PERFIL METABÓLICO DE OVELHAS SANTA INÊS EM DIFERENTES FASES DE GESTAÇÃO CRIADAS EM SISTEMA SEMI-INTENSIVO NO ESTADO DO AMAZONAS
Roseane Pinto Martins de Oliveira1, Alen Henrique Passos Maduro2, Emerson Silva Lima1, Franklyn Ferreira de Oliveira3
1Professores Doutores da Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil. roseane@ufam.edu.br
2Pós-Graduando do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, AM, Brasil.
3Médico Veterinário Autônomo, Manaus, AM, Brasil.
RESUMO
O
objetivo deste trabalho foi avaliar a condição metabólica nutricional de
ovelhas em diferentes fases de gestação.
A análise do perfil metabólico foi feita por meio da coleta de
sangue, utilizando-se 30 ovelhas
distribuídas em três grupos de acordo com a fase de gestação (dias),
sendo G1: entre 50 e 60 dias; G2: entre 80 e 90 dias; e G3: entre 130
e 140 dias. As análises dos metabólitos foram realizadas por kits
comerciais. As concentrações de proteínas totais, albumina, globulinas
e ureia não diferiram entre si, com exceção da ureia que apresentou
níveis aumentados. As médias de glicose mantiveram-se abaixo do valor
normal mínimo. Para colesterol, as médias foram 89,86 mg/dL, 86,01
mg/dL e 92,23 mg/dL para o G1, G2 e G3, respectivamente. Os animais do
G1 e G2 tiveram médias de triglicerídeos estatisticamente iguais,
diferindo dos animais do G3. As médias de β-hidroxibutirato
mantiveram-se
dentro da referência. Os níveis de cálcio estiveram abaixo da
referência, observando-se o valor mais baixo no G3 (8,86 mg/dL). Os
níveis de fósforo apresentaram-se diminuídos no G3. Nenhuma das fases de
gestação apresentou deficiências severas no aporte proteico e energético
da dieta, havendo a necessidade de adequação de cálcio e fósforo para o
final da gestação.
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PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; déficit
metabólico; dieta..
METABOLIC PROFILE OF SANTA INÊS SHEEP IN DIFERENT STAGES OF PREGNANCY REARED IN SEMI-INTENSIVE SYSTEM IN STATE OF AMAZONIA
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
O Amazonas é o maior estado do país e possui mais de três milhões de habitantes, com quase metade residente na capital Manaus. Com relação aos pequenos ruminantes, o rebanho de ovinos e caprinos quadruplicou nos últimos cinco anos, possivelmente em função do aumento da demanda pela carne desses animais. De acordo com estimativas da Associação de Criadores de Ovinos e Caprinos do Amazonas (Acocam), em cinco anos, o número de animais subiu de 20 mil para 100 mil cabeças.
A ovinocultura Amazonense está passando por um período de grandes transformações, principalmente no que se refere à cultura dos produtores, deixando de ser uma atividade de subsistência para fazer parte de um mercado em franca expansão, havendo uma forte demanda pela carne de cordeiro, mas também por matrizes, reprodutores, sêmen e embriões (1).
A otimização da fertilidade de um rebanho de ovinos é influenciada por uma série de fatores que levam machos e fêmeas garantirem gametas funcionais. Após a concepção, o ambiente uterino deve estar adequado ao desenvolvimento embrionário e fetal, propiciando a parição de crias vivas e vigorosas. (2). Durante todo o processo, os animais devem estar em condição de escore corporal adequada. Fêmeas bem nutridas, saudáveis e bem manejadas potencializam a antecipação do peso e idade ao abate em animais de corte e a precocidade reprodutiva em fêmeas e machos de corte ou de leite.
Em se tratando de parto simples ou gemelar, o período de gestação das ovelhas é sempre bastante crítico devendo-se dar atenção a questões nutricionais (3). Isso porque a condição de gestação eleva as necessidades alimentares, especialmente durante as últimas seis semanas, quando há um maior crescimento fetal. (4) Nessa fase, também ocorre um incremento das necessidades maternas de nutrientes para o desenvolvimento do úbere e da própria manutenção. (5)
A utilização dos métodos bioquímicos de avaliação da condição metabólica nutricional no período que antecede o parto e durante a lactação vem sendo aplicada na produção animal desde os anos 1970, quando pesquisadores da Universidade de Compton, na Inglaterra, desenvolveram um método de avaliação de vacas leiteiras pelo uso de amostragem, na qual avaliava componentes proteicos, energéticos e minerais. Atualmente, esses conhecimentos são aproveitados para outras espécies de interesse zootécnico (6). O tipo de gestação, a nutrição e as estações do ano podem ser responsáveis por alterações no perfil metabólico de fêmeas em atividade reprodutiva, por isso é de extrema importância a avaliação dos resultados bioquímicos correlacionando esses possíveis elementos de interferência (7, 8).
