CONSUMO DE VITELO DURANTE O DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO DE MELANOTÊNIA-MAÇÃ, Glossolepis incisus, WEBER 1907 (Melanotaeniidae)


André Veloso Ferreira,1 Manuel Vazquez Vidal Jr.,2 Dalcio Ricardo de Andrade,2
George Shigueki Yasui,3 Pedro Pierro Mendonça1 e Douglas Cruz Mattos4

1. Mestre em Ciência Animal, LZNA, CCTA/UENF – Av. Alberto Lamego, 2000, CCTA, Parque Califórnia, Campos dos Goytacazes,
RJ. CEP 21913-602. Brazil. E-mail: aveloso@uenf.br
2. Professor, LZNA, CCTA/UENF, Rio de Janeiro, Brazil
3. Mestre em Aquaculture Genetics and Genomics, LAGG/DMLS/HU, Hakodate, Japan
4. Bacharel em Biologia, CBB /UENF, Rio de Janeiro, Brazil




RESUMO

Avaliou-se o consumo do vitelo durante o desenvolvimento embrionário de melanotênia-maçã (Glossolepis incisus) sob condições controladas de incubação. Os ovos foram obtidos por desovas naturais de matrizes em cativeiro e mantidos em peneiras em aquários de 40L, com fluxo contínuo de água por bombeamento, na temperatura de 28°C. O fotoperíodo mantido durante o experimento foi de 16L:8E. Os embriões demonstraram um longo período de incubação, em torno de sete dias, e consumiram quase todo o vitelo durante o período embrionário, ainda dentro dos ovos. Após a eclosão, a vesícula vitelínica das larvas recém-eclodidas é muito reduzida, mas ainda presente. As larvas recém-eclodidas apresentaram muita atividade natatória, uma boca funcional, movimentos peristálticos entéricos e ânus aberto sugerindo estar em fase inicial de alimentação exógena. Diferentemente de outras espécies de peixes tropicais que possuem um longo período de tempo para a transição alimentar, as larvas de melanotênia-maçã estão prontas para a alimentação exógena em poucas horas após a eclosão.

PALAVRAS-CHAVES: Desenvolvimento inicial, ontogenia, peixe ornamental.
  
ABSTRACT

YOLK CONSUMPTION DURING EMBRYONARY DEVELOPMENT OF SALMON-RED RAINBOWFISH, Glossolepis incisus. WEBER 1907 (Melanotaeniidae)

The consumption of yolk on development of embryos of the salmon-red rainbowfish (Glossolepis incisus) was examined under controlled hatchery conditions. Naturally-fertilized eggs, obtained by natural spawning of cultured adults, were stocked into floating sieves in 40L flow-through aquaria at temperature of 28°C. A photoperiod of 16L: 8D was maintained. The embryos have a long period of hatching about 7 days at 28ºC, consuming almost all yolk during the early stages into the eggs. At hatching the newly-hatched larvae yolk-sac is reduced, but still present and the larvae are strongly swimmers and have a functional mouth, enteric peristaltic movement and anus opened suggesting an initial exogenous feeding stage. Differently to others species of tropical fishes that have a long time for the weaning, larvae of salmon-red rainbowfish are already for becoming first-feeding larvae in few hours after eclosion.

KEY WORDS: Early development, ontogeny, ornamental fish.


