METABOLISMO OXIDATIVO DOS ERITRÓCITOS E ERITROGRAMA NA MASTITE EXPERIMENTALMENTE INDUZIDA POR Staphylococcus aureus EM CABRAS SUPLEMENTADAS COM VITAMINA E


Paulo Ricardo de Oliveira Paes,1 Sônia Terezinha dos Anjos Lopes,2
Raimundo Souza Lopes,3 Aguemi Kohayagawa3 e Regina Kiomi Takahira3

1. Professor adjunto, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Av. Antônio Carlos, n° 6627, Caixa Postal 567, CEP 30123-970, Belo Horizonte, MG. E-mail: paulopaes@vet.ufmg.br.
2. Professora adjunto, Hospital Veterinário da Universidade Federal de Santa Maria, (UFSM)
3. Professores doutores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista, (UNESP), Campus de Botucatu, SP.



RESUMO

A explosão oxidativa dos neutrófilos na reação à infecção pode resultar em danos celulares e causar, entre outras alterações, a anemia da doença inflamatória. O sistema glutationa e a vitamina E são antioxidantes que inativam os radicais livres. O presente trabalho teve por objetivo avaliar os efeitos da administração de vitamina E sobre o eritrograma e a glutationa reduzida eritrocitária (GSH) de cabras desafiadas com a inoculação intramamária de Staphylococcus aureus ao décimo dia pós-parto. Foram usadas 28 cabras, primíparas, da raça Saanen, na faixa etária de dez a dezesseis meses, distribuídas, aleatoriamente, para quatro tratamentos, cada um com sete animais, como segue: controle (TC), suplementação com vitamina E (TV), desafio por Staphylococcus aureus (TM) e suplementação com vitamina-E e desafio por S.aureus (TVM). Conclui-se que a inoculação de S.aureus na glândula mamária não altera o eritrograma e a glutationa reduzida eritrocitária e que a vitamina E favorece, positivamente, uma melhor resposta eritrocitária.

PALAVRAS-CHAVES: Caprinos, eritrócitos, GSH, mastite, vitamina E.

ABSTRACT

ERYTHROCYTE OXIDATIVE METABOLISM AND ERITROGRAM IN MASTITIS INDUCED BY
Staphylococcus aureus ON GOATS WITH ADMINISTRATION OF VITAMIN E

The oxidative boom of neutrophils to infection reaction can result in cellular injury and lead to inflammatory disease anemia, among other disorders. The glutathione system and the vitamin E are antioxidants that disable free radicals. The aims of the present study were to evaluate the effects of administration of vitamin E on erythrogram and erithrocyte reduced glutathione (GSH) of 28 Saanen goats, experimentally challenged trough intramammary route, ten days after parturition. The animals had between ten and sixteen months of age, had their first deliver by the time of the experiment and were randomly divided in four groups: control (CG), vitamin E supplementation (VG), inoculated with Staphylococcus aureusS. aureus (MG) and inoculated with S. aureus and vitamin E supplementation and (VMG). It could be concluded that inoculation of S.aureus in mamary glands of Saanen goats produce no change on erythrogram and on erythrocytic reduced glutathione concentration, and the vitamin E causes a better erythrocyte response in goats.

KEY WORDS: Erythrocytes, glutathione, goats, vitamin E.


