tais achados foram evidentes desde 8h PI, retornando à normalidade a partir de 32h PI.
O pH ruminal apresentou queda progressiva dos valores iniciais, alcançando os níveis mais baixos 8h PI, com 6.06 no GC e 6.07 no GS, havendo diferença estatística significativa (P<0,05) no grupo que recebeu o ionóforo quando comparado ao momento inicial. Mesmo assim, a recuperação dos valores normais (Figura 1), aconteceu de forma mais expressiva nos animais do GS quando comparado aos animais do GC, mas sem diferença estatística (P>0,05).
No eritrograma, as hemácias, hematócrito e hemoglobina assumiram os maiores valores (Tabela 1) entre 12h e 16h PI no GC, enquanto no GS essas variáveis tiveram incremento posteriormente, entre 16h e 32PI. O volume corpuscular médio (VCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) variaram pouco em relação aos índices primários. Não foi observada diferença significativa (P>0,05) para as variáveis descritas, entre os grupos nem ao longo dos momentos de observação dentro de cada grupo.
A resposta inflamatória, observada na contagem leucocitária, foi discreta e assumiu padrão semelhante nos dois grupos experimentais a partir de 8h PI. Tanto no GC como no GS, os valores mais elevados foram observados nos momentos 12h PI e 16h PI, não existindo em ambos os grupos e entre eles diferenças significativas (P>0,05). Para o GS, a contagem de leucócitos diminuiu gradativamente; no entanto, os valores permaneceram ligeiramente acima dos limites iniciais. Os neutrófilos segmentados foram as principais células de defesa responsáveis por esse padrão de distribuição (Figura 2), havendo diferença significativa (P<0,05) no momento 4h PI do GC (4774,29/µL) quando comparado ao GS (3430/µL).
Os valores da proteína plasmática total (PPT) evoluíram de forma progressiva, alcançando índices mais elevados nos momentos 16h PI (7,8g/dL ± 0,35) e 32h PI (7,61g/dL ± 0,77) para os GC e GS, respectivamente. Quando comparados aos índices iniciais e cada momento entre os grupos, não houve significado estatístico (P>0,05). No GC o fibrinogênio plasmático (FP) apresentou o valor de maior expressão às 48h PI (400mg/dL), com diferença estatística significativa (P<0,05) quando comparado ao GS (200mg/dL). Nos animais do GS, os índices de FP não apresentaram variação na maioria dos momentos experimentais. Quando comparados os momentos após a indução com o momento 0h, não foi observada diferença estatística significativa (P>0,05) para ambos os grupos (Figura 3).
A proteína total sérica (PTS) não sofreu variações expressivas ao longo dos períodos de observação (P>0,05), retornando a limites ligeiramente inferiores ao final do experimento (Tabela 1). A fração representada pela albumina apresentou incremento 16h PI para ambos os grupos, permanecendo ligeiramente acima do valor inicial para o GC e um pouco abaixo do momento 0h para o GS, porém sem expressão significativa neste comportamento (P>0,05).
Após a indução da acidose láctica, os índices para a uréia reduziram de maneira significativa (P<0,05) em relação ao momento inicial (0h), de forma mais expressiva 12h PI em ambos os grupos (Figura 4), alcançando valores de 45,03mg/dL (± 12,68) e 54,38mg/dL (± 11,69) para os GC e GS, respectivamente. Quando os grupos foram comparados, não houve diferença estatística significativa (P>0,05).
A creatinina apresentou comportamento homogêneo (
Tabela 1), permanecendo com distribuição praticamente linear em ambos os grupos, com os maiores valores observados 32h PI, porém não houve diferença estatística significativa (P>0,05) entre os momentos experimentais e o momento inicial. Quando os GC e GS foram comparados, não foi observada diferença estatística significativa (P>0,05).
Quanto às enzimas AST, GGT e FA não houve variação significativa (P>0,05) nos valores ao longo do período experimental (
Tabela 1), quando comparado ao momento basal e entre os GC e GS.
Após a indução da acidose ruminal, foi verificada elevação nos valores da glicose plasmática, em ambos os grupos, que foi significativa (P<0,05) no GC 4h PI (76,95mg/dL), quando comparada ao momento inicial (59,63mg/dL). No GS, apesar do incremento, o valor médio mais alto (88,05mg/dL) foi observado 16h PI, porém sem revelar significado estatístico (P>0,05). Ao analisar o comportamento dessa variável entre os grupos, não foi observada diferença significativa (P>0,05) entre eles ao longo dos momentos experimentais (Figura 5).