A toxemia da prenhez acomete caprinos e ovinos principalmente nas últimas seis semanas de gestação. O monitoramento dos padrões proteico, energético e mineral em ovinos é uma ferramenta de grande importância para a adequação alimentar e da condição metabólica de ovelhas considerando a pressão do processo de intensificação da produtividade, que, em muitos casos, promove os desequilíbrios entre o ingresso e egresso dos nutrientes, tornando-se, assim, um entrave para a produção animal (9).
O presente trabalho teve como objetivo avaliar a condição metabólica nutricional de ovelhas em diferentes fases de gestação, bem como a qualidade da dieta oferecida, diagnosticar possíveis transtornos metabólicos que ocasionem perdas econômicas ao produtor e enfermidades ao animal, contribuindo, dessa forma, com valores bioquímicos sorológicos de referência para a raça na região.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado na propriedade Rebanho S Pedro, localizada no entorno de Manaus, na rodovia AM-010, km 30, a 60° de longitude oeste, 3°08″ de latitude sul, distante 1.700 km em linha reta do litoral, com altitude de 92.9 m. Apresenta características de clima equatorial úmido, com temperaturas médias anuais sempre acima de 22°C, chuvas abundantes - 2.500 mm, intensa radiação, elevada umidade do ar e baixas velocidades de ventos.
As análises laboratoriais foram realizadas no Laboratório de Bioquímica e Laboratório de Atividade Biológica da Universidade Federal do Amazonas - UFAM (análise bioquímica sorológica) e no Laboratório de Tecnologia do Pescado, também da UFAM (análise de composição centesimal da alimentação das ovelhas - Tabela 1).
Os animais foram identificados individualmente por meio de colares e brincos na face distal da orelha.
A análise do perfil metabólico foi feita por meio de uma única coleta de sangue realizada pela manhã, utilizando-se 30 ovelhas com peso médio de 70 kg e idade variando de 2 a 3 anos, com escore de condição corporal (ECC) entre 3,0 e 3,5, em escala de 1 a 5, na qual 1 corresponde a ovelhas muito magras e 5, a ovelhas obesas, segundo Morand-Fehr & Hervieur (10). As ovelhas estavam clinicamente saudáveis. Os animais foram distribuídos em três grupos com 10 animais cada sendo G1: ovelhas entre 50 e 60 dias de gestação; G2: ovelhas entre 80 e 90 dias de gestação; e G3: ovelhas entre 130 e 140 dias de gestação, representando o início, o meio e o fim da gestação, respectivamente.
As ovelhas tinham acesso a áreas de pastagem (Brachiaria dictyoneura) pelo período da manhã e eram estabuladas para o fornecimento da complementação alimentar, que consistia em 1,2 kg de concentrado/animal/dia (54% de milho triturado, 30% de farelo soja, 15% de casca de soja e 1% de suplemento mineral), 4,8 kg de resíduo de cervejaria úmido/animal/dia e 4 kg de capim elefante (Pennisetum purpureum) triturado/animal/dia.
A coleta de sangue foi realizada por venipunção da jugular em tubos vacuolizados sem anticoagulante para obtenção do soro e em tubos contendo antiglicolítico fluoreto de sódio para análise de glicose. Após a coleta, as amostras ficaram em repouso até a total coagulação, foram centrifugadas por 10 minutos a 2500 rpm, transferindo-se o soro para micro tubos com capacidade de 0,5mL para armazenamento e posterior análise.
As análises bioquímicas foram realizadas utilizando-se kits de diagnóstico com princípios metodológicos enzimáticos das empresas Labtest Diagnóstica® S. A., BioClin® e Randox®, seguindo seus respectivos protocolos. A leitura foi realizada em equipamento automatizado COBAS MIRA PLUS (Roche®, Alemanha) para ureia, albumina, proteínas totais e fósforo e manualmente em espectrofotômetro de absorção para os demais metabólitos.