INTRODUÇÃO

Qualquer tipo de lesão do tecido mamário pode induzir uma resposta inflamatória ou mastite. Entretanto, a doença do úbere de maior relevância é aquela associada à infecção microbiana (JAIN, 1979). Nas infecções causadas por bactérias, a anemia é um achado frequente, mas o agente infeccioso raramente é o responsável pela anemia. A maioria das anemias associadas com infecções bacterianas é causada pela reação inflamatória, sendo denominada anemia da doença inflamatória (STOCKHAM, 2000). Esta, segundo WANER & HARRUS (2000), é uma anemia leve a moderada e normocítica normocrômica que, em geral, está associada aos processos inflamatórios, particularmente as infecções crônicas, aos processos traumáticos e às neoplasias. Em três a dez dias, esses fatores podem causar diminuições no volume globular e na concentração de hemoglobina, resultantes das diminuições da disponibilidade do ferro, da sobrevida dos eritrócitos, da liberação de eritropoietina e da resposta das células precursoras da medula óssea à anemia, constituindo-se em uma das principais causas de anemia dos animais domésticos.
A defesa celular da glândula mamária envolve principalmente os neutrófilos, capazes de fagocitar uma ampla variedade de partículas (SORDILLO et al., 1997). Nesse processo ocorre uma explosão na produção de metabólitos do oxigênio, denominados radicais livres, que constituem o mais eficiente sistema bactericida dos neutrófilos (COTRAN et al., 1994). Os radicais livres podem modificar as estruturas da membrana e de outros componentes celulares dos neutrófilos e, quando liberados, podem lesionar a membrana celular de outros tipos celulares, como, por exemplo, os eritrócitos (MILLER et al., 1993; COTRAN et al., 1994; HARVEY, 1997). Além disso, em razão da sua função de transportador de oxigênio, os eritrócitos estão particularmente vulneráveis aos radicais livres que são formados no interior da célula durante os processos metabólicos fisiológicos, principalmente àqueles relacionados às funções da hemoglobina (SMITH, 1987; HARVEY, 1997). Para proteger o organismo dessas moléculas reativas, uma ampla variedade de sistemas antioxidantes trabalha em conjunto (MILLER et al., 1993).
As principais enzimas antioxidantes são a superóxido dismutase (SOD), a catalase (CAT) e a glutationa peroxidase (GSH-Px) (COTRAN et al., 1994). Os radicais livres derivados do oxigênio que escapam da degradação enzimática podem ainda ser inativados pelos antioxidantes não enzimáticos, como o ascorbato solúvel em água, o β-caroteno e a vitamina E. Esta é o principal agente antioxidante lipossolúvel. Há evidências da necessidade da vitamina E para a eritropoiese e a manutenção da integridade dos eritrócitos (RICE & KENNEDY, 1988; LEE, 1993; MILLER et al., 1993).
A influência da suplementação de vitamina E no controle da mastite bovina tem sido descrita. ATROSHI et al. (1986), ATROSHI et al. (1996) e BATRA et al. (1992) registram uma menor incidência de mastite em animais com concentrações mais altas de α-tocoferol, o principal composto da vitamina E. A concentração sérica de α-tocoferol em cabras tende a diminuir nas duas primeiras semanas após o parto e a suplementação dos animais com vitamina E evita a alteração (PAES, 2000a). Em cabras primíparas desafiadas com a inoculação intramamária de Staphylococcus aureus, menores contagens de células somáticas (CCS) e de microrganismos no leite dos animais suplementados com vitamina E foram descritas (PAES et al., 2003).
O presente trabalho teve por objetivo avaliar os efeitos da administração de vitamina E sobre os eritrócitos de cabras desafiadas com a inoculação intramamária de Staphylococcus aureus ao décimo dia pós-parto.