Foi constatada elevação nos valores do L-Lactato, com os maiores índices médios observados 4h PI, alcançando 16,50mg/dL no GC e 30,72mg/dL nos animais do GS, não sendo constatado significado estatístico (P>0,05) ao confrontar com os achados do momento inicial. Na comparação dos grupos, não foi observada diferença significativa (P>0,05), em que os animais do GC retornaram aos índices iniciais e o GS demonstrou valores ligeiramente inferiores (Figura 6).

Houve queda significativa (P<0,05) nos valores médios do pH urinário (Figura 7) após a indução da acidose ruminal, desde o momento 12h PI (6,43) e nos momentos seguintes, até o último momento experimental (5,5) em relação ao momento 0h (7,86) no GC. Para o GS apenas os momentos 12h (5,5) e 16h PI (5,64) apresentaram diminuição significativa (P<0,05) do pH em relação ao momento inicial (8,18). Na comparação entre os grupos, houve diferença significativa (P<0,05) com menor valor médio no GS (5,5) em relação ao GC (6,43) no momento 12h PI. No entanto, ao final do experimento (48h PI), o pH do GC permaneceu baixo (5,5), com diferença significativa (P<0,05), em relação aos valores médios do GS (7,6). Ao longo dos momentos experimentais, o grupo salinomicina estabilizou o pH, retornando à limites semelhantes aos basais.

DISCUSSÃO

Os sinais clínicos observados nos ovinos após a indução da acidose são semelhantes àqueles relatados por autores que provocaram e/ou descreveram o transtorno digestivo com o uso de diversos substratos, tanto em pequenos como em grandes ruminantes. Entretanto, no presente estudo, o quadro clínico apresentado pelos animais foi mais brando quando comparado a outros relatos, nos quais os animais apresentaram estase ruminal, diarréia, desidratação intensa, alterações neurológicas e até óbito nos casos mais intensos (CAKALA et al., 1974; CAO et al., 1987; BRAUN et al., 1992; NAGARAJA & LECHTENBERG, 2007; COMMUN et al., 2009; MIRANDA NETO et al., 2011). Tais diferenças, provavelmente, ocorreram pela menor quantidade e tipo de substrato utilizado para induzir a acidose nos animais deste estudo. Esses achados diferem de ensaios com a monensina, nos quais o ionóforo se mostrou efetivo em prevenir a acidose em ruminantes, provavelmente por um mecanismo mais eficaz em otimizar o status energético e favorecer a microbiota produtora de ácido propiônico em detrimento daquelas que produzem ácido láctico, quando comparado ao uso da salinomicina (NAGARAJA et al., 1985; MOUSSA, 1994; AFONSO et al., 2002b).
A diminuição nos valores do pH ruminal coincidiu com o descrito na literatura, mas de forma menos intensa, retornando a limites próximos daqueles observados nos momentos iniciais, e de forma mais pronunciada nos animais do GS, demonstrando o aspecto favorável da utilização desse ionóforo. Essa alteração é justificada nos casos de acidose láctica, quando o pH cai a níveis críticos logo nas primeiras 4-8 horas após a ingestão do substrato que desencadeou o distúrbio, estando tanto mais baixo quanto maior for a produção inicial de ácidos graxos voláteis (AGVs) pelas bactérias Gram negativas e continuada de ácido láctico pelas bactérias Gram positivas que passam a predominar graças ao baixo pH (NOCEK, 1997; OWENS et al., 1998). Esses achados refletem o tipo e quantidade do substrato utilizado na indução da acidose, bem como a interação da salinomicina com a população microbiana, demostrando menor poder de controle do distúrbio fermentativo quando comparado a estudos com outros antibióticos seletivos como a monensina, a capreomicina e a lailomicina, nos quais é atribuído ao ionóforo um bom controle do pH em distúrbios fermentativos, tornando o restabelecimento dos animais enfermos aparentemente mais rápido (MUIR et al., 1980a; MUIR et al., 1980b; AHUJA et al., 1990; BAUER et al., 1995; MBANZAMIHIGO et al., 1995; AFONSO et al., 2002a).