Os metabólitos avaliados foram os do metabolismo proteico (proteína total, ureia, albumina e globulina), energético (triglicerídeos, colesterol, glicose e beta-hidroxibutirato-BHB) e mineral (cálcio, fósforo e magnésio).
Os animais foram distribuídos em um delineamento experimental inteiramente casualizado com três tratamentos e 10 repetições. Os dados foram submetidos à análise de variância, por meio do programa estatístico SISVAR da Universidade Federal de Lavras e, quando necessário, as médias foram comparadas pelo teste Tukey ao nível de significância de 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores médios das concentrações séricas de proteínas totais, albumina, globulinas e ureia em função da fase de gestação das ovelhas são apresentados na Tabela 2. Observou-se que os grupos avaliados não apresentaram diferença (p < 0,05) para os metabólitos proteicos que se mantiveram dentro dos limites de referência com exceção da ureia, que apresentou níveis aumentados.
Em outros países (11) e no Rio Grande do Sul (12), observando ovelhas em pastoreio, foi encontrada uma redução desses metabólitos com o avanço da gestação e da lactação, provavelmente pela baixa ingestão de proteína durante essa fase.
De acordo com o NRC (13), ovelhas no final da gestação possuem um requerimento em proteína bruta de 193g/PB/dia. No presente trabalho, as ovelhas tiveram um consumo médio de proteínas (396g PB/dia) superior à recomendada para as três fases de gestação.
Níveis séricos de ureia e albumina são os principais indicadores do metabolismo proteico em ruminantes. A ureia demonstra o estado proteico em curto prazo, enquanto a albumina o demonstra em longo prazo. Conforme descrito por Wittwer et al. (14), a ureia é sintetizada no fígado em quantidades proporcionais à concentração de amônia produzida no rúmen e sua concentração está diretamente relacionada aos níveis proteicos da ração e à relação energia/proteína da dieta. A albumina é considerada o indicador mais sensível para determinar o estado nutricional proteico, de modo que valores persistentemente baixos sugerem inadequado consumo proteico.
Existe forte correlação entre o nível plasmático de ureia e a quantidade de proteína ingerida. O principal fator controlador dos níveis de ureia no plasma é a formação de amônia no rúmen e o nível de ureia no sangue parece refletir as modificações na produção de amônia ruminal. Dessa forma, a concentração de ureia no sangue é influenciada pela extensão na qual os aminoácidos absorvidos são oxidados e pela absorção de amônia do rúmen, refletindo substancialmente a extensão do balanço de nitrogênio da dieta, considerando-se tanto as exigências dos microrganismos ruminais como as do animal hospedeiro (14).
Maior parte (cerca de 60%) da proteína dietética ingerida pelo animal é degradada no rúmen em compostos simples como aminoácidos, amônia e ácidos graxos voláteis, produtos estes que podem ser transformados em proteína microbiana. Contudo, essa síntese pode ser prejudicada pela ausência de energia ou por falta de nitrogênio. A proteína que não é degradada no rúmen (PNDR) pode ser digerida e absorvida na forma de aminoácidos, no intestino delgado.
Os níveis de PNDR apresentam certa variação do nitrogênio das forragens e silagens (em torno de 0 a 25 %). A amônia em excesso, que é produzida no rúmen, vai para a corrente sanguínea, sendo levada então ao fígado e transformada em ureia, podendo ser utilizada como fonte de nitrogênio ou permanecer circulante no sangue ou, ainda, ser excretada pela urina.
Os níveis de ureia, além de estarem relacionados com os níveis de proteínas da dieta, também refletem a relação energia/ proteína da dieta e o seu equilíbrio é essencial para seu bom aproveitamento. Quanto maior for a ingestão de proteína alimentar, maiores serão os níveis de ureia no sangue e, quando a ingestão de proteínas for insuficiente, menores serão os níveis de ureia no sangue (15).
As médias de glicose não foram diferentes estatisticamente, apresentando uma concentração numericamente crescente com o avanço da gestação e abaixo do valor normal mínimo para ovinos que é de 50 a 80 mg/dL. Nas últimas seis semanas de gestação, ocorre um aumento das necessidades de nutrientes e, principalmente, energia, devido ao crescimento fetal, em que o feto atinge até 80% do seu tamanho e peso final (16).