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado nos Laboratórios Clínico e do Núcleo de Pesquisa em Mastite (NUPEMAS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Botucatu, SP. Foram usadas 28 cabras, primíparas, da raça Saanen, na faixa etária de dez a dezesseis meses, distribuídas, aleatoriamente, para quatro tratamentos, cada um com sete animais. O primeiro tratamento (controle) foi denominado TC; o segundo, composto por animais suplementados com vitamina E, denominado TV; o terceiro, constituído por animais desafiados com Staphylococcus aureus, foi chamado de TM e o quarto tratamento, composto por animais suplementados com vitamina E e desafiados com Staphylococcus aureus, denominado TVM. A dieta dos animais era constituída de concentrado, feno de coast-cross, sal mineral e água ad libitum. No momento controle, foram realizadas avaliações na carga microbiológica, na contagem de células somáticas (CCS) e no california mastitis test (CMT) do leite. A suplementação de vitamina E constou de duas aplicações, por via intramuscular de 20 mL de acetato de DL-α-tocoferol, em veículo oleoso, correspondendo a 2.000 UI, no dia do parto e no sétimo dia após o parto. Como inóculo, utilizou-se Staphylococcus aureus cepa ATCC 25923. Foram inoculados 10 mL de solução salina contendo 300 unidades formadoras de colônia (UFC) de Staphylococcus aureus na glândula mamária esquerda das cabras do TM e do TGVM no décimo dia após o parto. Os animais desafiados com Staphylococcus aureus, isto é, em TM e TVM, foram tratados com 200 mg de cefapirina sódica infundidos na glândula mamária esquerda, por três dias consecutivos, terceiro, quarto e quinto dia após o isolamento do microrganismo no leite.
As variáveis foram avaliadas em sete momentos como a seguir especificado: 1. MC, momento controle, considerando a média do resultado de três colheitas, realizadas no oitavo, nono e décimo dia após o parto; 2. MM, momento mastite, momento do isolamento do Staphylococcus aureus no leite dos animais desafiados, décimo primeiro dia após o parto em TC e TV e décimo primeiro ou décimo segundo dia após o parto, conforme o dia do isolamento, em TM e TVM; 3. M12h, doze horas após MM; 4. M24h, 24 horas após MM; 5. M48h, 48 horas após MM; 6. M72h, 72 horas após MM; 7. M168h, sétimo dia após MM, 48 horas após o término do tratamento no TM e no TVM.
Amostras de sangue foram obtidas em tubos a vácuo mediante punção da jugular, sendo 5ml com o anticoagulante ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), sal sódico, em solução aquosa a 10% para a realização do eritrograma e contagem de reticulócitos e 5ml com o anticoagulante heparina sódica na razão de 143 UI/mL, para determinação da glutationa eritrocitária. Determinaram-se a contagem total de hemácias, a concentração de hemoglobina, o volume globular, o volume corpuscular médio, a concentração de hemoglobina corpuscular média e a hemoglobina corpuscular média utilizando-se contador eletrônico de células. A observação de anisocitose foi realizada em esfregaço de sangue periférico, conforme JAIN (1986). Fez-se a contagem de reticulócitos de acordo com COLES (1984). Para a determinação da glutationa eritrocitária reduzida (GSH), usou-se a técnica descrita por KOHAYAGAWA (1993).
A análise estatística dos dados foi feita pelo teste não paramétrico de Friedman para a comparação dos resultados dos momentos dentro de cada tratamento e o de Kruskal-Wallis para a comparação dos tratamentos dentro de cada momento, ao nível de significância de 5,0% (ZAR, 1984).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em todos os animais, a carga microbiológica foi negativa, e a contagem de células somáticas (CCS) e o california mastitis test (CMT) encontraram-se, de acordo com o proposto por PAES (2003), dentro da faixa de normalidade para cabras primíparas na primeira fase da lactação. Nos momentos seguintes, os exames do leite dos animais do TC e do TV apresentaram resultados semelhantes aos observados no momento controle. Nos animais do TM e do TVM foram isolados Staphylococcus aureus em, pelo menos, dois dos cinco momentos posteriores ao desafio microbiano e anteriores ao tratamento. Nestes momentos também se observaram diferenças significativas (p<0,05) na CCS e no CMT em relação ao momento controle, indicando a existência de mastite.
Os resultados da contagem total de hemácias, da concentração de hemoglobina (Hb) e do volume globular (VG) das cabras nos respectivos tratamentos e nos momentos avaliados encontram-se na Tabela 1.