INTRODUÇÃO

O grupo das melanotênias, família Melanotaeniidae, possui sete gêneros com 66 espécies (McGUIGUAN et al., 2000; ALLEN et al., 2002), sendo encontrado em várias condições ecológicas, lacustres, da Austrália e Nova Guiné (ALLEN, 1991). São consideradas espécies forrageiras, com importante participação na cadeia alimentar em seu habitat. Além disso, espécies como a Melanotaenia fluviatilis vêm se tornando importantes organismos-testes para ensaios de toxicidade de produtos químicos e poluentes de rios australianos (VAN DAN et al., 1999; WILLIAN & HOLDWAY, 2000; HOLDWAY et al., 2008).
    A espécie Glossolepis incisus, conhecida no Brasil como melanotênia-maçã, assim como outras espécies da mesma família, apresenta bom desempenho zootécnico, é rústica, onívora, aceita muito bem dietas à base de rações comerciais e se destaca das demais espécies de melanotênias por alcançar os maiores valores de venda.
    A desova natural das melanotênias-maçã, em geral, envolve a liberação simultânea dos gametas masculinos e femininos, ocorrendo fecundação e desenvolvimento embrionário externos. Em seu habitat, o período reprodutivo ocorre durante os meses de outubro a dezembro, mas em condições controladas de laboratório ou de sistemas de cultivo desovam durante o ano inteiro (KIRTLEY, 1986). Entretanto, mesmo reproduzindo naturalmente em ambientes confinados, aspectos relacionados com sua larvicultura ainda não estão bem definidos e apresentam diversas lacunas. Essa espécie ainda demanda maiores investigações referentes ao desenvolvimento embrionário e larval nas produções em cativeiro, pois seu conhecimento é fundamental para a geração de técnicas que incrementem as sobrevivências nesse período crítico da vida dos peixes.
    Os indicadores de qualidade larval são fundamentais, entre outros fatores, para o monitoramento e para a sobrevivência dos animais durante o processo de transição alimentar, pois este, ainda, é um momento em que, comumente, se observa elevada taxa de mortalidade. Dentre esses indicadores de qualidade estão as etapas do desenvolvimento morfológico e fisiológico das larvas, com importância para o desenvolvimento do sistema digestório, que fornecerá informações fundamentais para a elaboração e fornecimento de alimentos adequados durante essa fase (ZOUITEN et al., 2008).
O vitelo é uma glicolipofosfoproteína, incorporada aos ovócitos durante seu desenvolvimento, ainda nas fêmeas e, durante todo o período embrionário, é a única fonte de nutrientes para as fases iniciais do desenvolvimento. Após a eclosão, as larvas ainda utilizam o vitelo embrionário como alimentação endógena por algum tempo até a sua total exaustão (HIRAMATSU et al., 2002; HILTON et al., 2008; KAMLER, 2008).
Próximo ao final da utilização do vitelo, os animais devem encontrar fontes exógenas de alimento, sem as quais não poderão sobreviver. Com isso, o conhecimento do momento de início da alimentação exógena torna-se fundamental para protocolos de manejo aplicados na larvicultura das diversas espécies cultiváveis, tanto para a determinação qualidade do alimento quanto para o momento ideal para o início de fornecimento deste.
A exaustão do vitelo é um período crítico, em que ocorrem as mais altas mortalidades nas diversas espécies de peixes (KAMLER, 2008). A inexistência de informações sobre essa fase implica um manejo da alimentação empírico e, geralmente, inadequado durante a larvicultura, o que resulta, frequentemente, em crescimento lento e sobrevivência reduzida.
O tempo de consumo do vitelo é um parâmetro biológico que varia entre os peixes (NAKATANI et al., 2001). Como estudos sobre o consumo de vitelo em melanoteneídeos ainda são escassos (REID & HOLDWAY, 1995; HUMPHREY et al., 2003), realizou-se este trabalho com o objetivo de avaliar o consumo de vitelo da melanotênia-maçã, durante da fase embrionária.