No eritrograma, embora não tenha havido diferença estatística entre os grupos para as variáveis analisadas, notou-se que os animais do GC apresentaram maior elevação dos seus valores. Esse comportamento provavelmente ocorreu em virtude da maior intensidade do distúrbio fermentativo sofrido pelos animais controle, o que se reflete no grau de desidratação observado. Nos animais do GS, os achados refletem o melhor desempenho, quando comparado ao GC, frente às alterações patológicas do equilíbrio osmótico e o estresse acarretado pela acidose experimental, visto que, em casos de acidose láctica, o efluxo de líquidos dos compartimentos intra e extracelular para o rúmen no intuito de manter o equilíbrio intra ruminal resulta no incremento do hematócrito (TELLE & PRISTON, 1971). Por outro lado, o estresse gerado com o quadro de acidose provoca contração esplênica devido à ação da epinefrina podendo haver hemoconcentração decorrente da quantidade de hemácias lançadas na corrente sanguínea periférica e consequente aumento do hematócrito (JAIN, 1993). No entanto, esse último caso é incomum em ruminantes e não é acompanhado por aumento paralelo nos valores da proteína plasmática como foi observado neste trabalho.
Comportamento semelhante para o hematócrito foi observado por PATRA et al. (1997) ao induzirem acidose ruminal em ovinos, mas de forma mais intensa. O maior incremento da Hb no GC reflete provavelmente a desidratação ocorrida e demonstrada pelo maior valor de hematócrito após a indução nesses animais quando comparado aos animais do GS, que manteve o volume plasmático mais estável em relação ao controle. Existem relatos de incremento nos índices da hemoglobina em ruminantes com indigestão aguda, atribuído à diminuição do volume plasmático bem como à contração esplênica. No entanto, HUBER (1971), ao induzir acidose em ovelhas, observou que a diminuição no volume plasmático foi mais expressiva que a elevação do hematócrito indicando que o último subestima o grau de desidratação plasmática. Os índices observados para a PPT são considerados normais para a espécie, com os valores mais altos relacionados à intensidade da desidratação ocorrida nos animais em cada grupo (ANGELOV et al., 1996; ALMEIDA et al., 2008).
Os achados do leucograma se assemelham, em menor intensidade, aos relatados por CAO et al. (1987), UNDERWOOD (1992), MOHAMED NOUR et al. (1998) e NIKOLOV (2000), em caprinos, bovinos e bubalinos com acidose, nos quais descrevem que a mobilização de neutrófilos está relacionada à inflamação na mucosa do rúmen provocada pela concentração elevada de ácido láctico no fluído ruminal que, sendo irritante ao epitélio, desencadeia todo o processo de ruminite. A recuperação do quadro leucocitário, nos momentos seguintes, se deu em função da melhoria da condição clínica dos animais, uma vez que a evolução da acidose láctica induzida, mesmo aguda, foi branda como verificada por GOZHO et al. (2007) e DANSCHER et al. (2010) em vacas com acidose ruminal subaguda.
O aumento na proteína de fase aguda, fibrinogênio plasmático (FP), foi mais intenso nos animais do GC do que naqueles do GS, embora ambos os grupos tenham permanecido dentro do limite considerado normal para a espécie ovina (GARRY, 2002). Esse achado nos animais do GS indica um melhor controle dos aspectos adversos provocados pela acidose, como a lise de bactérias Gram negativas, e que estão diretamente relacionados com o incremento da resposta inflamatória como sugerem ECKERSALL (2000), GOZHO et al. (2007), BRAUN et al. (2010) e DANSCHER et al. (2010). No presente estudo, o estímulo inflamatório foi discreto, não havendo resposta expressiva como a descrita pelos autores, provavelmente pelo tipo e menor quantidade de substrato utilizado, também pela possível ação da salinomicina evitando lise de bactérias, visto que nos animais tratados com o ionóforo praticamente não houve aumento nas concentrações de fibrinogênio quando comparado aos animais do GC.
Os resultados obtidos para a PT foram semelhantes aos relatados por VIHAN et al. (1982) e METKARI et al. (2001), que não observaram alterações para essa variável em animais acometidos do distúrbio, que é justificado pela menor intensidade do processo ocorrido nos animais analisados neste estudo. Diferentemente do descrito por ALMEIDA et al. (2008), que explicam esse achado principalmente pela hemoconcentração em decorrência da desidratação durante a enfermidade. Achados semelhantes para a albumina foram descritos por VIHAN et al. (1982) em caprinos com acidose, e por AUSTIN & WILDE (1985) em ovelhas prenhes com acidose induzida, suplementadas ou não com o ionóforo monensina, nos quais não houve alterações marcantes dessa proteína.