No momento controle dos quatro tratamentos, as medianas da contagem total de hemácias, da concentração de Hb e do VG (Tabela 1) tiveram valores semelhantes aos relatados por JAIN (1986), MARQUES JÚNIOR et al. (1990) e PAES et al. (2000b). Ao longo do experimento ocorreram diminuições nesses valores em todos os tratamentos. No entanto, não ultrapassaram os limites mínimos de referência propostos por JAIN (1986). Esses decréscimos ocorreram com maior notoriedade no momento M48h. Segundo WANER & HARRUS (2000), a anemia da doença inflamatória (AID) pode ocorrer em um período de três a dez dias após o início do processo inflamatório, o que poderia justificar a diminuição das variáveis no TM e no TVM. A AID, entretanto, não justifica os decréscimos semelhantes observados no TC e TV. Possivelmente, o estresse causado pelas colheitas sucessivas possa responder por tais alterações, já que, durante os momentos MC a M24h, foram colhidos cerca de 180mL de sangue em quatro dias, o que representa aproximadamente 9,0% do sangue total do animal.
Após o intervalo de cinco dias, entre os momentos M72h e M168h, apenas nos tratamentos onde os animais foram suplementados com vitamina E ocorreu o retorno aos padrões-controle na contagem total de hemácias, na concentração de Hb e no VG. Ao contrário, nesse intervalo, os animais não suplementados apresentaram diminuição nessas variáveis, embora não estatisticamente significativa (p>0,05) (Tabela 1).
Já que a carência de vitamina E pode diminuir a sobrevida das células e prejudicar a efetividade da eritropoiese (LEE, 1993), a suplementação dos animais com vitamina E pode ter beneficiado o processo de produção dos eritrócitos na medula óssea, assim como mantido uma maior quantidade de eritrócitos íntegros na circulação periférica. Os resultados sugerem que a vitamina E, independente dos mecanismos envolvidos, leva a uma melhor resposta eritrocitária em caprinos. Entretanto, HAWKEY et al. (1984) não observaram correlação entre os níveis séricos da vitamina E e os valores hematológicos em ovinos.
Não foram observados reticulócitos nos esfregaços de sangue periférico corados com o novo azul de metileno, assim como alterações na policromasia dos esfregaços corados com Giemsa. Nos ruminantes, segundo JAIN (1993), a liberação de reticulócitos da medula óssea para o sangue periférico ocorre apenas sob estímulo intenso da medula óssea. É, portanto, rara a observação dessas células no esfregaço de sangue periférico, o que, consequentemente, determina uma menor possibilidade de alterações nos índices eritrocitários, VCM, CHCM e HCM. Entretanto, estimulada pelo hormônio eritropoietina, a eritropoiese efetiva pode ser realizada com um menor número de divisões celulares, produzindo, dessa forma, eritrócitos maiores (DESSYPRIS, 1993). Os valores dos índices eritrocitários, no presente experimento, apresentaram variações mínimas. Isso sugere que as diminuições dos valores da contagem total de hemácias, da concentração de Hb e do VG não apresentaram amplitude suficiente para estimular o aumento da liberação de eritropoietina e, consequentemente, a liberação de reticulócitos e eritrócitos maduros maiores da medula óssea.
As concentrações da glutationa eritrocitária (GSH) das cabras apresentaram valores mínimo, médio e máximo de 61,7; 96,4 e 160,6 mg/100mL de eritrócitos, nessa ordem. Portanto, todas as cabras apresentaram valores superiores a 60 mg/100mL de eritrócitos, o que caracteriza esses animais, segundo a definição de AGAR et al. (1974), como do tipo “alta concentração de GSH”. Resultados semelhantes foram descritos por AGAR et al. (1974), MORENO et al. (1987) e VALLEJO et al. (1989). O GSH não apresentou diferença significativa (p>0,05) entre os tratamentos e nem nos momentos avaliados.
A mastite não exerceu influência significativa nos valores do eritrograma e na concentração de glutationa eritrocitária, sugerindo que a resposta do organismo contra a enfermidade não apresentou amplitude suficiente para provocar alterações nos eritrócitos.

CONCLUSÃO

Conclui-se que a inoculação de Staphylococcus aureus na glândula mamária não altera o eritrograma e a glutationa reduzida eritrocitária e que a vitamina E favorece, positivamente, uma melhor resposta eritrocitária.

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Protocolado em: 11 set. 2007.   Aceito em: 8 ago. 2008.