MATERIAL E MÉTODOS

Os ovos utilizados para este estudo foram obtidos de exemplares machos e fêmeas, sexualmente maduros de melanotênia-maçã (Glossolepis incisus) do plantel de peixes do setor de aquicultura do Laboratório de Zootecnia e Nutrição Animal, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ, mantidos em aquários de plástico.
Os aquários continham volume máximo de 56L, sendo utilizado para o experimento o volume de 40L.  Foram empregados os mesmos tipos de aquários, três para os reprodutores de melanotênia-maçã (aquários matrizes), onde ocorreram os processos naturais de desovas, e um quarto para a incubação dos ovos (aquário incubadora), que abrigou apenas ovos para o acompanhamento do desenvolvimento embrionário. Os aquários continham sistemas independentes de entrada e saída de água, em fluxo contínuo por bombeamento, com sistema de filtragem biológica. A taxa de renovação de água foi de 200% do volume por hora.
Controlaram-se as temperaturas da água dos aquários matrizes e do aquário incubadora mediante o uso de aquecedores acoplados a termostatos automáticos programados para 28ºC (um aquecedor por aquário). A temperatura da água foi mensurada no momento da coleta dos ovos nos aquários das matrizes e na incubadora por ocasião dos momentos de observação dos ovos. Para as mensurações, utilizou-se termômetro digital.
O sistema de aquários utilizados contou com fluxo contínuo de água e aeração constante por meio de sopradores elétricos. A aeração constante garantiu níveis altos de oxigênio dissolvido (OD).
As mensurações dos parâmetros de pH e de condutividade ocorreram três vezes ao dia, sempre às 8:00h, às 16:00h e às 00:00h, utilizando para o pH um potenciômetro digital, com duas casas de precisão, e, para a condutividade, um condutivímetro digital. Os valores médios observados para os parâmetros físico-químicos da água da incubadora foram de 28,27 ± 0,33°C para a temperatura; de 6,3 ± 0,41 para o pH; de 714,4 ± 34,99µs para a condutividade. O fotoperíodo mantido durante o experimento foi de 16L:8E.
Distribuíram-se as matrizes (n = 45) na proporção sexual de um macho para quatro fêmeas, nos aquários matrizes. Após o período de dois dias para adaptação das matrizes, colocaram-se dois aguapés (Echornia sp.) por aquário, para indução da reprodução e para substrato para as desovas. Os aguapés foram observados a cada meia hora até se encontrar ovos presos à raiz.
Para a avaliação de consumo do vitelo, dos embriões de G. incisus, coletou-se uma desova, natural e espontânea, sobre as raízes dos aguapés, retirando-se os ovos com auxílio de tesouras e pinças e agrupando-os em vidros de relógio. Essa desova obtida em um dos aquários matrizes foi contada, em um total de 35 ovos, e acomodada em uma peneira flutuante no aquário incubadora, onde permaneceram durante todo o período de experimental, das primeiras fases embrionárias até o momento da eclosão.
As observações da aparência externa dos embriões e mensuração do comprimento e altura da vesícula vitelínica foram realizadas com o auxílio de uma lente ocular com escala micrométrica acoplada a um microscópio óptico, nos aumentos de 25X e 100X.
As observações ocorreram a cada duas horas, sendo realizadas desde momentos próximos da fertilização dos ovos até o momento de eclosão. A cada observação os ovos eram levados ao microscópio óptico e, após serem mensurados, retornavam para a incubadora.
Foram realizadas nos ovos as seguintes medidas: altura da vesícula (AV) (diâmetro perpendicular à direção da posição do embrião na vesícula) e comprimento da vesícula (CV) (diâmetro paralelo à posição do embrião na vesícula) (Figura 1). Para essa mensuração, utilizou-se microscópio óptico, com o auxílio de ocular com escala micrométrica de 1 mm. As medidas foram posteriormente corrigidas por ajuste da ocular com escala, em uma lâmina micrométrica com escala de 1mm.
Empregaram-se os valores de AV e CV, mensurados nos embriões no G. incisus, para o cálculo dos volumes de vitelo ao longo do período embrionário. Esses valores foram fornecidos mediante a metodologia proposta por BLAXTER & HEMPAL (1963), utilizando-se a seguinte fórmula:



