INCLUSÃO
DE
DIFERENTES FONTES DE AMIDO NA DIETA DE JUNDIÁS (Rhamdia quelen): PARÂMETROS METABÓLICOS E BIOQUÍMICOS
Naglezi de Menezes Lovatto1, Fernanda Rodrigues Goulart1,
Viviani Correia1, Cristiano Costenaro Ferreira2,
Leila Picolli da Silva3, João Radünz Neto3
1Pós-graduandas
da
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.
naglezilovatto@hotmail.com
2 Pós
graduando da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
3Professores
Doutores
da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.
RESUMO
O
presente estudo foi conduzido com o objetivo de avaliar a influência da
ingestão de diferentes fontes de amido sobre indicadores metabólicos e
enzimáticos em sangue e fígado de jundiás. O experimento foi realizado
durante 20 dias, em sistema de recirculação de água. Foram utilizados 60
peixes (peso médio inicial de 60±4g), divididos em três tratamentos,
compostos por dietas com inclusão de aveia descascada; farelo de arroz
desengordurado e uma dieta controle, todas com 37% PB e 3200 Kcal ED/Kg.
Não houve diferença significativa para os parâmetros de crescimento. As
análises hepáticas demonstraram redução no teor de glicogênio para o
tratamento que continha aveia; no entanto, sem alterações aparentes na
atividade das enzimas alanina-aminotransferase e glicose-6-fosfatase.
Quanto às análises sanguíneas, não foram observadas diferenças
significativas nas determinações de colesterol total, colesterol HDL e
albumina, porém, os níveis séricos de proteínas totais foram maiores
para o tratamento com farelo de arroz desengordurado e os níveis de
triglicerídeos foram menores nos animais que receberam dieta contendo
aveia como fonte amídica. Pode-se concluir que o jundiá é capaz de
metabolizar diferentes fontes de carboidrato, sem a necessidade de
utilizar a proteína, tanto da dieta quanto a corporal, como fonte de
energia.
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INCLUSION
OF DIFFERENT SOURCES OF STARCH IN DIET FOR JUNDIÁ (Rhamdia
quelen): METABOLIC AND BIOCHEMICAL PARAMETERS
ABSTRACT
This
study
was conducted to evaluate the influence of ingestion of different
sources of starch on enzymatic and metabolic indicators in blood and
liver of Rhamdia quelen.
The experiment was conducted during 20 days in water recirculation
system. Sixty fishes (initial average weight 60g) were used and divided
into three treatments composed of the following diets: inclusion of
peeled oats, defatted rice bran and control diet, all with 36% crude
protein and 3,200 Kcal DE/Kg. There
was no significant difference in growth parameters. The analysis
demonstrated a reduction in liver glycogen content for the treatment
with oats; however, no apparent changes in the activity of the enzymes
alanine-aminotransferase and glucose-6-phosphatase were observed,
raising the possibility that the fishes did not use gluconeogenesis. The
blood analysis, showed no significant differences in the determinations
of total cholesterol, HDL cholesterol and albumin; however, serum levels
of total protein were higher for treatment with defatted rice bran, and
triglyceride levels were lower in animals that received diet containing
oat as starch source. It can be concluded that Rhamdia quelen is able to
metabolize various sources of carbohydrate, without the need to use
either diet or body protein as an energy source.
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INTRODUÇÃO
Minimizar
a quantidade de proteína da dieta e atender as exigências de energia
usando carboidratos e lipídios é um dos principais objetivos da nutrição
de peixes (FERNÁNDEZ et al., 2007). No entanto, é sabido que as espécies
diferem grandemente na sua capacidade de digerir carboidratos, o
que está relacionado às diferenças anatômicas e funcionais do trato
gastrointestinal e órgãos associados. Os peixes onívoros e herbívoros
possuem maior capacidade de aproveitamento dos carboidratos em comparação
aos carnívoros, além disso, as espécies onívoras tendem a superar os
carnívoros em termos de utilização de alimento, economia de proteína e
estímulo do crescimento (HEMRE et al., 2002; KROGDAHL et al., 2005).