No presente estudo, os valores das médias de colesterol para os animais no início, no meio e no fim da gestação foram 89,86 mg/dL, 86,01 mg/dL e 92,23 mg/dL, respectivamente. As médias não diferiram estatisticamente entre si (p<0,05), mas foram superiores aos valores de referência (1).
Não há na literatura valores de referência para triglicerídeos de ovinos. Os animais que estavam no início e no meio da gestação tiveram médias de triglicerídeos estatisticamente iguais (p<0,05) sendo 73,09 mg/dL e 72,94 mg/dL, respectivamente, diferindo da média dos animais no final da gestação (81,24 mg/dL).
Uma explicação para níveis altos de colesterol e triglicerídeos circulantes seria devido à mobilização de energia do tecido adiposo decorrente de um déficit energético na dieta dos animais estudados o que não se justifica quando se avaliam as médias de β-hidroxibutirato que não apresentaram diferença estatística e mantiveram-se dentro dos padrões de referência para ovinos (<0,6 mmol/L).
O aumento nos níveis de BHB na gestação e lactação coincidem com o período de maior crescimento fetal e de desenvolvimento do úbere, assim como de uma maior demanda de glicose para a síntese de leite.
A variação de β-hidroxibutirato (BHB) não foi expressiva nas três fases de gestação. Esse fato pode ser atribuído às características genéticas e adaptativas desses animais, relacionadas ao sistema de criação e a alimentação utilizada na região amazônica. As ovelhas encontravam-se com bom ECC (3-3,5), possibilitando reservas de energia. Tais características são de extrema importância no controle de transtornos metabólicos como a toxemia (17).
Os valores obtidos neste estudo tanto para triglicerídeos quanto para colesterol, bem como as médias de β-hidroxibutirato sugerem um aporte energético suficiente para as ovelhas estudadas, levando-se em consideração que os animais apresentavam ECC satisfatório (18).
Os minerais têm fundamental importância na nutrição, em virtude da sua participação na utilização da energia, daproteína dietética e da biossíntese dos nutrientes. O cálcio não é um bom indicador do estado nutricional do rebanho devido ao controle rigoroso da calcemia, enquanto o fósforo e o magnésio refletem melhor o status nutricional mineral (14).
Os níveis séricos de cálcio estiveram sempre abaixo dos valores de referência (19), mostrando comportamento semelhante ao descrito por Ribeiro et al. (2). Nota-se que o valor mais baixo desse mineral foi observado no final da gestação (8,86 mg/dL), quando ocorre a maior demanda de cálcio para o crescimento ósseo do feto e produção de leite.
Os níveis séricos de magnésio mantiveram-se dentro dos padrões de referência (Tabela 2) e apresentaram-se estatisticamente iguais para os três grupos, mostrando que o balanço desse mineral foi adequado para o período gestacional.
Durante o terço final da gestação, a concentração sorológica de fósforo diminuiu (5,88 mg/dL), sendo significativamente (p<0,05) diferente da concentração dos animais no início da gestação (7,15 mg/dL). Esse fato pode indicar uma deficiência de fósforo no solo e consequentemente na pastagem da região, levando em consideração o requerimento de fósforo por ovelhas no terço final da gestação.
CONCLUSÃO
Os dados deste experimento sugerem que nenhuma das fases de gestação apresentou deficiências severas no aporte proteico e energético da dieta, podendo essa dieta ser utilizada na alimentação de ovelhas em fase de gestação, em sistema semi-intensivo no Amazonas.
O cálcio apresentou seus níveis diminuídos durante as três fases de gestação, havendo a necessidade da adequação dos níveis desse mineral na dieta.
REFERÊNCIAS
6. Macedo Junior GL, França PM, Assis RM, Almeida TRV, Paula OJ, Pérez JRO, Silva VB. Level of fiber on feeding of Santa Ines pregnant ewes. Arq. Bras.Med.Vet. Zootec. 2009; 61(1):196-202.18. Costa NL, Magalhães JA, Pereira R, Townsend C. Efeito da carga animal sobre o ganho de peso de ovelhas da raça Morada Nova em pastagens de Brachiaria humidicola. Redevet. Revista Electrónica de Veterinaria [internet]. 2006 [citado 2011 outubro 09]; VII(8):1-5 Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=63612750010. ISSN.
Protocolado em: 29 set. 2011 Aceito em: 18 out. 2013