As definições e denominações utilizadas neste trabalho para ovos e larvas seguiram as terminologias sugeridas por KENDALL et al. (1984).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após o término do período experimental foi possível gerar, com os dados obtidos, o gráfico de consumo em porcentagem (Figura 2) e a curva de regressão do consumo em horas pós-fecundação (Figura 3).
Os volumes de vitelo disponíveis para o embrião foram absorvidos mais intensamente durante o primeiro dia de desenvolvimento, quando os volumes reduziram de 0,38mm³ para 0,17mm³ nas primeiras quarenta horas pós-fecundação (hpf), coincidindo com o período intermediário da organogênese dos embriões. Observou-se que, com 40hpf, os embriões de G. incisus possuíam um coração embrionário funcional (uma câmara) com frequência cardíaca em torno de 116 batimentos por minutos. Além disso, foi possível observar contrações musculares do embrião e o início da pigmentação da cápsula óptica.
A partir de 40hpf, notou-se um consumo menos intenso de vitelo em relação ao primeiro período, sendo que o volume vitelínico passou de 0,17mm³ para 0,13mm³, mantendo-se nesses níveis até 80hpf, quando os embriões já estavam em estágios avançados da organogênese. Com 80hpf, os embriões apresentaram células sensoriais espalhadas pela cabeça, nadadeira peitoral em desenvolvimento avançado (sua movimentação ocorreu com 82hpf), ânus diferenciado e membrana hialina bem desenvolvida. No sistema circulatório, já se observava pigmentação, e a frequência cardíaca era de duzentos batimentos por minuto.
Após 80hpf, foi observado que o consumo do vitelo no período embrionário voltou a se intensificar até 119hpf. Os volumes nesse período reduziram-se de 0,13mm³ até valores residuais de 0,01mm³, na pré-eclosão. A diferença entre o espaço ocupado pela vesícula vitelínica nesse momento e o espaço original ocupado em 0hpf foi bastante perceptível, como reportado também por REID & HOLDWAY (1995), para embriões de M. fluviatilis.
HEMING & BUDDINGTON (1998) propuseram três fases distintas de velocidade de consumo durante a absorção de vitelo em peixes teleósteos, com a primeira fase indo até o momento da pré-eclosão e as outras duas fases ocorrendo após a eclosão, nas larvas vitelinas. Em melanotênia-maçã, foi observado que, ao longo do consumo de vitelo pelos embriões, ocorreram, também, as três fases distintas em velocidade de consumo de vitelo, mas diferentemente das observações em embriões de peixes realizadas por HEMING & BUDDINGTON (1998), em que  as três fases em embriões de G. incisus ocorreram no interior dos ovos durante o período embrionário.
Pode-se observar, nas Figura 4 e Figura 5, que a vesícula vitelínica demonstrou involuir primeiramente em comprimento. Após 40hpf, notou-se uma maior absorção em altura até o momento da última observação antes da eclosão com as 119,17 hpf.
As larvas eclodiram a partir de 124,0hpf e apresentaram um volume residual de vitelo. PHONLOR & VINAGRE (1989) enfatizaram a necessidade de a larva recém-eclodida encontrar o alimento adequado após o consumo total do vitelo, sem o qual teria início a reabsorção de seus tecidos (autofagia).
Nas larvas recém-eclodidas de G. incisus, constatou-se haver características morfisiológicas semelhantes às observadas nos embriões durante a pré-eclosão, tais como a boca aberta, a presença de um dente molariforme; cristalino e retina completamente pigmentados; movimentos peristálticos na região posterior do intestino e ânus aberto. Notou-se, ainda, nas larvas recém-eclodidas de G. incisus, uma intensa atividade natatória.
As características observadas durante a pré-eclosão em embriões de G. incisus, tais como pigmentação dos olhos e a abertura da boca, são eventos que ocorrem simultaneamente e estão diretamente relacionados com a alimentação exógena (SANCHES et al., 2001). SATO et al. (2003) relataram que, quando ocorre a abertura da boca, as larvas necessitam de alimentação de origem exógena.
As larvas recém-eclodidas de G. incisus, observadas no presente estudo, não demonstraram utilização de alimentos de fonte exógena. O início da ingestão de alimentos, em larvas vitelinas de M.  splendida (HUMPHREY et al., 2003) e M. fluviatilis (REID & HOLDWAY, 1995), foi observado poucas horas após a eclosão. Uma vez que em outras espécies de melanoteneídeos observou-se o início da utilização de alimentos exógenos em momentos logo após a eclosão, esse fato, em conjunto com as características morfofisiológicas observadas em embriões de G. incisus, sugere a ocorrência desse mesmo fenômeno em larvas vitelinas de melanotênia-maçã. RONNESTAD et al. (1998), mediante observações morfológicas, inferiram que larvas de seabass europeu com olhos pigmentados e boca aberta estavam prontas para o início da alimentação exógena.  
O evento ontogenético de abertura da boca, em G. incisus, foi verificado ainda no interior dos ovos. Logo, a demanda inicial por alimento exógeno, que é comumente observada em larvas vitelínicas de espécies brasileiras (NAKATANI et al., 2001), foi possível de ser observada, em G. incisus, na organogênese, durante o desenvolvimento embrionário.
Considerando o volume residual de vitelo, o peristaltismo do sistema digestório e outras características que sinalizem a proximidade do início do período de ingestão de alimento exógeno, observado em animais da mesma família, pode-se inferir que suas larvas recém-eclodidas estão próximas do período de transição alimentar ou mesmo já em período de transição alimentar, denominado período mixotrófico. Nesse período, o animal ainda utiliza tanto suas reservas energéticas endógenas, alocadas no saco vitelínico, quanto alimentos de fonte exógena, que nesse momento suplementam as reservas endógenas. Isso porque somente os níveis proteicos, energéticos, vitamínicos e minerais contidos no volume residual do vitelo não são mais suficientes para suprir as demandas nutricionais dos embriões e larvas.