O padrão de diminuição nos valores da uréia e posterior retorno a índices semelhantes aos iniciais neste trabalho corroboram com os achados de ALMEIDA et al. (2008) na acidose em caprinos. Esse achado é consequência, provavelmente, da modificação no padrão fermentativo intraruminal por diminuição da população microbiana produtora de NH3, refletindo em queda na ureia sérica durante os momentos mais críticos de acidose ruminal (MOUSSA, 1994; BRAUN et al., 2010). Os dados deste trabalho diferem dos obtidos por PATRA et al. (1996) e METKARI et al. (2001), em ovinos e caprinos, com a enfermidade também induzida, cujos animais apresentaram distribuição inversa, com os maiores valores nos períodos mais críticos de acidose. A distribuição da ureia neste estudo demonstra a menor severidade do quadro clínico de acidose dos animais quando comparada à maior severidade da acidose e desidratação descritas nos experimentos citados.
Os índices da creatinina se mantiveram dentro do limite considerado normal para a espécie, de forma semelhante aos relatos de ALMEIDA (2008) em caprinos com acidose láctica ruminal experimental. Os achados descritos discordam daqueles observados por NAGARAJA et al. (1985) em bovinos, ao comparar a eficiência da salinomicina em relação aos ionóforos lasalocida e monensina na prevenção da acidose, e dos observados por BROWN et al. (1999), estudando ovelhas com o mesmo distúrbio, pois ambos obtiveram valores maiores para a creatinina em período semelhante ao descrito neste trabalho, o que pode ser justificado pela menor perfusão sanguínea renal provocada pela maior intensidade do distúrbio fermentativo naqueles trabalhos, como explicam GONZÁLEZ & SCHEFFER (2002).
A elevação dos teores da AST foi discreta durante o acompanhamento dos sinais de acidose em ambos os grupos experimentais, demonstrando não haver comprometimento aparente da função hepática, nem danos teciduais, pois os animais em estudo apresentaram um quadro brando de acidose, não ficaram prostrados nem permaneceram muito tempo em decúbito ao ponto de provocar incremento nas concentrações da AST (BROWN et al., 1999; ALMEIDA et al., 2008). Achados discordantes foram relatados por BRAUN et al. (1992), DAS & MISRA (1992) e PATRA et al. (1996), que evidenciaram aumentos marcantes nessa enzima a partir de 24h após a indução da doença, associando esse achado aos danos hepáticos e musculares. Essas diferenças estão relacionadas, provavelmente, ao tipo de substrato que foi empregado, a sacarose, bem como à quantidade administrada, que foi bem menor no presente estudo.
A enzima GGT não foi comprometida nos animais durante a indução da acidose, visto que apesar das oscilações observadas, as mesmas não foram indicativas de dano hepático, pois permaneceram no limite da normalidade para a espécie ovina (KANEKO et al., 2008). Divergências foram observadas nos resultados de BRAUN et al. (1992) e PATRA et al. (1996) em caprinos e ovinos com acidose, que observaram que os valores para essa enzima foram elevados, sendo atribuído os achados à lesão hepatobiliar.
Os valores obtidos para a FA mantiveram-se dentro da faixa considerada normal para a espécie (KANEKO et al., 2008). Achados semelhantes foram relatados por ALMEIDA et al. (2008), em casos de acidose láctica induzida em caprinos, e por NAGARAJA et al. (1985), empregando a salinomicina em bovinos como modelo de prevenção.
Resultados semelhantes para a CK foram descritos por ALMEIDA et al. (2008), na acidose em caprinos, nos quais não foram observadas alterações dessa variável. Entretanto, nos relatos de LAL et al. (1991), BRAUN et al. (1992) e UNDERWOOD (1992), obtidos nos casos de acidose láctica em caprinos, houve elevações expressivas para a CK, que foram justificadas pelos danos musculares provocados devido ao maior tempo em decúbito dos animais. A indução da acidose nos animais do presente estudo proporcionou um quadro brando de acidose láctica, no qual os animais apesar do apetite diminuído, atonia ruminal em alguns deles, agrupamentos de fezes, dentre outros, não chegaram a ficar prostrados nem em decúbito por muito tempo, não havendo estímulo suficiente para acarretar o incremento nos valores dessa enzima que é um marcador sensível de comprometimento muscular (GARRY, 2002).