Por esse
motivo, algumas espécies nativas, tais como o jundiá (Rhamdia quelen), tem sido intensamente estudadas quanto ao seu
potencial de adaptação a manejo criatório intensivo. Seu hábito alimentar
onívoro favorece o arraçoamento, devido a sua melhor adaptação a
diferentes tipos de alimentos. Essa espécie tem despertado grande
interesse dos piscicultores da região Sul do Brasil, devido a seu rápido
crescimento e resistência ao manejo, mesmo nos meses de inverno do Sul
(BARCELLOS et al., 2003), além da resistência ao estresse,
reprodução viável em cativeiro (SALHI et al., 2004) e capacidade
de digerir ração seca na primeira alimentação (FRACALOSSI et al., 2002).
Os
carboidratos são fontes energéticas de baixo custo que podem ser
utilizadas em dietas; no entanto, sua eficiência no efeito poupador de
proteína nos peixes pode variar influenciada por fatores como hábito
alimentar (SHIAU, 1997), espécie cultivada e tipo e quantidade de
carboidrato (HEMRE et al.,
2002; KROGDAHL et al.,
2005). Alguns estudos indicam que o jundiá possui limitações quanto à
digestão de fontes amídicas, o que onera o custo das formulações. Em
contraste, outros estudos desenvolvidos recentemente demonstram que há uma
resposta positiva entre a presença de carboidratos na dieta com a produção
de enzimas amilolíticas digestivas, o que reflete em diferentes respostas
no metabolismo intermediário (PEDRON, 2010).
As
informações escassas e conflitantes sobre o uso do amido na nutrição de
jundiá motivam a condução de novos pesquisas a fim de entender melhor o
metabolismo desse nutriente energético. Considerando esse fato, o presente
estudo foi conduzido com o objetivo de avaliar indicadores metabólicos e
enzimáticos no sangue e no fígado de jundiás adultos alimentados com
diferentes fontes de amido na dieta.
MATERIAL
E MÉTODOS
O trabalho
foi realizado no Laboratório de Piscicultura, Departamento de Zootecnia da
Universidade Federal de Santa Maria (altitude 95m, 29º43’S, 53º42’W). Esta
pesquisa faz parte de um projeto maior, denominado densidade de estocagem e fontes energéticas vegetais para jundiá e carpa
húngara criados em bicultivo., protocolado sob o número
23081.006971/2009-52, no Comitê de Ética. O procedimento experimental
foi realizado no período de 20 de outubro a 20 de novembro de 2009,
sendo utilizados 10 dias de adaptação às dietas e ao novo ambiente. O
experimento teve duração de 20 dias, utilizando-se sistema fechado de
recirculação de água com dois filtros biológicos, reservatório principal
(2000 L) dotado de aquecimento (resistências - 2000 W) e três caixas de
polipropileno com volume útil de 280 L, com entrada e saída de água
individual e sistema de aeração.
Os
parâmetros da água temperatura e oxigênio dissolvido (mg.dL-1)
foram monitorados por análises diárias utilizando oxímetro digital YSI
modelo 550A. Semanalmente foi analisada a dureza da água (mg CaCO3
L-1) segundo metodologia descrita por ADAD (1982), sendo que as
amostras analisadas foram coletadas junto aos filtros biológicos do
circuito.
Três dietas
experimentais compuseram os tratamentos (Tabela
1), sendo uma com inclusão de aveia descascada, outra com
farelo de arroz desengordurado estabilizado (FADE) e uma dieta controle
(farelo de trigo + milho). Essas rações foram elaboradas no Laboratório de
Piscicultura (UFSM) da seguinte maneira: os ingredientes secos (moídos e
pesados) foram homogeneizados em misturador elétrico seguido de adição de
óleo e água até obtenção de uma massa homogênea. As dietas foram
peletizadas em máquina de moer carne, secas em estufa (50°C) por 24 horas,
depois trituradas, embaladas em sacos plásticos, identificadas e
armazenadas em freezer (-18ºC). As dietas foram isocalóricas e
isoproteicas, com 37% PB e 3200 Kcal.kg-1 de Energia Digestível
calculada. Os tratamentos foram os seguintes: controle – dieta
basal com milho moído (14,5%); aveia – aveia
descascada (20%); FADE – farelo de arroz desengordurado estabilizado
(20%).