KAMLER (1992) define período de transição alimentar como período de alimentação mista e o considera uma etapa crítica na qual a larva necessita encontrar o alimento adequado a sua sobrevivência, antes de acabar por completo suas reservas endógenas.
As características morfofisiológicas observadas em embriões de G. incisus permitem inferir que o início da demanda por alimento externo, e consequentemente início da transição de alimentação endógena para a alimentação exógena, ocorra ainda no período embrionário.
Segundo VLADIMIROV (1974), o período crítico para larvas com características altriciais (pouco desenvolvidas) ocorre logo após a eclosão. Essas características denotam larvas com poucas ou nenhuma estrutura morfológica já diferenciada que lhe permitam condições ativas de fuga para sua defesa ou ainda sucesso na obtenção de alimento exógeno, expondo as larvas indefesas na massa d’água por um maior período de tempo.
As larvas de melanotênia-maçã, ao contrário disso, apresentaram características precociais (estágios mais avançados de desenvolvimento), pois nascem muito ativas e em estágios avançados de desenvolvimento morfológico. As larvas eclodem em período alimentar mixotrófico, ou próximo ao início do seu início. Assim, o período crítico para essa espécie fica reduzido, refletindo o maior investimento energético durante o período embrionário, no crescimento linear e desenvolvimento de estruturas somáticas, para a geração de larvas com maior grau de desenvolvimento e, consequentemente, uma maior sobrevivência, como observado por VAZZOLER (1996) e NAKATANI et al. (2001).
A maioria das larvas recém-eclodidas de peixes de água doce eclode com a boca não formada, olhos não pigmentados, pouca atividade natatória e saco vitelínico grande (NAKATANI et al., 2001). Na aquicultura, a maioria das espécies neotropicais de interesse econômico apresenta larvas recém-eclodidas com características altriciais, como pouca mobilidade natatória e pouca reserva vitelínica, além de trato digestório morfofisiologicamente incompleto no momento do início da alimentação exógena (NAKATANI, 2001).
Diferentemente disso, o período embrionário de G. incisus gera larvas com maior grau de desenvolvimento embrionário, larvas precociais, o que permite, quanto a aspectos zootécnicos, uma maior facilidade no manejo. O maior grau de desenvolvimento embrionário, na eclosão, torna as larvas mais resistentes à presença de agentes patogênicos, presentes na água de cultivo, e às constantes alterações físico-químicas do ambiente, bem como maior eficiência na fuga contra o ataque de predadores. Esse conjunto de características confere-lhes condições naturais para que ocorra maior índice de sobrevivência, durante a sua larvicultura.
Quanto à morfologia das larvas de espécies de teleósteos, vesículas vitelínicas maiores causam maior atrito durante o deslocamento, exigindo maior gasto energético, além de dificultar a fuga, quando ocorre o ataque por predadores (MARTEINSDOTTIR & ABLET, 1992). Logo, larvas ativas e com absorção mais precoce da vesícula vitelínica, consequentemente com menores vesículas vitelínicas, como observado em larvas recém-eclodidas de G. incisus, teriam um reduzido custo energético para a natação, permitindo uma maior atividade natatória e assim maior eficiência na captura de alimentos e na fuga de predadores (HOLM, 1986).
A característica de intensa mobilidade natatória junto a uma reduzida vesícula vitelínica permite, no manejo na larvicultura desses animais, que as larvas sejam transferidas para tanques externos previamente adubados, os berçários, tão logo ocorra a eclosão dos ovos, uma vez que as larvas já eclodem no momento de transição alimentar e devem, nesse momento, ter acesso ao alimento exógeno. O período entre a primeira alimentação da larva e o ponto de não retorno é fundamental para a sobrevivência da larva (JOHNSON & KATAVIC, 1986; PHONLOR & VINAGRE, 1989).
A intensa mobilidade observada nas larvas recém-eclodidas de G. incisus também sugere que elas terão maior sobrevivência na larvicultura pela sua habilidade de captura de alimento e de fuga de predadores (HEMING & BUDDINGTON, 1988). Essa habilidade observada nas larvas recém-nascidas de melanotênia-maçã permite na larvicultura de G. incisus suprimir etapas ainda exigidas na larvicultura de espécies com características altriciais, como observado na maioria das espécies brasileiras (NAKATANI et al., 2001).
Outra observação é que larvas altricias são menos resistentes a agentes patogênicos a alterações físico-químicas do meio. Além disso, possuem uma habilidade reduzida ou mesmo ausente para a fuga de predadores e captura de alimentos exógenos. Essas características demandam, após a eclosão dos ovos, certos cuidados por um maior período, para maiores sobrevivências na larvicultura, além de custos adicionais, onerando os custos de produção.

 
CONCLUSÕES

 
O vitelo de melanotênia-maçã é consumido quase totalmente pelos embriões no interior dos ovos, sendo o volume no momento pré-eclosão de 0,01 mm3 de vitelo. As larvas recém-eclodidas nascem no período de alimentação mista, já em transição alimentar, e, para a larvicultura dessa espécie, é necessária a disponibilização de alimento de origem externa em poucas horas após a eclosão.

 
AGRADECIMENTOS

 
À Faperj, ao CNPq e ao Tecnorte/RJ, pela liberação dos recursos, em seus diversos níveis, que viabilizaram a execução deste trabalho. 

 
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Protocolado em: 11 set. 2007.  Aceito em: 12 maio 2009.