Elevações nos valores da glicose, empregando-se diferentes tipos de substratos e gerando manifestações clínicas de intensidades variadas, em ruminantes com acidose láctica, foram relatadas por ANGELOV et al. (1995), PATRA et al. (1997), MOHAMED NOUR et al. (1998) e ALMEIDA et al. (2008), que justificam a hiperglicemia temporária graças à maior reabsorção de glicose, a partir do excedente que não foi metabolizado pela microbiota ruminal, como também devido ao aumento na síntese de glicose pelo fígado, oriunda da maior produção e absorção de ácidos graxos voláteis no rúmen (NAGARAJA et al., 1985). Apesar de não ter existido diferença entre os grupos experimentais, os ovinos que receberam a salinomicina apresentaram valores mais elevados de glicose, durante o período da acidose ruminal, justificados pela ação seletiva do ionóforo em favorecer o crescimento de bactérias que sintetizam propionato, principal precursor gliconeogênico (AUSTIN & WILDE, 1985; NAGARAJA et al., 1985; MOUSSA, 1994).
Diante dos resultados para o L-Lactato plasmático, pôde ser constatado que houve um quadro brando de lacticemia nos animais em estudo nos dois grupos, em decorrência de sua absorção para a corrente sanguínea devido à elevação desse ácido no fluído ruminal, o que implicou nas manifestações clínicas assinaladas. Essa alteração é bem característica no processo de acidose láctica e surge em consequência do desequilíbrio entre a sua síntese e utilização por parte da flora bacteriana produtora e consumidora, pois o mesmo no rúmen é apenas um produto intermediário da fermentação bacteriana Gram positiva (ANGELOV et al., 1996; NOCEK, 1997; MOHAMED NOUR et al., 1998). Os achados obtidos são semelhantes aos relatados por BAUER et al. (1995), que, ao empregarem a laidlomicina em bovinos, com o intuito de minimizar a ocorrência da acidose subaguda experimental, observaram que o mesmo não se mostrou tão eficaz. Entretanto, esses achados diferem dos relatados de AHUJA et al. (1990) e NAGARAJA et al. (1985), que, empregando esse e outros tipos de ionóforos em bovinos e búfalos, observaram resultado favorável em animais com acidose induzida, nos quais os compostos foram eficazes no controle da enfermidade, reduzindo o teor de ácido láctico no rúmen e consequentemente o sanguíneo.
Os achados deste trabalho demonstram o aspecto favorável do uso da salinomicina em animais expostos a situações que possam desencadear a acidose láctica ruminal e, consequentemente, acidose metabólica, visto que os animais tratados com o ionóforo retornaram à valores normais de pH urinário de forma mais rápida e consistente que os animais do GC que continuaram a apresentar valores baixos de pH urinário indicando maior dificuldade dos mesmos em metabolizar o excesso de AGVs e outros produtos de fermentação como o ácido láctico acumulados, estando no limite da normalidade se considerarmos o súbito aporte de carboidratos. Essa queda nos valores do pH urinário é atribuída principalmente à excreção do íon H+, que está atrelada à eliminação de amônia, bem como de moléculas de fosfato e lactato, sendo um indicador precoce e mais confiável em casos brandos de acidose ruminal porque os rins secretam íons H+ antes que o mecanismo de reabsorção de ácido láctico seja superado (UNDERWOOD, 1992; PATRA et al., 1993; ORTOLANI, 2002). Por outro lado, BROWN et al. (1999), em estudo com ovelhas adultas, verificaram que o pH urinário não sofreu influência na acidose induzida, havendo discordância em relação aos achados do presente estudo que demonstram diminuição expressiva no pH urinário dos animais acometidos por acidose láctica experimental, mas que não receberam tratamento ou medida preventiva como a utilização da salinomicina. Esses autores ponderam que variações individuais podem interferir no valor do pH, tornando seu uso limitado como indicador de acidose.

CONCLUSÕES

Diante dos objetivos propostos, pode-se concluir que a indução da acidose provocou manifestações clínicas características da doença, em sua forma branda, em ambos os grupos experimentais. Em função da evolução clínica de pouca intensidade, as alterações hematológicas e bioquímicas se apresentaram com pouca expressão. O emprego da salinomicina não preveniu o surgimento do distúrbio fermentativo; entretanto, nos animais que a utilizaram, foi verificado que a recuperação clínica dos parâmetros hematológicos e bioquímicos foi mais precoce.

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Protocolado em: 20 fev. 2012 Aceito em: 06 jun. 2012.