Foram
utilizados 20 animais por tratamento, sendo cada animal considerado uma
repetição, totalizando 60 animais experimentais, com peso médio inicial de
60 ± 4g, arraçoados duas vezes ao dia (às 8h00m e 16h00min), até a
saciedade aparente. Uma hora após a oferta do alimento foi realizada
limpeza (sifonagem) dos tanques, para retirada de fezes e eventuais sobras
de alimento.
Decorrido o
período experimental, sete animais de cada tratamento foram capturados
aleatoriamente e anestesiados para obtenção do peso final (g), comprimento
total (cm) e comprimento padrão (cm). Para a coleta de sangue,
utilizaram-se seringas descartáveis com heparina ou sem anticoagulante,
conforme exigências analíticas posteriores. Foram realizadas as seguintes
análises hematimétricas: glicose (mg.dL-1), triglicerídeos
(mg.dL-1), colesterol total (mg.dL-1) e colesterol
HDL (mg.dL-1), todos no plasma; e proteínas totais (g.dL-1)
e albumina (g.dL-1) no soro, através de kits comerciais da
marca Doles.
Após a
coleta de sangue, os animais foram eutanasiados em água com gelo (1:1)
para remoção do tecido hepático a fim de quantificar o conteúdo de
glicogênio (µmol glicose liberada g-1 tecido), segundo método
descrito por BIDINOTTO et al. (1998), a atividade das enzimas alanina
aminotransferase (U.I.L-1), através de kit comercial Doles® e
glicose-6-fosfatase hepática (nmol/h/mg proteína), conforme BERGMEYER
(1965).
O
delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com três
tratamentos e vinte repetições. Os resultados foram submetidos à análise
univariada de variância e as médias foram comparadas pelo teste de Duncan
em nível de 5% de significância. Todas as análises estatísticas foram
realizadas usando-se o programa estatístico SPSS 8.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No decorrer do período
experimental, os parâmetros físicos e químicos médios da água ficaram
dentro dos níveis aceitáveis para a espécie de acordo com a biologia do
jundiá (GOMES et al., 2000): 24,5 ºC de temperatura; 6,2 mg.dL-1
de oxigênio dissolvido e 52 mg CaCO3.L-1 de dureza.
Ao final do período
experimental, os jundiás não apresentaram diferença significativa (P<0,05)
para as variáveis de desempenho (Tabela
2), indicando que as duas fontes energético-amídicas
testadas (Aveia e FADE), podem ser utilizadas na dieta de jundiás sem
comprometer os parâmetros de crescimento. Trabalhando com larvas de
tilápia-do-nilo (Oreochromis
niloticus) alimentadas com dietas contendo até 10% de amido,
BOSCOLO et al. (2008) observaram que as mesmas não apresentaram alterações
significativas para as variáveis peso final, ganho de peso, fator de
condição e sobrevivência. RAWLES & LOCHMANN (2003) estudaram os
efeitos da relação amilopectina/amilose do amido de milho no crescimento,
composição corporal e resposta glicêmica em alevinos híbridos de “sunshine
bass” (Morone chrysops x M. saxatilis). Os autores
observaram que a utilização de dietas formuladas com amido contendo maior
proporção de amilose (30%/70%) melhorou a utilização dos carboidratos, com
maior ganho em peso.
WILSON (1994) relatou que os
carboidratos da dieta são nutrientes lentamente digeridos, o que pode
gerar respostas glicêmicas estáveis e melhor crescimento. No entanto,
RAWLES & LOCHHMANN (2003) advertiram que a melhora no ganho em peso
(incremento da massa corporal e diminuição da gordura visceral) é item
difícil de conseguir quando os peixes são alimentados com elevadas
quantidades de carboidratos na dieta..
As medidas hepáticas (Tabela
3) indicaram redução significativa (P<0,05) no teor de
glicogênio entre os tratamentos FADE e Aveia em relação ao controle,
sugerindo a ocorrência de glicogenólise, já que nestes mesmos tratamentos
foram encontrados os maiores valores de glicose circulante (Tabela 4);
entretanto, não ocorreu alteração significativa (P>0,05) na atividade
da enzima glicose-6-fosfatase, descartando-se a ocorrência de
gliconeogênese. Igualmente, a atividade da enzima alanina aminotransferase
no fígado não apresentou diferença significativa (P>0,05) entre as
dietas testadas. FERNÁNDEZ et al. (2007), por outro lado, estudaram o
efeito da substituição da proteína da dieta por milho gelatinizado em
alevinos de Sparus aurata L.,
encontrando alta correlação entre o nível de carboidrato na dieta com
atividade da enzima alanina aminotransferase, ou seja, a atividade dessa
enzima foi maior no grupo que recebeu menor conteúdo de carboidrato na
dieta.
Para SÁNCHEZ-MUROS (1998), o
aumento da atividade da enzima alanina aminotransferase (ALT), envolvida
na síntese proteica, pode estar associada à produção de massa muscular bem
como à utilização de proteína como fonte de energia. No entanto, a
atividade da glicose-6-fosfatase observada no presente estudo descarta o
efeito de tratamentos para esse segundo evento metabólico relatado.
Neste trabalho não foram
observadas diferenças (P>0,05) nas determinações sanguíneas para
colesterol total, colesterol HDL e albumina (Tabela
4), sugerindo que as diferentes fontes de carboidratos não
interferiram nas concentrações normais dessas variáveis. Contudo, CORRÊIA
(2010) observou menores níveis séricos de colesterol total para juvenis de
jundiá alimentados com aveia descascada e FADE em relação ao tratamento
controle. Além disso, os valores de colesterol total encontrados pelo
autor foram superiores aos do presente estudo, o que pode estar
relacionado com a idade dos animais.
Os jundiás alimentados com os
tratamentos Controle e FADE apresentaram os maiores níveis séricos de
triglicerídeos e os menores níveis foram detectados na dieta com aveia (Tabela
4), estando de acordo com os resultados encontrados por
CORRÊIA et al. (2009). SILVA et al. (2003) encontraram resultados
semelhantes, sugerindo que a diminuição observada de triglicerídeos
ocorreu pelo fato de fibras solúveis contidas na aveia provocarem retardo
no esvaziamento gástrico, o que pode levar a uma diminuição nos níveis de
triacilglicerol.
Os maiores teores de proteínas
totais circulantes foram observados nos animais submetidos ao tratamento
FADE (4,63±0,33), mas não a maior atividade da enzima alanina
aminotransferase. Esse fato sugere a utilização da proteína da dieta, sem
necessidade de desaminação e transaminação de proteína tecidual como fonte
energética (MELO et al., 2006).
Sugere-se que a utilização de
carboidratos na nutrição de peixes pode reduzir o catabolismo de proteínas
para síntese de glicose, ou seja, promove efeito poupador de proteína.
Além disso, pode diminuir os desperdícios de nitrogênio no ambiente, bem
como o próprio desperdício de alimento e a baixa produção de pescado, os
quais, segundo MELO et al. (2006), podem ser evitados através da análise
de parâmetros fisiológicos e bioquímicos da digestão e avaliação do
metabolismo dos peixes.
Com isso consegue-se
aperfeiçoar o uso de energia durante o processo de metabolização dos
nutrientes. Além disso, estudos envolvendo análise de metabólitos e
atividades enzimáticas podem ser utilizadas como indicadores do estado
nutricional e crescimento do peixe (MELO, 2004).
CONCLUSÕES:
Pode-se concluir que o jundiá
é capaz de metabolizar diferentes fontes de carboidrato, sem a necessidade
de utilizar a proteína, tanto da dieta, quanto corporal, como fonte de
energia.
O fato de a atividade da
enzima glicose-6-fosfatase não ter sido alterada sugere que os peixes não
utilizaram gliconeogênese para formar glicose, podendo ter aproveitado de
maneira eficiente as fontes de glicose fornecidas nas dietas.
Independente da origem e das
proporções entre as frações amidolíticas, as fontes de amido utilizadas no
presente trabalho não comprometem o crescimento nem o metabolismo
intermediário dos peixes.
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